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DIREITO DE RESISTÊNCIA EM JONH LOCKE E THOMAS JEFFERSON

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DIREITO DE RESISTÊNCIA EM JONH LOCKE E THOMAS 
JEFFERSON 
 
O autor que merece destaque aqui é Jonh Locke, que está localizado na 
história entre o Século XVII e XVIII. Locke trará para o cenário político em suas obras 
uma teoria da resistência original, além da sua teoria dos direitos naturais do homem, 
entre eles, o direito a propriedade como um direito fundamental, que ainda permeia o 
pensamento liberal atual. 
 
Locke estudou nas universidades de Londres e Oxford, tendo contato com as 
teorias filosoficas de inúmeros autores, notadamente Aristoteles, René Descartes e 
Francis Bacon. Tais referências foram influentes no pensamento de Locke, por conta das 
teses racionalistas e empiricistas.1 Locke é um um autor individualista2, defensor da 
propriedade como direito natural3 e fundador de um jusnaturalismo que compartilha 
visões tradicionais e modernas4. 
 
Seus escritos trazem concepções contratualistas, sendo o único dentre os mais 
famosos contratualistas (Kant, Rousseau e Hobbes) que estabelece expressamente uma 
teoria da resistência.5 Antes de adentrar na teoria de Locke sobre resistência ao governo, 
cumpre analisar as bases do pensamento do autor sobre o indivíduo e a sociedade. Vê-se 
que Locke em sua obra dá muita importância ao indivíduo6 e à propriedade.7 
 
 
1TERUYA, T. K. As contribuições de Jonh Locke no pensamento educacional contemporâneo Grupo 
de Estudos e Pesquisas "História, Sociedade e Educação no Brasil" (HISTEDBR) Faculdade de Educação 
- UNICAMP, IX Jornada do HISTEDBR, 2010, Pará, Belém, 2010, 18p, p.1-11. Disponível em: 
<http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada9/_files/BDxADftT.pdf>. Acessado em 
04/05/2020. 
2 FILHO, Sérgio Ricardo de Andrade Virgínio Direito natural, política e liberdade em John Locke 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Filosofia da Universidade Federal da Paraíba 
– UFPB, João Pessoa, 2017, p.46-47. 
3 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de cada 
autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.29-42 (§25 - §51). 
4 SILVA, Otacílio Rodrigues da. A doutrina lockiana dos direitos naturais como fundamentação da 
defesa dos direitos humanos SÍNTESE - Rev. de filosofia v. 32 n. 104 (2005): 401-428. Belo Horizonte, 
2005, p.415. <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/284>. Acessado em: 
04/05/2020. 
5 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.30. 
6 LOCKE, John, Op. Cit., p. 61 (§87). 
7 LOCKE, John, Op. Cit., p. 29-42 (§25 - §51). 
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/jornada/jornada9/_files/BDxADftT.pdf
http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/284
É importante entender que esse individualismo que Locke traz faz ele teorizar 
que o sujeito nasceria com máxima liberdade e gozo ilimitado dos privilégios e direitos 
da Lei da Natureza e o direito de preservar a propriedade em sentido amplo, ou seja, sua 
vida, liberdade e posses, bem como julgar e punir aqueles que infringissem a lei natural.8 
 
Porém, Locke analisará que o homem não vive sozinho, que a sociedade é 
uma realidade que precisa ser construída e trabalhada por esse sujeito que não deve apenas 
seguir o seu interesse privado individual a qualquer custo. Locke entende que existe uma 
necessidade de coesão social, em que o direito de um precisa ser equilibrado com o direito 
de outro. O respeito ao semelhante é muito presente no pensamento de Locke. Desse 
modo, um homem não poderia destituir seu semelhante de suas posses, nem destruir a 
outrem. Ademais, seria um imperativo da Lei Natural que nenhum deve prejudicar a 
outrem em sua vida, liberdade, posses e deveria, quando não estivesse em jogo sua própria 
preservação, prezar pela preservação da humanidade. Esses ensinamentos são dados por 
Locke na sua obra Segundo Tratado Sobre o Governo Civil9 
 
