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WALSH, Froma. Morte na família: sobrevivendo as perdas. Porto Alegre: Artmed, 1998. Morte na família: Sobrevivendo às perdas W223m WalshMorte na família: sobrevivendo às perdas / Froma Walsh e Monica McGoldrick: trad. Cláudia Oliveira Dornelles. Porto Alegre: ArtMed. 1998. 1. Psicoterapia — Perdas. I. McGoldrick, Monica. II. Título. CDU 615.851 Catalogação na publicação: Mônica Bailejo Canto - CRB 10/1023 ISBN 85-7307-402-7 Froma Walsh, Ph.D. Professor. School of Social Service Administration & Department ofPsychiatry. Co-Director. Center for Family Health, University of Chicago, Chicago, Illnois. Monica McGoldrick, A.C.S.W., Ph.D. Director, Family Institute ofNew Jersey, Metuchen, New Jersey. Associate Professor of Clinical Psychiatr, Robert Wood Johnson Medical School, New Brunswick, New Jersey. Morte na Família: Sobrevivendo às Perdas Tradução: Cláudia Oliveira Dornelles Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: Helena Centeno Hintz Psicológa clínica e psicoterapeuta de casais e família. Membro fundador e integrante da Equipe de Coordenação do DOMUS (Centro de Terapia de Casal e Família). Profèssora e supervisora do CEAPIA (Centro de Estudos. Atendimentoe Pesquisa da Infãncia e Adolescência), Porto Alegre. RS. Artmed Porto Alegre, 1998 Obra originalmente publicada sob o titulo : Living beyond Loss Froma Walsh and Monica McGoldrick,1991. Primeira publicação em paperback, pela Norton, 1995. ISNB 0- 393- 70203-O Capa: Joaquim da Fonseca Preparação do Original: Maria Rita Quintella Sandro W. Andretta Supervisão Editorial Letícia Bispo de Lima Composição e arte: Com Texto Editoração Eletrônica. Este livro é dedicado à memória daqueles que mais nos ensinaram a respeito da morte Por Monica Joseph D. McGoldrick Margaret R. Phiffer Bush Mary Gertrude Cahalane John Michael Zamborsky Don Mc Cook Hughie Mc Goldrick Por Froma Mary Jo Bourassa Weisberg George L. Weisberg E ao brilhante professor que nos indicou o caminho Murray Bowen 1913-1990 Colaboradores BETTY CARTER, M.S.W. Director, Family Institute of Westcester Mount Vernon, New York. DAVID EPSTON Co-Director, Family Therapy Centre, Auckland, New Zealand. ELLIOT ROSEN, Ed.D Faculty, Family Institute Westchester, Mount Vernon, NewYork. Consulting Psychologist Jansen Memorial Hospice, Tuekahoe, New York. EVAN IMBER-BLACK, Ph.D. Director, Family & Group Studies. Professor, Department of Psychiatry, Albert Einstein College of Medicine, Bronx, New York. EVELYN LEE, Ed.D. Associate Clinical Professor, Department of Psychiatry, University of California, San Francisco, California. GEORGE H. GROSSER, Ph.D. Former Instructor, Department of Psychiatry, Harvard Medical School, Cambridge, Massachusetts. JOHN BYNG-HALL, F. R. C. PSYCH. Tavistock Clinic, London, England. JOHN S. ROLLAND, M.D. Associate Professor of Clinical Psychiatry, Pritzker School of Medicine. Co-Director, Center for Family Health, University of Chicago, Chicago, Illinois. MURRAY BOWEN, M.D. Clinical Professor, Georgetown University Medical Center. Director, Georgetown University Family Center. NYDIA GARCIA PRETO A.C.S.W. Clinical Director. Faculty, Family Institute of New Jersey, Metuchen, New Jersey. NORMAN PAUL, M.D. Lecturer, Department of Psychiatry havard medical Scholl, Cambridge, Massachusetts. PAULETTE MOORE HINES, Ph. D. Director, Prevention Services, university of Medicine e Dentistry of New Jersey. University of Mental Health Services, Piscataway, New Jersey. Faculty, Family Institute of New Jersey, Metuchen, New York. RHEA ALMEIDA, M.S.W. Director, Institute for family Services, Somerset, New Jersey. Adjunct Instructor, Rutgers Graduate School of Social Work, New Brunswick, New Jersey. SANDRA B. COLEMAN, PHD. Director, Behaviorial Medicine Family Practice Residency Program, Eastern Maine Medical Center, Bangor, Maine. STEVEN E. GUTSTEIN, Ph.D. Private Practice, Houston, Texas. Agradecimentos Muitas pessoas merecem um agradecimento especial por suas sugestões, diretas e indiretas, a este livro: Peter Sterling Mueller, um generoso e complacente mentor e colega de muitos anos, cujo entendimento profundo do impacto da perda nas famílias influenciou profundamente meu próprio trabalho; Norman Paul, cuja disposição corajosa de enfrentar a perda com as famílias e cujo pensamento original e generosidade como professor foram extremamente úteis para mim ao longo de muitos anos; Murray Bowen, cujas brilhantes idéias vão iluminar nossos caminhos futuros e cuja generosidade pessoal com seu tempo e com seus pensamentos sempre que o procurei nos últimos 17 anos foi profundamente apreciada. Ele influenciou muito meu trabalho, e sua morte, no momento em que este livro estava no prelo, trouxe-me muita dor. Espero que meus esforços neste trabalho reflitam bem minha dívida com ele (embora, sem dúvida nenhuma, nunca tivesse desejado este agradecimento). Agradeço a minha mãe, Helen McGoldrick, minhas irmãs, Neale e Morna, minha tia, Mildred McGoldrick Cook, juntamente com meus amigos, Betty Carter, Joyce Richardson, Carol Anderson, Meyer Rothberg, Michael Rohrbaugh, Rich Simon, Imelda McCarthy, Nollaig Byrne, Sandy Leiblum, Jane Sufian, Charlotte Fremon Danielson, Nydia Preto, Paulette Hines e Evan Imber-Black, seu apoio de tantas formas ao longo de tantos anos, e especificamente por me ajudarem a compreender o sentido da vida e o sentido da morte. Também agradeço a Jcannine Stone e Gary Lamson, do UMDNJ-CMHC, de Piscataway; Henry Murphree, M.D., Diretor do Departamento de Psiquiatria da Robert Wood Johnson Medical School — UMDNJ; e Mary Scanlon, Diretora de Biblio- tecas da UMI)NJ — Biblioteca RWJ de Ciências da Saúde, por sua ajuda generosa. Minha irmã Neale não ofereceu somente um enorme apoio emocional, mas um auxílio incansável com os aspectos técnicos deste livro — genogramas e trabalhos em informática. Agradeço também a meu marido, Sophocles, e a meu filho, John, a paciência pelas horas que este livro lhes roubou. Vicky Varra e a equipe da Yellow IX Brick Road proporcionaram a meu filho dois lares carinhosos e enriquecedores fora de casa, que foram uma grande fonte de tranqüilidade para mim em meu trabalho, enquanto Cherie Allen, Aimee Copp e Halia Yevtushenko propiciaram o tão necessário apoio doméstico. Monica McGoldrick É difícil destacar somente alguns dos muitos colegas, amigos e membros da família que contribuíram de tantas formas para minhas idéias a respeito da morte e da perda e para o desenvolvimento deste livro. Gostaria especialmente de agradecer a diversos colegas da Universidade de Chicago. Margareth Waller, minha assistente de ensino, ofereceu um feedback valioso, e Young Chang, meu assistente de pesquisa, prestou uma assistência editorial muito qualificada. Devo muito a Bertram Cohler, mentor, colega e amigo de longa data, que recentemente perdeu sua esposa, Ann. Jeanne Marsh, reitora da Escola de Administração em Serviço Social, e Bennett Leventhal, Chefe da Psiquiatria Infantil e da Adolescência, apoiaram entusiasticamente a criação do Centro para a Saúde da Família, que dirijo juntamente com John Rolland, para a pesquisa e a formação clínica na abordagem dos desafios da vida familiar. John, meu marido e colega, enriqueceu enormemente minha perspectiva sobre a perda através de nossas muitas discussões, compartilhando seu próprio trabalho e suas reflexões a respeito de suas experiências críticas de vida. Nunca esquecerei daqueles amigos que me apoiaram nos momentos de perda e em situações de ameaça à vida. Elza Bergeron Gross, minha ex-colega de quarto nos Peace Corps, ficou ao meu lado nas doenças e funerais de meus pais. George Walsh pôs seu trabalho de lado para cuidar de mim após um acidentede carro quase fatal, lendo para mim toda a trilogia de Tolkien. Mary Zaglifa, compartilhando generosamente sua experiência, ensinou-me mais do que qualquer médico sobre a recuperação da meningite e me deu coragem e humor nas horas difíceis. Carol Anderson, Celia Falicov, Michele Scheinkman, Janet Murphy, Karen Countryman e Katherine Goldberg sempre estiveram ao meu lado, como, espero, estarei ao lado delas FromaWalsh Este livro reflete para nós duas nosso interesse comum e colaboração por mais de duas décadas. Enriquecemos com nossa amizade extraordinária, que continua a crescer e a se aprofundar com a passagem de nosso ciclo de vida. Juntas, queremos agradecer a Susan Barrows seu apoio e eficiência em todos os aspectos da produção deste livro. Ela foi uma colega soberba. Finalmente, queremos expressar nossa apreciação às famílias que atendemos, aos colegas, amigos e a nossas próprias familias, cujas experiências de vida serviram para ilustrar os casos de adaptação familiar à perda. Frorna Walsh e Monica McGoldrick X Prefácio Há dois anos, um amigo meu faleceu abruptamente. Ele morreu na Argentina e, na verdade, eu sequer fora informado de sua breve enfermidade antes de sua morte. Ele era, cronologicamente falando, meu amigo mais antigo fora da família: tínhamos sido co1egas de jardim de infância. Os labirintos de nossas respectivas trajetórias de vida permaneceram distanciados por três décadas, mas, há mais ou menos vinte anos, recuperamos a velha intimidade. Trocávamos cartas ocasionais; entretanto, como vivíamos a 6000 milhas um outro, somente nos víamos umas duas vezes por ano, sempre que nossas vidas nômades nos colocavam a uma distância razoável. Em cada ocasião, levávamos mais do alguns minutos para reacender o vínculo, para nos sentirmos novamente em casa na velha, confortável, confiante e calorosa amizade. Sua morte me privou de