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1 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 VERTICALIZAÇÃO, HABITAÇÃO SOCIAL E MULTIFUNCIONALIDADE. EDIFÍCIOS DOS IAPS EM SÃO PAULO Denise AntonucciΘ Luiz Gonzaga Montans AckelΘ Taisa Nogueira Silva Θ Roberto SchweigertΘ Resumo Esta pesquisa tem como foco a habitação social e edifícios multifuncionais projetados e construídos pelos IAPs na cidade de São Paulo. O interesse por essa tipologia onde os usos residenciais, comerciais e de serviços compartilham a mesma edificação representou um paradigma do viver na cidade trazido pela grande expansão urbana verificada na primeira metade do século XX. Atualmente essa discussão está sendo retomada como alternativa de revitalização e recuperação de áreas centrais nas grandes metrópoles. O déficit habitacional no Brasil está estimado em quase 6 milhões de unidades e exige a participação da universidade na busca de soluções técnicas para a questão habitacional. A temática da habitação social tem sido objeto de reflexão sobre a produção arquitetônica em São Paulo no século XX na disciplina de Planejamento Urbano VII (responsabilidade da Profª Denise Antonucci), no 7o. semestre da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O debate sobre habitação social e a produção dos IAPs nos anos 1940 – 50 são abordados pela pesquisa, que é desenvolvida pelos professores em conjunto com todos os alunos matriculados no referido semestre. Θ Doutora em Planejamento Urbano – FAU USP. Docente e Pesquisador da FAU – Universidade Presbiteriana Mackenzie Θ Mestre em Arquitetura e Urbanismo – Univ. Mackenzie, Doutorando FAU USP. Docente e Pesquisador da FAU – Universidade Presbiteriana Mackenzie Θ Bacharel em Artes Plásticas pela UNESP. Aluna do 7º semestre de Arquitetura e Urbanismo pela UPM. Bolsista pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC – Mackenzie) Θ Mestre FAU Mackenzie 2 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 Introdução O crescimento exacerbado das cidades no século XX provocou uma mudança nos padrões de produção e apropriação do espaço urbano e trouxe modificações no modo de organização das cidades. No Brasil, a partir da Revolução de 1930, a intervenção do Estado estimulou a criatividade dos arquitetos brasileiros que resolveram enfrentar o problema habitacional do país atuando sob os novos paradigmas colocados pelo Movimento Moderno. Os conceitos do Movimento Moderno na arquitetura brasileira foram efetivados com a atuação dos primeiros arquitetos nos projetos de Habitação Social realizados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários1, o IAPI, no período de 1936-45, e fizeram os primeiros departamentos técnicos públicos se voltar efetivamente para os problemas da habitação social em massa. Na produção paulista dos conjuntos dos IAPs podemos destacar alguns arquitetos como Attílio Corrêa Lima (Várzea do Carmo), Carlos Frederico Ferreira (Vila Guiomar/Santo André), Eduardo Kneese de Mello (edifício Japurá), os irmãos M. M. M. Roberto (edifício Anchieta), Marcial Fleury de Oliveira (Santa Cruz) e Paulo Antunes Ribeiro (Moóca). A partir dos anos 1950, verificou-se a presença do modelo de segregação centro-periferia predominante em São Paulo, onde grandes distâncias separam as classes sociais. A ocupação da periferia é caracterizada pela ausência de infra-estrutura e equipamentos públicos, por habitações precárias. Privilegia-se o crescimento econômico em detrimento dos problemas sociais. Neste período surge um novo processo identificado como verticalização2, produto da reprodução do espaço, fundamental para compreender e fornecer elementos sobre os processos econômicos e imobiliários relacionados à urbanização proporcionando maior otimização de aproveitamento dos lotes urbanos. A habitação social é uma constante no quadro urbano da cidade, desde o início da formação da metrópole paulistana. O grande déficit habitacional em São Paulo é hoje estimado em mais de 500 mil unidades, no que se refere à população de baixa renda (até 6 salários mínimos)3. Ainda assim, a participação da universidade tem sido tímida face à importância do assunto, na busca de soluções concretas, do ponto de vista técnico, para a questão habitacional. Nesse sentido, estamos desenvolvendo pesquisa sobre a temática da habitação social visando uma reflexão crítica sobre a produção arquitetônica em São Paulo no decorrer do século XX. Um