Locke será um dos escritores que apresentará sua visão sobre o denominado 
"estado de natureza": Condição primeira do homem no mundo.10 No Estado de Natureza 
Lockeano, o homem não estava aflito, não estava sofrendo como o homem do Estado de 
Natureza hobbesiano. É, na verdade, uma condição primeva, na qual todos os homens 
estariam em pé de igualdade e vigeria a reciprocidade e a liberdade.11 
 
O homem do Estado de Natureza de Locke não está, portanto, em guerra com 
seus iguais, tendo Locke em seus escritos diferenciado estado de natureza de estado de 
guerra.12 Locke, entretanto, estabelecerá que há conflitos nesse estado e que eles “devem 
certamente ser grandes”13, tendo um homem poder sobre o outro para julgar e punir 
aquele que infringisse os mandamentos naturais e causasse dano. O autor concorda que 
 
8 LOCKE, John, Op. Cit., p. 61 (§87). 
9 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de cada 
autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.16 (§6). 
10 Ibdem, p.15 (§4). 
11 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.36. 
12 LOCKE, John, Op. Cit., p.24 (§19). 
13 LOCKE, John, Op. Cit., p.20 (§13). 
um governo civil seja o remédio para os inconvenientes deste estado, tendo um governo 
que atue como árbitro das eventuais exigências de interesses conflitantes.14 
 
Portanto, o estado de natureza é aquele em que todos podem fazer cumprir a 
lei natural, e esta impõe que cada um cuide dos seus interesses e dos seus semelhantes, 
enquanto isso não afetar a sua própria sobrevivência. Para Locke, essa lei natural seria 
apreendida pelos homens por meio da razão, ou seja, a razão levaria os indivíduos à lei 
natural, fazendo do homem lockeano, um ser racional.15 A lei primária seria guiada pela 
razão humana, pois Deus teria dotado o homem de cognição para que ele extraisse dela a 
medida de suas ações.16 A lei primária indicaria que os indivíduos devem preservar a 
própria vida, a liberdade e os bens. Além disto, devem cuidar uns dos outros, uma vez 
que cada um tem a responsabilidade de preservação da própria humanidade.17 
 
Tal argumento de que a lei natural é conhecida pela razão é desenvolvido na 
obra de Locke “Ensaios sobre a Lei Natural”18, porém Locke dirá em “Segundo Tratado 
Sobre o Governo” que a lei natural que governaria os homens no estado de natureza é a 
razão19, transparecendo nesse ponto uma desarmonia entre suas outras obras, como se 
verá. 
 
O Estado surgiria como a criação que deriva do consentimento, do acordo 
entre iguais, que concordam que estarão melhor se estiverem em instituições que 
permitam que terceiros, que são semelhantes a eles possam decidir como os direitos 
naturais devem ser exercidos.Em última instância, o que o Estado de Locke vai fazer 
quando suplanta o Estado de Natureza, é dar força de lei ao exercício dos direitos naturais, 
ou seja, fazer com que os direitos naturais possam ser exercidos em situações 
eventualmente conflituosas.20 
 
14 LOCKE, John, Op. Cit., p.20 (§13) e 61 (§87). 
15 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.36. 
16 Ibdem, p.37. 
17 Ibdem, p.37. 
18 SOUSA, Rodrigo Ribeiro de. ALiberdade no “Segundo tratado sobre o governo” de John Locke 
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p.39. 
19 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de cada 
autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.16 (§6). 
20 Ibdem, p. 61 (§87). 
 
Isso faz com que, portanto, dois elementos apareçam na formação do estado 
de Locke sobre o Estado de Natureza; Primeiramente, a ideia de que o contrato social que 
Locke desenvolve não é uma força externa, mas uma escolha interna dos próprios 
indivíduos. Além disso, para formar a sociedade política, o monopolio da força que antes 
era do indivíduo (seu poder executivo natural), passa agora ao estado, ou seja, o indivíduo 
abdicaria deste direito do estado de natureza em favor da formação da sociedade política. 
 