muitas coisas valiosas: ele era um repositório de minha identidade (“Oi, Carlos!”) e de minha história (“Você se lembra quando...”), além de uma fonte valiosa de estímulo emocional (“Que bom te ver”), de feedback social (“Quando você fez X, eu me senti ...”) e de preocupação com minha saúde (“Você parece cansado. Você está cuidando bem de sua saúde?”). A relação era recíproca e, assim, ofereceu-me a experiência tranqüilizadora de ser também o repositório de sua identidade e história, bem como um recurso para sua estimulação emocional, feedback e preocupação. Foi uma amizade duradoura com um rico fundo de lembranças comuns que podiam ser despertados por qualquer um de nós; algumas reminiscências — talvez um cenário trivial compartilhado somente por nós dois — vão permanecer adormecidas em mim a partir de sua morte, pois não haverá ninguém para ativá-las. Ele era amigo de muitos de meus amigos, e sua ausência implicará a inevitável perda da conexão que eu mantinha com eles por meio dele e que se demonstrava a cada vez que falávamos sobre os amigos, combinávamos encontrá-los e assim por diante. A dor de uma perda torna mais evidente a felicidade que possuíamos.Estendo-me nesta experiência complexa porque, por mais insubstituível que esta relação possa ser, a maioria de seus atributos não era peculiar a ela; é XI certo que ninguém pode compartilhar comigo aquelas lembranças de Herr Sultzberger, nosso aterrorizante professor de Música do jardim de infância, mas posso listar algumas amizades gratificantes, duradouras e íntimas além dessa, todas únicas, todas lembradas com carinho, todas intrínseca e individualmente não-essenciais para minha sobrevivência. A tempestade causada pela morte de meu amigo é paradigmática do efeito de algumas das muitas perdas que sofremos ao longo de nossas vidas, e das quais geralmente emergimos inteiros, embora de alguma forma modificados. O vácuo — de identidade, de história e continuidade, de estimulação emocional, de feedback social, de preocupação com a saúde, de validação, de responsabilidade — produzido pela perda de um dos elos que constituem nosso self-em-contexto é uma experiência universal. Para alguns, é a perda de uma relação preciosa — a morte de um dos pais, de um velho amigo, de um mascote fiel; para outros pode ser um atributo físico ou uma parte do corpo — uma pele jovem e lisa que começa a enrugar, ou um membro perdido em um acidente; pode ser o desaparecimento de uma projeção feita no futuro — a súbita consciência de que um sonho jamais será realizado — ou no passado — quando descobrimos que uma figura idealizada de nossa infância era corrupta. Outros são destituídos de um objeto querido ou propriedade valiosa — nosso primeiro carro foi roubado, um incêndio queimou todos os nossos álbuns de fotografias; ou vêem valores que lhes são caros desaparecerem — o exército de nosso país invade um país estrangeiro, ou Kennedy é assassinado. E tantos entre nós passam por mudanças de contexto — emigramos, deixando para trás ícones, marcadores e amigos. As perdas são o fantasma de todas as propriedades, materiais ou imateriais. Qual é o processo pelo qual nos curamos desta experiência de sofrimento, pelo qual esta intolerável ausência se torna tolerável, pelo qual este vazio existencial é preenchido? E mesmo se despirmos essas perguntas de toda a sua carga de drama e nos detivermos no destino de uma perda menor, a pergunta ainda permanece intrigante. Qual é o papel das introjeções e das outras pessoas — familiares, amigos, conhecidos — no processo de luto? E onde acontece a cura? No território íntimo do imaginário individual? Na arena consensualmente validada do modo como as coisas são contadas e a realidade é construída? Na complexa galeria de espelhos do mundo interpessoal? E, dentro deste mundo, o processo está na trama interativa íntima e intensa de nossa família imediata ou no tecido mais amplo de nossa rede social? Ela ocorre em todos esses lugares, ou, mais precisamente, a experiência é totalmente singular para cada indivíduo-em-contexto, e a conceitualização do processo é uma função dos construtos do narrador/observador: os modelos são as redes ideológicas que apreendem, organizam e atribuem sentido ao que está lá fora. As experiências, por mais quentes que possam ser quando são sentidas, são esfriadas pelo efeito mediador da linguagem, o qual, por sua vez, é organizado por modelos conceituais implícitos ou explícitos. O quente e o frio exaltam um ao outro neste livro. Enquanto estive imerso nestas páginas, descobri-me vivenciando emoções intensas evocadas pelos temas e personagens que habitam seus capítulos, além de um rico prazer estético ao visitar os multiplos modelos pelos quais os processos são discutidos pelas organizadoras, Froma Walsh e Monica McGoldrick, e pelos diversos colaboradores desta obra. Por vezes, eu gravitava em direção a uma poltrona aconchegante, onde, aninhado em uma colcha quase pesada demais, e com Mahler propiciando a ambientação adequada, lia partes deste livro como um romance. XII Houve capítulos, não tenho dúvidas, nos quais EU era o personagem principal — pelo menos essa era minha impressão —, enquanto outros aludiam a um ou outro de meus pacientes — provavelmente intrigados agora com por que tantas lágrimas, por que tantos rituais. Este livro foi para mim tanto uma aventura de autodescoberta quanto uma experiência profissional enriquecedora e desafiante. Ele expandiu minha capacidade de pensar e, assim, de falar e, então, de observar e, então, de agir e, portanto, de refletir a respeito de um dos temas universais da experiência humana. Eu não poderia desejar uma melhor jornada para o leitor. Carlos E. Sluzki, M.D. Chairman,Department of Psychiatry Berkshire Medical Center XIII Algumas Reflexões Pessoais sobre a Perda Ano passado foio vigésimo aniversário da morte de minha mãe. Seu falecimento, é claro, não encerrou nosso relacionamento, e eu nunca deixei de sentir sua falta. Eu queria encontrar uma maneira significativa de comemorar sua perda. Seus dons de pianista e organista e o amor pela música que tínhamos em comum me fizeram recordar os sinos do carrilhão da Capela Rockefeller do meu campus na Universidade de Chicago. Marquei um concerto simples de sinos para a noite do aniversário. Meu marido, John, minha filha, Claire, e eu subimos até o topo da torre dos sinos, onde está o órgão do carrilhão, e observamos a vista da cidade enquanto os sinos dobravam harmoniosamente no ar revígorante da noite. Eu não estava em absoluto preparada para a prolongada doença de minha mãe, que aconteceu em meados de meus 20 anos. Perfeitamente enquadrada na descrição de Erikson do adulto jovem normal, eu tinha saído de casa, estava desenvolvendo com sucesso minha própria carreira e prestes a assumir o compromisso do casamento. Como muitos de meus pares, eu estava em um intenso programa de estudos de graduação, a 2000 milhas da casa de meus pais. Somente mais tarde minha formação em desenvolvimento humano veio me proporcionar uma perspectiva normativa útil dos imperativos inerentemente incompatíveis do ciclo de vida (os quais descrevi em meu capítulo sobre a vida adulta na obra As mudanças no ciclo de vida familiar. Porto Alegre: ArtMed, 1995). Naquela época, meu conflito foi intensificado por minha consciência — e pelo comentário de minha mãe de que eu estava muito ocupada como profissional ajudando famílias no setting clínico, mas sequer estava por perto quando minha própria família precisava de apoio, conflito este agravado por minha posição de filha única. Antes e depois da morte de minha mãe, fui elogiada por meus colegas de profissão e supervisores por minha “força”, “resiliência” e bom funcionamento, pois não deixei de cumprir nenhuma das exigências de meu prosso de formação. Meus novos sogros, impossibilitados de irem ao funeral e desejosos de nos poupar de uma interação dolorosa, nunca mencionaram a morte de minha mãe em nossos encontros. XV A negação de nossa cultura do impacto da perda, combinada com o mito de que os adultos jovens são desapegados de seus pais, contribuiu para a minimização da importância de minha ligação e minha perda. As questões não-resolvidas ficaram ocultas, emergindo em meus outros relacionamentos, até que resolvi ir em busca de meu próprio trabalho de família de origem, facilitado em parte por Jeanette Kranier e por muitas conversas com Monica sobre nossas famílias. A partir dessa experiência aprendi a aconselhar meus alunos e outros a reservarem um tempo em suas vidas frenéticas e compromissos excessivos para o que pode ser a última oportunidade de passar algum tempo com um ente querido que está morrendo, ou, após uma morte, a acharem tempo e espaço para o apoio familiar mútuo e a atenção pa suas próprias questões relativas à perda. Minha experiência com a morte de minha mãe me ensinou a agir de forma diferente com relação a meu pai. Com o ímpeto adicional do filme “I Never Sang for my Father “, mostrado em um Simpósio do Instituto da Família de Georgetow parei de adiar os esforços que sempre tinha querido fazer para melhorar nos relacionamento e conhecê-lo melhor. A orientação valiosa de Murray Bowen uma viagem de uma ponta à outra do país com Monica prepararam o caminho. Meu relacionamento com ele tinha se aprofundado muito quando, alguns anos antes, ele tinha recebido um diagnóstico de câncer e uma previsão de apenas alguns meses de vida. Meu comprometimento não era menor a 1000 milhas de distância, com um novo cargo de reitora, um casamento e um bebê de 10 meses. Ironicamente, eu estava enfrentando a mesma situação de morte