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Brasília-DF. RecuRsos FisioteRapêuticos aplicados em uti adulto Elaboração Eduardo Pianca Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO ................................................ 9 CAPÍTULO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ....................................................................................................... 9 UNIDADE II FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR .......................................................................................... 27 CAPÍTULO 1 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS .................................................................................................... 27 UNIDADE III COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO ....................................................................... 45 CAPÍTULO 1 FISIOTERAPIA NO PÓS-OPERATÓRIO ........................................................................................ 45 UNIDADE IV TRANSPLANTES ..................................................................................................................................... 64 CAPÍTULO 1 TRANSPLANTE CARDÍACO ....................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 84 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução A fisioterapia é uma das profissões que envolvem a área da saúde junto com a medicina e a enfermagem, atuam no setor de terapia intensiva. Nossa profissão, iniciou-se tímida na trajetória dentro do setor de UTI, apenas auxiliando os profissionais que ali primeiramente atuavam. Hoje, a fisioterapia, não é mais auxiliar e sim desempenha um papel fundamental na equipe multidisciplinar, atuando diretamente na reabilitação cardiorrespiratória dos doentes que ali se encontram. À medida que a tecnologia evolui, há necessidade de conhecimento sobre os novos equipamentos, sua aplicação e sua operação. O fisioterapeuta é um dos responsáveis pela operação dos principais equipamentos utilizados em terapia intensiva e tem responsabilidade na sua correta sincronização com o paciente, caso contrário, o resultado esperado não aparece. Além disso, é responsável por monitorar as variáveis e interpretá-las de acordo com o grau de acometimento do paciente. Dependendo das variáveis, o fisioterapeuta pode comunicar ao outro profissional, solicitar auxílio ou simplesmente atuar se assim julgar necessário. Nessa atuação, o fisioterapeuta deve dispor de um verdadeiro arsenal para melhorar a capacidade cardíaca e respiratória desses pacientes, viabilizando sua evolução, minimizando tempo de internação e as complicações associadas como o risco de infecção, além de outros benefícios, tanto para o paciente quanto para a instituição. Neste módulo, abordaremos diversas técnicas para o tratamento de doenças do aparelho respiratório e reabilitação cardíaca em pacientes internados em UTIs / CTIs. Estas técnicas serão muito úteis para o fisioterapeuta que irá atuar no setor de terapia intensiva. Tenho certeza que será um período de muito aprendizado. Atenciosamente, Professor Eduardo Pianca Objetivos » Estudar as técnicas fisioterapêuticas aplicadas na síndrome de desconforto respiratório agudo (SARA). 8 » Conhecer as principais características da SARA e suas manifestações. » Compreender as manifestações da hipertensão pulmonar. » Estudar as técnicas fisioterapêuticas para a hipertensão pulmonar. » Compreender a importância da fisioterapia no pós-operatório. » Estudar a importância da fisioterapia no transplante cardíaco. 9 UNIDADE I FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO CAPÍTULO 1 Considerações iniciais Características da doença A primeira descrição da sindrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) ou sindrome da angústia respiratória aguda (SARA) foi publicada em 1967 por Ashbaugh e seus colaboradores. Foi descrita como um quadro de insuficiência respiratória aguda em doze pacientes que apresentavam infiltrado pulmonar difuso bilateral no raio-x de torax, hipoxemia refratária até frações inspiradas de oxígênio (FIO2) de 100%, taquipneia, cianose, baixa complacência pulmonar. (CARVALHO et al., 2005; CARVALHO et al., 2013) A aplicação da pressão positiva ao final da expiração (PEEP) foi associada à maior chance de sobrevida, ou seja, diminuição da mortalidade. Dos doze pacientes descritos, sete foram à obito, as necropsias revelaram um padração histopatológico comum: congestão vascular, hemorragia, edemapulmonar, microatlectasias e formação de membranas hialinas revestindo a superfície alveolar. Atualmente a SARA ainda apresenta alta letalidade, 20% a 40% em estudos prospectivos/ controlados, ou até 50% a 60% em estudos observacionais, alta morbidade com sequelas psiquicas, motoras e pulmonares que perduram após alta da unidade de terapia intensiva (UTI). (CARVALHO et al., 2013) Definição Em 2012, na Conferência de Consenso em Berlim, todos os pacientes com relação PaO2/FIO2 abaixo de 300 passaram a ser considerados portadores de SARA, que passou a ter tres categorias diferentes: leve, moderada ou grave, conforme tabela a seguir. 10 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO Tabela 1. Categorias de SARA. Critério Leve Moderada Grave Tempo de início Aparecimento súbito de 1 semana após exposição a fator de risco aparecimento ou piora de sintomas respiratórios. Hipoxemia (PaO 2 /FIO 2 ) 201-300 com PEEP/CPAP ≥ 5 101-200 com PEEP ≥ 5 100 com PEEP ≥ 5 Origem do edema Insuficiência respiratória não claramente explicada por insuficiência cardíaca ou sobre carga volêmica. Anormalidades radiológicas Opacidades bilaterais* Opacidades bilaterais* Opacidades bilaterais* * Não explicados por nódulos, derrames, massas ou colapsos lobares/pulmonares Fonte: Diretriz Brasileira de Ventilação Mecânica, 2013. Epidemiologia Um estudo brasileiro de 2012, observou uma incidência de 30% de SARA entre pacientes críticos em ventilação mecânica, com índice de mortalidade de 52%. Um estudo populacional feito nos EUA, em 2005, estimou a incidência em 86 casos ajustados por idade a cada 100mil habitantes ao ano, com mortalidade de 39% sendo maior com o aumento da idade. Os pacientes sobreviventes a SARA, tem uma permanencia hospitalar longa e altos custos, e após cinco anos de alta hospitalar, uma parcela consideravel de pacientes apresenta sequelas cognitivas, fisicas e psicológicas, com impacto significativo na qualidade de vida. (CARVALHO et al., 2013) O quadro abaixo representa os fatores mais comuns para o desenvolimento da SARA. Tabela 2. Fatores que levam ao desenvolvimento da SARA. Causas diretas Causas indiretas Afogamento Choque não cardiogênico Aspiração de conteúdo gástrico Circulação extracorpórea Contusão Pulmonar Embolia de líquido amniótico Edema de glote Múltiplas transfusões de hemoderivados Edema pulmonar neurogênico Pancreatite Embolia gasosa Politrauma Hemorragia alveolar Pós-operatório de grande cirurgia Inalação de fumaça Queimaduras extensas Pneumonia Reação a drogas Pneumonia eosinofílica aguda Sepse Vasculites pulmonares Transplante de medula óssea Fonte: Carvalho et al., 2013. Pacientes com diagnóstico de SARA que morrem na UTI, nem sempre morrem por insuficiencia respiratória. A hipoxemia refratária é a principal por 20% das mortes. Outras causas de morte é a doença que predispõe a SARA, choque septico por exemplo. https://pt.wiktionary.org/wiki/%E2%89%A5 https://pt.wiktionary.org/wiki/%E2%89%A5 https://pt.wiktionary.org/wiki/%E2%89%A5 11 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I Fisiopatologia Após a instalação do fator predisponente da SARA, ocorrerá a liberação de mediadores inflamatórios e alteração da permeabilidade da membrana alvéolo-capilar. Os mediadores estão resumidos na figura a seguir: Figura 1. Permeabilidade da membrana do capilar. 1. Retorno venoso; 2. Índice cardíaco; 3. Gradiente pleural; 4. Epitélio alveolar; 5. Neutrófilos; 6. Macrófago alveolar; 7. Neutrófilos (endotelina-1); 8. Antígeno de Von-Willebrand. Fonte: Carvalho et al. 2005. Ocorre um grande alfluxo de neutrófilos para o território pulmonar. Eles têm a capacidade de gerar todas as alterações encontradas na SARA. A liberação de proteases, está diretamente relacionada à agressão a mebrana celular. (CARVALHO et al., 2005) As enzimas liberadas pelos neutrófilos e a presença de ácidos graxos livres, resultantes da lesão de membranas, provocam um aumento local de prostaglandinas e leucotrienos, que causam vasoconstrição e broncoconstrição. Os leucotrienos exercem papel de quimiotáticos para neutrófilos e alteram a permeabilidade da membrana alvéolo-capilar. (CARVALHO et al., 2005) Os neutrófilos ativados liberam citoquinas, que têm um papel determinante no desenvolvimento da SARA. Causam um aumento da atividade coagulante, com deposição 12 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO de fibrina e aumento de degração e liberação de produtos da degração da fibrina. Esses fenômenos ocorrem em toda a área lesada, principalmente no lado alveolar da barreira, formando membrana hialina, marca histológica da SARA. As fibrinas colaboram para a inativação do surfactante e estimulam a proliferação e ativação de fibroblastos, responsáveis por fibrose e reparação do tecido alveolar. Os produtos da degração das fibrinas podem causar aumento da permeabilidade dos vasos e vasoconstrição, favorecendo a formação de edema. (CARVALHO