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Vitória Farias – 2º semestre de Medicina O QUE É? A tolerância imunológica é definida como a não responsividade a um antígeno, induzida pela exposição prévia a esse mesmo antígeno. Quando encontram antígenos, os linfócitos específicos podem ser ativados, induzindo respostas imunes, ou podem ser inativados ou eliminados, levando à tolerância. O mesmo antígeno pode induzir uma resposta imune ou tolerância, dependendo das condições de exposição e da presença ou ausência de outros estímulos concomitantes, tais como coestimuladores. Os antígenos que induzem tolerância são chamados de tolerógenos, ou antígenos tolerogênicos, para distingui-los dos imunógenos que geram imunidade. A tolerância aos autoantígenos, também chamada de autotolerância, é uma propriedade fundamental do sistema imunológico normal que consiste na capacidade do sistema imune em reconhecer e responder a antígenos estranhos, mas não aos autoantígenos. A falha na autotolerância resulta em reações imunes contra antígenos próprios (autoantígenos ou antígenos autólogos). Essas reações são denominadas autoimunidade, e as doenças que causam são chamadas doenças autoimunes. Macfarlane Burnet, dentre os primeiros pesquisadores a propor a hipótese da seleção clonal, adicionou a dedução de que linfócitos específicos para autoantígenos são eliminados para prevenir reações imunológicas do indivíduo contra seus próprios tecidos. CARACTERÍSTICAS GERAIS Os mecanismos de tolerância eliminam ou inativam linfócitos que expressam receptores de alta afinidade para autoantígenos. Todos os indivíduos herdam essencialmente os mesmos segmentos gênicos do receptor antigênico, que se recombinam e são expressos pelos linfócitos assim que essas células se desenvolvem a partir de células precursoras. As especificidades dos receptores codificados pelos genes recombinados são aleatórias e não são influenciadas pelo que é estranho ou próprio no organismo de cada indivíduo. Por isso que algumas células T e B em desenvolvimento em todos os indivíduos podem expressar receptores capazes de reconhecer moléculas normais daquele indivíduo (p. ex.: autoantígenos), causando doenças imunes. A tolerância é antígeno-específica, resultante do reconhecimento antigênico pelos clones individuais de linfócitos. Qualquer antígeno pode ser um imunógeno ou um tolerógeno dependendo de numerosos fatores, como exposição ao antígeno durante a maturação dos linfócitos e reconhecimento pelos linfócitos específicos na presença ou ausência de respostas imunes inatas. A autotolerância pode ser induzida em linfócitos imaturos autorreativos nos órgãos linfoides geradores (tolerância central) ou em linfócitos maduros nos sítios periféricos (tolerância periférica). A tolerância central garante que o repertório de linfócitos naive maduros se torne incapaz de responder a autoantígenos que são expressos nos órgãos linfoides geradores (o timo para as células T, e a medula óssea para os linfócitos B, também chamados de órgãos linfoides centrais). Entretanto, a tolerância central não é perfeita, e muitos linfócitos autorreativos completam sua maturação. Portanto, os mecanismos de tolerância periférica são necessários para prevenir a ativação desses linfócitos potencialmente perigosos. TOLERÂNCIA CENTRAL A tolerância central ocorre nos órgãos linfoides primários, durante um estágio da maturação dos linfócitos, quando um encontro com o antígeno pode levar à morte celular ou à substituição de um receptor antigênico autorreativo por outro não autorreativo. Os antígenos que estão presentes nesses órgãos { Tolerância imune X Autoimunidade } Vitória Farias – 2º semestre de Medicina são majoritariamente próprios e não estranhos, porque os antígenos estranhos (p. ex.: microbianos) são capturados e levados para os órgãos linfoides periféricos (linfonodos, baço e tecidos linfoides associados às mucosas). Os antígenos normalmente presentes no timo e na medula óssea incluem autoantígenos ubíquos, ou amplamente disseminados, alguns dos quais podem ser expressos pelas células do timo e outros podem ser transportados pelo sangue. Além disso, muitos antígenos periféricos tecido- específicos são expressos no timo. Portanto, nos órgãos linfoides geradores, os linfócitos imaturos que reconhecem