de um dos avós, coincidindo com o nascimento de um filho que Monica e eu tínhamos investigado em projetos de pesquisa clínica. Tínhamos observado o estresse inerente às tarefas conflitantes do ciclo de vida: cuidar de um pai que está morrendo e fazer seu luto justaposto às exigências da maternidade e ao apego a um filho nascido na mesma época. Em contraste com as famílias com bom funcionamento que vivenciavam uma perda e um nascimento coincidentes, as famílias mais disfuncionais não conseguiam fazer o luto. Quando me vi subitamente envolvida no mesmo dilema, a pesquisa reforçou minha percepção da importância crucial de dedicar atenção à questões da perda, equilibrando os dois conjuntos de exigências. Coloquei o trabalho de lado e mobilizei recursos em casa para poder ficar com meu pai, acompanhar suas hospitalizações, desocupar seu apartamento e organizar seus pertences, colocá-lo em uma residência com cuidados especializados e organizar seu funeral — um conjunto exaustivo de desafios para uma filha única sem parentes vívendo próximos. A certeza de que meu filho estava sendo bem cuidado em minha ausência aliviou as dificuldades inerentes. Embora sofrendo com a perda de meu pai, e estava em paz com nosso relacionamento e grata por aqueles longos dias que passava sentada em silêncio ao lado de sua cama. Fiquei triste, e até mesmo com raiva por algum tempo, porque o irmão de meu pai não veio vê-lo em seus últimos dias, nem me deu seu apoio. Mas depois me dei conta de que as súbitas palpitações cardíacas que o fizeram cancelar sua viagem (e desapareceram logo depois do funeral) devem ter expressado a dor em seu coração pela perda iminente do último irmão que lhe restava, uma vez que o terceiro havia sido assassinado a tiros, alguns anos antes, em um assalto à empresa que ambos administravam juntos. Ainda mais insuportável havia sido a recente doença e morte de sua jovem nora, com um impacto devastador sobre seu filho (um veterano do Vietnã) e três netos pequenos, que ele amava muito. Superamos tais problemas e renovamos nossa intimidade. XVI Minha filha aprendeu pela primeira vez sobre a morte e a perda na maravilhosa história Cliarlotte’s Web, em uma fita de vídeo que ganhou de Monica, que é sua madrinha, em seu quarto aniversário. A história, a que assistimos muitas, muitas vezes, motivou belas conversas a respeito da relação especial entre a aranha e o porco, a normalidade da morte no ciclo da vida, a tristeza da perda e a importância de conservar as lembranças e formar novos laços. Tambem aprendi muito com todas as vezes em que eu mesma estive próxima da morte, forçando-me a confrontar o terror de minha própria mortalidade e me surpreendendo com uma maior (e, por vezes, desconfortável) clareza de visão. Tais experiências, juntamente com a perda dos seres amados, fizeram-me mais consciente de quão precioso é o tempo, aguçaram meu sentido de prioridade, diminuíram minha tolerância a bobagens e catalisaram mudanças no curso de minha vida, afirmando valores e ligações humanas mais profundas. Froma Walsh Embora fôssemos irlandeses, minha família cresceu tentando ser WASP*(1) e, talvez por esta razão, parecia ter uma atitude “sem frescuras”, de evitação quanto à morte. Quando eu estava no segundo grau, meu professor predileto morreu de melanoma. A família dele e a minha eram amigas íntimas, mas tínhamos recém nos mudado e por isso não fomos ao funeral. Eu não tive chance de elaborar essa experiência — com a família dele, seus amigos e os meus. Em 1961, logo após ter retornado de meu primeiro ano na faculdade, minha babá morreu, após um derrame. Ninguém tinha me contado que ela estava morrendo, e eu não cheguei a vê-la antes de morrer. Ela tinha me criado desde o nascimento, trançado meu cabelo todos os dias, conhecido os segredos de minha infância e me ensinado tudo o que sabia por 17 anos, maseu fui protegida de vê-la antes de morrer. Seu funeral foi presidido por um padre que não a conhecia, e nós não fomos ao enterro. Por meses eu ficava imaginando que a via na rua. Somente visitei sua sepultura 27 anos depois, quando pedi que sua sobrïnha me levasse até lá e finalmente soube qual era seu nome do meio. Em abril de 1964, meu namorado da faculdade morreu em um acidente de carro. Seu melhor amigo e eu, ambos devastados pela experiência, decidimos não ir ao funeral — ele foi sepultado muito longe, nós não conhecíamos sua famifia e ninguém nos estimulou a ir. Eu levei dois anos para ir. até sua cidade natal, de Allentown, na Pennsylvania, e visitar seu túmulo. Minha fantasia era de que eu ia encontrar um pequeno cemitério rural e caminhar entre as lápídes até encontrar a dele. Mas eu não teria tanta sorte, o que descobri ao chegar lá e me deparar com uma grossa lista telefônica com numerosas igrejas listadas. *(1) N.de T. . White Anglo Saxon Protestant: protestantes brancos e anglo—saxões, a classe dominante nos Estados Unidos. XVII Telefonei para a mãe dele, que agiu como se estivesse me esperando o tempo todo e soubesse exatamente do que eu precisava. Ela veio ao meu encontro imediatamente e me mostrou o local do acidente no caminho até o cemitério. Ela me contou a história da morte dele e me deixou a sós por algum tempo em frente ao túmulo, antes de me levar para sua casa, onde conheci outros membros da família. Ela até mesmo se desculpou depois por não ter me preparado para o choque dc conhecer o irmão de meu namorado morto, que era extremamente parecido com ele. Essa experiência serviu para que eu elaborasse algo que tinha sido uma obsessão por dois anos. Dei-me conta da diferença crítica que faz sentir-se enlutado e compartilhar o luto. Quando minha avó morreu, em 1966, só fui informada de seu falecimento duas semanas depois e, por isso, não fui ao funeral, apesar de morar muito próxima. Em março de 1971, Mamie, minha tia favorita, morreu de velhice em uma clínica geriátrica em Staten lsland. Ela tinha sido o Papai Noel da minha infância, chegando para nos visitar com sacolas de livros e balas. Ela, mais do que ninguém, era a historiadora da família. Ela nos falava de seus irmãos Din, Tim, Tom, Dan e Jack, e principalmente de meu avô Neil. E ela nos contava a respeito de nossos muitos primos, que amava como a seus filhos, e sobre o que eles andavam fazendo. Ela também falava com freqüência de sua própria morte, e sempre dizia: “Quero que meu cortejo saia da Casey, e quero estar de óculos, para poder ver quem vai estar lá”. Eu fui a primeira a chegar na casa funerária de Casey* (1) para o velório. Ela não estava de óculos, e pedi ao responsável que os buscasse. Ela sabia como era importante que as pessoas viessem — para compartilhar e fazer parte do luto. Era um pedido essencial, que devia ser honrado. Minha família parece ter mudado muito sua atitude em relação à morte desde aqueles primeiros anos. Quando meu pai morreu, em 1978, compartilhei sua morte com minha mãe. Eu fiquei sozinha com ele durante as horas anteriores ao seu falecimento e, no momento de sua morte, quis certificar-me de que a janela estava aberta para que seu espírito pudesse sair, de acordo com a antiga superstição irlandesa. Minha mãe, minhas irmãs e os amigos da família estavam envolvidos em planejar uma despedida que refletisse o que ele significava para todos nós. As idéias deste livro se desenvolveram em mim por 30 anos a partir dessas experiências formativas. Monica McGoldrick *(1) N. de T. Nos países anglo-saxões, os el rios, são realizados em casas funerárias especializadas, e de lá o féretro é levado em cortejo para o cemitério, diferentemente da tradição brasileira de velar o corpo nas capelas dos cemitérios. XVIII Sumário 1 A PERDA E A FAMILIA: UMA PERSPECTIVA SISTEMICA........................27 Froma Walsh e Monica McGoldrick 2 UM TEMPO PARA CHORAR: A MORTE E O CICLO DE VIDA FAMILIAR.....................................................................................................................56 Monica McGoidrick e Frorna Walsh 3 ECOS DO PASSADO: AJUDANDO AS FAMÍLIAS A FAZEREM O LUTO DE SUAS PERDAS............................................................................................................. 76 4. A REAÇÃO DA FAMÍLIA À MORTE ...............................................................105 Murray Bowen 5. O LUTO OPERACIONAL E SEU PAPEL NA TERAPIA FAMILIAR CONJUNTA ................................................................................................................118 Norman L. Paul e George H. Grosser 6. O LEGADO DA PERDA .......................................................................................129 Monica McGoldrick 7. OS ROTEIROS FAMILIARES E A PERDA ........................................................153 John Byng-Hall 8. AJUDANDO FAMÍLIAS COM PERDAS ANTECIPADAS............................. 166 John S. Rolland 9. A PERDA AMBÍGUA ...........................................................................................187 Pauline Boss 10. O LUTO EM DIFERENTES CULTURAS.........................................................199 Monica McGoldrick, Rhea Almeida, Paulette Moore Hines, Elliott Rosen, Nydia Garcia Preto e Evellyn Lee 11. OS RITUAIS E O PROCESSO DE ELABORAÇÃO.......................................229 Evan Imber-Black 12. NOVAS E ESTRANHAS FORMAS DE ABORDAR A CULPA.....................246 David Epston 13. SUICÍDIO DE ADOLESCENTES: A PERDA DA RECONCILIAÇÃO........263 Steven E . Gutstein 14. PADRÕES INTERGERACIONAIS DE PERDA TRAUMÁTICA: MORTE E DESESPERO EM FAMÍLIAS DE DROGADICTOS........................ 