et al., 2005) Figura 2. Corte histológico de SARA. Fonte: Carvalho et al., 2005. Microscopia de biopsia pulmonar de paciente na fase aguda da SARA. Nota-se: enorme edema alveolar composto por líquido roseo, ingurgitamento dos septos alveolares à custa de congestão e polimorfonucleares nos capilares. Figura 3. Corte histológico de SARA com atelectasia. Fonte: Carvalho et al., 2005. Microscopia de biopsia pulmonar de paciente na fase aguda da SARA. Nota-se: a medida que o edema alveolar é absorvido, surgem membranas hialinas nos 13 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I espaços alveolares, impactação de vários septos alveolares, representando áreas de microatelectasias. O edema alveolar gera disturbios na relação ventilação/perfusão (alvéolos perfundidos mais pouco ventilados). A inativação do surfactante também pode favorecer o colapso alveolar, causando shunt (áreas perfundidas que nao recebem ventilação), ou seja, o sangue vem venoso pelos capilares, encontra alvéolos atelectasiados ou edemaciados, não sofre hematose e mistura-se ao que foi arterializado em outras unidades alveolares, porém, gerando queda de PAO2. (CARVALHO et al., 2013) Como consequência do colapso alveoloar, pode ocorrer abertura e fechamento de unidades alveolares (durante expiração, a pressão nas vias aéras cai, permitindo o colapso; na inspiração com altas pressões, os alvéolos se abrem, mas colapsam na próxima expiração). Esse mecanismo provoca uma LIV (lesão induzida por ventilação mecânica). (CARVALHO et al., 2013) No raio-x de torax, nota-se infiltrados difusos presentes nos quatro quadrantes, a areação pulmonar se distribui de forma heterogênea, determinada pela gravidade. Conforme a figura a seguir. Figura 4. Raio-x de tórax. Fonte: <http://widoctor.com.br/caso-clinico-sara/>. Na tomografia, observa-se distribuição típica de áreas de colapso nas regiões mais anteriores e posteriores, chamada de gravidade dependente, acompanhada de áreas hiperareadas na região superior e anterior do pulmão, conforme a figura 5. O edema, as microatelectasias e a presença de células inflamatórias tornam os pulmões mais endurecidos. Para se obter um volume corrente adequado, é necessária uma maior pressão na ventilação mecânica, ou seja, há uma redução da complacência pulmonar. 14 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO Figura 5. Tomografia de tórax com corte transversal. Fonte: Matos; Barbas, 2011. O acúmulo de líquidos que ocorre nos vasos linfáticos, presentes na região peribrônquica, provoca uma obstrução parcial, ocasionando aumento da resistência das vias aéreas. Os linfáticos tentam transportar parte deste líquido para o hilo pulmonar, porém, o volume do exudato é muito grande, formando-se um manguito ao redor do hilo, contribuindo para a redução do seu calibre e, consequentemente, aumento da resistência. (BARBAS; CARVALHO et al., 2005) Um outro fator quejustifica o uso de suporte ventilatório nos pacientes com SARA, é o trabalho excessivo da musculatura respiratória, com gasto energético muito grande. Essa musculatura tem que “puxar” o ar, distender pulmões duros e menos complacentes através de vias aéreas com menor calibre. O alívio dessa musculatura é essencial para o conforto do paciente e para preservação da fadiga muscular. Tratamento Geral Não existem fármacos que possam ser indicados com comprovada eficiência no tratamento da SARA, mas algumas estratégias de tratamento são recomendadas: » Identificação do fator predisponente e a interrupção do processo que gerou a sindrome: remoção e tratamento de focos infecciosos; drenagem de cistos e coleções abdominais nas pancreatites; descompressão de hematomas e imobilização de fraturas na presença de 15 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I politrauma; controle da pressão intracreneana (PIC); minimização de politransfusões etc. » Controle infeccioso: uma das principais complicações da SARA são as infecções secundárias, apesar da dificuldade de se diferenciar uma SARA “pura” de um quadro de pneumonia secundária, esse deve ser um esforço constante do intensivista. » Balanço hídrico: sabe-se que balanços hídricos muito positivos são prejudiciais, apesar das incertezas que cercam o tema de oferta de oxigênio aos tecidos. Ventilação mecânica na SARA Existem estratégias para reduzir a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica, elas são comprovadamente eficazes para reduzir a mortalidade. Nas primeiras 48-72 horas do ajuste da ventilação mecânica em todas as categorias de gravidade são recomendados modos controlados: volume controlado ou pressão controlada. Esses valores têm como objetivo gerar pressões alveolares inferiores a 30-35cm H2O. (CONSENSO BRASILEIRO DE VENTILAÇÃO MECÂNICA, 2013) Em relação ao volume corrente, o Consenso Brasileiro de Ventilação Mecânica recomenda o uso de 6ml/kg na SARA leve e de 3 a 6ml/kg na SARA grave, ambos os casos considerando o peso predito utilizando as seguintes formulas: HOMENS: 50 + 0,91 X (altura em cm – 152,4) MULHERES: 45,5 + 0,91 X (altura em cm – 152,4) Deve ser usada a menor fração inspirada de oxigenio FIO2 possível para garantir uma saturação SpO2 maior do que 92% em todas as categorias da SARA. (DIRETRIZ BRASILEIRA DE VENTILAÇÃO MECÂNICA, 2013) Procura-se manter as frequências respiratórias abaixo de 30 ciclos/min com o objetivo de amenizar a quantidade de estiramento por unidade de tempo. A hipercapnia pode ser permissiva, o objetivo é garantir uma boa oxigenação, sem levar em conta, primordialmente, a taxa de CO2, respeitando os limites da microestrutura pulmonar. (CARVALHO et al., 2005; CARVALHO et al., 2013) Essas sugestões, quando seguidas, tornam os pulmões muito mais homogêneos, o que gera trocas gasosas mais adequadas, reduzindo a mortalidade. 16 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO Pronar o paciente Em ortostase, a zona dependente do pulmão, ou seja, a área que é melhor ventilada, perfundida e que ocorre a maior troca gasosa, são as bases. Esse cenário muda quando o paciente encontra-se no leito em decubito dorsal, a zona dependente do pulmão passa a ser a região posterior. A figura a seguir representa a distribiução da ventilação pulmonar regional por meio da tomografia computadorizada em um paciente com SARA. Figura 6. Distribuição da ventilação pulmonar. Fonte: adaptado de <https://www.iconfinder.com/icons/1032390/anatomy_chest_lung_lungs_organ_tuberculosis_x-ray_icon>. Distribuição da ventilação pulmonar regional: a seta branca indica a região não dependente do pulmão, a seta preta indica a região dependente, a seta cinza representa a região intermediária. A SARA se insta-la na zona dependente do pulmão, dificultando o processo de difusão de oxigênio, em casos de SARA grave, mesmo com a oferta de uma fração inspirada de oxigênio FIO2 de 100%, o paciente não consegue manter uma saturação acima de 90%, é o que chamamos de hipoxemia refratária. Um dos maiores estudiosos do mundo sobre SARA, Gattinoni, desenvolveu o conceito “Sponge Lung”, pulmão de esponja. Esse conceito consiste em comparar o pulmão de um paciente com SARA com uma esponja molhada. Uma esponja molhada na vertical tende a concentrar a água em sua base, a mesma esponja na posição horizontal concentra a agua na região posterior. O mesmo ocorre com o pulmão com SARA, onde o processo infeccioso se instala nas zonas dependentes do pulmão. 17 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I Figura 7. Fluxograma evidencia pulmão normal x pulmão com SARA. Fonte: adaptado de Gattinoni et al., 2011. Representação de um pulmão normal e com SARA na posição ventral/dorsal: SP – Pressão sobreposta pela gravidade em CMH2O, a região branca representa as áreas ventiladas pelos gases e a região escura os tecidos. Nota-se que no pulmão com SARA, a pressão sobreposta é maior, e o processo inflamatório com edema dos tecidos disponibiliza uma pequena área a ser ventilada, principalmente na zona dependente, que é a região dorsal. A imagem a seguir representa a ação da pressão sobreposta pela gravidade em um pulmão com SARA, nota-se que o processo inflamatório se instala na região dorsal do pulmão, correspondente à zona dependente. Esse fator, em combinação com a pressão sobreposta, provoca atelectasias nos alvéolos dessa região, prejudicando o processo de difusão do oxigênio. 18 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO Figura 8. Imagem evidencia ação da gravidade em pulmão com SARA. 1. Normal ––– 0cm H 2 O 2. Edema –––– 10-20cm H 2 O 3. Colapso –––– 30-40cm H 2 O 4. Consolidação –––– ∞ Fonte: adaptado de Gattinoni et al., 2011. Figura 9. Paciente com SARA em posição prona (decúbito ventral). Fonte: <https://xlung.net/articles/13>. Figura 10. Tomografia computadorizada de paciente com SARA em supino e prono. Fonte: adaptado de Gattinoni et al., 2011. Representação de um pulmão com SARA nas posições supina e prona, nota-se que na posição prona, a zona dependente é menos atingida pela ação da pressão de sobreposição, ficando mais livre para realização das trocas gasosas. 19 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I 1. Supino (decúbito dorsal). 