dos períodos abordados pela pesquisa refere-se ao debate sobre habitação social na era Vargas, com a criação das Carteiras Prediais e a produção arquitetônica vinculada aos IAPs4 . Segundo o arquiteto Paulo Bruna5, os arquitetos que desenvolveram projetos de arquitetura e urbanismo para os IAPs, tinham pleno conhecimento da produção arquitetônica européia, por meio de congressos, debates e livros. Reconhecia-se uma identidade entre as discussões 3 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 sobre a reconstrução das cidades européias pós-guerra e as cidades que cresciam e se industrializavam velozmente no Brasil. A realização dessas obras foi canalizada para as carteiras prediais dos IAPs. Para Bruna, esses são os primeiros e verdadeiros arquitetos modernos brasileiros, preteridos por uma arquitetura moderna que valorizou apenas os aspectos estéticos, e atendeu as classes de renda mais privilegiadas. A habitação social e a Arquitetura Moderna O conceito moderno de morar que já vinha sendo divulgado desde a primeira década do século 20 na Europa, tomou grande impulso no final da 1a. Guerra Mundial, em 1918. A necessidade de reconstrução das principais cidades européias destruídas pela guerra imprimiu um grande impulso ao Movimento Moderno na arquitetura. O 1o. Congresso Internacional de Arquitetura Moderna já colocou o tema como prioritário em 1928, o que foi confirmado nos congressos posteriores. Uma nova abordagem da cidade tinha agora como ponto e partida a moradia. Partindo-se da moradia, poderia se chegar à dimensão urbanística da cidade moderna. Para Le Corbusier, um dos principais ideólogos do movimento, a habitação deveria ser construída em larga escala, devendo prever todos os equipamentos e serviços necessários à vida dos moradores. Esses equipamentos seriam como um prolongamento da habitação, exercendo as funções complementares à moradia. Dessa forma dispensariam o seu provimento no interior da moradia, permitindo que a unidade habitacional fosse de tamanho reduzido. Para ele, a habitação deveria se constituir em verdadeiras cidades-jardins verticais, constituídas por blocos de apartamentos de grandes dimensões, com incorporação de todos os serviços vinculados à moradia. Atuação dos IAPs A moradia assume papel fundamental no discurso de Getúlio Vargas. A construção de habitações populares se inseriu no âmbito das tendências populistas que marcaram a ação do governo após 1930, esboçando políticas de bem-estar social que, no entanto, nunca chegaram a se estender efetivamente ao conjunto da população. O ideal do Estado Novo contrapunha as idéias socialistas e comunistas, através da difusão da propriedade e moradia; até a década de 1930 era raro que trabalhadores fossem proprietários de suas residências e mesmo a classe media morava de aluguel. No período Getúlio Vargas (1930 – 1945), a habitação social foi considerada condição básica para a reprodução da força de trabalho visando à industrialização do país. A habitação 4 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 deveria exercer papel preponderante na formação ideológica, política e moral do trabalhador urbano. Deveria ser destinada ao homem novo (trabalhador padrão) para uma nova nação. Vargas organizou o setor previdenciário usando o princípio das CAPs (Caixas de Aposentadoria e Pensões) na criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, que foram estruturados com base em contribuição tripartite(empregado – empregador – Estado) e divididos por categorias profissionais. A participação dos trabalhadores passou a ser compulsória e o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio passou a deter o controle da gestão dos recursos. Dentre os objetivos desses Institutos estava o de utilizar os recursos previdenciários em programas estatais de cunho social, como os de atendimento médico e habitação social. Entre 1933 e 1938, foram criados os institutos, que apresentavam diferenças na qualidade, volume dos benefícios e serviços prestados. Assim, foram criados seis destes Institutos: IAPB (bancários), IAPC (comerciários), IAPI (industriários), IAPETEC (condutores de veículos e empregados de empresas de petróleo) e IAPE (estivadores). A constituição de 1937, que instituiu o Estado Novo, determinava em seu artigo 124 que a família estaria sob proteção do Estado, apresentando um cunho moralista: “No cortiço e em outras habitações coletivas seria invalida a vida