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EDUCAÇÃO E CULTURA CORPORAL RESUMO

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EDUCAÇÃO E CULTURA CORPORAL: FUNDAMENTOS E PRÁTICAS
SEMANA 1
O estudo desvelou as concepções de corpo contidas nos discursos midiáticos endereçados ao público feminino por meio da identificação das relações sociais envolvidas em sua construção. Foram analisados slogans e chavões veiculados pela mídia brasileira contemporânea mediante o confronto com a teorização cultural. A concepção do discurso como parte constitutiva e criativa da realidade justifica e dota de sentido uma análise do que é veiculado acerca do corpo desejável na atualidade. Foi possível desnaturalizar as representações de juventude e beleza apresentadas como vinculadas, neutras e atemporais, evidenciá-las como fenômenos discursivos e denunciar os movimentos de homogeneização e diferenciação que elas suscitam.
Existe um importante aprofundamento do papel da cultura na formação da identidade e subjetividade. O que os indivíduos assumem como identidades são, na óptica dos Estudos Culturais, produtos de práticas discursivas. Segundo Hall (1997, p.37), as identidades “são resultado de um processo de identificação que permite que nos posicionemos no interior das definições que os discursos culturais (exteriores) fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles)”. Goellner (2003, p.29) segue esse raciocínio. “Um corpo não é apenas um corpo... é também o que dele se diz”. É a linguagem que institui o que pode ser considerado um corpo belo, jovem e saudável. “Representações estas que não são universais nem mesmo fixas. São sempre temporárias, efêmeras, inconstantes e variam conforme o lugar/tempo onde este corpo circula, vive, se expressa, se produz e é produzido” (p.29). A ação da cultura na formação das identidades, como se pode notar, é acompanhada por instrumentos de controle externos e, uma vez que os indivíduos são convencidos, tornam-se também internos.
Foucault (1993) desvincula, a partir do século XVIII, o conceito de poder da ideia de dominação ou imposição violenta de regras pelas quais instituições e aparelhos sujeitariam um dado grupo a outro. No lugar dessa relação dual, o autor introduz uma concepção de poder enquanto trama complexa de relações móveis, em constante transformação, já que inseridas em um jogo de lutas. O poder é entendido, portanto, de forma relacional e dinâmica, e não estática e dual. Nesse prisma, a produção de saberes está diretamente ligada a relações de poder. Não existe um discurso dominante e outro excluído, mas sim, um emaranhado constituído por inúmeras relações.
O poder é interdependente do conhecimento (o saber), pois o saber está imbricado no modo como se estrutura e regula o comportamento daqueles que se encontram submetidos ao poder. O saber é o condutor do poder. Onde há saber, há vontade de poder. É o saber que naturaliza o poder de modo que haja consentimento de todos os envolvidos na sua trama. Saber e poder não são a mesma coisa, são dois lados do mesmo processo. No interior das relações de poder, em toda a trama social, todos estão envolvidos, todos são ativos, ninguém está isento das relações saber-poder. Então, a questão principal passa a ser o como se exerce o poder.
Ao colocar em circulação determinados significados sobre o corpo feminino, a mídia valida certas estéticas, constitui identidades específicas e desqualifica as demais. Os autores não nos deixam esquecer a inexistência de significados essenciais ou imprescindíveis, todos emergem dos embates promovidos pelos setores que objetivam legitimar ou desqualificar uma determinada condição. Ora, se todo e qualquer discurso é contextual e transitório, é possível e desejável contestar a predominância de certas representações de corpo feminino no discurso das mídias e a ausência ou esquecimento de outras.
A adoção de uma perspectiva de linguagem como reveladora do interior dos sujeitos permitiu compreender a noção de corpo jovem como elemento integrante de um dinâmico e conflituoso jogo de significação. Por meio da lógica do saber-poder, a juventude e a beleza apresentadas como normas permeiam as relações entre indivíduos e deles consigo mesmos, atuando na constituição da identidade e da diferença. Embora sejam apresentadas como dados objetivos universais, a análise cultural desenvolvida denuncia seu pertencimento a sistemas simbólicos localizados cultural, temporal e geograficamente, que exaltam certas representações de corpo feminino em detrimento de outras. Atrelados a uma rede dinâmica de negociação de significados (a mídia), cujos efeitos oscilam entre os movimentos de homogeneização e diferenciação, os atributos juventude e beleza promovem, simultaneamente, a inclusão e a exclusão, o que evidencia a imersão de tais enunciados em uma luta de poder essencialmente discursiva.