2. Prona (decúbito ventral). Uma vez compreendido o processo de ventilação pulmonar em pacientes com SARA, deve ser considerada a posição prona em pacientes que necessitem de valores elevados de PEEP e FIO2 para manter uma adequada SPO2. A posição prona, quando adotada precocemente e por tempo prolongado em pacientes com SARA grave, reduz significativamente a mortalidade. O maior desafio para adoção dessa estratégia reside na necessidade de uma equipe motivada e treinada no procedimento e na sua indicação precisa. O processo não é simples, envolve pelo menos cinco profissionais, existem riscos de perda de acesso, extubação acidental e derrubar o paciente. Por essas razões, é comum em grandes centros hospitalares que sejam ministradas oficinas de treinamento para pronar o paciente. Tabela 3. Dicas para a ventilação mecânica na posição prona. » Cinco pessoas devem participar do processo, que em geral dura 10 a 15 minutos. » Um médico deve se posicionar na cabeceira e ficar responsável pela segurança da prótese respiratória e por todo processo. » Duas pessoas devem se posicionar de cada lado do paciente. » Deve-se considerar sedação profunda com ou sem bloqueio neuromuscular. » Deve-se proteger a pele das regiões da testa, nariz, joelhos, crista ilíacas, mamilos com curativos para prevenção de escaras. » Em seguida, deve-se decidir o lado para qual o paciente será rodado, a depender da presença de dispositivos como cateteres venosos, drenos e do local do ventilador. » Os eletrodos de monitorização do ECG devem ser removidos. » A virada dos pacientes deveser em dois passos. Primeiro faz-se a lateralização com cuidado especial no posicionamento dos braços. Uma pequena pausa deve ser feita neste momento. Logo, faz-se a pronação. » Após a pronação, os eletrodos do ECG devem ser posicionados no dorso do tórax. » Os braços podem repousar lateralmente ou pode ser adotada a posição do nadador estilo craw, com um dos braços acima da cabeça e o outro ao lado do corpo. A cabeça pode ser dirigida para o lado do braço estirado. » Deve-se proceder aspiração traqueal. » A cama deve ser colocada em posição de trendelemburg para minimizar a formação de edema facial. » A posição de braços e da cabeça deve ser invertida a cada 2h para minimizar risco de escaras. Fonte: <https://xlung.net/articles/13>. Nem todos os pacientes são passíveis de pronação. Óxido nítrico (NO) inalatório Pode ser útil em hipoxemias graves não responsivas a medidas convêncionais. Ele age como vasodilatador seletivo no capilar alveolar, melhorando a relação ventilação/perfusão. 20 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO A hipoxemia e a hipertensão pulmonar estão presentes na SARA e estão intimamente relacionadas com a mortalidade. A hipertensão pulmonar na SARA é causada por vasoconstrição, devido à hipoxia alveolar, mediadores circulantes, aumento da liberação de mediadores de vasoconstrição como a tromboxana, ou diminuição de mediadores de vasodilatação como o óxido nítrico endógeno. A hipoxemia é causada por alteração na relação ventilação/perfusão, shunt anatômico, ou shunt intrapulmonar. (CARVALHO et al.; 2013; III-CONSENSO BRASILEIRO DE VENTILAÇÃO MECANICA, 2007) A grande vantagem da administração do óxido nítrico é pelo fato de se tratar de um vasodilatador pulmonar seletivo, ou seja, é uma droga capaz de reduzir a resistência vascular pulmonar sem afetar a resistência vascular sistêmica, por se tratar de um vasodilatador inalatório, ele é enviado somente para as unidades alveolares ventiladas, aumentando o fluxo sanguíneo nesse local, reduzindo, então, o shunt intrapulmonar e otimizando a oxigenação. É a equipe médica que determina a dose de óxido nítrico – que é quantificada em PPM (partículas por minutos) – que o paciente irá receber. Cabe ao fisioterapeuta instalar o equipamento que irá trabalhar em conjunto com o ventilador mecânico. O conector de entrada do NO deverá ser instalado no inspiratório do circuito da ventilação mecânica após a umidificação ativa, o conector de análise de gases é conectado próximo ao “Y” do circuito. A distância entre o conector de entrada e o conector de análise de gases deve ser de pelo menos de 20 cm a 30 cm. Figura 11. Equipamento da Air Liquide Healthcare para oferta de óxido nítrico. Fonte: <http://www.revistahosp.com.br/dados/materia/Air-Liquide-Healthcare-lancou-na-Hospitalar-linha-de-equipamentos-para-a- saude-pulmonar/3704>. 21 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I Uma vez que o equipamento de NO é instalado, o fisioterapeuta deverá realizar o cálculo para dose de NO determinada pela equipe médica. Em modalidades de ventilação com fluxo constante, a seguinte fórmula deverá ser utilizada: Fluxo NO= Fluxo do ventilador x dose de NO desejada x 1000 (constante) Concentração de NO no cilindro No Brasil a concentração de NO no cilindro está muito próxima de 500ppm. Em modalidades de ventilação com fluxo livre a seguinte fórmula deverá ser utilizada: Fluxo NO= Volume minuto x dose de NO desejada x 1000 (constante) Concentração de NO no cilindro De um modo geral, a grande maioria dos equipamentos que fornecem NO realiza o cálculo para atingir o PPM desejado. O fisioterapeuta preenche as informações da ventilação no equipamento (Fluxo, FR, VC, ou VME) e o equipamento realiza o cálculo para ajuste do fluxo de NO. Figura 12. Representação esquemática do mecanismo de ação do NO na SARA. Fonte: Evora et al., 2002. O NO inalado é preferencialmente levado para áreas onde a ventilação pulmonar é alta. Vasos sanguíneos em proximidade a alvéolos pouco ventilados são afetados por vasoconstrição por hipoxia. Redirecionando o fluxo dos vasos pulmonares para vasos dilatados próximos bem ventilados, o shunt intrapulmonar diminui e a oxigenação melhora. » vasodilatação; » vasoconstrição; 22 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO » baixa ventilação alveolar; » alta ventilação alveolar. Tomografia de Impedância Elétrica (TIE) e recrutamento alveolar A tomografia por impedância elétrica é uma modalidade de imagem livre de radiação, inventada há mais de 30 anos. O método é impulsionado pela necessidade clínica de monitorização da ventilação, perfusão e avaliação da função pulmonar regional à beira do leito. A monitorização é feita por meio de uma cinta instalada no tórax do paciente que contêm, em média, 32 eletrodos para realizar a leitura, conforme a imagem abaixo: Figura 13. Demonstração da cinta de TIE para monitorização do paciente. Cinta de TIE torácica Eletrodos Fonte: adaptado Rosa et al., 2015. Figura 14. Equipamento de tomografia de impedância elétrica. Fonte: <http://portalhospitaisbrasil.com.br/clinica-sao-vicente-investe-na-aquisicao-de-tomografia-de-impedancia-eletrica/>. 23 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I A tomografia de impedância elétrica é capaz de realizar a leitura em tempo real. Em pacientes com SARA, ela pode ser usada para avaliação das áreas comprometidas, avaliação da eficácia da ventilação protetora, avaliação da relação ventilação perfusão, avaliação da prona do paciente e para recrutamento alveolar. Relatório de análise de distribuição da ventilação mecânica Figura 15. Representação de um relatório emitido pela TIE. O branco presente na imagem da esquerda representa a área de maior ventilação. Na imagem da direita é possivel quantificar as áreas ventiladas, em direita e esquerda ou anterior e posterior. Mapa de ventilação e distribuição da ventilação. A- anterior P- posterior D- direita E- esquerda Fonte: Rosa et al., 2015. Antigamente, era comum utilizar-se da prática de recrutamento alveolar, ou seja titular PEEPs altas com a finalidade de “abrir” alvéolos colapsados e melhorar a difusão em pacientes com SARA. O protocolo mais famoso e utilizado no mundo é o Americano ARDSnet, que desenvolveu a PEEP table para titulação. A titulação inicia- se com a PEEP mais alta 24 e irá decrecendo juntamente com a FIO2 descrita na tabela, a fim de encontrar o ponto de equilíbrio entre hiperdistensão e colapso alveolar, para garantir uma SPO2 acima de 90%. O procedimento pode trazer complicações como instabilidade hemodinâmica, pnemutorax, barotrauma ou outras lesões pulmonares. O procedimento deve ser acompanhado pelo fisioterapeuta, médico e enfermeiros. Em setembro de 2017, foi publicado no Journal of the American Medical Association, o estudo “Effect of Lung recruitment and Titrated Positive End-Expiratory Pressure (PEEP) vs LowPEEP on Mortality in Patients With Acute Respiratory Distress Syndrome. A Randomized Clinical Trial” o qual concluiu que o recrutamento contribui para a mortalidade do paciente. 24 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO Peep Table Tabela 5. Lower PEEP/ higher FiO2. FiO2 0.3 0.4 0.4 0.5 0.5 0.6 0.7 0.7 PEEP 5 5 8 8 10 10 10 12 FiO2 0.7 0.8 0.9 0.9 0.9 1.0 PEEP 14 14 14 16 18 18-24 Higher PEEP/ Lower FiO2 FiO2 0.3 0.3 0.3 0.3 0.3 0.4 0.4 0.5 PEEP 5 8 10 12 14 14 16 16 FiO2 0.5 0.5-0.8 0.8 0.9 1.0 1.0 PEEP 18 20 22 22 22 24 Fonte: <http://maryland.ccproject.com/2014/04/22/managing-severe-ards-edge-evidence/>. Após a publicação do artigo, muitos centros hospitalares deixaram de utilizar o recrutamento como alternativa para tratamento de SARA. Porém, há quem defenda que realizando o recrutamento de modo seguro e com o uso do TIE pode-se atingir bons resultados, não afetando na mortalidade dopaciente. É importante o fisioterapeuta ter esse conhecimento, uma vez que a equipe médica possa determinar que seja utilizada a técnica de recrutamento. Figura 16. Relatório de recrutamento alveolar monitorado pela TIE. Fonte: Rosa et al., 2015. Recrutamento alveolar realizado com auxílio do TIE, no canto superior direito é possível visualizar a tomografia do pulmão do paciente, as aéreas em branco são 25 FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO │ UNIDADE I alvéolos hiperdistendidos e as áreas em azul representão alvéolos colapsados. Nesse recrutamento a PEEP 17 representada em vermelho foi o ponto de equilíbrio entre alvéolos hiperdistendidos e colapsados, representação gráfica presente no canto inferior esquerdo. 