antígenos são tipicamente células específicas para autoantígenos e não para antígenos estranhos. TOLERÂNCIA PERIFÉRICA Linfócitos maduros que reconhecem autoantígenos nos tecidos periféricos se tornam incapazes de serem ativados pela reexposição àquele antígeno ou morrem por apoptose. Os mecanismos de tolerância periférica são importantes para a manutenção da não responsividade a autoantígenos expressos em tecidos periféricos e não nos órgãos linfoides geradores, e para a tolerância a autoantígenos expressos somente na vida adulta, depois que muitos linfócitos maduros específicos para esses antígenos já tenham sido gerados. Os mecanismos periféricos também podem servir como um complemento para os mecanismos centrais, os quais não eliminam todos os linfócitos autorreativos. Um mecanismo importante para a indução de tolerância periférica é o reconhecimento do antígeno sem coestimulação ou “segundos sinais”. A tolerância periférica também é mantida pelas células T reguladoras (Tregs) que suprimem ativamente a ativação dos linfócitos específicos para antígenos próprios e outros antígenos. A supressão mediada pelas células Tregs ocorre nos órgãos linfoides secundários e nos tecidos não linfoides. Alguns autoantígenos são sequestrados do sistema imune, e outros antígenos são ignorados. Antígenos podem ser sequestrados do sistema imunológico por barreiras anatômicas, como nos testículos e nos olhos, e assim, não podem ligar receptores antigênicos. Em modelos experimentais, alguns autoantígenos estão disponíveis para o reconhecimento pelos linfócitos, mas, por motivos desconhecidos, falham em elicitar qualquer resposta e são funcionalmente ignorados. A importância desse fenômeno de ignorância para a manutenção da autotolerância ainda não está estabelecida. TOLERÂNCIA CENTRAL DOS LINFÓCITOS T Durante sua maturação no timo, muitas células T imaturas que reconhecem antígenos com grande avidez morrem, e algumas das células sobreviventes da linhagem CD4+ se desenvolvem em Tregs. A morte de células T imaturas como resultado do reconhecimento de antígenos no timo é conhecida como deleção, ou seleção negativa. Esse processo afeta as células T restritas ao complexo principal de histocompatibilidade de classe I e de classe II (MHC I e MHC II), sendo importante para a tolerância nas populações de linfócitos CD8+ e CD4+ . Vitória Farias – 2º semestre de Medicina A seleção negativa de timócitos é responsável pelo fato de o repertório de células T maduras que deixam o timo e povoam os tecidos linfoides periféricos não responder a muitos autoantígenos que estão presentes no timo. A seleção negativa ocorre em células T duplo-positivas no córtex tímico e em células T simples-positivas recém-geradas na medula. Em ambos os locais, timócitos imaturos com receptores de alta afinidade para autoantígenos que encontram esses antígenos morrem por apoptose. Os dois principais fatores que determinam se um autoantígeno particular induzirá a seleção negativa de timócitos autorreativos são a presença daquele antígeno no timo (por expressão local ou transporte pelo sangue) e a afinidade dos TCRs, receptores de célula T dos timócitos, que reconhecem o antígeno. Assim, as questões importantes e relevantes para a seleção negativa são: 1) Quais autoantígenos estão presentes no timo? 2) Como as células T imaturas que reconhecem esses antígenos são deletadas? Os antígenos que estão presentes no timo incluem muitas proteínas circulantes e proteínas associadas a células que estão amplamente distribuídas nos tecidos.O timo conta ainda com um mecanismo especial de expressão de muitos antígenos proteicos que estão presentes em diferentes tecidos periféricos, de modo que as células T imaturas específicas para esses antígenos podem ser deletadas do repertório de células T em desenvolvimento. Esses antígenos de tecidos periféricos são produzidos nas células epiteliais medulares tímicas sob o controle da proteína reguladora autoimune (AIRE). Mutações no gene AIRE são a causa de uma doença autoimune que afeta múltiplos órgãos, chamada de síndrome poliendócrina autoimune tipo 1 (APS1). Esse grupo de doenças caracteriza-se por lesões causadas por anticorpos e mediadas por linfócitos que atingem diversos órgãos endócrinos, incluindo as paratireoides, as adrenais e as ilhotas