Ao analisar os corpos citadinos, Sant’Anna (1995) reconhece uma via de mão dupla: de modo simultâneo à construção do espaço público pelos seus habitantes, os corpos são marcados pela realidade física circundante. A urbanidade afeta a todos indistintamente. Como decorrência, é fácil identificar relações entre a posição cultural, social e econômica de uma pessoa e as marcas corporais que ela possui. Goldenberg et al. (2002), por exemplo, analisam as marcas corporais características e culturalmente impressas dos residentes no Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. A “morenidade”, adquirida pela exposição ao sol do corpo regularmente exercitado do carioca, difere do corpo moldado pela vida noturna do paulista ou mesmo da pele negra que expressa a afro-brasilidade valorizada pelo povo baiano. Desse modo, vê-se o corpo como retrato da sociedade, pois ele carrega as inscrições das imposições de limites sociais e psicológicos que são dados a sua conduta. Tais limites referem-se, ao mesmo tempo, a códigos que devem ser seguidos, pedagogias e instrumentos desenvolvidos para que tal submissão se concretize.
meio da educação dos gestos (SCH- MITT, 1995). Cada uma dessas dimensões dá lugar a ações sobre o corpo e o seu disciplinamento. E uma vez que dominar os corpos é condição para governar a sociedade (SANTANNA, 1995), seu controle pertence à esfera política. Atos corriqueiros como caminhar, sentar-se, bocejar e comer são sujeitos a intervenções que focalizam a educação corporal.
A identidade corporal é marcada pela história, forjada e alterada por distintos discursos e práticas disciplinadoras. Os rapazes e moças são avaliados, medidos, classificados e, em seguida, ordenados, corrigidos e moldados às convenções sociais. À finalidade desse processo é, em última instância, a adequação de cada um a seu destino social, ou seja, a incorporação de cada novo membro ao conjunto de signos compartilhados.
Videoaula 2 - A produção cultural do corpo
https://www.youtube.com/watch?v=i8JfsThEcUQ&feature=emb_logo
Por que discutir a produção da identidade corporal?
Para produzir determinadas identidades, determinado sujeito para atuar na sociedade de uma determinada maneira.
A escola vai lentamente produzindo um sujeito, produzindo uma identidade.
A disciplina Educação Física é um componente que visa produzir identidades corporais de uma certa maneira. Mas não é a única. Tudo o que acontece na escola, de certa maneira, vai produzindo uma certa identidade corporal.
O nosso corpo é moldado pela cultura. A nossa maneira de ser e estar no mundo ela está muito influenciada pelas culturas que nós acessamos. 
Conceito de cultura como campo de luta para a validação dos significados. As pessoas que nós somos, ou seja, os corpos que nós somos são marcados pela cultura.
Tudo o que acontece conosco que vem antes do nascimento e tudo o que vem depois do nascimento é marcado pela cultura. 
O corpo vai se moldando num certo formando, se constituindo, vai desenvolvendo precisão força e velocidade
para determinadas tarefas, a medida em que vai exercendo certa função.
Na educação infantil, os professores de educação infantil vão fazendo intervenções com as crianças, até que, de tal maneira que essas crianças vão se tornando corpos de estudantes, na medida em que vão passando pelo processo da escola.
Há umasérie de procedimentos que a escola vai adotando, que vão de alguma maneira formatando os corpos. 
A criança chega na escola, e na educação infantil temos muita dificuldade pra regular aqueles corpos, mas a escola vai adotando com alguma repetição, certos procedimentos e vai ajustando esses corpos de uma certa maneira.
Isso ocorre em todos os segmentos da sociedade, não só na escola. O convívio social vai exigindo um certo procedimento do corpo, e nós vamos ajustando o corpo a esse procedimento.