1. PEEP = 23 2. PEEP = 21 3. PEEP = 19 4. PEEP = 17 5. PEEP = 15 6. PEEP = 13 7. PEEP = 11 8. PEEP = 9 9. PEEP = 7 10. PEEP = 5 A SARA é uma síndrome inflamatória, que pode ser decorrente de vários fatores de risco, caracteriza-se por infiltrado bilateral difuso e hipoxemia aguda ou refratária. É classificada em leve, moderada ou grave, de acordo com a relação PAO2/FIO2. O fisioterapeuta deve atuar na ventilação mecânica protetora desses pacientes para minimizar a distensão pulmonar e fenômenos de abertura e fechamento cíclicos de alvéolos, causadores de lesão pulmonar. Além disso, o fisioterapeuta deve buscar e propor alternativas para tratamento como pronar o paciente, uso do NO e ter senso crítico em relação ao recrutamento alveolar. Todos os pacientes com relação PaO2/FIO2 abaixo de 300 passaram a ser considerados portadores de SARA, que passou a ter três categorias diferentes: leve, moderada ou grave. Os pacientes sobreviventes à SARA, tem uma permanência hospitalar longa e altos custos, e após cinco anos de alta hospitalar, uma parcela considerável de pacientes apresenta sequelas cognitivas, físicas e psicológicas, com impacto significativo na qualidade de vida. As enzimas liberadas pelos neutrófilos e a presença de ácidos graxos livres, resultantes da lesão de membranas, provocam um aumento local de prostaglandinas e leucotrienos, que causam vasoconstrição e broncoconstrição. Os leucotrienos exercem papel de quimiotáticos para neutrófilos e alteram a permeabilidade da membrana alvéolo-capilar. 26 UNIDADE I │ FISIOTERAPIA NA SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO AGUDO O edema alveolar gera distúrbios na relação ventilação/perfusão (alvéolos perfundidos mais pouco ventilados). A inativação do surfactante também pode favorecer o colapso alveolar, causando shunt (áreas perfundidas que não recebem ventilação), ou seja, o sangue vem venoso pelos capilares, encontra alvéolos atelectasiados ou edemaciados, não sofre hematose e mistura-se ao que foi arterializado em outras unidades alveolares, porém, gerando queda de PAO2. O NO pode ser útil em hipoxemias graves não responsivas a medidas convêncionais. Ele age como vasodilatador seletivo no capilar alveolar, melhorando a relação ventilação perfusão. A hipoxemia e a hipertensão pulmonar estão presentes na SARA e estão intimamente relacionadas com a mortalidade. O NO inalado é preferencialmente levado para áreas onde a ventilação pulmonar é alta. Vasos sanguíneos em proximidade a alvéolos pouco ventilados são afetados por vasoconstrição por hipóxia. Redirecionando o fluxo dos vasos pulmonares para vasos dilatados próximos bem ventilados, o “shunt” intrapulmonar diminui e a oxigenação melhora. A tomografia por impedância elétrica é uma modalidade de imagem livre de radiação, inventada há mais de 30 anos. O método é impulsionado pela necessidade clínica de monitorização da ventilação e perfusão e avaliação da função pulmonar regional à beira do leito. A tomografia de impedância elétrica é capaz de realizar a leitura em tempo real. Em pacientes com SARA ela pode ser usada para avaliação das áreas comprometidas, da eficácia da ventilação protetora, da relação ventilação perfusão, avaliação da prona do paciente e para recrutamento alveolar. 27 UNIDADE II FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR CAPÍTULO 1 Manifestações clínicas Características da doença A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é uma enfermidade progressiva de várias etiologias que envolve o coração e os pulmões, e é associada a um prognóstico ruim. Outra definição importante é a hipertensão pulmonar (HP), que é um estado hemodinâmico de nítido aumento de pressão média de artéria pulmonar durante cateterismo cardíaco direito. A hipertensão pulmonar pode ser resultado de mecanismos fisiopatológicos pré-capilares (arterial) ou pós-capilares (venoso). A sua característica principal é a elevação da pressão nas artérias pulmonares, favorecendo o aparecimento da arteriopatia pulmonar, gerando sobrecarga e disfunção do ventrículo direito (VD), resultando em óbito. A HAP não é uma doença específica, e sim uma consequência hemodinâmica de vários fatores que resultam em aumento da pressão arterial pulmonar. Sendo definida como valores maiores que 25 mmHg de pressão média de artéria pulmonar (PMAP) e pressão sistólica de artéria pulmonar maior que 35 mmHg em repouso e durante o exercício valores acima de 30 mmHg para PMAP indicam presença de HAP. Em todas as suas formas de apresentação, acredita-se que cerca de 100 milhões de pessoas no mundo tenham HAP. Afetando com mais frequência mulheres do que homens (1,7: 1) na forma familiar, tendo incidência parecida em casuística geral para ambos os sexos, podendo atingir pessoas de todas as idades, sendo mais comum a partir da segunda década de vida. O cor pumonale é outra condição que ocorre devido a alterações na estrutura e função pulmonar, que levam ao aparecimento da HAP e posteriormente hipertrofia do VD, 28 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR podendo culminar em aparecimento da insuficiência cardíaca direita. Essa condição é considerada umas das mais comuns após a quinta década de vida. O principal sintoma da HAP é a dispneia durante o esforço. A falta de especificidade dessa manifestação acaba retardando a chegada a um diagnóstico. O tempo decorrido entre o início dos sintomas e o diagnóstico é de aproximadamente 2 anos, o que acarreta diagnóstico da doença em estágios mais avançados, conduzindo a impossibilidade de intervir no leito vascular pulmonar nos primeiros estágios. Outros sintomas e sinais de HAP estão associados com a diminuição do débito cardíaco e progressão na falência de ventrículo direito (VD): síncope, tonteira, hepatomegalia, turgência jugular e edema de membros inferiores. A dor torácica não é um raro sintoma, geralmente está relacionada com isquemia crônica do VD ou em alguns casos com compressão extrínseca de artéria coronária pela dilatação de artéria pulmonar. Epidemiologia e histórico Há 50 anos, a Áustria, Alemanha e Suíça foram acometidas por uma epidemia de hipertensão pulmonar, que causou a mobilização da comunidade médica em busca das causas. Após a avaliação dos dados disponíveis, estabeleceu-se a relação entre o uso de um anorexígeno (aminorex) e o desenvolvimento de um quadro de hipertensão arterial pulmonar explicada por uma arteriopatia pré-capilar com presença de lesões plexiformes. Foi organizado em Genebra, Suíça, em 1973 pela Organização Mundial de saúde, o primeiro Simpósio Mundial em Hipertensão Pulmonar, com o objetivo de reunir, agregar e, mais importante, disseminar o conhecimento existente até aquele momento sobre a condição de hipertensão pulmonar. Nesse evento, reuniram-se especialistas de diversas áreas, entre eles, clínicos, patologistas e epidemiologistas. O reconhecimento oficial da patologia foi fundamental para que diversos grupos de pesquisa se organizassem e conseguissem novas informações para que essa condição pudesse ser mais entendida e melhor conduzida. Depois desse primeiro simpósio mundial, surgiu a recomendação de um registro internacional em hipertensão pulmonar. Os dados colhidos de formasistemática e prospectiva poderiam oferecer informações fundamentais para o entendimento da história natural dessa patologia e possibilitaria que a comunidade internacional buscasse intervenções para conseguir melhora da sobrevida desses indivíduos, visto que, era conhecida a sua curta sobrevida. O primeiro registro internacional foi publicado no começo da década de 1990 e forneceu informações muito importantes, entre elas, a primeira equação de sobrevida. Fatores 29 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II hemodinâmicos, como: índice cardíaco, pressão de átrio direito e pressão média de artéria pulmonar, se mostraram relevantes em relação à sobrevida. Porém, desde o primeiro simpósio mundial, em 1973, e a publicação da coorte norte-americana, em 1991, surgiram poucos avanços para o entendimento e o tratamento dos pacientes com hipertensão arterial pulmonar. Conseguimos enfatizar como os mais relevantes nesse período, estudos sobre anticoagulação e uso de bloqueadores de canal de cálcio, assim como o surgimento e estabelecimento do transplante de pulmão. No entanto, nenhum desses tratamentos apresentou uma mudança de paradigma no tratamento de pacientes com sobrevida pequena. Em 1996, foi publicado um estudo sobre o uso de epoprostenol endovenoso em pacientes com hipertensão arterial pulmonar. Os resultados foram promissores, sendo a primeira terapia a ter impacto na redução da mortalidade nessa população de pacientes. No mesmo período, vários grupos de pesquisa em inúmeras partes do mundo haviam armazenado e analisado dados não só de pacientes com hipertensão arterial pulmonar, mas também com outras formas de acometimento da circulação pulmonar. Dentre esses dados, destacou-se o grupo dedicado ao estudo e tratamento da hipertensão pulmonar tromboembólica crônica, que