Nesse sentido, têm-se a lição de Nelson Nery Costa: 
 
A única saída para o impasse que o estado de natureza gerava, consistia na 
formulação de um pacto entre os indivíduos. Os homens, assim, abririam mão 
do poder executivo individual, atribuindo-o à sociedade política, na medida em 
que essa lhe garantisse a tranquilidade para manter as suas atividades 
econômicas. Não se tratava, como Hobbes, de uma autorização para todos os 
atos e decisões, mas de uma troca que vinculava duplamente governantes e 
governados. A lei não isentaria ninguém, regendo a todos igualmente, inclusive 
o soberano. O pacto social representaria os compromissos essenciais do Estado 
liberal: garantia dos direitos elementares de cidadania e limites e 
responsabilidades do governo. A comunidade que estabelecia o pacto para 
formar a sociedade política, compunha-se de pessoas racionais, que assim 
agiam para melhor punir a violação e ofensas contra a propriedade.21 
 
O indivíduo não seria mais juiz e executor de si mesmo tendo abdicado do 
poder de punir em favor do estado e de seu poder de legislar para si próprio em favor da 
formação de um poder legislativo para a comunidade como um todo22, sendo que este 
poder de legislar uma vez atribuido a um poder legislativo não poderia retornar ao 
indivíduo enquanto a sociedade perdurar.23 
 
Portanto, o cidadão não é um elemento secundário e acidental do governo que 
se cria, muito pelo contrário, ele é o fundador que conscientemente, voluntariamente, por 
uma decisão interna, decide que: a reta razão leva a acreditar que todos estaríamos numa 
condição melhor, se houvesse um governo que pudesse dizer como os direitos naturais 
podem ser exercidos e qual é a justa medida para exercício dos direitos. Sobre o papel da 
 
21 COSTA, Nelson Nery Teoria e realidade da desobediência civil, 2ª Edição (Revista e ampliada), 
Editora Forense, Rio de Janeiro, 2000, p. 17. 
22 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de cada 
autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.62 (§88). 
23 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de cada 
autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.155 (§243). 
razão na formação da sociedade civil em Jonh Locke, tem-se a lição de Azinio Oliveira 
de Alcantara Neto: 
Em Locke, diferentemente, a formação do contrato social não é gerada pelo 
terror e egoísmo, mas, sim, pela razão que informa o homem: há tendência 
gregária que faz com que os indivíduos rumem para a organização social mais 
complexa, em razão da necessidade de autopreservação, primeiramente, e 
preservação dos demais indivíduos. (...) A tendência gregária dos indivíduos 
leva a maior organização social, que não é inexiste em estado de natureza, 
embora em passo não tão estruturado. O estado civil (legislativo) e a escolha 
de um governo (juiz imparcial) constituem a afirmação da maioria diante das 
incertezas do estado de natureza. Isto, no pensamento lockeano, irá resultar em 
constituição de um Estado de poder político limitado. (...) Para o escritor de 
Segundo tratado, de modo diverso, o estado de natureza é caracterizado pelo 
império da lei natural, não sendo apenas o medo que conduz os indivíduos a 
formarem o governo civil. O contrato é o consequente da razão humana, e a 
materialização do senso gregário que leva à organização como forma de 
extirpar o agressor das leis naturais e preservar a própria humanidade.
24
 
 
Têm-se aqui que, na medida em que o indivíduo deu consentimento hoje, 
amanhã poderá revoga-lo por motivos de fuga do acordado no pacto social que deu inicio 
à sociedade política, seja por quaisquer das razões que Locke elenca em sua obra 
“Segundo Tratado Sobre o Governo”.25 
 
Antes de adentrar no ponto da resistência, cabe tecer algumas considerações 
sobre controvérsias envolvendo conceitos que Locke trabalha em sua obra, notadamente 
sobre a Razão, Lei de Natureza e Ideias inatas. Tais elementos são interligadas e pilares 
do pensamento Lockeano, porém, nelas também residem controvérsias apotadas pelos 
academicos a respeito do pensamento de Locke. A primeira dessas controvérsias aparece 
na conjugação de três obras do autor: O Segundo Tratado sobre o Governo em um polo 
e o Ensaio acerca do entendimento humano e o Ensaio sobre a Lei Natural em outro 
polo, com se verá abaixo. 
 