pancreáticas. Estudos em camundongos mostraram que várias proteínas produzidas em órgãos periféricos (p. ex.: a insulina pancreática) também são expressas em baixos níveis pelas MTECs, e, além disso, células T imaturas que reconhecem esses antígenos são deletadas no timo ou se desenvolvem em Tregs. Na ausência de AIRE funcional (como em pacientes com APS1), esses antígenos não são exibidos no timo e as células T específicas para tais antígenos escapam da deleção, amadurecem e dirigem-se para a periferia, onde atacam os tecidos-alvo nos quais os antígenos são expressos de maneira independente de AIRE. A proteína AIRE pode funcionar como um regulador transcricional para promover a expressão tímica de antígenos tecido-restritos selecionados. AIRE é um componente de um complexo multiproteico expresso principalmente em MTECs e está envolvido no elongamento transcricional e no desenovelamento e remodelamento da cromatina. De maneira interessante, pacientes com mutações em AIRE produzem autoanticorpos neutralizantes contra sua própria IL-17, tornando esses pacientes suscetíveis à candidíase mucocutânea, refletindo o papel essencial das citocinas Th17 na defesa contra esta infecção fúngica. Vitória Farias – 2º semestre de Medicina A sinalização do TCR em células T imaturas dispara a via mitocondrial de apoptose. Claramente, linfócitos imaturos e maduros “interpretam” os sinais do receptor antigênico de maneira diferente — sendo que os primeiros morrem e os últimos são ativados. A base bioquímica dessa diferença é desconhecida. Algumas células T CD4+ autorreativas que encontram autoantígenos no timo não são deletadas; em vez disso, diferenciam-se em células Tregs específicas para esses antígenos. As células reguladoras deixam o timo e inibem as respostas contra autoantígenos na periferia. Não se sabe o que determina a escolha entre a deleção e o desenvolvimento das Tregs. Possíveis fatores incluem a afinidade de reconhecimento do antígeno, os tipos de células apresentadoras de antígenos (APCs) que apresentam o antígeno e a disponibilidade de certas citocinas localmente no timo. TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DOS LINFÓCITOS T Os mecanismos de tolerância periférica são anergia (não responsividade funcional), supressão pelas Tregs e deleção (morte celular). Esses mecanismos podem ser responsáveis pela tolerância das células T a autoantígenos tecido-específicos, em especial aqueles que não são abundantes no timo. Não se sabe se a tolerância a diferentes autoantígenos é mantida por um ou outro mecanismo ou se todos esses mecanismos funcionam cooperativamente para prevenir a autoimunidade. Os mesmos mecanismos podem também induzir não responsividade a antígenos estranhos que são apresentados ao sistema imune sob condições tolerogênicas. ANERGIA A exposição de células T CD4+ maduras a um antígeno na ausência de coestimulação ou imunidade inata pode tornar as células incapazes de responder àquele antígeno. Nesse processo, chamado anergia, as células autorreativas não morrem, mas tornam-se não responsivas a um antígeno. A ativação total das células T requer o reconhecimento do antígeno pelo TCR (o qual fornece o sinal 1) e dos coestimuladores, principalmente B7-1 e B7-2 pelo CD28 (sinal 2). O sinal 1 prolongado (p. ex.: reconhecimento antigênico), quando sozinho, pode levar à anergia. É provável que os autoantígenos sejam exibidos continuamente às células T específicas na ausência de imunidade inata e forte coestimulação. Diversos mecanismos podem atuar na indução e manutenção do estado anérgico: 1. A transdução de sinal induzida pelo TCR é bloqueada em células anérgicas. Os mecanismos desta sinalização de bloqueio não são completamente conhecidos. Em diferentes modelos experimentais, atribui-se esse sinal à expressão diminuída de TCR (talvez em virtude do aumento da degradação) e ao recrutamento de moléculas inibidoras, como tirosina fosfatases, para o complexo TCR. 2. O reconhecimento de autoantígenos pode ativar as ubiquitinas ligases celulares, as quais ubiquitinam as proteínas associadas ao TCR e as direcionam para a degradação proteolítica nos proteossomos ou lisossomos. O resultado líquido é a perda dessas moléculas de sinalização e ativação defeituosa das células T. Uma ubiquitina ligase importante para as células T é chamada de Cbl-b, a qual parece estar envolvida na manutenção da não responsividade das células T aos autoantígenos. O reconhecimento de autoantígenos ocorre tipicamente sem forte coestimulação e ativa essas ubiquitina ligases, ao passo que antígenos estranhos, reconhecidos com coestimulação, as ativam muito menos ou Vitória Farias – 2º semestre de Medicina simplesmente não as ativam. Isso é uma incógnita ainda. 