conseguiu estabelecer e sistematizar a cirurgia de tromboendarterectomia das artérias pulmonares. No ano de 1998, aconteceu o Segundo Simpósio Mundial em Hipertensão Pulmonar na cidade de Evian, França. Com o aparecimento de um medicamento que causou mudança de paradigma de tratamento, assim como pela análise crítica dos dados epidemiológicos e a implementação de procedimentos cirúrgicos. Entre outros fatores, a maior contribuição desse segundo simpósio mundial foi sugerir uma tabela de classificação da hipertensão pulmonar para que pesquisadores e médicos de diversas regiões do mundo conseguissem utilizá-la para organizar suas pesquisas e melhorar o atendimento dos seus pacientes. Essa tabela de classificação levou em consideração fatores comuns que dessem para agrupar: apresentação clínica, fisiopatologia, achados de anatomia patológica e resposta aos tratamentos. Emergindo, assim, uma maneira de classificar em cinco grupos, com a seguinte divisão: hipertensão arterial pulmonar; hipertensão pulmonar venosa; hipertensão pulmonar associada a enfermidades do sistema respiratório ou hipóxia; hipertensão pulmonar causada por doença trombótica ou embólica; e hipertensão pulmonar causada por doenças que afetam diretamente os vasos pulmonares. Dentro de cada grupo existem subgrupos definidos por situações ou apresentações clínicas bem especificadas. A nova proposta de classificação deixou a classificação simples até então utilizada entre hipertensão pulmonar primaria ou secundária, que era definida pela ausência ou presença de causas ou fatores de risco conhecidos. Esse foi um grande avanço, pois 30 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR demonstrou, ainda que apesar das limitações, a dificuldade do cenário da hipertensão pulmonar. O segundo simpósio mundial reconheceu o empenho de sistematização da comunidade internacional em chamar atenção para um tema muito relevante em saúde, especialmente se analisado pela ótica de morbidade e sobrevida. No ano de 2002, foi publicado o primeiro estudo que utilizou antagonista de receptor de endotelina em pacientes com hipertensão arterial pulmonar. Essa foi primeira medicação de administração oral que se mostrou eficaz em melhorar significativamente a distância percorrida no teste de caminhada de seis minutos (desfecho primário), além de ter um impacto positivo em outros marcadores da doença. Nessa época, já se havia identificado que as principais vias fisiopatológicas da hipertensão pulmonar eram as que se relacionavam às prostaciclinas, ao metabolismo do óxido nítrico e à endotelina (JARDIM; WAETGE, 2018). Com uma melhor explicação fisiopatológica como alvo de tratamento e um aumento expressivo no número de publicações na área, realizou-se o Terceiro Simpósio Mundial em Hipertensão Pulmonar, em 2003. Onde mais uma vez foram realizados alguns ajustes na classificação; todavia, manteve-se a estrutura em cinco grupos, seguindo os mesmos preceitos. E também as opções de tratamento foram atualizadas e foi exposto um algoritmo de tratamento. Foram também organizados, de maneira mais clara, grupos de trabalho com focos específicos, dando destaque para a patologia, genética e ensaios clínicos. Nos anos posteriores, a cada cinco anos se realizava um novo simpósio mundial. Em 2008, em Dana Point, EUA, novos pontos foram discutidos na classificação clínica da hipertensão pulmonar, também atualizando o algoritmo de tratamento, sendo implementados outros fármacos e estabelecidos níveis de evidência e graus de recomendação para cada intervenção farmacológica. O uso de bloqueadores de canais de cálcio, além de fármacos ditos específicos, ficou estabelecido, bem como as implicações dos critérios de resposta foram adicionados. Mais dados epidemiológicos vinham sendo coletados e uma das contribuições mais relevantes do quarto simpósio, foi o da necessidade de ensaios clínicos que observassem o desfecho primário e o período de tempo até a piora clínica, e não os marcadores substitutos de gravidade em estudos realizados por um curto tempo. Esse dado em particular foi importante para avaliar novas estratégias de intervenção farmacológica em um cenário onde muitos pacientes já estavam medicados até a sua inclusão em um novo estudo. Em 2013, aconteceu o Quinto Simpósio Mundial, em Nice, França, onde foi atualizada a tabela de classificação e também ocorreu a inserção de novas estratégias e fármacos no algoritmo de tratamento. Em relação à fisiopatologia, o ventrículo direito passou a exercer um papel de destaque, assim como o grupo de trabalho em patologia. A partir 31 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II do começo da década de 2000, a hemodinâmica e a avaliação do ventrículo direito por métodos de imagem nos forneceram informações relevantes acerca da sua utilidade em relação ao diagnóstico e no acompanhamento dos pacientes com hipertensão pulmonar. Aconteceu também a discussão de dados de novos registros de várias partes do mundo, que trouxeram informações epidemiológicas importantes em relação à idade de diagnóstico, sobrevida e estratificação de risco. Nos anos posteriores, estudos clínicos baseados nos pontos estabelecidos pelos grupos de trabalho do simpósio mundial exploraram os efeitos de estratégias de tratamento em pontos como: morbidade, mortalidade, hospitalização e qualidade de vida. Por fim, em poucos meses, tivemos o Sexto Simpósio Mundial, novamente em Nice, França. Ainda não se pode fazer nenhuma afirmação em relação a quais foram as alterações e sugestões dos grupos envolvidos, pois ainda não se tem disponível a publicação final. Entretanto, podemos dizer que a hipertensão pulmonar passou a ter uma relevância global, também pela sua apresentação mais rara e fatal. Portanto, esses dados mostrarão os avanços da comunidade internacional nesse período dos últimos cinco anos. Os simpósios mundiais aconteceram justamente devido aos avanços na ciência da hipertensão pulmonar. O encontro e os debates, que acontecem também durante todo o período de preparação do evento, possibilitam nortear e guiar os caminhos dessa área do conhecimento tão relevante, principalmentepara os pacientes que são afetados por essa doença e a população quem também faz parte desse contexto. Classificação A classificação utilizada atualmente para HAP, chamada de classificação de Dana Point, foi atualizada em 2008, realizando algumas mudanças em relação à estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em Veneza, em 2003: » GRUPO 1 – Hipertensão arterial pulmonar (HAP) › idiopática (HAPI); › hereditária (HAPF); › BMPR2; › ALK-1 (activin receptor-like kinase 1 gene), endoglina (com ou sem telangiectasia hemorrágica hereditária); › desconhecida; 32 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR › induzida por drogas e toxinas; › associada a: · doenças do tecido conjuntivo (DTC); · infecção HIV; · hipertensão portal (HTPP); · doenças cardíacas congênitas (DCC); · esquistossomose; · anemia hemolítica crônica; · hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido (HTPRN); · doença veno-oclusiva pulmonar ou Hemangiomatose capilar pulmonar. » GRUPO 2 – Hipertensão pulmonar devido à doença cardíaca esquerda › disfunção sistólica do ventrículo esquerdo; › disfunção diastólica do ventrículo esquerdo; › doença valvular. » GRUPO 3 – Hipertensão pulmonar devido à doença pulmonar ou hipoxemia › doença pulmonar obstrutiva crônica; › doença intersticial pulmonar; › outras doenças pulmonares com padrão misto obstrutivo e restritivo; › doença respiratória do sono; › hipoventilação alveolar; › exposição crônica a alta altitude; › anomalias do desenvolvimento. » GRUPO 4 – Hipertensão pulmonar tromboembólica crônica. » GRUPO 5 – Hipertensão pulmonar por mecanismo multifatorial ou desconhecido. 33 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II › Doenças hematológicas: síndromes mieloproliferativas, esplenectomia. › Doenças sistêmicas: sarcoidose, histiocitose pulmonar de células de Langherans, linfangioleiomiomatose, neurofibromatose, vasculites. › Doenças metabólicas: doença do armazenamento do glicogênio, doença de Gaucher. › Outras: obstrução tumoral, mediastinite fibrosante, insuficiência renal crônica em hemodiálise compressão dos vasos pulmonares (adenopatia, tumor). Classificação funcional Devido ao comprometimento funcional expressivo em pacientes com HP, se fez necessária a utilização de uma graduação para caracterizar o impacto inicial da doença e sua influência nas atividades físicas habituais dos pacientes, servindo também para orientação prognóstica. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, os pacientes com hipertensão pulmonar podem ser classificados em quatro níveis crescentes de comprometimento (Tabela 6), onde, na classe I existe a hipertensão pulmonar, porém, não existe a limitação à atividade física, até a classe IV, com pacientes que não suportam qualquer atividade, com sintomas exacerbados, apresentando falência do coração direito. Sendo assim, adotou-se a classificação funcional da New York Heart Association (NYHA) modificada para hipertensão pulmonar, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Tabela 6. Classificação funcional da New York Heart Association (NYHA). Classe funcional da OMS Perfil dos sintomas Classe I Pacientes com hipertensão pulmonar, mas sem limitação da atividade física. Atividades físicas habituais não causam dispneia ou fadiga, dor torácica ou síncope. Classe II Pacientes com hipertensão pulmonar, resultando em discreta e limitação da atividade física. Apresentam-se confortáveis em repouso. Atividades físicas moderadas causam dispneia e fadiga, dor torácica ou quase síncope. Classe III Pacientes com hipertensão pulmonar, resultando em marcada limitação da atividade física. Apresentam-se confortáveis em repouso. Qualquer atividade física causa dispneia ou fadiga, dor torácica ou quase síncope. Classe IV Pacientes com hipertensão pulmonar com inabilidade de suportar qualquer atividade sem sintomas. Esses pacientes manifestam sinais de falência do coração direito. Dispneia e/ou fadiga estão presentes durante o repouso. Fonte: adaptado de Ravetti, 2006. 