Pois bem, Locke exporá em sua obra que é contra a ideia de que o ser 
humano já nasce com determinados saberes que são inatos. A ideia de Locke é uma 
 
24 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.46. 
25 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de cada 
autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.136-155 (§211-§243). 
ideia de que o conhecimento se constrói, e é criado a partir de experiências, e experiências 
essas que serão guiadas sempre pela razão.26 
 
Locke exporá, sendo coerente com tal pensamento, em “Ensaio acerca do 
entedimento humano” que não há ideias inatas ao homem e, por isso, a lei natural, não 
seria inata ao homem, mas sim descoberta pela razão a partir da experiência (doutrina que 
é coerente com aquela presente em “Ensaio sobre a Lei Natural”).Ao mesmo tempo, em 
o “Segundo tratado sobre o Governo”, o autor vai dizer, ao teorizar sobre o direito de 
matar um assassino, que a lei natural “habitaria os corações dos homens”, não 
trasparecendo a sua doutrina empirista e, de certa forma, indo contrário a ela. Tal 
controvérsia é apontada por Rodrigo Ribeiro de Sousa27 e Azinio Oliveira de Alcantara 
em seus escritos. 28 
 
Por derradeiro, vale a pena comentar sobre a lei natural em “Ensaio sobre a 
Lei natural”, obra coerente, como se viu, com a doutrina empirista exposta em “Ensaios 
acerca do conhecimento humano”, novamente se contrapondo ao que é dito na obra 
“Segundo Tratado sobre o Governo”. Faz-se necessário tal explição, por que em nenhum 
ponto em o Segundo Tratado Sobre o Governo abre-se um capitulo sobre a Lei Natural 
porém esse conceito aparece ao longo de todo o texto do autor. 
 
Locke dirá que a Lei Natural é oriunda de Deus e pode ser percebida pelo 
homem através da Luz Natural (experiências sensoriais) e interpretada pela razão, tendo 
conteúdo eminentemente de uma lei em sentido estrito, pois ela cumpre o papel de 
postular o que deve ou não deve ser feito. Sua existência é provado lançando mão de 
cinco argumentos.29 
 
 
26 SOUSA, Luis Henrique da Cruz Apropriedade como direito natural na filosofia política de John 
Locke: Subjetividade como fundamento de uma teoria da apropriação Dissertação apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Filosofia do departamento de Filosofia da Universidade de Brasília, 
Brasília, 2018, p.78. 
27 SOUSA, Rodrigo Ribeiro de. A Liberdade no “Segundo tratado sobre o governo” de John Locke 
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p.46. 
28 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.35. 
29 SOUSA, Rodrigo Ribeiro de. A Liberdade no “Segundo tratado sobre o governo” de John Locke 
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p.42. 
Os cinco argumentos seriam que, primeiro, a existência de princípios 
universais poderia ser constatada pela semelhança que guardam os povo no tocante ao 
que seria virtuoso e o que seria temerario e isso refleteria na similaridade presente nas 
demais leis positivadas dos povos do mundo, ainda que com diferenças esparsas. Deveria 
existir alguma lei primeira, anterior a tais definições.30 
 
O segundo argumento é o da justa razão, na qual argumenta-se que o homem 
teria consciência e o homem, conscientemente, seguindo sua razão, saberia discernir se 
suas escolhas são boas ou más e ele só conseguiria ter tal discernimento pelo fato de 
exisitir uma lei natural, a qual devessem observância. O terceiro argumento se refere ao 
estudo do universo que, segundo ele, seria governado por leis e que com o ser humano 
não seria diferente.31 
 
No quarto argumento o autor vai teorizar sobre a sociedade humana, na qual 
se constituiria em uma sociedade civil, com leis civis que, entretanto, não teriam efeito 
cogente por elas mesmas e nem mesmo os pactos firmados apoiariam seu cumprimento 
apenas na lei da sociedade civil. Logo, deveria haver uma Lei da natureza para estabelecer 
que deve-se respeitar a autoridade, que deve-se prezar pela tranquilidade pública e que o 
indivíduo deveria cumprir nossas promessas.32 
 