Uma pessoa que não conviveu numa determinada cultura humana, não terá os hábitos normais humanos, para andar, comer e se comunicar.
Se o nosso corpo está marcado pela cultura, nós não temos um controle tão grande. 
A produção da identidade corporal não é determinista. Mas ela é de alguma maneira influenciada pelas: VIVÊNCIAS CORPORAIS: as atividades de rotina e a maneira como às executamos constituem nossas vivências corporais, e isso vai formatando o corpo.
DISCURSOS ACESSADOS: ao acessar determinadas narrativas sobre o corpo, vamos produzindo certas ideias de como ser. A narrativa daquele personagem que é apresentado como interessante, vai produzindo uma certa ideia de corpo, uma certa ideia de como é correto ser, e de como não é correto ser.
EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: cada um de nós vive esse processo de várias maneiras. Se relacionarmos esse processo como um triângulo (vivências, discursos e as experiências estéticas), para cada um de nós, a nossa identidade corporal é construída com base nestas três situações que vão nos constituindo e cada um de nós vai lidando com elas também de maneira diferente.
Videoaula 3 - A produção da identidade corporal
https://www.youtube.com/watch?v=DQ2N5iKxsH0&feature=emb_logo
Os corpos se traduzem em identidades corporais, as culturas penetraram nesses corpos e esses corpos vão dizendo pra gente as suas condições de existência.
As pessoas manifestam a sua identidade, o seu modo de ser, seu modo de pensar pelos corpos.
Texto: A juventude beleza alcance de todas - análise dos discursos midiáticos sobre o corpo feminino: como os textos disponíveis nos sites e revistas direcionadas ao público feminino vão produzindo uma certa identidade corporal. Como o acesso a esses discursos vai posicionando você a respeito do seu corpo ou do corpo de outras pessoas.
ESTUDOS CULTURAIS (PÓS ESTRUTURALISTA) 
Identidade/diferença: para os estudos culturais não existe só identidade, também não existe só a diferença. Identidade e diferença são aspectos de um mesmo elemento.
Quando eu digo sou brasileiro, eu estou dizendo um monte de coisas que eu não sou. Somos identificados tanto pelo que nos é atribuído, como pelo que nós não somos.
A diferença está contida na identidade, e a identidade é constituída pela diferença.
ESTUDOS CULTURAIS: A CULTURA OPERA DE DUAS MANEIRAS: 
	cultura vai nos regulando a cultura vai dizendo como eu devo ser. Vai atuando na formação da minha identidade
	Em determinados setores, determinados grupos vão dizendo que pode circular e o que não pode circular, dizendo que está permitindo que não está permitido, o que é certo e o que não é certo.
Regulação através da cultura: estamos de alguma maneira regulados pela cultura e, ao mesmo tempo, querendo que a cultura regule aquela experiência cultural.
DISCURSO
MÉDICO: quando se diz o que é saudável e o que não é saudável, é um discurso médico sobre o corpo.
PEDAGÓGICO: Quando se diz qual a maneira certa e se ensinar, é um discurso pedagógico sobre o coropo.
PSICOLÓGICO: Quando dizemos se alguém está triste, está feliz, está desanimado, é um discurso psicológico sobre o corpo.
ECONÔMICO: policiando seus horários, seu trabalho, dizendo que é certo e errado para um determinado interesse econômico.
Todos esses discursos operam, e vão produzindo os corpos de uma certa maneira. Então, a depender do discurso que está hegemônico naquele momento, você vai produzir um sujeito ou produzir sujeito diferente.
Pós-estruturalismo: os significados que vão sendo estabelecidos como identidade, operam a partir de certas RELAÇÕES DE PODER.
PODER: a possibilidade de dirigir condutas, a possibilidade de governar as formas como
o outro age, pensa. A possibilidade de governar aqueles que estão nas mesmas condições que nós (pessoas do mesmo grupo) 
RELAÇÃO DE PODER-SABER: se estabelecem na medida em que se recorre a formas de conhecimento para dizer como um outro age. Todas as formas de conhecimento têm em si, uma vontade de controlar, de dominar. Poder e saber se misturam. Uma relação de poder é também uma relação de saber e o saber contém, em si uma certa relação de poder.