familiar plena e normal, devido às tentações, a infidelidade, a delinqüência e aos maus hábitos” (BONDUKI, 1998: 102). Em discurso proferido em 1939, Vargas incluiu a habitação entre os direitos básicos dos trabalhadores: “Também o problema da habitação popular merece a atenção devida, sendo de mencionar os resultados obtidos com as vilas e bairros residenciais já inaugurados (...) pertencentes a associações de previdência social (...) evidenciar como da nova ordem nasce um país de estrutura nova, onde os benefícios do Estado se espalham e distribuem por todos, procurando-se a harmonia social pela única forma capaz de realizar: a harmonia e o bem- estar de cada um” (BONDUKI, 1998: 102). A partir do Decreto nº 1749, em 1937, surgem as condições para a atuação dos IAPs no campo habitacional6. Foram, então, definidos planos de financiamento de habitação aos trabalhadores, desde a locação e venda das unidades até os empréstimos hipotecários, bem como operações imobiliárias convenientes à política dos IAPs. A habitação assumiu um tratamento ambíguo entre a seguridade social plena e a capitalização de recursos. Os recursos arrecadados foram investidos visando ao aumento do fundo. Os IAPs tiveram papel fundamental na expansão capitalista e industrial do país, constituindo-se em fonte alternativa de investimentos públicos, consolidando a política de desenvolvimento e implantação de infra-estrutura industrial7. 5 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 Os conjuntos residenciais dos IAPs apresentavam bom nível em seus projetos, inovação arquitetônico-urbanística de novas tipologias de ocupação, aliando qualidade à baixo custo. Durante sua primeira década, os Institutos construíram 31.587 unidades habitacionais. No final de 27 anos (entre 1937 e 1964), o número era 123.9958. As operações imobiliárias baseavam-se em 3 planos: Plano A - locação ou venda de unidades habitacionais em conjuntos residenciais adquiridos ou construídos pelo instituto - proporcionar moradia digna aos associados; Plano B - financiamento aos associados para aquisição de moradia ou construção em terreno próprio; Plano C - empréstimos hipotecários feitos a qualquer pessoa física ou jurídica (BONDUKI, 1998: 104). Os Planos A e B tinham objetivo social, ainda que os institutos tenham atendido associados de média ou alta renda e o Plano C apresentava perspectiva atuarial dos IAPs visando a assegurar a máxima rentabilidade para as reservas acumuladas. Financiava construções de todo tipo – de asilos a indústrias – mas os edifícios para classe média e alta foram a principal inversão (80% do total do IAPI). Além da polêmica entre rentabilidade ou função social dos investimentos dos IAPs, havia uma disputa por recursos públicos entre os que lutavam por uma política social de habitação e os incorporadores privados, interessados na construção e venda de apartamentos de luxo (BONDUKI, 1998: 105). A adoção do aluguel como forma de acesso aos conjuntos produzidos pelos IAPs (Plano A) mostra outro aspecto da ambigüidade da ação habitacional no período. Os Institutos defendiam a preservação do patrimônio e dos recursos previdenciários, sem levar em conta aspectos ideológicos. Além disso, mantinha-se a renda gerada pelos aluguéis. Como essa política foi traçada antes da Lei do Inquilinato e da crise do mercado de locação, o Plano A pode ser entendido como uma combinação de um programa de habitação social com uma forma de investimento das reservas previdenciárias, estatizando uma atividade – a construção de casas de aluguel – até então rentável e reservada ao setor privado. A venda de apartamentos ocorreu simultaneamente à desestruturação do mercado de locações e do setor rentista. Uma política de habitação social deveria estabelecer critérios de investimento que dirigisse os subsídios para quem de fato tivesse necessidade, definindo a origem dos recursos para cobri-los. Garantir o retorno dos recursos a serem financiados para que não houvesse depreciação dos seus fundos. Só nessas condições seria possível manter um fluxo constante de recursos para sustentar a produção habitacional. A atuação dos institutos no setor permaneceu restrita e insuficiente para um país que se urbanizava com rapidez. De fato, os IAPs não eram órgãos de habitação. Porém, reuniam tal volume de recursos recolhidos dos trabalhadores, metade dos quais podia ser utilizada nas carteiras prediais, que era inevitável a pressão para que fossem destinados à habitação social (BONDUKI, 1998: 111). 