282 Sandra B. Coleman 15. A MORTE NA FAMÍLIA DO TERAPEUTA ...................................................295 Betty Carter ÍNDICE REMISSIVO ................................................................................................307 Introdução O tema da morte é o último tabu no campo da terapia de família. Nossa teoria, pesquisa e prática confrontararn problemas intimidantes como a esquizofrenia, o abuso de substâncias, a violência familiar e o incesto, e, ainda assim, raramente abordamos o tópico da perda. De todas as experiências da vida, a morte impõe os desafios adaptativos mais dolorosos para a família como sistema e para cada um de seus membros individualmente, com ressonâncias em todos os seus outros relacionamentos. A negação da morte em nossa sociedade aumenta esta dificuldade. A sociedade americana lida muito mal com a morte, negando seu impacto, removendo os moribundos de seus lares e comunidades e não sendo capaz de ofercer suportes culturais para ajudar as famílias em seu processo de adaptação à perda. Ao mesmo tempo, os avanços da Medicina cada vez mais colocam as famílias frente a decisões sem precedentes relativas à vida e à morte. Apesar disso, o campo da terapia familiar, assim como o da saúde mental e a sociedade mais ampla na qual estão inseridos, têm dedicado escassa atenção à perda. Curiosamente, até a publicação deste livro, não havia um único livro sobre o impacto da morte na família em toda a literatura especializada, ou, de forma mais ampla, no campo da saúde mental.*(1) Os poucos artigos de orientação sistêmica que contribuem para nosso entendimento da perda estão espalhados em jornais e textos com múltiplos tópicos, não sendo vistos nem integrados pela maior parte dos estudantes e profissionais de terapia familiar. Nas disciplinas de saúde mental e ciências sociais, a atenção à morte e ao luto carece de uma perspectiva sistêmica, e a família é vista como um pano de fundo que estimula ou dificulta a recuperação dos indivíduos frente à perda. Devido a este foco tão estreito no indivíduo quesofre e em sua relação direta com o membro da família falecido, o impacto familiar da perda deixa de ser investigado, incluindo os efeitos imediatos e de longo prazo sobre os pais, os filhos,os irmãos, a família extensa e outros que podem até mesmo não ter conhecido o morto, mas que são tocados por suas relações com os sobreviventes. *(1) Enquanto este livro eslava sendo impresso, foi publicado excelente texto de Elliott Rosen sobre famílias que enfrentam doenças terminais, intitulado families facing death: family dynamics of terminal illness. XXI Além disso, a teoria e a prática têm se fundamentado em premissas suposições não comprovadas a respeito do luto “normal”, em contraste com o “anormal”, patologizando as experiências que não se encaixam nos padrões do primeiro. É necessário que reconheçamos a importância dos processos familiares na mediação do impacto da perda, na promoção do controle e do crescimento ou na contribuição para a disfunção. Este entendimento requer a valorização da diversidade nas respostas individuais, familiares e culturais à perda. Além disso, a teoria e a pesquisa sobre o desenvolvimento têm se concentrado predominantemente nas conseqüências da perda dos pais na infância (principalmente a da mãe, havendo uma tendência a ignorar a perda do pai). A perda de um dos pais ou de um irmão na vida de um adulto jovem permanece particularmente inexplorada. Precisamos examinar o impacto diferencial da perda nos vários estágios do ciclo de vida da família, para membros em diversos papéis e relacionamentos e para a família como unidade funcional. Embora a teoria dos sístemas familiares tenha introduzido um novo paradigma para o entendimento da rede de relações na família, o impacto sistêmico da perda permaneceu em grande parte inexplorado. Com a ascendência dos modelos estruturais e estratégicos de terapia familiar, a atenção passou a concentrar-se nos processos transacionais do “aqui e agora”, e nas “co-construções da realidade”. O fato inescapável da morte, as relações com os membros mortos ou moribundos e suas ressonâncias através do sistema como um todo ficaram de fora do quadro das investigações e observações. Jay Haley expressou-se sucintamente: “Eu não acredito em fantasmas”. Mesmo quando a importância de uma morte específica é notada, nossa teoria carece de um referencial para compreender o impacto devastador que certas perdas podem ter nos processos familiares, e confere pouco sentido aos problemas que podem surgir pela incapacidade de uma família de fazer o luto de suas perdas. Somente uns poucos pioneiros da terapia familiar abordaram o impacto familiar da perda. Há 25 anos, Norman Paul descreveu pela primeira vez os efeitos do luto nao resolvido sobre os outros relacionamentos, especialmente na disfiinção conjugal. Murray Bowen, aproximadamente na mesma época, chamou a atenção para o impacto perturbador da morte ou da ameaça de perda no equilíbrio funcional de uma família, descrevendo a onda de choque emocional que reverbera por todo o sistema familiar por muito tempo após a perda de um membro importante. Nosso interesse no tema da perda e o desenvolvimento deste livro caminham paralelamente ao crescimento de nossa relação como amigas e colegas por mais de 20 anos. No início dos anos 70, envolvidas em projetos separados de pesquisa familiar em diferentes partes do país, compartilhávamos nossos insights e hipóteses a respeito dos padrões intergeracionais de luto não resolvido que observávamos no trabalho com famílias de pacientes esquizofrênicos, com outros distúrbios graves e com famílias de filhos normais. Ao longo dos anos, influenciadas pelas idéias seminais de Paul e Bowen sobre a perda e pelos trabalhos de muitos dos que contribuíram para este livro, continuamos a discutir nossos casos clínicos e de pesquisa, assim como a avançar nossas próprias formulações e intervenções sistêmicas. XXII Recentemente, tem ocorrido um grande número de progressos na teoria, na pesquisa e na prática clínica em torno da perda nas famílias, mas com pouco contato entre os inovadores. Para reunir os líderes de nosso campo para uma troca frutífera, nós, juntamente com Norman Paul, organizamos um Colóquio Internacional sobre a Perda e a Família em julho de 1988, em Ballymaloe, na Irlanda. Foi uma reunião excepcionalmente estimulante. Entre muitas apresentações de especialistas, nós (Monica e Froma) decidimos trazer nosso diálogo para um nível mais pessoal. Em vez de apresentarmos nossos trabalhos, decidimos usar nosso tempo para explorarmos nossa própria mortalidade. Pedimos aos participantes, organizados em pequenos grupos, para se concentrarem no seguinte: explorem suas fantasias e temores a respeito de suas próprias mortes. Considerem as seguintes perguntas: Quanto tempo você espera viver? Como você imagina sua morte? Que tipo de ritos funerários você gostaria que fossem realizados quando você morrer? Que heranças você deixaria? A experiência foi extraordinariamente significativa. Ao confrontarmos as questões universais da mortalidade e da perda, a hierarquia e as fronteiras comumente construídas entre o “especialista” e o “cliente/paciente/ família” se apagaram. Mais do que isso, fomos todos tocados pelo poder dos legados de perda em nossas próprias famílias e ambientes culturais, e pela relevância de diferentes questões, dependendo de nossos estágios no ciclo de vida familiar. A Conferência internacional sobre a Perda galvanizou nosso interesse comum no desenvolvimento de um livro a respeito da perda desde uma perspectiva sistêmica. Como a conferência, a idéia deste livro foi gerada por um ímpeto de reunir os melhores trabalhos na área da perda e famílias, incluindo artigos clássicos de Paul e Bowen publicados há muito tempo, e trabalhos novos que representam o que há de mais inovador no desenvolvimento da teoria, na pesquisa e na prática clínica. Embora quase todos os autores deste livro tenham apresentado seus textos na Conferência Internacional da Irlanda, ele não é uma compilação dos trabalhos do congresso ou de seus desdobramentos, os quais teriam produzido um tomo volumoso. Tentamos selecionar as idéias sistêmicas mais importantes e os esforços de pesquisa mais relevantes para a prática clínica. Este livro é o primeiro a examinar o impacto da perda sobre o sistema familiar e a considerar tanto os processos normativos como os disfuncionais em relação a cada passagem no ciclo da vida das famílias e a seu contexto cultural. Embora muito já tenha sido escrito sobre a perda com um foco individual ou dual, os textos desta obra examinam a perda enquanto um fenômeno familiar multifacetado — propagando-se por todo o âmbito familiar e transmitindo-se para a próxima geração. Os capítulos deste livro, embora abordem aspectos diferentes da perda, tem em comum uma perspectiva sistêmica, com certas premissas básicas. A família vivencia e reage à perda como um sistema de relações, no qual todos os membros participam de interações mutuamente reforçadoras. A perda tem XXII implicações para como a família vai se adaptar a experiências posteriores e para indivíduos não diretamente relacionados ao membro que morreu. Os padrões postos em ação quando da morte de um membro da família têm tanto um impacto imediato como ramificações a longo prazo no desenvolvimento familiar, no curso do ciclo de vida e por muitas gerações. Nosso interesse no impacto familiar da perda reflete uma perspectiva evolutiva multigeracional. Mais do que entender os eventos que cercam uma morte como causas patológicas de distúrbios, nós os vemos como transições normativas no ciclo de vida familiar, que