Ex: ao frequentar o curso de pedagogia, você vai se apropriando de certos conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil. Você passa a olhar as crianças a partir daqueles daquele discurso, a partir daquele saber. Porém, esse saber foi produzido entre uma certa lógica de poder. A gente passa a pensar nas melhores atividades que vão promover o desenvolvimento das crianças e organizar sua maneira de fazer. Isso influencia à sua maneira de organizar a prática pedagógica.  
As IDENTIDADES CORPORAIS são produzidas a partir de vivências corporais, de discursos e de experiências estéticas. Se agregarmos as noções de diferença/identidade, as noções de relações que poder-saber nós poderemos pensar nos MARCADORES SOCIAIS DA DIFERENÇA.
CLASSE / RAÇA / ETNIA / GÊNERO / ORIENTAÇÃO SEXUAL / RELIGIÃO / PROFISSÃO
A sociedade passa a olhar e classificar certos marcadores e grupos aos quais pertencem, a partir de certos elementos que estão nos corpos do sujeito (características, vestimentas, cabelo, tatuagem). Isso, com base em certas relações de poder.
SEMANA 2
Biopolítica e Governo em Michel Foucault: mapeamento do
percurso genealógico
A partir do momento em que passou à investigação dos dispositivos de produção da sexualidade, Foucault percebeu que o sexo e, portanto, a própria vida, haviam se tornado alvos privilegiados da atuação de um conjunto de poderes normalizadores que já não tratavam simplesmente de regrar comportamentos individuais ou individualizados, mas que pretendiam normalizar a própria conduta da espécie, bem como regrar, manipular, incentivar e observar fenômenos populacionais como as taxas de natalidade e de mortalidade, as condições sanitárias das grandes cidades, o fluxo das infecções e das contaminações, a duração e as condições da vida, etc. A partir do século XIX, já não importava mais apenas disciplinar as condutas, pois também era preciso implantar um gerenciamento planificado da vida das populações. Assim, o que se produziu por meio da atuação específica do biopoder não foi mais apenas o indivíduo dócil e útil, mas a própria gestão calculada da vida do corpo social. A partir dessa mutação analítica, as figuras do Estado e do poder soberano, que Foucault pusera anteriormente entre parênteses, a fim de compreender o modus operandi dos micropoderes disciplinares, tornaram-se então decisivas, pois constituíam a instância focal de gestão das políticas públicas relativas à vida da população.
A aliança entre Estado, pedagogia e medicina colocou todos os aspectos da vida das crianças em evidência no interior da escola, e suas mínimas manifestações foram cuidadosamente escrutinadas: além das aulas, as brincadeiras de pátio, a merenda, as vacinas, os exercícios físicos, a higiene corporal, tudo foi tomado como campo de intervenção e de produção de verdades sobre a infância, formando-se um sistema disciplinar, no qual os exames corporais compuseram medidas centrais no processo de educação escolarizada. No interior de uma instituição escolar determinada pela naturalização do elo entre Estado, pedagogia e medicina, jamais fizeram sentido quaisquer perguntas ou desconfianças sobre a razão das campanhas de vacinação e as revistas relativas ao asseio do corpo, conjugadas à alfabetização e ao ensino de matemática, para não mencionar as práticas de educação cívica como as marchas, hinos e juramentos à bandeira nacional. A higiene e a saúde destinavam-se à construção deuma população saudável e o civismo, à formação de uma população amante dos valores nacionais; ao passo que o letramento destinava-se à produção de uma população de trabalhadores esclarecidos. Assim se configuraram os valores absolutos de todos os projetos nacionais de educação, os quais tomaram a infância como objeto de suas práticas de conformação de uma população adulta viável, previamente preparada para as formas de governamento centradas na gestão do trabalho, da família, e da saúde.
