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Vitória Farias – 2º semestre de medicina { Imunossenescência } O QUE É? A imunossenescência é resultante de uma série de alterações do sistema imunológico que acontecem por causa do envelhecimento. Como consequências, idosos apresentam: aumento da susceptibilidade a infecções, pior recuperação de doenças, reativação de infecções latentes, menor proteção de vacinas, maior tendência ao desenvolvimento de certos tumores e doenças autoimunes. IMUNIDADE INATA É afetada pelo processo do envelhecimento, de forma que: ▬ Neutrófilos: Fagocitam patógenos e elimina-os. No envelhecimento, não há redução ou aumento no número de neutrófilos. Mas, ocorre uma redução da atividade dessas células. Ou seja, há uma alteração da função dessas células e não na quantidade. Então, ocorre diminuição da atividade quimiotáxica em resposta a fatores derivados do complemento, o que provoca atraso na chegada dos neutrófilos ao local da infecção, permitindo maior divisão do agente infeccioso. Há redução da atividade fagocítica, disfunção na produção de radicais livres (essenciais na morte dos patógenos) e diminuição da habilidade em responder aos fatores que aumentam a sobrevida, por isso os neutrófilos ficam mais propensos à apoptose. O conjunto dessas alterações compromete a resposta de indivíduos idosos, levando a um prejuízo na eliminação de patógenos e aumento no tempo de resolução da infecção, resultando na persistência da inflamação. ▬ Monócitos/Macrófagos: Reconhecem patógenos, fazem fagocitose, são APCs, recrutam os neutrófilos e, ainda, liberam citocinas importantes na sinalização para outras células imunológicas. Com o envelhecimento, ocorre uma redução no número de monócitos circulantes. Monócitos e macrófagos de idosos saudáveis apresentam prejuízo na fagocitose e na produção de radicas livres (implicando em prejuízo no combate à infecção) e na apresentação de antígenos (envolvida na pior resposta dos idosos à vacinação). Uma vez instalada a infecção, idosos possuem menor habilidade de prevenir a sua propagação. Além disso, alterações na função e expressão dos receptores de reconhecimento padrão dos macrófagos geram diferenças nos níveis de citocinas produzidas por macrófagos de indivíduos idosos, durante as infecções. Isso pode justificar, por exemplo, o porquê da menor resposta dos idosos à vacina de influenza: há uma menor estimulação de proteínas coestimuladoras em monócitos, devido à alterações em um tipo de receptor de reconhecimento padrão, que são importantes para a produção de anticorpos para o vírus da influenza. ▬ Células NK: São células matadoras que destroem tumores e células infectadas por vírus. Nos idosos, o número de células NK está aumentado. Entretanto, a atividade individual de cada célula encontra-se reduzida com a idade. Parece haver uma compensação da redução na atividade através do aumento do número dessas células. Além disso, a produção de várias citocinas por células NK parece diminuir no envelhecimento, o que pode dificultar a transição da resposta imune inata para a adaptativa, resultando em uma pior resposta para debelar infecções. Há uma variação das células NK entre idosos: alguns possuem células NK mais citotóxicas, então têm uma menor propensão de desenvolver tumores e têm uma maior resistência a infecções virais. Vitória Farias – 2º semestre de medicina ▬ Células dendríticas: Ingerem antígenos e são APCs e, por isso, participam da conexão entre a imunidade inata e a adaptativa. Não destroem por si mesmas os patógenos. O número de células dendríticas (e de seus precursores) parece diminuir com o envelhecimento. A maturação de células dendríticas, cujo papel central é a apresentação de antígenos aos linfócitos T, é defeituosa em indivíduos idosos e sua causa é atribuída a alterações redox em consequência da diminuição de glutationa, um importante aminoácido endógeno com função antioxidante. Esse defeito na apresentação antigênica observado em indivíduos