carregamum potencial de crescimento e desenvolvimento, bem como de perturbações momentâneas ou disfunções a longo prazo. Entendemos que a resposta familiar à perda é tão crítica na adaptação quanto à morte. As famílias influenciam o modo como o evento é vivenciado e seus reflexos a longo prazo. Concentrando-se nos processos familiares, os clínicos podem promover uma adaptação saudável à perda e fortalecer a unidade familiar para enfrentar os outros desafios da vida. Tendo em comum uma perspectiva multigeracional da perda, tomamos o cuidado de dedicar atenção aos legados das perdas passadas no sistema familiar em todas as avaliações e intervenções clínicas. Igualmente importante é o fato de nossa consideração da perda levar em conta a diversidade cultural nos processos de luto. Neste livro, os autores trazem áreas especiais de conhecimento e uma variedade de abordagens de intervenção para lidar com diversas questões relevantes para os profissionais, tais como o suicídio de adolescentes, as heranças intergeracionais e a morte na família do terapeuta. A perda de um filho, de um dos pais, de um cônjuge e de um irmão é explorada. Diretrizes e técnicas clínicas úteis são oferecidas para a avaliação e intervenção com famílias que antecipam uma perda, para aquelas recentemente enlutadas e para membros de famílias que vivenciam complicações de longo prazo. Nos capítulos 1 e 2, Froma Walsh e Monica McGoldrick apresentam uma orientação sistêmica e uma perspectiva do ciclo de vida sobre a perda. No capítulo 3, Monica McGoldrick elabora diretrizes para a avaliação e a intervenção clínicas produzidas a partir deste referencial em seu trabalho com a perda. Os capítulos 4 e 5 apresentam as idéias fundamentais de Murray Bowen e Norman Paul em seus agora clássicos artigos iniciais. No texto seguinte, Monica McGoldrick oferece uma explicação fascinante dos legados multigeracionais da perda em diversas famílias proeminentes. A seguir, John Byng-Hall, cujo persistente trabalho sobre os processos de transmissão intergeracional foi de grande interesse para nós duas, propicia um rico exemplo de seu trabalho clínico sobre os roteiros familiares e a perda. Também influenciado pelo conceito de roteiros em seu trabalho a respeito dos sistemas de crenças das famílias, John Rolland contribui com um texto sobre o tópico negligenciado da perda antecipatória, baseado em seu modelo evolutivo dos sistemas familiares com doenças crônicas e fatais. Intimamente relacionada a isto está a situação de perda ambígua, descrita no artigo seguinte por Pauline Boss, cujas pesquisas representam um marco no delineamento dos efeitos prejudiciais da ambigüidade que cerca a perda no funcionamento familiar e o controle das experiências de perda. XXIV O importante tema da diversidade cultural do luto requer muitas perspectivas. Monica e suas colegas Nydia Garcia-Preto, Paulette Moore Hines, Evelyn Lee, Rhea Almeida, juntamente com Elliott Rosen, resumem seu trabalho sobre as diferenças culturais nas crenças a respeito da perda e nas práticas de luto. A seguir, Evan Imber- Black aplica suas ricas idéias sobre a importância dos rituais que marcam as transições familiares para os problemas específicos da perda. Depois. David Epston, que trabalha em freqüente colaboração com Michael White, nos estimula com suas intervenções inovadoras sobre a perda a partir de sua perspectiva comum de recriação das narrativas familiares. Steven Gutstein oferece uma abordagem criativa e efetiva da rede familiar no suicídio de adolescentes, um tema no qual tem trabalhado por muitos anos. O capítulo de Sandra Coleman apresenta uma perspectiva de suas importantes pesquisas, em conjunto com vários colegas ao longo dos anos, que investigam os padrões intergeracionais traumáticos de perda em famílias de usuários de substâncias e sua ligação com o comportamento autodestrutivo da adição. Finalmente, guardamos para o final um maravilhoso texto de Betty Carter, apresentado em um Simpósio de Georgetown há muitos anos, que relata seus esforços para lidar com questões de sua família de origem em torno da morte iminente de seu pai. Este livro pretende proporcionar um texto útil para profissionais que trabalham com membros de famílias lidando com a ameaça da perda, com as conseqüências imediatas de uma morte e com os efeitos a longo prazo de uma perda passada. A perspectiva e as intervenções familiares sistêmicas com a perda devem se mostrar valiosas na formação e na prática de uma grande gama de profissionais, incluindo (1) terapeutas de família, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras; (2) médicos de família, enfermeiras e outros profissionais de saúde que trabalham em hospitais, asilos e ambulatórios; (3) religiosos, conselheiros pastorais e pessoal de casas funerárias. Ele também vai servir apropriadamente como um texto básico para cursos universitários que abordem a morte, o morrer e o impacto da perda. Existem sinais de que nossa sociedade e nosso campo de atuação estão começando a confrontar questões familiares cruciais a respeito da morte e da perda. Este livro não é apenas oportuno; a investigação destas questões já é devida há muito tempo. O medo da morte é o nosso terror mais profundo, e a morte de um ente querido é nossa tristeza mais profunda. Devemos desafiar o tabu que silenciou o campo da terapia de família e os outros profissionais em torno do tema da morte, obscurecendo nosso reconhecimento das questões da perda e bloqueando nossa comunicação com as famílias e nossa capacidade de ajudá-las. Esperamos que este livro sirva para quebrar este último tabu. XXV 1. A Perda e a Família:Uma Perspectiva Sistêmica FROMA WALSH e MONICA MCGOLDRICK Por toda a história e em todas as culturas, os rituais de luto facilitaram não apenas a integração da morte, mas também as transformações dos sobreviventes. Cada cultura, a seu modo, oferece assistência à comunidade dos sobreviventes para que sigam adiante com suas vidas. Em Hong Kong, quando as pessoas deixam um funeral chinês, elas recebem um envelope contendo três itens: um pedaço de pano branco, para secar as lágrimas; uma bala, para lembrá-las da doçura da vida e para ser dividida com outros sobreviventes; e uma moeda, como símbolo do antigo costume de reembolsar parentes e amigos pela viagem para o funeral, para que eles não sofressem ainda mais perdas. A partir de uma perspectiva familiar sistêmica, a perda pode ser vista como um processo transacional que envolve o morto e os sobreviventes em um ciclo de vida comum, que reconhece tanto a finalidade da morte como a continuidade da vida. Atingir o equilíbrio neste processo é a tarefa mais difícil que uma família deve enfrentar em sua vida. Este capítulo vai apresentar uma visão sistêmica da perda, considerando o impacto da morte de uma pessoa sobre a família enquanto unidade funcional, com ressonâncias imediatas e de longo prazo para cada um de seus membros e para todos os relacionamentos. Embora reconheçamos a diversidade das respostas culturais, individuais e familiares à perda (ver McGoldrick, Almeida, Hines, Preto, Rosen & Lee, capítulo 10), consideramos os processos familiares como determinantes cruciais da adaptação saudável ou disfuncional à perda. Vamos identificar as principais tarefas familiares que, em nossa experiência, promovem o processo de elaboração da perda e retomada da vida. Vamos examinar variáveis cruciais que podem tanto facilitar a adaptação ou complicar o processo e contribuir para disfunções imediatas ou a longo prazo. Estes fatores dizem respeito à forma da morte, à família e à rede social, ao momento da perda no cicloda vida familiar e ao contexto sociocultural da perda. Nas sociedades ocidentais antes do presente século, as pessoas morriam em casa e mesmo as crianças não eram protegidas da visão e dos cheiros da morte. 27 Como ainda prevalece nas comunidades pobres do mundo todo, as famílias tinham que lidar com a precariedade da vida, com a morte que atingia tanto os jovens quanto os idosos. Com as altas taxas de mortalidade para bebês, crianças e mulheres durante o parto, juntamente com uma expectativa de vida muito mais baixa (em média 47 anos em 1900, nos EUA), era raro crescer sem vivenciar uma morte na família imediata. A morte de um dos pais muitas vezes desfazia as famílias nucleares e as reorganizava de outras formas, produzindo redes complexas de relações completas, de meio parentesco e de parentesco não-sangüíneo, além de vastos sistemas de parentesco extensos (Scott & Wishy, 1982). Portanto, a nostálgica imagem americana da família normal como intacta é um mito (Walsh, 1983a); nossa negação da morte contribui para sua manutenção. Em nosso tempo, passamos a esconder a morte, tornando o processo de adaptação à perda ainda mais difícil. Em contraste com as culturas tradicionais, nossa sociedade carece de suportes culturais para ajudar as famílias a integrarem o fato da morte à vida que continua (Aries, 1974, 1982; Becker, 1973; Mitford, 1978). As distâncias geográficas separam os membros das famílias nos momentos de morte e de morrer. A prática e a tecnologia médica complicaram o processo, removendo a morte da realidade cotidiana, ao mesmo tempo em que confrontam as famílias com decisões sem precedentes relativas a prolongar ou terminar a vida. Mais recentemente, as famílias começaram a se organizar em esforços para resgatar para si o processo do morrer. A morte, obviamente, não é a única perda. A separação conjugal ou o divórcio, a troca de emprego ou casa, a diminuição do funcionamento em decorrência de uma doença crônica ou o nascimento