Os especialistas saem de seus consultórios, de seus gabinetes, de seus centros de pesquisa e partem rumo à instituição escolar em uma cruzada contra a obesidade na escola: o lema é fechar o cerco contra a gordura e contra a falta de atividade física. Aferições, exercícios, novas merendas e, sobretudo, um novo estilo de vida, magro e saudável, constituem o tema das novas pedagogias do fitness na escola. Desse modo, instrumentos de medida, velhos e novos, re-habitam e ressignificam o interior da instituição escolar, produzindo aquele que talvez seja o novo mau aluno, isto é, o aluno obeso. A obesidade será agora o novo lugar da indolência e da falta de caráter no interior da escola e todo um novo dispositivo biopolítico induzirá à produção de novos governamentos para os corpos de crianças e de jovens, em nome da saúde física e moral da população escolar. Nossa hipótese é que as novas pedagogias do fitness são o resultado de uma singular equação entre as técnicas de governamento estatal, visando ao controle público da alimentação na instituição escolar, e às técnicas biopolíticas neoliberais orientadas pelo mercado econômico, ambos tendo em vista a formação de futuros sujeitos autoempreendedores.
Chamamos de pedagogia do fitness um conjunto recente de práticas e de discursos centrados na produção do corpo magro e da vida ativa por meio do incentivo à alimentação balanceada e aos exercícios físicos. Tais discursos e práticas, a despeito de originados fora do universo escolar, donde a referência genérica ao termo fitness, tornaram-se um importante foco de preocupação no interior da instituição escolar contemporânea, inspirando a elaboração de projetos e de políticas públicas centradas no combate à obesidade infantil.
Todavia, tais medidas escolares provocam uma série de reações, que vão do desconforto em relação à balança ao choro como reação ao leve beliscar do adipômetro, além da vergonha por receber uma merenda diferenciada, pois aquilo que resulta dessa cruzada normalizadora é o antigo ato de classificação, de nominação e de evidenciação da criança anormal, isto é, a criança obesa.
Nesta lógica, a nova anomalia escolar deixará de ser a criança indisciplinada, a qual, ademais, já pode ser farmacologicamente tratada e sedada, para recair sobre a criança obesa, que, renitente às novas investidas pedagógicas, será o próximo alvo da medicalização. Esse novo contingente de pessoas gordas e obesas, resistentes às políticas de saúde e à prática de exercícios, constituirá um peso econômico para o Estado, pois, segundo a lógica da saúde, certamente contrairá graves doenças em virtude da sua fraqueza de caráter, de seus defeitos de personalidade e debilidade da vontade. Por sua vez, esses novos outros possivelmente constituirão alvos legítimos da repulsa moral e do ostracismo social.
SEMANA 3
A promulgação da LDB 9394/1996 ocasionou vários efeitos no sistema de ensino brasileiro. Dentre eles, encontra-se em curso diversas reformas curriculares, tanto no âmbito do ensino superior, quanto no da educação básica, nas diversas redes públicas e particulares de ensino, visando adequar o ensino às pressões sociais e às demandas históricas. A questão fundamental é definir o que se ensina, para quê se ensina, quem se forma e quem não se deseja formar. Essas reformas estão atreladas às transformações sociais destes tempos em que se acentua o fenômeno da globalização. Esse fenômeno, além de fatores econômicos, envolve fatores culturais na tentativa de tornar o globo em um único modo de ser. Na trilha destas transformações, ocorre intricada situação de intenso fluxo cultural que, ao mesmo tempo, em que nos revela e nos aproxima da diversidade cultural, produz uma coexistência tensa entre os diversos grupos. Sem dúvida, entre seus efeitos homogeneizantes estão as formações subalternas e a obliteração da diferença (Hall, 2003).
A identidade pode ser entendida como um conjunto de características pelas quais os grupos se definem como grupos e marca, ao mesmo tempo, aquilo que eles não são. Nesta lógica, ao projetar as identidades adequadas, as políticas educacionais estabelecem quais posições os sujeitos da educação deverão assumir enquanto cidadãos. Por outro lado, aqueles que estiverem fora do sistema por atuarem de forma contrária, ou resistirem ao processo de regulação dos modos de ser, pensar e agir – os diferentes – serão considerados inadequados, ineficientes, desordeiros ou responsáveis pelo atraso do desenvolvimento da nação. Desse modo, o importante é o que se seleciona para compor os conteúdos do currículo e qual o resultado dessa seleção na constituição das identidades.