Por fim, o último argumento é o que pressupõe a supressão da Lei de 
Natureza, constatando que, se não existisse tais leis da natureza, não haveria virtudes nem 
vícios, nem falta, nem culpa, nem punição ou recompensa e o homem viveria muito 
menos buscando a virtude em suas ações e muito mais buscando a mera utilidade, 
perpetuando, ao que tudo indica, um estado similar a um animal que somente visa sua 
sobrevivência, fazendo do homem um ser sem referência sobre como deveria agir.33 
 
Vistos tais argumentos, Locke passa a tratar do tema de como pode-se 
conhecer a Lei Natural e, mais importante,o porque de sua lei obrigatoriedade. O autor 
 
30 Ibdem,p.42. 
31 Ibdem, p.43. 
32 SOUSA, Rodrigo Ribeiro de. A Liberdade no “Segundo tratado sobre o governo” de John Locke 
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p.44. 
33 Ibdem, p44-45. 
dirá, em síntese, que, a forma de se conhecer a Lei natural, dentre todas as outras formas 
de conhecimento (inscrição e Tradição), seria pela “luz da natureza”. Chama-se “luz da 
natureza”, o método de aquisição de conhecimento que se dá a partir da experiência 
sensorial humana com a ultilização da razão, indo contra a idéia de conhecimentos 
inatos.34 
 
Ainda nesta toada, o autor vai expor dois argumentos a respeito da 
obrigatoriedade da lei natural: O primeiro seria sua origem divina e o segundo dirá que, 
além do aspecto religioso, ela proporcionaria a apreensão racional do certo, ou seja, ela 
teria um valor moral intrinseco a ela própria pondendo-se afirmar que um julgamento 
baseado na lei natural seria um julgamento moralmente correto.35 
 
Ademais, para se compreender melhor as características da lei natural, 
remenda-se dividir tal explicação entre os aspectos formais e os aspectos materiais da lei 
de natureza. Os aspectos formais dizem respeito ao necessário para aquela lei ser 
considerada uma lei natural. O aspecto material dirá sobre os conteúdos específicos da lei 
antural.36 
 
Primeiramente, ela é um lei que prescreve uma conduta independentemente 
da lei civil positiva, ou seja independe das legislações adotadas pelos diversos governos. 
Isso significará que ela independe das conveções normativas que cada sociedade 
estabelece e que a lei civil dessas sociedades pode ou não estar amoldada aos ditames da 
lei de natureza. Outro aspecto formal da lei da natureza é que ela é a lei da razão e agir de 
acordo com a lei natural é agir de acordo com a razão. A lei de natureza também seria 
aquela que teria sua origem na vontade divina, seria a lei que Deus impôs a humanidade 
e que todos deveriam seguir.37 
 
Por fim, a lei natural seria universal e, portanto, valida em todos os lugares e 
em todos os momentos e serviria de guia para a elaboração das convenções normativas 
 
34 Ibdem,p.45. 
35 Ibdem, p.49-50. 
36 Ibdem,p.51. 
37 SOUSA, Rodrigo Ribeiro de. A Liberdade no “Segundo tratado sobre o governo” de John Locke 
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em Filosofia do Departamento de Filosofia da 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p.51-
52. 
humanas ao redor do mundo. Todos deveriam ser tratados conforme a lei natural e tratar 
os seus semelhantes também conforme a lei natural. Não obstante sua universalidade, a 
lei natural não cuidaria de todas as condutas humanas e permitiria leis civis diferentes nas 
diferentes sociedades.38 
 
Sobre o aspecto material da lei natural, ou seja, a estrutura particular da lei 
natural têm-se que existiria uma lei fundamental da natureza: A preservação da 
humanidade e por meio dela afirmaria-se que tudo no mundo deve ser preservado. As 
outras lei da natureza seriam “derivadas”, tendo que ser compatíveis com a lei 
fundamental e isso teria que ser demonstrado racionalmente. A racionalidade da lei 
fundamental adviria de um mandamento teológico, que Deus criou o homem e, portanto, 
quer que ele permaneça na terra.39 A premissa teológica, portanto, está na base da 
argumentação de locke sobre a Lei da natureza. 
 