de um filho deficiente também envolvem perdas, inclusive as de nossos sonhos e expectativas. Qualquer mudança em nossas vidas, incluindo aquelas desejadas, como o casamento ou a aposentadoria, requer uma perda. Levemos desistir ou alterar certas relações, papéis, planos e possibilidades para termos outras. E todas as perdas requerem um luto, que reconheça a desistência e transforme a experiência, para que possamos internalizar o que é essencial e seguir em frente. Qualquer que seja a forma e as circunstâncias, o luto deve ser experimentado. Investigações recentes feitas por Wortman e Silver (1989) e sua análise de um amplo campo de pesquisas confirmam que as respostas de luto variam enormemente. Ao mesmo tempo, estudos epidemiológicos descobriram que a morte de um membro da família aumenta a vulnerabilidade à doença e à morte prematura dos membros sobreviventes da família (Osterweis, Solomon & Green, 1984), em especial para cônjuges viúvos ou pais que perderam um filho recentemente (Huygen, van de Hoogen, van Eijk & Smits, 1989). Além disso, as crises evolutivas da família foram ligadas ao aparecimento de sintomas em um de seus membros (Hadley, Jacob, Mliones, Caplan & Spitz, 1974). Em vista das profundas conexões entre OS membros de uma família, não é surpreendente que o ajustamento à perda por morte seja considerado mais difícil do que qualquer outra mudança na vida (Holmes & Rahe, 1967). Contudo, em nossa revisão da vasta literatura clínica e de pesquisa a respeito da perda, impressionou-nos a negligência com o foco familiar. Houve 28 contribuições importantes para nosso entendimento do processo de morrer (Kübler- Ross, 1969; Worden, 1982), e esforços para distinguir entre o luto “normal” e o patológico nos sobreviventes individuais, desde o tratado de Freud sobre o luto e a melancolia (1917) até os inovadores estudos de I3ecker (1973), Bowlby (1961, 1980), Engel (1961, 1975), Glick, Weiss e Parkes (1974), Lindemann (1944), Parkes (1972, 1975) e Pollock (1961). Entretanto, particularmente nas contribuições com uma perspectiva psicanalítica, a consideração da família ficou estreitamente limitada à relação dual entre um indivíduo sintomático e o parente morto (por exemplo, Pinkus, 1974; Schiff, 1977; Viorst, 1986). No melhor dos casos, é observada a reação de outros, solidários ou não, à experiência desta pessoa enlutada (por exemplo, Wortman & Silver, 1989). Supõe-se que os membros assintomáticos da família estejam se ajustando normalmente, sem uma avaliação do sistema de interação. Além disso, a teoria e a pesquisa sobre o desenvolvimento, concentradas predominantemente nos efeitos da perda dos pais na infância para o desenvolvimento individual (por exemplo, Furman, 1974), negligenciaram o impacto da perda nos diferentes estágios do ciclo de vida familiar, para vários membros e para a família como uma unidade funcional (ver McGoldrick & Walsh, capítulo 2). De modo geral, o campo da saúde mental falhou em apreciar o impacto da perda sobre a família como um sistema de interação. Uma resposta individual que pude ser funcional — ou disfuncional — para uma pessoa tem conseqüências para os outros membros da família e relacionamentos que só podem ser apreciadas através de um exame do sistema. Uma atenção insuficiente tem sido dada aos efeitos imediatos e de longo prazo para os irmãos, pais, filhos e para a família extensa. Os legados da perda encontram expressão em padrões continuados de interação e influência mútuas entre os sobreviventes e entre as gerações (ver McGoldrick, capítulo 6). A dor da morte toca todas as relações dos sobreviventes com os outros, alguns dos quais podem nem mesmo ter conhecido a pessoa que morreu. UMA PERSPECTIVA SISTÊMICA DA PERDA É notável que em toda a literatura do campo da terapia de família não haja um único livro sobre a perda. Embora a teoria dos sistemas familiares tenha introduzido um novo paradigma para o entendimento das relações familiares, o significado particular da perda foi abordado por apenas alguns teóricos sistêmicos, mais notavelmente Murray Bowen e Norman Paul. Em seu clássico trabalho de 1976 (capítulo 4 deste volume), Bowen afirmou de forma ousada sua posição sobre o papel da morte nas famílias, um tema sobre o qual ele já pensava há 30 anos: O pensamento direto a respeito da morte, ou o pensamento indireto a respeito de manter-se vivo e evitar a morte, ocupa mais do tempo do homem do que qualquer outro tema O principal entre todos os temas tabus é a morte. Uma grande porcentagem das pessoas morre só, presa em seus próprios pensamentos, 29 que não podem comunicar para os outros. Existem aí pelo menos dois processos em operação. Um é o processo intrapsíquico do self, o qual sempre envolve alguma negação da morte. O outro é o sistema fechado de relações: as pessoas não podem comunicar os pensamentos que têm, para não incomodarem a família ou os outros. Bowen descreveu o impacto perturbador da morte ou da ameaça de perda sobre o equilíbrio funcional de uma família, entendendo a intensidade da reação emocional enquanto governada pelo nível de integração emocional da família no momento da perda e pela importância funcional do membro perdido. Uma família mais integrada pode mostrar mais reações explícitas no momento, mas se adaptar rapidamente, em contraste com uma família menos integrada, que pode demonstrar pouca reação imediata mas responder posteriormente com problemas físicos ou emocionais. Bowen descreveu a onda de choque emocional que pode reverberar por todo o sistema familiar muito depois da perda de um membro importante da família: [Uma] rede de “tremores secundários subterrâneos” pode ocorrer em qualquer ponto do sistema familiar extenso nos mesesou anos que seguem a eventos emocionais sérios em urna família. Ela ocorre mais freqüentemente após a morte ou a ameaça de morte de um membro significativo da família, mas pode ocorrer após outros tipos de perda. Ela não está diretamente relacionada às reações usuais de sofrimento ou luto das pessoas próximas àquela que morreu. Ela opera em uma rede subterrânea de dependência emocional entre os membros da família. A dependência emocional é negada, os eventos sérios aparentam não ser relacionados, a família procura camuflar qualquer conexão entre os eventos e há uma vigorosa reação de negação emocional, na qual ninguém tenta relacionar os eventos entre si. Bowen sustentava que o conhecimento da onda de choque oferece informações vitais para a terapia, sem as quais a seqüência de eventos pode ser tratada como desconectada. Da mesma forma, ele considerava essencial avaliar a configuração familiar total, a posição de funcionamento do membro morto ou prestes a morrer e o nível geral de adaptação da família à vida, para ajudar seus membros antes ou após uma morte. Normal Paul foi o outro pioneiro da terapia de família a reconhecer o impacto profundo da perda nas famílias (Paul, 1967, 1980; Paul & Grosser, 1965; ver capítulo 5). Paul descobriu que, independentemente da aversão à morte e ao sofrimento, sua força será expressa de qualquer maneira. O sofrimento pela perda de um pai, irmão por outro membro importante da família, quando não é reconhecido e não recebe a devida atenção, pode precipitar a rejeição do cônjuge ou de um filho. Isto pode ocorrer logo após ou muito tempo depois da perda, como quando uma criança alcança a idade que o pai tinha no momento em que ela ocorreu. Em alguns casos, o trauma do sofrimento pode bloquear a intimidade ou interferir no comportamento sexual, sob a forma de retração ou disfunção sexual, casos extraconjugais ou mesmo envolvimento 30 incestuoso (Paul & Paul, 1982, 1989). Ele vê a tarefa terapêutica como a de trazer o sofrimento abortado à tona, para que ele possa ser elaborado como parte da experiência normal de vida da família. Com Betty Paul, sua valiosa colaboradora, Norman Paul devotou sua carreira clinica ao desenvolvimento de formas de confrontar o luto não reconhecido e lidar com seus efeitos nos relacionamentos subseqüentes. Suas maiores inovações foram com as confrontações e replay com fitas de áudio e vídeo, e com projeções justapostas da imagem de um cliente com uma foto de um pai morto. Em confrontações cruzadas, gravações de experiências de terapia com alta carga emocional de outras famílias proporcionam uma sanção para que as famílias considerem e compartilhem seus próprios sentimentos inacessíveis ou inaceitáveis de perda. Outros estímulos estressores, como poemas, cartas, clips de filmes ou literatura, podem ser usados para trazer os sentimentos dolorosos para a superfície (Paul, 1976; Paul & Paul, 1982, 1989). Tanto Bowen quanto Paul, em abordagens terapêuticas diferentes, enfatizaram a importância de aceitar a perda e modificar os padrões associados a ela. A despeito destes avanços inovadores, houve poucas contribuições para a literatura familiar com uma visão sistêmica da perda. Herz (1980, 1989) ampliou as idéias de Bowen, discutindo fatores-chave para a adaptação familiar. Nós mesmas articulamos uma perspectiva sistêmica da história e da perda (McGoldrick & Walsh, 1983), bem como os padrões normativos e as complicações da morte em diferentes fases do ciclo da vida (Walsh & McGoldrick, 1987; ver capítulo 2). Contudo, poucos pesquisadores trouxeram uma perspectiva sistêmica para o estudo da morte e da perda, especialmente Coleman e Stanton sobre o luto não resolvido em famílias de usuários de drogas (Coleman & Stanton, 1978; Stanton, 1977; ver Coleman, capítulo 14). Apenas uns poucos trabalhos clínicos em publicações sobre a família abordaram as ramificações sistêmicas