No Brasil, sua primeira denominação era ginástica e, até o início do século XX, sua prática ficou restrita às escolas do Rio de Janeiro – capital da República – e às Escolas Militares. Inicialmente, influenciado pelo pensamento liberal das elites brasileiras e numa perspectiva denominada Higienista, seu currículo pautava-se na aquisição de hábitos de higiene e saúde, valorizando o desenvolvimento físico e moral. Sua prática pedagógica baseava-se nos métodos europeus de ginástica. A Educação Física voltava-se para setores privilegiados da sociedade. Atendia, exclusivamente, aos filhos das classes dirigentes, tencionando suprir qualquer deformidade ortopédica de seus integrantes, a possibilidade de contrair doenças infecciosas ou adquirir os vícios decorrentes da crescente urbanização das cidades. Seus objetivos eram profiláticos e corretivos.
Apesar do debate intenso na área e da existência de novas propostas, ainda é comum nas práticas da Educação Física a ênfase na aptidão física e manutenção do esporte como conteúdo hegemônico das aulas do componente. Seu caráter técnico e funcionalista, denunciado por Bracht (1986), permanece. Após quase três décadas de discussão em torno de uma Educação Física revolucionária (Medina, 1983), ainda encontramos um grande grupo de professores que se identificam com uma visão biologicista de Educação Física, ou seja, aqueles que defendem os objetivos para melhoria da aptidão física dos indivíduos. É forte, também, a presença de professores que podem ser identificados como “biopsicologizantes”, os quais, mesmo reconhecendo o valor da aptidão física, apóiam sua prática no desenvolvimento intelectual e no equilíbrio emocional. Isto é, a Educação Física escolar teria outras dimensões: motora, cognitiva e afetivo-social. Essas idéias ganharam força a partir do final dos anos 1970, graças à retomada dasteorias científicas do comportamento. Neste período, surge no Brasil o método psicocinético. A chamada psicomotricidade mostrava-se mais atenta aos processos cognitivos, afetivos e motores, preocupando-se com o desenvolvimento da criança. A denominada “educação pelo movimento” visa contribuir para o desenvolvimento da criança e que dela depende sua personalidade e o sucesso escolar, logo, pessoal. Ou seja, a Educação Física, nesta concepção, visava a prevenção das dificuldades escolares e a conseqüente garantia de desenvolvimento dos aspectos funcionais da aprendizagem por intermédio de mecanismos de regulação da inter-relação sujeito e meio.
A linguagem se manifesta por meio de múltiplos sinais/signos: verbais (oral e escrita), corporais, visuais, musicais, eletrônicos etc. Os signos são usados no lugar das coisas para representá-las. A organização desses signos é o que se denomina sistema de representação, é o que viabiliza a comunicação entre as pessoas. Isto ocorre porque o signo não é individual, mas determinado pelos diferentes gruposculturais que organizam e classificam conceitos e assim estabelecem relações complexas entre eles. Qualquer som, palavra, imagem, gesto ou objeto que funciona como um sinal é organizado em relação com outros sinais dentro de um sistema em que encontra o seu significado (HALL, 1997). Mais ainda, a relação entre o sistema de representação, as coisas, o conceito e a linguagem é arbitrária. Isto é, trata-se de uma imposição cultural. Isso quer dizer que a sequência das letras, a estrutura da frase ou os sons proferidos podem estar em qualquer ordem. Isso explica, por exemplo, a diferença entre as línguas e a diferença entre as práticas corporais.
Todos os sistemas da cultura como o mito, a religião, a literatura, as práticas corporais etc. apresentam seus próprios sistemas de representação e, apesar de serem construídos sobre o modelo da linguagem verbal, não se remetem a ele, mas constroem seu próprio modelo.