34 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR Fisiopatologia Os principais mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento do quadro de hipertensão pulmonar são: 1. Aumento da pressão no átrio esquerdo (como na estenose mitral e na insuficiência cardíaca a esquerda), gerando alterações estruturais da artéria pulmonar, como hipertrofia da camada média e espessamento da camada íntima, aumentando a pressão arterial pulmonar. 2. Aumento da resistência vascular pulmonar, que geralmente acontece por vasoconstrição, principalmente devido à baixa pressão alveolar. 3. Obstrução, como no caso de embolias, causando oclusão dos vasos e aumento da pressão pulmonar. 4. Aumento do fluxo de sangue pulmonar, as cardiopatias congênitas são as principais responsáveis, pois geram shunt da esquerda para direita, devido à comunicação interventricular e interatrial ou por meio da permanência do canal arterial. A HAP é comumente vista em quadros de insuficiência respiratória crônica. A hipoxemia alveolar causada pela hipercapnia gera constrição arteriolar pulmonar, se essa alteração for de forma crônica, leva a uma hipertrofia e hiperplasia do músculo liso, sendo afetada pelo estreitamento do leito vascular pulmonar. O aumento da resistência vascular pulmonar pode acarretar insuficiência de VD. Todo esse mecanismo é conhecido como cor pumonale. A hipertrofia de VD ocorre quando o VD trabalha contra uma grande resistência da circulação pulmonar. O debito cardíaco é inicialmente mantido, mas com a resistência elevada persistente, ocorre progressiva disfunção contrátil, levando à descompensação, dilatação e falência cardíaca direita. Elevadas pressões no VD aumentam o estresse na parede do VD e a demanda por oxigênio. O aumento no estresse também impede a perfusão do miocárdio, compromete o fluxo sistólico na artéria coronária direita e leva à isquemia ventricular direita. Hoje já se sabe que disfunção ventricular direita está fortemente correlacionada com a maior mortalidade nos pacientes com HAP. Apresentação clínica Os sintomas inicias mais comuns são: » dispneia em 60% dos casos; 35 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II » angina devido à hipoperfusão do ventrículo direito, presente em 50% dos casos; » síncope presente em 8% desses pacientes como sintoma inicial. Associados, estão presentes outros sintomas, como: » tosse; » hemoptise; » rouquidão; » fadiga; » fraqueza; » dor no peito; » cianose. Alguns sinais físicos como: » segunda bulha alta; » terceira ou quarta bulha direita; » movimento ventricular direito palpável; » impulso de artéria pulmonar; » sopros de ejeção pulmonar; » regurgitação tricúspide. A radiografia de tórax pode ser normal em até 6% dos pacientes, trazendo como características aumento da artéria pulmonar e hilar, estreitamento das artérias periféricas e aumento do átrio e ventrículo direito. Figura 17. Raio-X de tórax PA e perfil. Fonte: Rufino, 2013. 36 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR Diagnóstico e tratamento Para a realização do diagnóstico e estratificação da HAP, o padrão-ouro é a cateterização cardíaca, por meio dela é possível determinar a existência de shunt intracardíaco, congênito ou adquirido, e anormalidades valvares. Para o diagnóstico de HAP, é necessário que dois parâmetros hemodinâmicos estejam presentes no cateterismo cardíaco direito: » pressão da artéria pulmonar média (PAPM) ≥ 25 mmHg e » pressão capilar da artéria pulmonar (PCAP) < 15 mmHg. O cateterismo cardíaco direito é condição sine qua non para se confirmar o diagnóstico. A utilização do teste de vasorreatividade poderá ser realizada com a utilização do óxido nítrico (10-20 ppm), adenosina ou iloproste nos pacientes com o diagnóstico hipertensão pulmonar de etiologia idiopática (HAPI), relacionado a medicamentos (HAPD), relacionado a HPcom história hereditária (HAPH). Pacientes que possuam outros diagnósticos como esclerose sistêmica, síndrome de imunodeficiência adquirida, síndrome portocava, assim como outros não deverão realizar o teste de vasorreatividade. Os exames complementares também são fundamentais para o diagnóstico de probabilidade, dentre eles temos: ecocardiografia bidimensional com Doppler (exame de sensibilidade), para o diagnóstico de confirmação; cateterismo cardíaco direito (exame específico), para o diagnóstico de doenças que levam a HP serão necessários: hemograma completo, radiografia de tórax, eletrocardiograma, ecocardiograma bidimensional com Doppler, tomografia computadorizada de tórax (ou angiotomografia de tórax), teste de função pulmonar (espirometria e medida da capacidade de difusão ao monóxido de carbono), cintilografia pulmonar perfusional e inalatória, ultrassonografia abdominal, pesquisa de vírus HIV, hepatite B e C, hepatograma, função tireodiana e sorologias reumáticas, exames de fezes e polissonografia (nos pacientes com sintomatologia de apneia e hipopneia obstrutiva do sono); e exames de acompanhamento do tratamento, como hemograma completo, VHS, dosagem de ácido úrico, dosagem de BNP ou do proNT-BNP. 37 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II Figura 18. Fluxograma de diagnóstico da hipertensão pulmonar. ECG Angio TC tórax Espirometria DLCO Suspeita clínica Ecocardiograma (↑PSAP, ↑VD e ↑VRT) HP provável Outras causas para sintomatologia Diagnóstico de doença pulmonar ou cardíaca Tratamento da doença de base Cateterismo cardíaco direito PAPM≥25mmHg PCAP≥15mmHg Outras causas para sintomatologia Baixa probabilidade de tromboembolismo Anticoagulação Agudo Cintilografia pulmonar (ventilação/perfusão) Alta probabilidade de tromboembolismo Crônico Hipertensão arterial pulmonar Tratamento específico Fonte: Romano et al., 2018. Os testes de função pulmonar mostram padrão restritivo leve na presença de hipertensão pulmonar grave. O ecocardiograma também pode ser utilizado, pois avalia a progressão da doença e eficiência do tratamento. Outro exame utilizado é a cintilografia de ventilação perfusão e a tomografia computadorizada, que são utilizadas para descartar doença tromboembólica. Para o diagnóstico de HAP, é necessário que dois parâmetros hemodinâmicos estejam presentes no cateterismo cardíaco direito: » pressão da artéria pulmonar média (PAPM) ≥ 25 mmHg e » pressão capilar da artéria pulmonar (PCAP) < 15 mmHg. Os avanços nas pesquisas dos agentes terapêuticos da HAP nas duas últimas décadas possibilitaram uma importante revolução na abordagem da doença e dos pacientes, 38 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR trazendo uma melhora no prognóstico e na qualidade de vida, conforme diversos estudos clínicos. A garantia de bons resultados para pacientes com HAP requer seleção de regime de tratamento adequado inicial após o seu diagnóstico. As diretrizes internacionais recomendam que as decisões de tratamento devem ser conduzidas e avaliadas de forma ampla e com utilização de vários parâmetros, como progressão dos sintomas, classe funcional, avaliação de capacidade física, parâmetros hemodinâmicos e indicadores da função de VD. Atualmente, os principais medicamentos utilizados para o tratamento da HAP estão dispostos em quatro grandes categorias: bloqueadores de canais de cálcio; prostanoides; antagonistas de receptores de endotelina; óxido nítrico (NO) e inibidores de fosfodiesterase. Os medicamentos para o tratamento para HAP têm sido usados há cerca de 16 anos. Até o momento, existem três alvos terapêuticos identificados: 1. Via da endotelina-ambrisentana bosentana, macitentana. 2. Via do óxido nítrico os inibidores da fosfodiesterase, como sildenafil, taldalafil, e o agonista da guanilciclase, riociguate. 3. Via das prostaciclinas epoprosteronol selexipague trepostinil. Os pacientes com classe funcional I não podem utilizar medicamentos específicos. A partir da classe funcional II, pode utilizar medicamentos específicos. Os pacientes que possuam indicação de realizar o teste de vasoreatividade, e classe funcional I ou II devem-se verificar o resultado do exame. Se o resultado for positivo, isto é, diminuição de maior de 10mmHg e PAPM < 40mmHg, o uso dos bloqueadores de canal de cálcio está indicado. Nos pacientes com classe funcional III e IV é recomendado utilizar a associação de medicamentos com alvos terapêuticos diferentes. Nos casos do grupo IV, um dos vasodilatadores da via das prostaciclinas tem que ser utilizados. Os pacientes com o diagnóstico de tromboembolismo pulmonar crônico hipertensivo devem ser avaliados na indicação cirúrgica (tromboendarterectomia pulmonar). Para os pacientes com classe funcional II, no entanto, com indicadores de risco que se encontram no risco intermediário ou elevado, deve-se utilizar tratamento combinado. O transplante de pulmão deverá ser avaliado nos pacientes com risco elevado, que possuem pior prognóstico ou com deterioração clínica (Tabela 7 e Figura 19). 