6 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 O fim do governo Vargas, em 1945, interrompeu um processo institucional que se encaminhava para a criação de uma política habitacional: recursos vultosos nos fundos dos IAPs; reestruturação dos IAPs, unificados no Instituto de Serviços Sociais do Brasil (ISSB); financiamento de uma política universal de habitação social; criação da Fundação da Casa Popular; capacitação técnica, comprovada pela qualidade dos projetos dos IAPs nos anos 40; reconhecimento pela sociedade da importância da questão – crise da moradia afetava a classe média e os trabalhadores – pressão social sobre o governo, acelerando produção habitacional, de 1945 a 1950; vontade política do governo – disposição de Vargas de dar prioridade à questão9. O governo Dutra incentivou a produção de conjuntos residenciais. Eliminada a possibilidade da Fundação da Casa Popular administrar os fundos, a tecnoburocracia dos institutos aceitou o financiamento habitacional de cunho social – destacando tratar-se de uma “cota de sacrifícios”. Ao longo da década de 1950, as reservas previdenciárias declinaram progressivamente, deixando de ser uma alternativa para o financiamento habitacional. Malgrado a descontinuidade política, a produção de habitação social não foi irrisória, em especial os conjuntos residenciais do IAPI, que apresentaram importantes resultados arquitetônico, urbanístico e social. A arquitetura moderna brasileira afirma-se nos anos 1930, dando origem a experiências e contribuições marcantes, inclusive no campo da moradia popular e das tipologias verticais. O grande crescimento econômico de São Paulo, atrelado ao período desenvolvimentista, proporcionou um grande desenvolvimento urbano não acompanhado de desenvolvimento social eqüitativo. Apesar de periférica e excludente, nossa urbanização fez uso dos discursos ideológicos modernistas, o que correspondeu a um significativo processo de verticalização, inicialmente concentrado no centro da cidade. A produção dos IAPs e a verticalização da cidade Como exemplos paulistas devemos destacar o Conjunto Residencial da Várzea do Carmo, o Edifício Japurá, o Conjunto Residencial da Moóca e da Vila Guiomar, todos construídos pelo IAPI (Industriários) responsáveis pela difusão de conjuntos residenciais compostos por edifícios e não somente por casas individuais. 7 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 Fonte: Farah, 1983Edifício Japurá Dentre eles podemos citar o projeto do Edifício Japurá, desenvolvido pelo arquiteto Eduardo Kneese de Mello para o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Neste projeto foram empregados de forma pioneira no Brasil os princípios de “l’unité d’habitation” projetada por Le Corbusier em Marselha, como o modelo de habitação vertical social. O edifício Japurá se destacou em termos arquitetônicos e urbanísticos, entre as iniciativas de padrão vertical realizadas pelo IAPI. 8 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 Projetado no final dos anos 40, localiza-se no bairro da Bela Vista (Bexiga), próximo ao centro de São Paulo, em terreno antes ocupado pelo cortiço “Navio Parado”, um dos maiores da capital. O terreno é um polígono irregular situado no vale do córrego do Bexiga, abaixo do nível da rua, com 101,50 m de frente para a rua Japurá, junto ao Viaduto Jacareí, totalizando 6.668 m². O edifício foi projetado para atender aos industriários que trabalhavam em algumas indústrias localizadas junto ao centro da cidade, sendo possível o trajeto residência-trabalho ser feito a pé. As reduzidas dimensões do terreno impunham a construção de um edifício com apartamentos pequenos (dois dormitórios), destinados a famílias pequenas, com poucos filhos, pois havia pouco espaço para as crianças. O projeto ainda previa a construção de um pequeno número de apartamentos para operários solteiros, com um quarto, um banheiro e uma kitchenette. No pavimento térreo foram previstos, também, um restaurante e um pequeno comércio: mercearia, farmácia, loja de armarinhos e salão de beleza. O artigo 144 do Código de Obras limitava a altura dos edifícios construídos no alinhamento da rua a uma vez e meia a largura da via. Como a rua Japurá tem largura de apenas 13 m, a altura máxima de um bloco junto ao alinhamento seria de apenas 19,50 m, o que resultaria em edifício com apenas 6 pavimentos, já que o pé direito mínimo exigido pelo código era de 3 metros. A solução foi implantar o edifício afastado do alinhamento da via. Pelo artigo 145: “...poderão ser construídos pavimentos recuados desde que fiquem as partes mais altas dentro da linha de interseção traçada do alinhamento da guia do lado oposto da via...”