Com base nas proposições do fundador da Semiótica (ciência que estuda as linguagens) Charles Peirce, o que podemos dizer é que as áreas citadas são linguagens (SANTAELLA, 1983). No campo escolar, onde parte do conhecimento dessas ciências é didatizado, o que acontece é a transmissão das linguagens científicas, que fazem com que os sujeitos da educação compreendam as explicações dos fenômenos investigados. Não à toa, observam-se várias propostas curriculares que apresentam como um possível eixo do trabalho pedagógico a linguagem específica de cada área e/ou disciplina.
A perspectiva de cultura aqui adotada parte do questionamento do seu sentido antropológico e sua universalidade, recorrendo para tal, à construção teórica dos Estudos Culturais na sua perspectiva pós-estruturalista. Neste campo de pesquisas e intervenção política, a busca por uma definição histórica das práticas culturais ocorre através dos conceitos de formação social, poder cultural, dominação e regulação, resistência e luta (HALL, 2003). Nesta concepção, a cultura não é só um conjunto de modos de vida, mas práticas que expressam significados que permitem aos grupos humanos regularem e organizarem todas as relações sociais, assim como subjetivarem seus sujeitos.
A escola deve ser simultaneamente um lugar de transmissão e de produção cultural. Essa concepção rompe com os aspectos reprodutivistas da cultura hegemônica que a instituição promoveu durante décadas. Assim sendo, a escola deve empreender ações que habilitem seus sujeitos a operar no mundo a fim de que compreendam sua história, possam analisá-la e atuar sobre ela de forma crítica e participativa nas tomadas de decisão para o bem comum. Isto é, que seus sujeitos sejam capazes de ler e escrever o mundo em toda a sua complexidade. Torna-se necessário que o sujeito da educação conheça a sua própria história e os processos que o amarraram nas identidades que carrega. 
No caso da Educação Física interessa compreender como os significados das práticas corporais (representações) e seus representantes foram produzidos, partilhados, silenciados, hibridizados, falados em meio às relações que se estabelecem no interior das culturas e entre elas, a fim de que os alunos e alunas possam se sentir produtores culturais e, com isso, produzir outras formas de representar tanto as práticas corporais e seus representantes como a si mesmos.
SEMANA 4
O currículo cultural da Educação Física não possui um atributo essencial ou originário; só existe como resultado de um processo de produção histórica, cultural e social (SILVA, 2007). Nenhum currículo é dotado de uma identidade prévia. Sua identidade é construída a partir dos aparatos discursivos e institucionais que o definem como tal. “Deriva daí que um currículo não pode, nem deve, ser tomado ‘ao pé da letra’, porque este ‘ao pé...’ não existe. O que existe é a equivocidade do querer-dizer de um currículo, fornecida por suas significações constantemente diferidas” (CORAZZA, 2001, p. 12).
Envolvido em um emaranhado de significados, o discurso não deixa de ser um fenômeno cultural. Pronunciar, enunciar, narrar, falar etc. trazem como consequência que aquele que diz (ou escreve) diga sempre mais do que pretendíamos que dissesse, faça mais do que deveria fazer, crie o que não tínhamos previsto. Não é por acaso que os professores que afirmam alinhar-se à perspectiva cultural da Educação Física atribuem grande importância ao registro do seu fazer curricular em forma de vídeos, fotografias ou relatos de experiência. O que salta aos olhos é o currículo em ação, narrado justamente por aqueles que planejam, desenvolvem e avaliam o processo.
Relações de poder não são relações de pura determinação ou coerção. A ideia de poder como condução de condutas carrega em si o imperativo da ação. Desse modo, só há relação de poder onde aquele que por ora se situa como alvo do seu exercício pode agir, movimentar-se. Ser governado é deslocar-se no interior de um terreno de possibilidades engendrado pela ação de governo, cujas fronteiras, por mais delimitadas e rígidas que sejam, sempre podem ser rompidas e ultrapassadas por aqueles que se locomovem nesse terreno, mesmo que isso signifique passar a habitar um outro esquema de governo.
Um currículo heterotópico é uma prática que contesta posicionamentos. É uma prática de resistência e liberdade intrínseca e não externa ao poder, que recusa o instituído, mas coexiste com ele e trava lutas dentro dele para, quem sabe, produzir outros possíveis espaços-tempos, erigidos no presente e encharcados na sua incerteza.