39 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II Tabela 7. Avaliação prognóstica na hipertensão pulmonar. Critérios de prognóstico Melhor prognóstico (estável) Risco < 5% de mortalidade/ano Risco intermediário Risco 5-10% de mortalidade/ano Pior prognóstico (instável) Risco > 10% de mortalidade/ano Evidências clínicas de insuficiência ventricular direita Não Não Sim Taxa de progressão da doença Não ou devagar Lento Rápido Síncope Não Síncope ocasional Sim Classe funcional I, II III IV Teste caminhada de 6 minutos > 440m 165-440m < 165m Teste cardiopulmonar Pico VO 2 > 15 ml/ min/ kg VE/VCO 2 < 36 Pico VO 2 > 11-15 ml/ min/ kg VE/VCO 2 queda < 36-44,9 Pico VO 2 > 12 ml/ min/ kg VE/VCO 2 < 45 Níveis séricos de BNP NT- proBNP BNP < 50ng/l NT-proBNP < 300ng/ml BNP < 50-300ng/l NT-proBNP < 300-1400ng/ml BNP > 300ng/ml NT-proBNP > 1400ng/ml Achados ecocardiográficos Sem derrame pericárdico Área do AD < 18cm2 Sem (ou mínimo) derrame pericárdico Área do AD18-26cm2 Derrame pericárdico NT-proBNP > 1400ng/ml Hemodinâmica PAD < 8mmHg IC ≥ 2.5L/min/m2 SVO 2 > 65% PAD 8-14mmHg IC 2,0-2,4l/min/m2 SVO 2 > 60-65% PAD 14mmHg IC ≤ 2.0L/min/m2 SVO 2 < 60% Fonte: Romano et al., 2018. Figura 19. Fluxograma de tratamento da hipertensão arterial pulmonar. Hipertensão pulmonar sintomática Tratamento convencional: anticoagulante oral, diurético, oxigênio Teste de vasorreatividade Vasorreatividade negativa Vasorreatividade positiva Terapia com BCC Risco baixo ou intermediário Alto risco Sem resposta clínica. Avaliação do risco e da CF. Resposta sustentada manter BCC. CFII CF III CF IV Monoterapia com medicação oral. Avaliação para terapia combinada. Terapia combinada com medicação oral (duas ou mais drogas). Terapia combinada incluindo medicação IV. Não melhora ou deterioração Considerar transplante de pulmão Fonte: Romano et al., 2018. 40 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR Prognóstico Os principais marcadores que existem de prognósticos são: índice cardíaco, pressão no átrio direito, achados de ecocardiograma (derrame pericárdico, insuficiência de ventrículo direito), capacidade de exercício (teste de caminhada de seis minutos, teste de exercício cardiopulmonar com medida do consumo de 2 de pico), classe funcional de acordo com a New York Heart Association/OMS, níveis de peptídeo natriurético cerebral (BNP). Com base em achados clínicos e exames não invasivos e invasivos, pode-se definir a condição clínica de um paciente, como podemos observar na tabela abaixo. Em pacientes nos quais todos ou a grande parte dos parâmetros tem os critérios listados na coluna de melhor prognóstico são considerados estáveis e consequentemente tratados de maneira adequada. Pacientes que tenham vários parâmetros na coluna de piorprognóstico podem ser considerados instáveis e em fase de deterioração e estão em risco para uma piora do quadro clínico. Doentes que se enquadram no meio dessas zonas, são considerados como estáveis, no entanto, não com adequado tratamento. Esses pacientes necessitam de uma reavaliação em relação à medicação adicional ou troca de medicação. A estratégia do tratamento deve ser realizada de tal forma que o objetivo seja alcançar os parâmetros listados com grifo. Tabela 8. Avaliação prognóstica na hipertensão arterial pulmonar. Melhor prognóstico (estável) Critérios de prognóstico Pior prognóstico (instável) Não Evidências clínicas de insuficiência ventricular direita Sim Não ou devagar Taxa de progressão da doença Rápido Não Síncope Sim I, II Classe funcional IV Mais de 400-500m2 Teste de caminhada dos 6 minutos Menor que 300m Pico VO 2 > 1 ml/min/kg Teste de exercício cardiopulmonar Pico VO 2 > 12 ml/min/kg Normal ou perto do normal Níveis séricos de BNP/NT pro BNT Muito elevado e/ou em ascensão Sem derrame pericárdico TAPSE > 2 cm Achados ecocardiográficos Derrame pericárdico TAPSE > 1,5 cm PAD < 8mmHg e IC > ou igual 2.5 l/min/m2 SVO 2 > 65% Hemodinâmica PAD > 15mmHg ou IC < ou igual 2 l/min/m2 Fonte: Rufino, 2013. Atendimento fisioterapêutico A redução da capacidade de exercício em pacientes com hipertensão pulmonar é influenciada, principalmente, por uma mudança estrutural da musculatura periférica, 41 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II como diminuição da fibra muscular tipo 1 em proporção as fibras musculares tipo 2, com uma menor área transversal de fibras do tipo I, formando uma combinação de atrofia muscular, e diminuição de contratilidade, que é promovida por músculos respiratórios enfraquecidos. O comprometimento da capacidade de exercício influencia diretamente na qualidade de vida e leva à distúrbios ansiedade e transtornos de depressão, que são comuns em pacientes com hipertensão pulmonar. Consequentemente, pacientes com hipertensão pulmonar precisam de opções de tratamento que melhorem suas habilidades físicas e melhorem seus sintomas e qualidade de vida. E o tratamento utilizando o exercício físico pode diminuir o risco de insuficiência cardíaca direita ou mesmo a morte súbita nesses pacientes. A ativação inflamatória pode ter efeitos prejudiciais no tecido muscular, que é um dos principais determinantes de intolerância ao exercício de pacientes com hipertensão arterial pulmonar. O sistema musculoesquelético dos pacientes com hipertensão pulmonar mostra um amplo espectro de anormalidades que finalmente culminam em atrofia muscular e contratilidade reduzida, que por sua vez pode ser revertido por treinamento físico. Um estudo em pacientes com HAP mostrou que as melhoras na capacidade e função cardiorrespiratória estão associadas a um aumento na porcentagem de fibras do tipo-II no sistema musculoesquelético. Além disso, em pacientes com hipertensão pulmonar, o treinamento físico melhorou significativamente a capilarização muscular de quadríceps e atividade enzimática oxidativa, levando a um aumento na força muscular. O treinamento com exercícios também pode exercer uma ação positiva sobre a troca gasosa desses pacientes, levando a uma melhor oxigenação muscular. O treinamento físico aumentou acentuadamente o ventrículo direito e a densidade capilar em até 25% na hipertensão pulmonar estável, enquanto estava associado à piora da sobrevida e a um aumento no remodelamento vascular em ratos com HAP instável. Entretanto, os mesmos autores não encontraram nenhum efeito do exercício na hipertrofia ventricular direita, remodelamento, assim como fibrose em ratos com hipertensão pulmonar estável. Nesse modelo animal, o treinamento progressivo diminuiu a sobrevida e levou a uma diminuição na carga de trabalho nesses pacientes com hipertensão pulmonar estável. O treinamento físico demonstrou ser um método seguro e uma terapia adicional útil em pacientes com hipertensão pulmonar de várias etiologias. A maioria dos estudos relatou uma melhora significativa na capacidade de exercício e qualidade de vida quando adicionado ao tratamento médico. Efeitos benéficos do treinamento físico parecem estar associados a uma melhora na função muscular, perfusão pulmonar, troca de gases sanguíneos e função ventricular 42 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR direita e inibição da ativação inflamatória e da proliferação celular no músculo liso. Os efeitos moleculares subjacentes ainda não são completamente compreendidos. O treinamento esportivo cuidadosamente monitorado parece ser seguro, mesmo em pacientes gravemente afetados com classe funcional III-IV. Poucos efeitos colaterais foram relatados em estudos no treinamento, sendo os mais frequentes as infecções do trato respiratório superior. Em alguns estudos não controlados ocorreram excelentes taxas de sobrevivência de 97- 100% em 1 ano e 94-100% em 2 anos foram relatadas. No entanto, a literatura necessita de estudos nessa população que avaliem o efeito do exercício sobre hemodinâmica, tempo para piora clínica e a sobrevivência. As evidências sugerem que o exercício e o treinamento podem ser uma abordagem terapêutica segura e eficaz em pacientes com hipertensão arterial pulmonar. O recente consenso do 5o Simpósio Mundial de Hipertensão Pulmonar declara que o exercício deve ser um tratamento adicional nesses pacientes (classe I, nível de evidência A). Sendo assim, as diretrizes encorajam a realização de mais pesquisas sobre modalidades de treinamento e os mecanismos de melhora nesses indivíduos. Um grupo de pesquisadores realizou um estudo randomizado para investigar o efeito do exercício em pacientes com hipertensão pulmonar. Foram randomizados dois grupos: o controle e o grupo que recebeu um programa de reabilitação baseado no acompanhamento nutricional, aconselhamento e fisioterapia, além de terapia médica otimizada. A medicação permaneceu inalterada durante todo o estudo. O grupo de treinamento recebeu um programa de exercícios especializados, treinamento intervalado em bicicleta ergométrica com baixa carga de trabalho (5-40 W) por 10 a 25 min/dia. O exercício foi administrado e supervisionado 7 dias por semana, e a intensidade foi individualmente ajustada, de acordo com o esforço físico subjetivo e medidas de segurança (frequência cardíaca máxima < 120 bpm e saturação de oxigênio > 90%). Além disso, teve a orientação de caminhadas por 60 min, treinamento com halteres em grupos musculares únicos