3. Quando as células T reconhecem autoantígenos, estes podem engajar receptores de inibição da família CD28, cuja função é finalizar as respostas das células T. REGULAÇÃO DAS RESPOSTAS DAS CÉLULAS T POR RECEPTORES INIBIDORES O resultado do reconhecimento antigênico pelas células T é determinado por um equilíbrio entre os sinais derivados dos receptores de ativação e de inibição. Dois receptores inibidores têm papéis fisiológicos mais bem estabelecidos na autotolerância: CTLA-4 e PD-1. » CTLA-4: O antígeno-4 do linfócito T citotóxico (CTLA-4), assim denominado pela maneira como foi descoberto, é um membro da família de receptores CD28 e, assim como o receptor de ativação CD28, liga-se às moléculas B7. O CTLA-4 atua continuamente para manter as células T autorreativas sob controle. O CTLA-4 inibe a ativação das células T de duas maneiras diferentes: 1. Mecanismo celular intrínseco: uma vez ativadas, as células T responsivas começam a expressar CTLA-4 que “desliga” a ativação adicional dessas células, finalizando assim a resposta. 2. Via celular extrínseca: as Tregs expressam altos níveis de CTLA-4, utilizado para prevenir a ativação de células responsivas. O CTLA-4 atua como um inibidor competitivo de CD28 e reduz a disponibilidade de B7 para o receptor CD28, porque o CD28 e CTLA-4 reconhecem os mesmos ligantes, B7-1 (CD80) e B7-2 (CD86). O CTLA-4 tem uma afinidade 10 a 20 vezes maior por B7 do que CD28. A cauda citoplasmática de CTLA-4 não parece ter qualquer função significante; porém, contém um motivo que se conecta à clatrina, uma proteína envolvida na endocitose mediada por receptor. Por essa razão, CTLA-4 é um receptor endocítico que se liga a moléculas B7 nas APCs e que remove e internaliza essas moléculas. Portanto, quando é expresso em células T responsivas ou Tregs, o CTLA-4 compete com o CD28 e reduz a quantidade de B7 disponível nas APCs para fornecer coestimulação via CD28. Essa inibição competitiva é especialmente importante quando os níveis de B7 nas APCs são baixos (como o são em APCs em repouso exibindo autoantígenos). Quando os níveis de B7 aumentam, por exemplo, após a exposição a microrganismos, ocorre uma interação relativamente maior do receptor de baixa afinidade CD28. Isso explica tanto o mecanismo celular intrínseco quanto o extrínseco de inibição das respostasde células T mediado por CTLA-4. A mutação ou bloqueio desse receptor gera respostas imunes bastante desreguladas: os linfonodos ficam aumentados, ocorre a Vitória Farias – 2º semestre de Medicina linfoproliferação e a inflamação múltipla de órgãos. A percepção de que o CTLA-4 define blocos ou pontos de controle nas respostas imunológicas levou à ideia de que a ativação do linfócito pode ser promovida ao reduzir-se a inibição, um processo conhecido como bloqueio dos pontos de controle. O bloqueio de CTLA-4 com anticorpos resulta em respostas imunológicas aumentadas aos tumores. O anticorpo anti-CTLA-4 está aprovado atualmente para o tratamento de melanomas avançados e outros tipos de câncer. » PD-1: É outro receptor de inibição da família CD28 que é chamado de morte celular programada-1 (PD-1). Apesar do nome, hoje se sabe que ele não tem papel na apoptose da célula T. O PD-1 reconhece dois ligantes, conhecidos como PD-L1 e PD-L2. 1. PD-L1 é expresso nas APCs e em muitas outras células teciduais. 