idosos leva a redução na proliferação de linfócitos T e a diminuição na produção de citocinas, como a IL-2 e a IL-12. ▬ Receptores do tipo TOLL: São fundamentais no reconhecimento dos PAMPs e DAMPs. Estudos mostraram uma redução substancial de TLR1/2 em monócitos de um grupo de indivíduos idosos que apresentava susceptibilidade aumentada às infecções. IMUNIDADE ADAPTATIVA A imunidade adaptativa é caracterizada por: → Exposição prévia → Alta especificidade → Geração de memória imunológica As células que compõem a imunidade adaptativa são os linfócitos. Dependendo do tipo de linfócito ativado, pode ocorrer a produção de anticorpos (por linfócitos B), ou, se for linfócitos T, a destruição de células infectadas, ou até mesmo a ativação de outras células imunológicas. A involução do timo, processo degenerativo normal observado desde a puberdade, é o evento central crítico para as alterações observadas na imunidade adquirida em decorrência do envelhecimento, e ocorre paralelamente a uma inibição na produção do hormônio do crescimento e de IL-7, fundamentais para a maturação dos linfócitos. ▬ Linfócitos T: Podem ser linfócitos T citotóxicos, responsáveis por destruição de células infectadas por vírus e células tumorais; linfócitos T helper 1 (Th1), que atuam juntamente com macrófagos e destroem bactérias intracelulares; e linfócitos T helper 2 (Th2), que auxiliam linfócitos B a produzir anticorpos, destruindo agentes extracelulares. A involução tímica que ocorre com o avançar da idade é bem conhecida, e causa prejuízos para a maturação de linfócitos T dos idosos. Além disso, estudos sobre transdução de sinais mostram que a mobilização de cálcio, a fosforilação de proteínas, a ativação de quinases e a ativação do ciclo celular estão modificados nos linfócitos T virgens de indivíduos idosos. Ocorre também uma alteração da proporção de tipos de linfócitos T. Com o envelhecimento, linfócitos T de memória tornam-se mais numerosos em relação a linfócitos T naive (responsáveis pela resposta a infecções novas). Isso parece ocorrer devido a uma exposição crônica a antígenos de agentes infecciosos ao longo da vida (e proliferação das células de memória, em detrimento das células naive) e devido à involução do timo (que se torna menos eficiente no fornecimento de linfócitos T naive). A escassez de linfócitos T naive pode resultar numa pior resposta à novas infecções pelos idosos (pneumonia, tuberculose, infecções do trato urinário, da pele e de tecidos moles). Já, o excesso de linfócitos T de memória está implicado em maior produção de citocinas, contribuindo para o estado pró- inflamatório dos idosos. É como se houvesse um número determinado de linfócitos T que o organismo conseguisse manter; aumentar o número de alguns tipos reduziria outros, resultando em menor diversidade de linfócitos. Além das alterações em número, a atividade, tanto de linfócitos naive quanto dos de Vitória Farias – 2º semestre de medicina memória, é pior em idosos. A consequência disso pode ser uma pior resposta dos idosos à vacinas e também a infecções já conhecidas (reativação de herpes zoster e de tuberculose, em indivíduos que já foram infectados). A diminuição da resposta de linfócitos T citotóxicos ao vírus da influenza também é bastante relatada, o que pode tornar os idosos mais susceptíveis a esse vírus. Além disso, alterações nas subpopulações de linfócitos T citotóxicos podem estar relacionadas a maior susceptibilidade dos idosos a certos tipos de tumores, uma vez que essas células também são responsáveis pela destruição de células malignas. ▬ Linfócitos B: Reconhecem agentes infecciosos extracelulares, produzem anticorpos e são também APCs. Mas, para que os linfócitos B sejam ativados e a produção de anticorpos ocorra, linfócitos B devem se ligar a linfócitos Th2 (também específicos ao antígeno),apresentando o antígeno do agente infeccioso ao linfócito T. Essa ligação linfócito B + antígeno + linfócito Th2 induz o linfócito T a ativar o linfócito