Por derradeiro, cumpre estabelecer a distinção entre a lei natural e Direito 
Natural: A lei natural traria ordens para os seres humanos e o direito natural estaria ligado 
a idéia de liberdade do uso de algo.40 O direito natural surge por um reconhecimento, 
atraves da razão, de direitos que o indivíduo deve necessariamente possuir (inalienáveis) 
para que não haja o corrompimento da vontade divina, das leis da natureza. Em outras 
palavras, “Justamente por que o direito natural surge como um reconhecimento, através 
da Razão, de que os homens, por exemplo, têm direitos que não podem ser alienados sem 
corromper a vontade divina, as leis da natureza”.41 O Direto Natural surgiria, portanto, 
como uma forma de dar apoio a Lei natural, em um sistemática de direitos e deveres (lei 
natural). 
 
Embora tenha exposto tais ideias sobre a lei natural na obra citada acima, em 
“Segundo Tratado sobre o Governo”, o autor iguala a razão à lei natural. Portanto, ela 
 
38 Ibdem, p.51-52. 
39 Ibdem, p.53-55. 
40 SOUSA, Luis Henrique da Cruz A propriedade como direito naturalna filosofia política de John 
Locke: Subjetividade como fundamento de uma teoria da apropriação Dissertação apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Filosofia do departamento de Filosofia da Universidade de Brasília, 
Brasília, 2018, p.56. 
41 SOUSA, Luis Henrique da Cruz A propriedade como direito natural na filosofia política de John 
Locke: Subjetividade como fundamento de uma teoria da apropriação Dissertação apresentada ao 
Programa de Pós-Graduação em Filosofia do departamento de Filosofia da Universidade de Brasília, 
Brasília, 2018, p.58. 
não estaria sendo tratada como um instrumento para se chegar à lei natural. Seria a própria 
razão a lei natural para governar os homens no estado de natureza.42 
 
Por tais referências religiosas em sua obra, têm-se academicos que, 
analisando a obra de Locke, não o classificam como uma jusnaturalista racional, mas em 
um meio termo entre o jusnaturalismo teologico e o racional.43 
 
Vencidas tias considerações, Locke escreverá sobre resistência ao governo 
em sua obra “Segundo Tratado Sobre o Governo”. Em matéria de resistência, Locke 
escreve que a resistência pode resultar da conquista, da tirania e da usurpação, sendo elas 
ocasiões em que o direito de resistência poderia ser admitido segundo a teoria exposta em 
o “Segundo Tratado sobre o Governo”.44 
 
Em sua teoria, tanto o legislativo como o executivo são passíveis de perpetuar 
ataques contra os direitos naturais. Aquele quando legisla impondo leis injutas à 
sociedade e este quando atua desrespeitando a lei civil e, principalmente, as leis naturais, 
perpetuando um ataque aos direitos de todos os cidadão daquele pais.45 
 
É preciso deixar claro os conceitos em Locke de conquista, usurpação e 
tirania. A primeira seria a conquista, que perpetuaria-se pela invasão de uma nação no 
território da outra, ou seja, perpetuaria-se por guerra entre Estados. Nesse caso, a 
resistência poderia ser exercida, pois não haveria, em príncipio, legitimidade na conquista 
de um Estado sobre outro, porque o agressor, em estado de guerra, estaria atentando 
contra os direitos naturais, ensejando possibilidade do povo se rebelar contra o governo 
 
42 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de 
cada autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.16 (§6). 
43 SILVA, Otacílio Rodrigues da. A doutrina lockiana dos direitos naturais como fundamentação da 
defesa dos direitos humanos SÍNTESE - Rev. de filosofia v. 32 n. 104 (2005): 401-428. Belo Horizonte, 
2005, p.415. <http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/284>. Acessado em: 
04/05/2020. 
44 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.53. 
45 Ibdem,p.53. 
http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/284
imposto a força. Pode-se dar o exemplo nesta época em que Locke viveu da Guerra dos 
Trinta Anos (1618-1648).46 
 