2. PD-L2 é expresso principalmente nas APCs. O receptor PD-1 é expresso em células T ativadas pelo antígeno. O acoplamento de PD- 1 com qualquer um dos seus ligantes leva ao recrutamento de fosfatases para a cauda citoplasmática de PD-1. Essas enzimas neutralizam a sinalização induzida por quinases e inibem os sinais provenientes do complexo TCR-correceptor e do CD28 e outros receptores coestimuladores, resultando na inativação das células T. A expressão de PD-1 em células T aumenta com a estimulação crônica pelo antígeno, sendo especialmente importante para controlar as respostas decorrentes de exposição antigênica prolongada, como ocorre com autoantígenos, tumores e infecções crônicas. O bloqueio dos pontos de controle com anticorpos anti-PD-1 e anti-PD-L1 vem mostrando ainda mais eficiência e menor toxicidade do que o anti-CTLA-4 em diversos tipos de câncer. Embora o CTLA-4 e o PD-1 estabeleçam pontos de controle nas respostas imunes, suas funções devem ser complementares e não idênticas. Por exemplo, o PD-1 parece ser mais importante para finalizar as respostas das células CD8+ nos tecidos periféricos, enquanto o CTLA-4 limita a ativação inicial de células T em órgãos linfoides secundários. SUPRESSÃO POR Tregs As Tregs constituem uma subpopulação de células T CD4+ cuja função é suprimir as respostas imunes e manter a autotolerância. A maioria dessas Tregs CD4+ expressa altos níveis da cadeia α do receptor de interleucina- 2 (IL-2), denominada CD25, e do fator de transcrição chamado FoxP3 (um fator de transcrição essencial para o desenvolvimento e função da maioria das Tregs). Nos tecidos periféricos, as Tregs suprimem a ativação e as funções efetoras de outros linfócitos autorreativos e potencialmente patogênicos. Uma doença autoimune rara em humanos, a síndrome de IPEX (imunodesregulação, poliendocrinopatia e enteropatia ligadas ao X), é causada por mutações no gene FOXP3 e está associada à deficiência de Tregs. Vitória Farias – 2º semestre de Medicina » Geração e maturação das Tregs: As Tregs são geradas principalmente pelo reconhecimento de autoantígenos no timo e pelo reconhecimento de autoantígenos e antígenos estranhos em órgãos linfoides periféricos. No timo, o desenvolvimento das Tregs é um dos destinos das células T comprometidas com a linhagem CD4 que reconhecem autoantígenos; essas Tregs tímicas (tTregs) também são chamadas de Tregs naturais. Nos órgãos linfoides periféricos, o reconhecimento do antígeno na ausência de fortes respostas imune inatas favorece a geração de células reguladoras a partir de linfócitos T CD4+ naive; as Tregs também podem se desenvolver depois de reações inflamatórias. Essas Tregs periféricas (pTregs) são chamadas adaptativas ou induzidas, porque podem ser induzidas a se desenvolverem a partir de células T CD4+ naive nos tecidos linfoides periféricos como uma adaptação do sistema imune em resposta a certos tipos de exposição antigênica. As células reguladoras tímicas são específicas para autoantígenos porque estes são os principais antígenos no timo. As células reguladoras periféricas podem ser específicas para autoantígenos ou antígenos estranhos. A geração de algumas Tregs necessita da citocina fator de transformação do crescimento-β (TGF-β). O TGF-β estimula a expressão de FoxP3, o fator de transcrição necessário para o desenvolvimento e função das Tregs. A sobrevivência e a competência funcional das Tregs são dependentes da citocina IL-2. A IL-2 promove a diferenciação de células T em uma subpopulação reguladora, sendo também necessária para a manutenção dessa população celular. Como as Tregs FoxP3+ não produzem IL-2, esse fator de crescimento é fornecido pelas células T convencionais respondendo a antígenos próprios ou estranhos. A IL-2 ativa o fator de transcrição STAT5, que pode aumentar a expressão de FoxP3, assim como outros genes envolvidos na função das Tregs. Há evidências de que as células dendríticas expostas ao ácido retinoico, o análogo da vitamina A, são indutoras de Tregs, especialmente em tecidos linfoides associados às mucosas. » TGF-β: Inibe a proliferação e as funções efetoras das células T e a ativação de macrófagos, neutrófilos e células endoteliais, atuando, portanto, no controle das respostas imune e inflamatória. Ele regula a diferenciação de subpopulações funcionalmente distintas de Tregs e pode inibir o desenvolvimento de subpopulações Th1 e Th2. Além disso, ele estimula a produção de IgA pela indução da troca de classe nas células B e promove o reparo tecidual após o término das reações imune e inflamatórias locais, porque o TGF-β estimula a síntese de colágeno e promove a angiogênese. » IL-10: É um inibidor de macrófagos e células dendríticas ativados, estando envolvida no controle das reações imunes inatas e da imunidade mediada por células. A IL-10 é produzida por muitas populações de células