da perda, notadamente os artigos de Welldon (1971), Howe e Robinson (1975), Wihiamson (1978), Reily (1978), Hare-Mustin (1979) e Kuhn (1981). Um livro útil para famílias que enfrentam uma morte iminente acaba de ser publicado por Rosen (1990). Em nossa visão, a desatenção da terapia familiar à perda anda de mãos dadas com a negação da morte em nossa cultura (Becker, 1973; McGoldrick & Walsh, [983). Ambas são problemáticas para as famílias que lidam com uma perda. Como nossa sociedade trata o sofrimento como um assunto particular, os clínicos, assim como os outros de fora da família, tendem a evitar fazer perguntas a respeito do impacto da perda, reforçando a “comunidade invisível dos enlutados” (Rosaldo, 1989). Paul comentou sobre a relutância dos terapeutas, bem como a dos clientes, em confrontarem o tópico da perda: De todos os diferentes tópicos considerados representativos dos processos familiares normais, aquele que é vivenciado como o menos normal e o mais anormal é o processo de luto. O problema aqui é que ele é geralmente considerado normal na literatura, mas encontra resistência consciente e inconsciente quando realmente ocorre em uma pessoa. O principal paradoxo é que, embora exista 31 uma constante sombra de morte na vida de todos, todos estão alimentando a idéia de sua própria imortalidade. (Paul & Paul, 1982, p. 229) Paul adverte que a aversão de um clínico à morte e ao sofrimento pode prejudicar sua capacidade de diagnosticar e tratar um problema sistêmico familiar corretamente enquanto ligado ao luto, resultando em uma concentração pouco útil em sintomas secundários. A negligência da perda na terapia de família foi aumentada pela cisão que ocorreu no desenvolvimento do campo a respeito da importância relativa do indivíduo versus o sistema familiar, do “conteúdo” versus o “processo”, e da história versus o aqui-e-agora para o entendimento e o tratamento das disfunções familiares (Madanes & Haley, [977). Com a mudança paradigmática para uma orientação sistêmica, o foco sobre o indivíduo, as questões de conteúdo e as influências do passado passou a ser considerado por muitos como não-sistêmico e associado a modelos tradicionais de psicoterapia mais reducionistas (Fisch, Weakland & Segel, 1982). A medida que os terapeutas estratégicos e estruturais deslocaram seu foco para os padrões organizacionais e processos de comunicação da família que podiam ser observados na interação corrente, as questões de perda foram consideradas insignificantes para o entendimento da manutenção do problema e irrelevantes para a mudança do sistema. A perda era repudiada Como sendo “meramente” urra questão de conteúdo, envolvendo sentimentos e reações intrapessoais a eventos, particularmente no passado; por isso, era relegada ao domínio da psicanálise. Mais recentemente, os teóricos construtivistas desvalorizaram ainda mais o significado dos eventos vitais (presumivelmente incluindo a morte) argumentando que a realidade nunca pode ser conhecida, que todas as experiências são co-construídas subjetiva- mente e que, portanto, qualquer tentativa de “descobrir” ocorrências factuais é equivocada e irrelevante para as visões atuais (ver Hoffman, 1990). Infelizmente, estas falsas polarizações impediram muitos de apreciar a importância crítica da perda para as famílias e para a terapia de família. Quando a avaliação e a intervenção clínicas estão limitadas aos padrões transacionais existentes entre os membros presentes em uma entrevista ou que vivem sob o mesmo teto num dado momento, as relações que foram perdidas (passado) ou as ameaças de perda (futuro) permanecem fora de consideração, embora possam ter uma influência direta nas perturbações atuais da família. A perda não é simplesmente um evento discreto;ao contrário, ela envolve um processo transacional ao longo do tempo, com a abordagem da morte em suas conseqüências. A perturbação individual após uma perda não se deve somente ao sofrimento, mas também é resultado de mudanças no realinhamento do campo emocional da família (Kuhn, 1981). A perda modifica a estrutura familiar e geralmente requer a reorganização do sistema como um todo. Talvez o mais importante, o sentido de uma morte específica e das respostas individuais a ela sejam moldados pelo sistema de crenças da família, o qual, por sua vez, é modificado por todas as experiências de perda (Reiss & Oliveri, 1980). Se quisermos apreciar a diversidade e a complexidade dos processos de perda, precisamos atentar para o interjogo dos indivíduos em seus contextos familiar e social; 32 para o processo (‘ o conteúdo, para a história, bem como para o aqui-e-agora e para as circunstâncias factuais de uma morte bem como para seu significado para a família. Para ajudar as famílias frente à perda, os terapeutas devem reavaliar a história familiar, substituindo as premissas deterministas de causalidade por uma perspectiva evolucionista. Assim como o contexto social, o contexto temporal oferece uma matriz de sentidos na qual se insere todo o comportamento. Embora uma família não possa mudar seu passado, as mudanças no presente e no futuro ocorrem em relação a ele. De fato, como comentou Hoffman (1981), Um problema pode permanecer congelado até que os padrões ligados ao seu estabelecimento original sejam modificados. O uso de Bowen da história sugere enfaticamente que não é o revisitar do passado, mas o refazer do presente, o que conta. (p. 249) Nós propomos que as famílias precisam estar em equilíbrio ou em harmonia com seu passado, não em uma luta para recapturá-lo, escapar dele ou esquecê-lo. Vemos a terapia como um auxílio às famílias para que recuperem seu senso de continuidade e movimento desde o passado em direção ao futuro. Elas podem fazer isso modificando as crenças inseridas em suas visões do passado que as impedem de progredir. Ajudá-las a reconstruir sua história e colocar suas perdas em uma perspectiva mais funcional é uma parte essencial para ajudá-las a mudar suas relações com o passado e o futuro. ADAPTAÇÃO FAMILIAR À PERDA O modelo do ciclo de vida familiar de Carter e McGoldrick (1989) oferece um referencial que leva em consideração as influências recíprocas de diversas gerações à medida que elas avançam no tempo e se aproximam e reagem à perda (ver McGoldrick & Walsh, capítulo 2). A morte traz desafios adaptativos comuns, exigindo uma reorganização imediata e a longo prazo e mudanças nas definições de identidade e objetivos da família. A capacidade de aceitar a perda está no âmago de todas as habilidades dos sistemas familiares saudáveis, em contraste com as famílias severamente disfuncionais, que demonstram padrões de má adaptação ao lidarem com perdas inevitáveis, unindo-se na fantasia e na negação para desfocar a realidade e insistir na atemporalidade e na perpetuação de laços nunca desfeitos (Lewis, Beavers, Gossett & Phillips, 1976). Adaptação não significa resolução, no sentido de uma aceitação completa e definitiva da perda. Ao contrário, ela envolve a descoberta de maneiras de colocar a perda em perspectiva e seguir em frente com a vida. A festejada noção psicanalítica de elaborar a perda para alcançar uma resolução completa não se aplica à experiência da maioria dos indivíduos e de suas famílias (Wortman & Silver, 1989). A adaptação não tem uma escala ou seqüência fixa, bem como perdas traumáticas ou significativas podem nunca ser totalmente resolvidas. Os múltiplos sentidos de qualquer morte são transformados durante todo o 33 ciclo de vida, à medida que são vivenciados e integrados com as experiências vitais, incluindo, obviamente, outras perdas. As Tarefas Adaptativas da Família Embora seja um equívoco impor expectativas ou estágios, seqüências ou escalas fixas a processos tão complexos como o luto, dada a diversidade dos estilos familiares e individuais de enfrentamento, acreditamos que existem tarefas adaptativas cruciais, as quais, se não forem realizadas, deixam as famílias vulneráveis à disfunção. Baseadas em pesquisas e experiência clinica, podemos identificar duas tarefas familiares principais que tendem a promover a adaptação imediata e a longo prazo para os membros das famílias e a fortalecer a família enquanto unidade funcional. 