com pesos baixos por 30 minuntos e também teve a introdução do treino de marcha aos pacientes, a fim de melhorar a sua capacidade física e limitações. Na alta, os pacientes foram solicitados a continuar os exercicíos prescritos. Esse protocolo de exrcício foi responsável por melhorar a capacidade funcional desses indivíduos, assim como aumentou o VO2 pico, o limiar aneróbico e parâmentros relacionados à qualidade de vida. O teste de caminhada de seis minutos representa as atividades de vida diárias e pode ser utilizado para fornecer informações preciosas em relação ao grau da doença 43 FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR │ UNIDADE II vascular pulmonar, resposta terapêutica e evolução da doença. Estudo realizado por Myamoto encontrou que pacientes com hipertensão arterial pulmonar primária que caminharam menos que 322 metros tiveram menor sobrevida em relação a pacientes que caminharam uma distância maior. A distância caminhada em seis minutos oferece uma mensuração eficiente da capacidade funcional. Apesar de ser considerado um teste de esforço submáximo, em pacientes com doenças avançadas e com limitação funcional grave, os testes de esforço submáximos de exercício, como o teste de caminhada de seis minutos, podem ser considerados testes de esforço máximo. A distância caminhada se correlaciona com os valores basais do débito cardíaco, da resistência vascular pulmonar e da pressão média da artéria pulmonar. Alémdisso, tem também correlação com o pico de consumo de oxigênio, o pulso de oxigênio e o equivalente respiratório para CO2, determinados por testes de exercício máximo. A mesma capacidade determinada por testes de exercício cardiopulmonar máximo é vista quando se aplica o teste de caminhada de seis minutos em pacientes com hipertensão arterial pulmonar, com a vantagem do teste de caminhada considerar as queixas subjetivas dos pacientes, oferecendo uma avaliação adequada das limitações da vida diária. O teste da caminhada de seis minutos surgiu em 1976, decorrente de um estudo realizado por MacGavin, onde o objetivo era mensurar a distância que um paciente era capaz de caminhar em uma superfície plana no tempo de seis minutos. Esse teste avalia respostas globalizadas do doente, envolvendo os diversos sistemas como: sistema cardiopulmonar, a circulação periférica, o sistema neuromuscular e o metabolismo muscular. O teste acontece da seguinte maneira, o paciente é posicionado em um corredor plano de 30 metros com delimitação do início e do fim do percurso com cones de sinalização. O paciente é orientado a caminhar o mais rápido possível sem correr durante 6 minutos, ao final dos 6 minutos é mensurada a distância percorrida pelo paciente. Segundo diretrizes estabelecidas pela American Thoracic Society (ATS). Assistência ventilatória A utilização da ventilação mecânica invasiva e não invasiva em pacientes com hipertensão arterial pulmonar acontece da seguinte maneira: os níveis elevados de pressão positiva expiratória final (PEEP) em alguns casos podem piorar o funcionamento do ventrículo direito e, com isso, deve-se adotar uma estratégia ventilatória onde as pressões inspiratórias devem ser baixas, ajustando a frequência respiratória, tempo inspiratório e tempo expiratório e relação I:E para uma normocapnia. 44 UNIDADE II │ FISIOTERAPIA NA HIPERTENSÃO PULMONAR A utilização do óxido nítrico inalatório pode ser indicada em muitos casos, levando a uma melhora considerável do funcionamento do Ventrículo direito e também a relação ventilação perfusão. A utilização de oxigênio tem se mostrado benéfica em pacientes com hipertensão arterial pulmonar que apresentem hipoxemia, em repouso, ou até mesmo durante o exercício. Em alguns casos de pacientes refratários ao uso de oxigênio, uma fração inspirada de oxigênio mais elevada pode ser administrada, caso tenha necessidade, mesmo com a relação PAO2/FIO2 estando acima de 200. Em pacientes portadores de cor pumonale, a utilização de oxigênio se faz necessária para diminuir a vasoconstrição pulmonar hipoxêmica, levando a uma melhora no débito cardíaco, causando redução da vasoconstrição simpática e, com isso, melhorando a hipoxemia tecidual e perfusão renal. Alguns estudos mostram que oxigênio a baixo fluxo tem sido capaz de reduzir a taxa de mortalidade em indivíduos com hipertensão arterial pulmonar secundária à doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é uma enfermidade progressiva de várias etiologias que envolve o coração e os pulmões e é associada a um prognóstico ruim. O principal sintoma da HAP é a dispneia durante o esforço. A falta de especificidade dessa manifestação acaba retardando a chegada a um diagnóstico. Em 2013, aconteceu o Quinto Simpósio Mundial, em Nice, França, onde foi atualizada a tabela de classificação, e também ocorreu a inserção de novas estratégias e fármacos no algoritmo de tratamento. Em relação à fisiopatologia, o ventrículo direito passou a exercer um papel de destaque, assim como o grupo de trabalho em patologia. A redução da capacidade de exercício em pacientes com hipertensão pulmonar é influenciada, principalmente, por uma mudança estrutural da musculatura periférica, como diminuição da fibra muscular tipo I em proporção as fibras musculares tipo II, com uma menor área transversal de fibras do tipo I, formando uma combinação de atrofia muscular, e diminuição contratilidade, que é promovida por músculos respiratórios enfraquecidos. Efeitos benéficos do treinamento físico parecem estar associados a uma melhora na função muscular, perfusão pulmonar, troca de gases sanguíneos e função ventricular direita, e inibição da ativação inflamatória e da proliferação celular no músculo liso. Os efeitos moleculares subjacentes ainda não são completamente compreendidos. 45 UNIDADE III COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO CAPÍTULO 1 Fisioterapia no pós-operatório Avaliação O desenvolvimento científico e tecnológico ainda não alcançou a solução para as complicações associadas ou decorrentes das doenças, bem como as possíveis complicações ou efeitos colaterais de seus respectivos tratamentos. Essas afecções ainda são de grande preocupação às equipes de saúde. Com relação ao tratamento cirúrgico, muitas são as possíveis complicações, entretanto, as do aparelho respiratório são as mais recorrentes, principalmente quando se trata de operações do abdômen e do tórax. Define-se complicação como uma segunda doença inesperada, ou a exacerbação de uma morbidade já existente, decorrente da operação, que pode acontecer até 30 dias após a abordagem cirúrgica. Tais complicações fazem com que aumente acentuadamente a morbimortalidade, o tempo de internação e os gastos por parte dos sistemas de saúde. Tipos de cirurgia Os achados científicos demonstram controvérsias sobre as possíveis diferenças entre as complicações que ocorrem em cirurgias eletivas quando comparadas às cirurgias de urgência ou emergência. Um único estudo indicou que tais diferenças existem, principalmente, quando se trata de complicações respiratórias pós-operatórias (CRP), pois os pacientes submetidos às operações do tipo eletivas encontram-se melhor preparados e estabilizados, sob o ponto de vista clínico, que os doentes operados em situações de emergência ou urgência. Esse estudo, no entanto, demonstra resultados que divergem da maioria dos autores, pois, de maneira geral, a literatura vem demonstrando que não há diferenças estatisticamente relevantes na comparação dos dois grupos de pacientes. 46 UNIDADE III │ COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO No tocante à anatomia patológica e aos locais de operação, demonstra-se que as incisões no abdome superior (figura 1) e tórax (figura 2) têm incidência maior de CRP. Constatou-se que isto se deve ao fato de tais vias de acesso desencadear reduções entre 50% a 60% na capacidade vital (CV), e em 30% na capacidade funcional residual (CRF), por disfunção diafragmática. Dentre as principais causas dessas disfunções, aponta-se que a inibição reflexa do nervo frênico decorrente da manipulação visceral, associa-se à dor pós-operatória e aos efeitos anestésicos que levam ao colapso alveolar, pelo padrão respiratório monótono, e a inibição da tosse que permite o aprisionamento de secreção traqueobrônquica em áreas inferiores dos pulmões. Figura 20. Incisão para abordagem dos órgãos abdominais. Fonte: <https://ebsco.smartimagebase.com/view-item?ItemID=12783>. Figura 21. Toracotomia. Fonte: <http://www.toraxrio.com.br/cirurgias/cuidados-pos-operatorio/>. 47 COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO │ UNIDADE III Fisiopatogenia das complicações pós-operatórias Dentre os fatores apontados na fisiopatogenia e etiologia direta das CRP, considera-se de maior relevância: » Dor pós-operatória: a dor e o medo de evisceração limita o padrão respiratório, tornando-o superficial, o que limita o pico de fluxo expiratório e o pico de tosse. A tosse ainda é muitas vezes inibida voluntariamente pelo próprio paciente. Sabe-se que a tosse pode ser desencadeada por comandos voluntários ou involuntários, constituindo-se de três fases: inspiratória, fase de compressão e fase expiratória, finaliza-se com a fase de relaxamento. Quanto maior for a fase inspiratória, maior será a eficácia da tosse. Desse modo, uma inspiração profunda leva a um maior volume do tórax e também da
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