imunes, incluindo macrófagos e células dendríticas ativados, Tregs e células Th1 e Th2. Como é produzida por macrófagos e células dendríticas e também inibe essas células, a IL- 10 atua como um regulador de feedback negativo. A IL-10 também é produzida por alguns linfócitos B, os quais apresentaram funções de supressão imunológica, sendo chamados de células B reguladoras. A IL-10 inibe a produção de IL-12 por células dendríticas e macrófagos ativados e de IFN-γ. Também inibe a expressão de coestimuladores e de moléculas de MHC classe II em células dendríticas e macrófagos. APOPTOSE Os linfócitos T que reconhecem autoantígenos com alta afinidade ou que são repetidamente estimulados por antígenos podem morrer por apoptose. Há duas vias principais de apoptose e ambas estão envolvidas na deleção periférica das células T maduras: a via mitocondrial (intrínseca) e a via do receptor de morte (extrínseca). Vitória Farias – 2º semestre de Medicina » Via mitocondrial (intrínseca): As vias intrínsecas de sinalização da apoptose envolvem diversos estímulos que produzem sinais intracelulares iniciados na mitocôndria que irão agir diretamente em alvos na célula. Esses estímulos podem ser separados em duas principais categorias: sinais positivos e sinais negativos. Sinais negativos são aqueles que estão relacionados com a perda da supressão da apoptose e subsequente ativação deste processo, como a ausência de certos fatores de crescimento, hormônios ou citocinas. Os sinais positivos são aqueles que induzem a apoptose, como radiação, toxinas, hipóxia, infecções virais, radicais livres, erros no material genético etc. Todos esses estímulos causam mudanças na membrana interna da mitocôndria, resultando na transição da permeabilidade mitocondrial pela formação de um poro que leva à perda do potencial de transmembrana da mitocôndria e liberação de dois principais grupos de proteínas pro- apoptóticas intermembranais no citosol.O primeiro grupo consiste de citocromo c. Essas proteínas ativam as vias dependentes de caspases: o citocromo c se liga à e ativa Apaf-1 e a procaspase-9, formando um complexo chamado apoptossomo, que resulta na ativação da caspase-9; já as outras duas promovem a apoptose ao inibir a atividade de inibidores de proteínas da apoptose (IAP). O segundo grupo de proteínas pró- apoptóticas AIF, endonuclease G, e CAD, são liberadas pela mitocôndria durante a apoptose somente após o processo se tornar irreversível (ou seja, quando a célula já está fadada a morrer) e estão relacionadas com processos de gramentação e condensação da cromatina. Essa via é regulada pelas proteínas da família Bcl-2, que a controla rigidamente para evitar que o processo apoptótico se inicie por acaso e o organismo perca uma célula saudável. As proteínas da família Bcl-2 controlam a permeabilidade da membrana mitocondrial e é composta por duas subfamílias: as proapoptóticas e as antiapoptóticas. A primeira subfamília é responsável por estimular o processo apoptótico permitindo a saída mais fácil do citocromo c para o citoplasma, além de outras proteínas mitocondriais intermembranares. Já a segunda família tem ação contrária, impedindo que as proteínas intermembranares sejam expulsas para o citosol. O balanço entre as duas subfamílias proteicas é crucial para que o processo de apoptose não se inicie ao acaso, já que elas têm a capacidade de se auto-anular, interagindo entre elas mesmas. Pró-apoptótica + anti-apoptótica = inatividade » Via do receptor de morte (extrínseca): O mecanismo da via extrínseca consiste na indução externa por associação de outra célula àquela que sofrerá apoptose. Essa interação ocorre por meio de receptores localizados na membrana celular e proteínas sinalizadoras (ou ligantes). Um exemplo que ilustra esse mecanismo é a ativação de FasR pelo seu ligante FasL (similar também ao modelo TNF- α/TNFR1), que estimula os domínios de morte a recrutar proteínas adaptadoras intracelulares que, uma vez recrutadas, reúnem pró-caspases iniciadoras, formando o complexo de sinalização indutor de morte (DISC). A partir desse complexo, os domínios “pro” das pró-caspases iniciadoras são clivados e essas proteínas, então, são dimerizadas, tornando-se ativas. Após esse processo, as caspases iniciadoras podem ativar as pró- caspases executoras ao clivar