1. O reconhecimento compartilhado da realidade da morte e a experiência comum de perda. Todos os membros da família, a seu próprio modo, devem confrontar a realidade de uma morte que a atinge. Bowen (capítulo 4) chama nossa atenção para a importância do contato com a realidade da morte e, em particular, para a inclusão das crianças: Eu incentivo os membros da família a visitarem os que estão morrendo sempre que possível, e a encontrarem algum modo de incluir as crianças, se a situação permitir. Nunca vi uma criança ferida pela exposição à morte. Elas são “feridas” apenas pela ansiedade dos sobreviventes. As tentativas bem intencionadas de proteger as crianças ou os membros “vulneráveis” da perturbação potencial de participar destes eventos as isolam da experiência e dos riscos comuns, dificultando seu processo de luto. O reconhecimento da perda é facilitado pela informação clara e pela comunicação aberta sobre os fatos e circunstâncias da morte. A incapacidade de aceitar a realidade da morte pode levar um membro da família a evitar o contato com os outros ou ter raiva daqueles que estão progredindo em seu processo de luto. Antigos conflitos e rompimentos entre irmãos podem freqüentemente; ser remontados ao leito de morte de um dos pais, ou ao seu túmulo. Os rituais funerários (Imber-Black, capítulo 11) e as visitas ao túmulo (Williamson, l978) têm uma função vital ao proporcionarem uma confrontação direta com a realidade da morte e uma oportunidade de prestar uma última homenagem, compartilhar o sofrimento e receber conforto da rede de apoio; dos sobreviventes. Compartilhar a experiência da perda, seja de que modo for, é crucial para a boa adaptação da família. O seguinte exemplo sublinha o valor que tem para todos a inclusão de um membro vulnerável da família no processo de luto: Sam Marcus, de 74 anos, estava confinado em uma casa geriátrica há 5 anos, após sofrer danos cerebrais severos ao ser atropelado por um carro. Sua mulher 34 e suas filhas tinham se ajustado, com o tempo, à perda do marido e pai que tinham conhecido, e conseguiram gradualmente lidar com suas profundas mudanças de personalidade, ocasionais explosões violentas e, o mais doloroso para elas, sua recente incapacidade de reconhecê-las. Antecipando sua maior degeneração e morte, as filhas foram tomadas de surpresa quando a mãe, embora aparentasse boa saúde, morreu repentinamente. As irmãs queriam muito que o pai participasse do funeral, embora os médicos se recusassem a liberá-lo, temendo um comportamento perturbador, e insistissem que ele não compreendia que a esposa tinha morrido e somente ficaria confuso com a experiência. Para incluí-lo, as irmãs decidiram realizar o velório na casa geriátrica (para o desagrado do agente funerário, que dobrou o preço pela inconveniência). Quando o pai foi trazido na cadeira de rodas, elas sentaram ao seu lado, embora ele não desse nenhum sinal de reconhecê-las. Quando as irmãs se levantaram e falaram sobre a morte e a vida de sua mãe, as lágrimas correram pelo rosto do pai. Depois, eles ficaram sentados juntos em silêncio, de mãos dadas. A comunicação entre a família é vital no curso do processo de perda. Embora tendo em mente que os indivíduos, as famíliase as culturas variam no grau em que a expressão aberta dos sentimentos é valorizada ou funcional, existem fortes evidências de pesquisa sobre o bom funcionamento familiar de que a comunicação clara e direta facilita a adaptação familiar e fortalece a família como uma rede de apoio para seus membros (Walsh, 1982). Um clima de confiança, resposta empática e tolerância a diversas reações é crucial. O processo de luto também envolve tentativas de colocar a perda em uma perspectiva significativa, que se encaixe coerentemente no resto das experiências vitais da família e em seu sistema de crenças. Isto requer que se lide com as implicações negativas da perda, incluindo a perda dos sonhos para o futuro. As famílias podem vivenciar uma gama de sentimentos, dependendo do sentido singular do relacionamento e de sua perda para cada membro e das implicações da morte para a unidade familiar. Fortes emoções podem vir à tona em diferentes momentos, incluindo sentimentos confusos e ambivalentes de raiva, desapontamento, desamparo, alívio, culpa e abandono, os quais estão presentes em um certo grau nas relações familiares. O antropólogo Rosaldo (1989) escreve sobre suas reações à morte súbita, acidental, de sua esposa, também uma proeminente antropóloga, quando ela escorregou enquanto eles caminhavam em uma trilha de montanha e caiu em um precipício íngreme: Imediatamente após encontrar seu corpo, fiquei enfurecido. Como ela podia me abandonar? Como ela podia ler sido tão burra de cair? Tentei chorar. Eu soluçava, mas a raiva bloqueava as lágrimas. Mais tarde, poderosos estados emocionais viscerais tomaram conta de mim. Experimentei a profunda dor cortante da tristeza, quase além do suportável, o frio cadavérico de me dar conta da finalidade da morte, o tremor que começava em meu abdômen e se espalhava pelo corpo, o lamento fúnebre que começou contra minha vontade, e freqüentes soluços de pranto. 35 Raramente tais emoções são expressas tão diretamente em nossa cultura, onde compartilhar sentimentos negativos intensos tende a produzir desconforto e distanciamento nos outros. Além disso, a perda do controle ao vivenciarmos sentimentos tão avassaladores pode assustar os membros da família e outros, que podem bloquear a comunicação da experiência. Quando levamos em consideração as múltiplas, flutuantes e freqüentemente conflitantes respostas de todos os membros de um sistema familiar, podemos apreciar a imensa complexidade do processo de luto de qualquer família. E necessária a tolerância para com as respostas diversas dentro das famílias, e para a possibilidade de que alguns membros estejam em desacordo com os outros, dadas as diferenças de significado dos relacionamentos e os estilos de enfrentamento individuais. Quando um cônjuge viúvo é também o pai de uma criança pequena, a expressão emocional pode ser bloqueada pelas responsabilidades de ser pai solteiro, com os filhos e os parentes bem intencionados conspirando para manter o único pai sobrevivente forte e funcionando. Quando o luto parental é bloqueado, um filho tem mais probabilidade de se tornar sintomático. Em famílias nas quais certos sentimentos, pensamentos e lembranças são proibidos por lealdades familiares ou tabus sociais, o bloqueio da comunicação pode contribuir para o comportamento sintomático, ou os sentimentos podem ficar ocultos e reaparecerem em outros contextos, desconectados de sua origem. Quando os sentimentos são insuportáveis ou inaceitáveis, eles podem ser delegados e expressos de modo fragmentado por diferentes membros (Reilly, 1978). Um membro pode expressar toda a raiva pela família, enquanto outro fica em contato apenas com a tristeza; um demonstra apenas alivio, o outro fica entorpecido. Quando a família é incapaz de tolerar sentimentos, um membro que expresse o indizível pode virar o bode expiatório ou ser excluído. Além disso, o choque e a dor de uma perda traumática podem despedaçar a coesão familiar, deixando os membros isolados e sem apoio em seu sofrimento, arriscando conseqüências disfuncionais, como no seguinte caso: A Sra. Campbell buscou a ajuda da clínica psiquiátrica infantil em decorrência de problemas escolares de sua filha de li anos. A terapeuta descobriu que os problemas tinham sido identificados pela escola um ano antes, mas haviam piorado no mês anterior, logo após o filho mais velho, de 18 anos, ter sido a vítima inocente de um tiroteio entre gangues. O pai começou a beber muito, distanciando-se da família. O outro filho mais velho, de 17 anos, levou o ódio da família para as ruas, buscando vingança peio assassinato. Dois outros filhos do meio não demonstraram nenhuma reação, ficando fora do caminho e comportando-se como “meninos de ouro”. A mãe, em sua dor, voltou sua atenção para os problemas preexistentes da filha. A terapia familiar proporcionou um contexto para o trabalho de luto da família, ao mesmo tempo em que reparou sua fragmentação e promoveu uma rede mais coesa de apoio e cura mútuos. Foi especialmente importante envolver os irmãos que estavam “bem”, os quais estavam segurando sua dor e confusão para não sobrecarregarem ou perturbarem ainda mais os pais. Em uma entrevista de acompanhamento, seis meses depois, a filha 36 estava indo bem na escola e a família relatou que a experiência de se reunirem para compartilhar o sofrimento tinha fortalecido sua capacidade de lidar com outros problemas. 2. A reorganização do sistema familiar e o reinvestimento em outras relações e projetos de vida. A morte de um membro da família perturba o equilíbrio familiar e os padrões estabelecidos de interação. O processo de recuperação envolve um realinhamento das relações e a redistribuição dos papéis necessários para compensar a perda e prosseguir com a vida familiar. Promover a coesão e a flexibilidade no sistema familiar é crucial para sua reestabilização. A convulsão e a desorganização experimentadas como conseqüência imediata de uma perda podem levar as famílias a fazerem movimentos precipitados para novas casas ou casamentos. Este novo deslocamento pode piorar as coisas. Algumas famílias podem tentar se aferrar rigidamente a antigos padrões, que não são mais funcionais, para minimizar a sensação de perda e perturbação na vida familiar. A Sra. Robbins procurou ajuda devido a “problemas de comunicação” entre ela e sua filha de 16 anos, Donna, que andava tristonha e distante. A família consistia na mãe e três filhas. O Sr. Robbins, morto em um acidente de carro seis anos antes, tinha sido muito amado por sua família. A perda foi agravada quando a filha de 16 anos na época, Pam (que tinha sido a mais ligada ao pai), fugiu com o namorado algumas semanas depois da morte dele, cortando todos os contatos com a família. Pouco tempo depois, Nick, um antigo amigo da família, tinha persuadido a Sra. Robbins a se mudar para a cidade dele para começar urna vida nova. Ele a ajudou a encontrar um emprego e um apartamento ao lado do dele. A filha mais velha, então com 18 anos, tornou-se sua ajudante e arruinou um emprego para ajudar a sustentar a família, deixando de lado seus planos de ir para a faculdade. A despeito da mudança, a Sra. Robbins se determinou a conduzir a vida familiar corno se seu marido ainda fosse “o chefe da casa”, e a criar as filhas “dele” corno ele mesmo teria feito. Juntas, elas mantinham a expectativa ilusória de que ela deveria viver como se fosse os dois pais ao mesmo tempo, e de que elas deviam continuar a vida familiar corno antes da morte do pai. Embora a mãe agora trabalhasse em tempo integral para sustentar a família, ela dolorosamente preparava os pratos preferidos do pai, servindo-os a cada noite na hora determinada pelos horários dele para a janta. Nick juntava-se a elas corno
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