. Como o recuo máximo possível era de 17,60 m, o edifício poderia atingir a uma altura de 14 pavimentos. 9 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 JAPURÁ Fonte: E. K. Mello Conjunto residencial da Várzea do Carmo Em 1938 o IAPI adquiriu uma grande área de terreno nas imediações do Parque D. Pedro, junto à avenida do Estado, em São Paulo. Nesta área de 185 ha a equipe comandada pelo arquiteto Attílio Corrêa Lima desenvolveu o projeto do primeiro conjunto residencial do IAPI em São Paulo. Este empreendimento, parcialmente construído no início dos anos 40, previa a implantação de um ambicioso programa habitacional, com a construção de vários blocos residenciais que abrigavam 4022 apartamentos, creche, escola, posto de puericultura e grandes áreas ajardinadas para lazer, incluindo um clube. Foram projetados também um hotel, um edifício comercial, um restaurante popular, um terminal de ônibus e um posto de gasolina, dando ao conjunto um caráter multifuncional e que o tornava uma verdadeira cidade, com mais de 20 mil habitantes. A experiência em urbanismo de Attílio Corrêa Lima o credenciou a coordenar a equipe de trabalho, que contou ainda com os arquitetos Hélio Uchôa Cavalcanti e José Theódulo da Silva, além do engenheiro Alberto de Mello Flores. Attílio Corrêa Lima, esse importante 10 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 urbanista da década de 30, já havia elaborado os planos urbanísticos de Goiânia, Recife e Volta Redonda, sendo o primeiro brasileiro a concluir os estudos especiais de urbanismo na Universidade de Paris, em 1930. Considerando-se o alto valor do terreno, situado a apenas dois quilômetros de Praça da Sé, foi proposto um programa misto, de alta densidade (1.250 hab/ha), com a construção de edifícios de 12 pavimentos, servidos por conjuntos de 6 elevadores cada um. Tratava-se de fato inédito no Brasil, em se tratando de habitação social. Estes edifícios altos, entretanto, jamais foram construídos, pois a continuidade da segunda guerra impediu a importação dos diversos componentes estruturais previstos no projeto. O conjunto construído efetivamente é composto por vários blocos lineares de edifícios de quatro pavimentos, e possui apartamentos de 2 e 3 dormitórios, sala, banheiro e cozinha com serviço. Atualmente a Baixada do Glicério encontra-se bastante degradada. Sua organização funcional, espaço-ambiental e seu sistema viário foram abandonados pelos interesses políticos e econômicos. As soluções habitacionais da Era Vargas foram resultado de uma série de medidas, voltadas a retornos de curto prazo não podendo ser consideradas fruto de política habitacional. A produção de moradias foi significativa, mesmo que tenha ficado aquém das necessidades concretas da população. Do ponto de vista qualitativo, por sua vez, essas experiências induziram uma renovação significativa da linguagem e das tipologias arquitetônicas no que se refere ao uso habitacional. Os projeto “racionais”, sistemas construtivos eficientes e econômicos e uma nova linguagem formal evocavam novos modos de vida urbana a serem assumidos pelos moradores em apartamentos. Os arquitetos modernos conseguiram traduzir as novas formas de moradia vertical em realizações de impacto, obtendo, ao mesmo tempo, ganhos importantes em termos de qualidade e adequação às novas necessidades. 11 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 CONJUNTO VÁRZEA DO CARMO Fonte: Bonduki, 1998 Perspectivas para o futuro A dimensão que assumiram os problemas de degradação ambiental no nosso planeta, com iminente risco de colapso ecológico, tem gerado constantes reflexões sobre as desigualdades do mundo globalizado e exigido a adoção de condutas sustentáveis em todos os campos da atuação humana, porque além da dimensão ambiental, o conceito “sustentabilidade” tem diversas outras interfaces: a social, a cultural, a da distribuição territorial equilibrada de assentamentos humanos e atividades, a econômica, a política e a do sistema internacional para manter a paz (SACHS, 2002: 71). No meio ambiente construído, dada a íntima relação entre