o domínio “pro” destas. A célula pode acionar ainda mecanismos intrínsecos a fim de amplificar a cascata de caspases e, assim, tornar a apoptose mais efetiva. https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Citocromo_c Vitória Farias – 2º semestre de Medicina As células que estão em apoptose desenvolvem blebs na membrana (alterações semelhantes a um “borbulhamento”) e fragmentos do núcleo e do citoplasma são segregados em estruturas ligadas à membrana, chamadas corpos apoptóticos. Também há alterações bioquímicas na membrana plasmática, incluindo a exposição de lipídeos como fosfatidilserina, que normalmente encontra-se na face interna da membrana plasmática. Essas alterações são reconhecidas por receptores nos fagócitos, e os corpos apoptóticos e as células são rapidamenteenglobados e eliminados sem elicitar nenhuma resposta inflamatória. Adicionalmente, a fagocitose de células apoptóticas pode induzir a produção de mediadores anti-inflamatórios pelos macrófagos. Para manter a autolerância, as vias de apoptese podem funcionar de diferentes formas: ▬ As células T que reconhecem autoantígenos na ausência de coestimulação podem ativar moléculas pró-apoptóticas como Bim, resultando em apoptose pela via mitocondrial. Essa via mitocondrial Bim- dependente está relacionada à seleção negativa de células T autorreativas no timo. ▬ A estimulação repetida das células T resulta na coexpressão do receptor de morte Fas e seu ligante, Fas-L, e a ativação de Fas desencadeia a morte apoptótica. TOLERÂNCIA CENTRAL DOS LINFÓCITOS B Se um autoantígeno interage com alta afinidade com os linfócitos B na medula óssea, ocorre mudança na especificidade ou deleção dos linfócitos B. Os mecanismos são: » Edição dos receptores: Se os linfócitos B reconhecem autoantígenos fortemente, então se inicia uma nova rodada de recombinação gênica para criar um novo receptor de célula B, um novo BCR com uma nova especificidade. Isso é chamado de edição do receptor e serve para eliminar a autorreatividade do repertório de células B maduras. » Deleção: É a apoptose. » Anergia: É a inativação funcional das células B. Se houver o reconhecimento de autoantígenos fracamente, as células B se tornam funcionalmente não responsivas e saem da medula óssea nesse estado de não responsividade. A anergia decorre da regulação negativa da expressão do receptor antigênico, assim como a um bloqueio na sua sinalização. TOLERÂNCIA PERIFÉRICA DOS LINFÓCITOS B » Anergia e deleção: As células B que encontraram autoantígenos têm sobrevida menor e são eliminadas mais rapidamente do que as células que ainda não reconheceram autoantígenos. As células B que se ligam com alta avidez aos autoantígenos na periferia Vitória Farias – 2º semestre de Medicina também podem sofrer morte por apoptose pela via mitocondrial. » Sinalização pelos receptores de inibição: As células B que reconhecem autoantígenos podem ser impedidas de responder por meio do acoplamento de vários receptores de inibição. A função desses receptores inibidores é definir um limiar para ativação da célula B e assim permitir respostas a antígenos estranhos, porque estes tipicamente elicitam sinais fortes provenientes da combinação do BCR, de correceptores, receptores da imunidade inata e células T auxiliares (para antígenos proteicos), mas não respostas a autoantígenos, as quais acoplam apenas o BCR. MECANISMOS DE AUTOIMUNIDADE Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da autoimunidade são a suscetibilidade genética e os desencadeadores ambientais, como infecções e lesão tecidual local. Genes de suscetibilidade podem quebrar os mecanismos de autotolerância, enquanto a infecção ou necrose nos tecidos promovem o influxo de linfócitos autorreativos e a ativação dessas células, resultando em lesão tecidual. Infecções e lesão tecidual também podem alterar a forma como os autoantígenos são exibidos para o sistema imune, levando à falha da autotolerância e à ativação dos linfócitos autorreativos. » As doenças autoimunes podem ser sistêmicas ou órgãos-específicas dependendo da distribuição dos autoantígenos que são reconhecidos. » Vários mecanismos efetores são responsáveis pela lesão tecidual em diferentes doenças autoimunes, como imuncomplexos, anticorpos circulantes e linfócitos T autorreativos » Doenças autoimunes