B. Isso induz a proliferação de clones do linfócito B e sua posterior diferenciação em plasmócitos, que secretam anticorpos. Alguns linfócitos B irão se diferenciar em linfócitos B de memória, que agirão rapidamente em uma segunda exposição àquele agente infeccioso. Nos idosos, o número de linfócitos B totais não está alterado, entretanto, da mesma forma que os linfócitos T, há uma redução no número de linfócitos B naive e, ao mesmo tempo, um aumento no número de linfócitos B de memória. A redução de linfócitos B naive ocorre devido à menor produção dessas células pela medula óssea. O aumento do número de linfócitos B de memória parece ser uma compensação desta redução, e não parece ocorrer devido a exposição crônica a certos tipos de agentes infecciosos (como no caso dos linfócitos T). Os mecanismos de defesa mediados por anticorpos estão deteriorados em idosos. Isso parece ocorrer principalmente devido a falhas em linfócitos T helper em induzir a ativação de linfócitos B, porque linfócitos T CD4+ senescentes apresentam expressão reduzida do ligante de CD40, uma molécula de importância crucial para a ativação de linfócitos B por células T. Isso torna os idosos mais susceptíveis a pneumonias, influenza, gastroenterites, bronquites e menos responsivos às vacinas. Muitos estudos relataram uma diminuição na capacidade em produzir anticorpos de alta afinidade a determinados agentes infecciosos e menor número de anticorpos em idosos vacinados contra influenza e Streptococcus pneumoniae, o que provoca menor eficácia dessas vacinas nos idosos. CITOCINAS E O ENVELHECIMENTO As citocinas são os principais mediadores da resposta imune e controlam diferentes funções celulares que incluem proliferação, diferenciação, morte celular (apoptose ou necrose), sobrevivência e migração, seja diretamente, por meio de eventos que se seguem ao engajamento de seus receptores específicos na superfície celular, ou indiretamente, pela indução da expressão de numerosos genes. Elas são sintetizadas tanto por células do sistema imune como por células não imunes como o endotélio vascular, os adipócitos, os neurônios, entre outras. Agem, geralmente, de maneira autócrina ou parácrina e podem ser secretadas já em sua forma ativa ou necessitarem de ativação extracelular. Podem ser: pró-inflamatórias, derivadas principalmente de células da resposta imune inata e de células Th1 e Th17, tais como interferon-gama (IFN-γ), fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucinas (IL) IL-1, IL- 6, IL-12, e IL-18 ou anti-inflamatórias, sintetizadas principalmente por Th2, Th3 e família de células T regulatórias (Tregs), tais como fator de transformação e crescimento beta (TGF-β), IL-10, e IL-5. Vitória Farias – 2º semestre de medicina Essas diferentes citocinas atuam em seus respectivos receptores e esses receptores utilizam várias combinações de mediadores intracelulares para induzir suas funções (família Janus de poteíno-quinases [JAKs] e as da família dos sinais ativadores e tradutores de transcrição [STATs]). A produção das citocinas pró- inflamatórias IL-1, IL-6 e TNF-α está aumentada nos idosos, refletindo uma alteração no padrão de regulação destas citocinas, que podem estar associadas com os mecanismos desencadeadores de muitas das doenças típicas da idade como a aterosclerose, a demência e doenças autoimunes. Uma perda do equilíbrio entre as citocinas do padrão Th1 e Th2 também foi descrita e essa perda pode ser responsável, pelo menos em parte, pelo aumento da suscetibilidade desses indivíduos a infecções causados por vírus e por bactérias extracelulares. Esses defeitos na regulação da resposta imune também podem levar a um aumento das doenças autoimunes. COMO ACONTECE A IMUNOSSENESCÊNCIA? Apesar da enorme plasticidade e capacidade de renovação do sistema imune mesmo em organismos idosos – já que novas células de defesa são geradas a cada dia –, os órgãos linfoides são afetados pelos mesmos mecanismos biológicos responsáveis pela perda de atividade