As análises e formulações foucaultianas ancoram-se num exercício inquietante de suspeita sobre o próprio pensamento. Assim, elas nos servem de instrumento para produzirmos um questionamento intermitente em relação ao currículo da Educação Física, num movimento que o mantenha sempre aberto à criação de experiências novas, ímpares, contingentes e, enfim, imponderáveis. E talvez haja, nas narrativas dos professores aqui reportadas, traços desse ato recalcitrante, realizado por práticas curriculares que se esforçam para liberar-se das malhas discursivas que as enredam, ainda que seja para se ligarem a outras.
Importante destacar, a partir do debate tecido por Hall (2003), que há uma entre as questões de cunho multicultural e pós-colonial. O pós-colonialismo não sequência temporal do antes-depois, ou seja, o debate promovido pelo campo teórica que os problemas do colonialismo foram solucionados e que agora vivemos, qualquer conflito ou tensão. Muito pelo contrário, é nítido que as forças de domínio ressignificaram, marcando a passagem de uma configuração ou conjuntura histórica. Portanto, problemas de dependência, subdesenvolvimento e marginalização características do período colonial, seguem presentes na pós-colonialidade.
Nessa nova ordem de dominação, sobressai a desregulamentação do me fluxo do capital, provocando a desigualdade organizacional, o domínio dos país Primeiro Mundo, bem como os programas de reajuste social e econômico que atendem às ordens, aos interesses e modelos ocidentais de controle.
SEMANA 5
SEMANA 6
Quando as situações didáticas ampliam o leque de oportunidades de acesso a vários significados e proporcionam uma participação mais equitativa, aspecto central de uma escola comprometida com o exame crítico da cultura corporal, constata-se outro princípio do currículo cultural, a descolonização do currículo. Uma proposta descolonizada fabrica as condições para o diálogo entre culturas, convivência e partilha coletiva com o diferente, questionando a existência de culturas particulares autênticas (Neira, 2011c).
A Educação Física cultural assume uma posição a favor dos mais fracos, dos que ao longo do tempo não viram suas produções culturais corporais contempladas pelos currículos escolares. Rejeita o jogo dos poderosos, prefere enfrentá-los com um olhar pedagógico. Nunes (2018) constatou que, em vez de camuflar as diferenças para que não possam ser vistas, o currículo cultural promove o confronto e abre espaço para que os alunos e alunas externem e analisem os sentimentos e impressões pessoais que eclodemnos momentos de divergência. Com suas intervenções, o professor ou professora ajuda os estudantes a identificar vestígios de preconceitos conectados às práticas corporais, problematizando a sua ocorrência. Para tanto, procura reverter as posições por meio da própria argumentação ou planeja atividades que explicitam as diferenças.
A existência de diferentes culturas no espaço escolar é uma riqueza que não pode ser desprezada nem apagada pela homogeneização ou uniformização (Stoer; Cortesão, 1999). Por isso, o currículo cultural reivindica atividades que permitam lidar com a heterogeneidade, sem almejar a padronização dos efeitos formativos. 
Na Educação Física cultural, o ponto de partida do trabalho pedagógico é a ocorrência social da brincadeira, dança, luta, esporte ou ginástica. Agenciado pelo princípio da ancoragem social dos conhecimentos, o professor ou professora propicia a análise sócio-histórica e política da prática corporal. No entendimento de Moreira e Candau (2003), essas atividades hibridizam as representações iniciais com informações obtidas em outras fontes.
O que se deseja é viabilizar situações de leitura e análise do modo como as práticas corporais são produzidas e reproduzidas na sociedade, ou seja, das representações sobre elas e seus participantes postas em circulação pelos discursos, desconstruir os marcadores sociais da diferença que lhes foram atribuídos e, por meio do diálogo, fomentar a sua reconstrução crítica35 na escola e fora dela. Enquanto dispositivos curriculares, os princípios ético-políticos da Educação Física cultural agenciam o professor ou professora na definição do tema e dos encaminhamentos pedagógicos. Mas só isso não basta. Há que se considerar a forma como são desenvolvidas as situações didáticas.