tendem a ser crônicas, progressivas e de autoperpetuação, porque os autoantígenos que desencadeiam essas reações são persistentes e ativam muitos mecanismos de amplificação que perpetuam essa resposta. Além disso, uma resposta iniciada contra um autoantígeno que lesiona tecidos pode resultar na liberação e alteração de outros antígenos teciduais, na ativação de linfócitos específicos para esses outros antígenos e na exacerbação da doença. Esse fenômeno é propagação do epítopo e explica o porquê a doença autoimune se autoperpetua e prolonga. CAUSAS DA AUTOIMUNIDADE ▬ Autotolerância defeituosa. Eliminação ou regulação inadequadas das células T ou B, levando ao desequilíbrio entre ativação e controle de linfócitos, é a causa subjacente a todas as doenças autoimunes. A perda da autotolerância pode ocorrer se os linfócitos autorreativos não forem deletados ou inativados e se as APCs forem ativadas de tal maneira que autoantígenos sejam apresentados ao sistema imune de forma imunogênica. Pode ter falhas na seleção negativa das células T ou B, na edição de receptor em células B, defeitos nos números ou funções de linfócitos Tregs, apoptosedefeituosa, função inadequada de receptores de inibição. ▬ Exibição anormal de autoantígenos. Esse tipo de anormalidade pode incluir a expressão aumentada e a persistência de autoantígenos que são normalmente removidos, ou alterações estruturais Vitória Farias – 2º semestre de Medicina nesses antígenos resultantes de modificações enzimáticas, de estresse ou lesão celular. ▬ Inflamação ou uma resposta imune inata inicial. Essas reações podem contribuir para o desenvolvimento de doença autoimune, talvez pela ativação das APCs, a qual se sobrepõe aos mecanismos reguladores e resulta em ativação excessiva da célula T. ▬ Bases genéticas: A maioria das doenças autoimunes é decorrente de traços poligênicos complexos nos quais os indivíduos afetados herdam polimorfismos genéticos múltiplos que contribuem para a suscetibilidade à doença. Esses genes agem em conjunto com os fatores ambientais para causarem as doenças. Dentre os genes que estão associados à autoimunidade, as associações mais fortes são com os genes do MHC. A genotipagem do HLA de grandes grupos de pacientes com diversas doenças autoimunes mostra que alguns alelos de HLA ocorrem com maior frequência nesses pacientes do que na população em geral. Há também vários genes não HLA que estão associados à autoimunidade. ▬ Alterações anatômicas em tecidos, causadas por inflamação (possivelmente secundárias a infecções), lesão isquêmica ou trauma, podem levar à exposição de autoantígenos que normalmente são ocultos ao sistema imunológico. ▬ Influências hormonais desempenham um papel em algumas doenças autoimunes. O LES afeta mais mulheres que homens. PAPEL DAS INFECÇÕES NA AUTOIMUNIDADE Infecções virais e bacterianas podem contribuir para o desenvolvimento e exacerbação da autoimunidade. as lesões da autoimunidade não se devem ao agente infeccioso por si só, mas resultam das respostas imunes do indivíduo, que podem ser desencadeadas ou desreguladas pelo microrganismo. As infecções podem promover o desenvolvimento da autoimunidade por meio de dois mecanismos principais. 1. Infecções de tecidos particulares podem induzir respostas imunológicas inatas locais que recrutam leucócitos para os tecidos e resultam na ativação de APCs teciduais. Essas APCs passam a expressar coestimuladores e secretar citocinas ativadoras de células T, resultando na quebra da tolerância da célula T. Assim, a infecção resulta na ativação de células T que não são específicas para o patógeno infeccioso; esse tipo de resposta é denominada ativação bystander. 2. Microrganismos infecciosos podem conter antígenos que reagem de maneira cruzada com autoantígenos, de modo que respostas imunológicas a esses microrganismos podem resultar em reações contra autoantígenos. Esse fenômeno chama-se mimetismo molecular, porque os antígenos do microrganismo reagem cruzadamente, ou mimetizam, os autoantígenos. Exemplo: febre reumática. 3. Algumas infecções podem proteger contra o desenvolvimento da autoimunidade. 4. O microbioma intestinal e cutâneo pode influenciar o desenvolvimento de doenças autoimunes. Vitória Farias – 2º semestre de Medicina
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