funcional – e consequente morte – de células de diferentes tecidos. Dentre eles, o stress oxidativo e o encurtamento dos telômeros são os principais causadores da diminuição do repertório imunológico relacionada à idade, em processo denominado senescência celular replicativa. ▬ Stress oxidativo: É um desequilíbrio entre a geração de compostos oxidantes e a sua remoção pelos sistemas de defesa antioxidante. O sistema de defesa antioxidante tem a função de inibir e/ou reduzir os danos causados pela ação deletéria dos radicais livres e/ou espécies reativas não radicais. ▬ Encurtamento dos telômeros: Formam a extremidade dos cromossomos. Cada vez que a célula se divide, os telômeros são ligeiramente encurtados, pois a principal enzima que participa na replicação semiconservativa do DNA – a DNA polimerase – necessita de uma âncora de 16 repetições da sequência TTAGGG (no caso humano) e apenas copia o material genético daí em diante, causando um encurtamento da extremidade da molécula de DNA. Como estes não se regeneram, chega a um ponto em que não permitem mais a correta replicação dos cromossomos e a célula perde completa ou parcialmente a sua capacidade de divisão, pois a DNA polimerase não é capaz de replicar o material genético. O encurtamento dos telômeros também pode eliminar certos genes que são indispensáveis à sobrevivência da célula ou silenciar genes próximos. Como o processo de renovação celular não tolera a morte das células antes da divisão correta delas, o organismo tende a morrer num curto prazo de tempo quando seus telômeros se esgotam. INFLAMMAGING No final do século passado surgiu a “hipótese inflamatória” para explicar diferenças nas alterações do sistema imune observadas nos idosos. Essa hipótese toma por base a origem de várias patologias relacionadas com o envelhecimento após exposição prévia a agentes infecciosos e outras fontes geradoras de respostas inflamatórias, incluindo as ambientais, em fases mais precoces da vida, e, também, a forma como o organismo de cada indivíduo reage a elas. Esse processo denominado como inflammaging, provoca um acúmulo de lesões crônicas e tem sido considerado como determinante para doenças neurodegenerativas, aterosclerose, diabetes tipo II e sarcopenia. Infecções subclínicas, acúmulo de tecido adiposo e tabagismo Vitória Farias – 2º semestre de medicina contribuem para a manutenção do processo inflamatório crônico. RESPOSTA DA VACINAÇÃO EM IDOSOS A redução da eficácia da vacinação em idosos tem sido atribuída a vários fatores tais como a diminuição da capacidade fagocítica de neutrófilos e macrófagos e redução do número de células de Langerhans na epiderme. Além disso, o estímulo crônico persistente do inflammaging compromete a capacidade do organismo idoso de reconhecer tanto patógenos quanto vacinas como “sinais de perigo”. Pode ser que a infecção latente por CMV comumente observada no envelhecimento module negativamente, pelo menos em parte, o efeito protetor das vacinas. NUTRIÇÃO E ATIVIDADE FÍSICA Deficiências de alguns microelementos e de vitaminas estão associadas ao decréscimo na função imune. Vários desses micronutrientes, incluindo antioxidantes, modulam fatores de transdução e transcrição gênica, envolvendo células do sistema imune e ou produção de citocinas. Um desses microelementos, o zinco, tem papel importante na resposta humoral pela restauração da atividade do hormônio timulina, que requer a sua presença para se expressar e, além disso, está envolvido na proliferação de timócitos. O zinco está deficiente na maioria dos idosos, independente do estado nutricional. Os indivíduos idosos que mantêm atividadefísica continuada apresentam níveis de linfócitos T CD4+ e T CD8+ semelhantes aos de indivíduos mais jovens. Esses indivíduos também não apresentam defeitos comuns de recrutamento de linfócitos para os sítios infecciosos que são vistos em idosos sedentários. Vitória Farias – 2º semestre de medicina
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