sustentabilidade e evolução dos núcleos urbanos, essa reflexão deve ser estendida também às práticas urbanísticas para que se possa “deter e reverter o enorme processo de degradação do meio ambiente natural que pesa sobre a maior parte das cidades” (NEIRA ALVA, 1997: Introdução). Se “o futuro das cidades dependerá em grande parte dos conceitos constituintes do projeto de futuro construído pelos agentes relevantes na produção do espaço urbano” (ACSELRAD, 1999: 81), as políticas urbanas calcadas nos conceitos de sustentabilidade devem considerar a totalidade da cidade e lembrar os desequilíbrios podem ultrapassar os limites locais e regionais e seus efeitos se refletem, atingindo, em muitos casos, escala nacional e internacional. Há inúmeros estudos e pesquisas que demonstram como as ações dos homens “afetam locais distantes de onde acontecem, em muitos casos implicando todo o planeta ou até mesmo a biosfera” (SACHS, 2002: 50). As informações disponíveis podem 12 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 orientar e justificar essa necessidade de mudança de “comportamento” e facilitar a identificação dos problemas específicos de uma determinada localidade (SHENG, 1997). No que se refere à construção de habitações de interesse social, seguindo as conclusões dos debates realizados na conferência Habitat II10 que afirmam que as “cidades não poderão crescer linearmente e indefinidamente sobre o seu entorno natural, sem colocar em risco os recursos naturais essenciais à sua própria existência e sustentabilidade” (ACIOLY & DAVIDSON, 1998: 09),entende-se que a verticalização das mesmas deve ser urgentemente explorada. E, para garantir recursos financeiros que permitam gerir os custos de manutenção e condominiais desses edifícios, estima-se que a adoção de projetos multifuncionais pode equilibrar os problemas financeiros que a população moradora desses núcleos, em geral, apresenta. Acredita-se que esta proposta é uma das alternativas para se evitar a impossibilidade de vida urbana futura devido ao desgaste de recursos naturais (FRANCO, 2001: 22), porque a gestão urbana necessita, mais do que nunca, de soluções que possam conter o espraiamento da urbanização. As habitações das classes menos favorecidas são um dos intensificadores deste espraiamento que, ao alcançar maior extensão territorial, aumentam os danos ambientais desproporcionadamente, pois não se conta com infra-estrutura suficiente para atender a população. Verticalizar os novos projetos destinados às habitações de interesse social pode ser uma das muitas mudanças de paradigma necessárias à sustentabilidade do meio ambiente urbano. REFERÊNCIAS 1 Bruna, Paulo. Os primeiros arquitetos modernos: Habitação social no Brasil 1930 – 1950. Tese de Livre Docência. São Paulo: FAUUSP, 1998. 2 Souza, Maria Adélia Aparecida de. A identidade da metrópole: a verticalização em São Paulo. São Paulo: HUCITEC; EDUSP, 1994. 3 STEFANO, Fabiane. Subsídio: Praga volta à habitação. Disponível em: http://www.terra.com.br/istoedinheiro/142/financas/fin142_02.htm. Acesso em: 17 ago. 2006. http://www.terra.com.br/istoedinheiro/142/financas/fin142_02.htm 13 III FÓRUM DE PESQUISA FAU.MACKENZIE I 2007 4 BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil: Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Estação Liberdade: 1998. 5 Anotações de Aula – Pós Graduação FAU USP, 2001. 6 Os IAPs foram as primeiras instituições a tratar a questão habitacional, porém, relegada a um segundo plano. Sua função primordial estava vinculada a aposentadorias, pensões e assistência médica. 7 Patrocinou a construção da Cia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda; Cia Nacional de Álcalis; a Fábrica Nacional de Motores e Brasília (Bonduki, 1998: 102) 8 Ver Farah, 1984. 9 Quanto mais dependesse do apoio popular para se manter no poder, maior seria seu empenho para implementar projetos de habitação social capazes de manter sua imagem de protetor dos trabalhadores (Bonduki, 1998: 100). 10 Organizada pela ONU e realizada em Istambul – Turquia, em junho de 1996. ACIOLY, C. & DAVIDSON, F.. Densidade Urbana: Um Instrumento de Planejamento e Gestão Urbana. Rio de Janeiro: Mauad, 1998. ACKEL, L. G. M. (1996). Attílio Corrêa Lima: um urbanista brasileiro (1930 – 1943). São Paulo: Dissertação de Mestrado, Universidade Mackenzie. ACSELRAD, H.. Discursos da Sustentabilidade Urbana. 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