Ao passo que a conquista seria, como demonstrado, a agressão externa ao 
Estado, a usuparção teria características internas. Ela seria um ataque interno ao governo 
daquela sociedade, perpetuado por um grupo ou indivíduo, sem nenhuma legitimidade 
perante o povo, perpetuando, se vitoriosa a usurpação, um governo eminentemente 
ilegítimo, que daria a população o direito de resistir e expulsar o usurpador. É interessante 
notar que se o usurpador recebe posteriormente o crivo da população, este adquire 
autoridade e se torna em governante legitímo, devendo ser obedecido em seus 
comandos.47 
 
Por fim, a tirania teria um conceito restritivo em Locke. Seriam classificados 
como tiranos unicamente aqueles governos legitimos, ou seja, que tinham total aprovação 
por parte do povo, mas que desvirtuaram-se afastando-se dos interesses do bem comum 
da população. O governante deixa-se guiar pelos seus próprios interesses e não pelo bem 
de seu povo, deturpando o fim para o qual aquele governo foi criado ou quando 
governante utiliza a força contra seus súditos, embora não fosse autorizado a fazê-lo.48 
 
Depois de tratar destas três figuras, é importante que se entenda que elas 
podem ser causa de dissolução da sociedade civil e da dissolução do governo instituido 
na sociedade49, tendo a resistência a principal finalidade de se sanar esse vício no governo 
e criar um novo mantendo-se a base sobre a qual o contrato social se firmou.50 
 
O autor, quando trata do tópico da dissolução do governo, diferencia a 
dissolução da sociedade com a dissolução do governo e deixará claro que a dissolução da 
sociedade acarretaria, consequentemente, a dissolução do governo, porém, a reciproca 
não seria verdadeira, ou seja, a dissolução do governo não implicaria a dissolução da 
 
46 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.53-54. 
47 Ibdem,p.54. 
48 Ibdem, p.54-56. 
49 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.46. 
50 Ibdem, p.56. 
sociedade. A dissolução da sociedade se daria com a aniquilação do corpo e do sentido 
de coletividade, passando a não ser mais um corpo completo e coeso. Locke traz cinco 
causas de dissolução do governo, uma delas explicitamente analisada, também, como 
causa de dissolução da sociedade.51 
 
Primeiramente, expõe que a conquista seria causa tanto de dissolução da 
sociedade, como dissolução do governo. Em verdade, seria primordialmente a causa 
quase única de dissolução da sociedade e, por conseguinte, do governo. No que pese as 
outras causas de dissolução do governo, o autor fala pouco da dissolução da sociedade 
política, limitando-se a afirmar que ela ocorre quase que exclusivamente pela intervenção 
externa por meio da conquista. A conquista poderia dar ensejo a resistência, como já se 
viu acima.52 
 
Porém, encontra-se também entendimento na literatura sobre o tema que a 
usurpação poderia ser causa também de dissolução da sociedade politica estabelecendo 
que: “A conquista e a usurpação podem ser causas de dissolução social, haja vista que a 
dominação pode ser de tal monta que resultará em destruição dos laços sociais que unem os 
indivíduos em contrato”.53 
O governo também poderia se dissolver internamente e locke dirá que a 
principal causa dessa dissolução interna é a alteração legislativa, fruto da usurpação da 
função legislativa por um indivíduo ou um grupo que começam a elaborar as leis sem que 
tenham sido eleitos para tal tarefa. Ocorre que legitimidade nenhuma possuem e, portanto, 
suas leis não são dotadas de autoridade, podendo o povo, igualmente como no caso acima, 
resisitir e escolher um novo legislativo.54 
 
O terceiro caso, que parece ser de um gênero diferenciado dos acima, é a 
simples abdicação ou abandono do cargo do executivo pelo governante, levando a 
vacância do cargo e trazendo a anarquia para a sociedade como um todo. Aqui, faltaria 
 
51 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de 
cada autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.136-145 (§211- §230). 
52 Tsuji, A. (2017). Notas sobre o direito de resistência no segundo tratado sobre o governo de John 
Locke. CadernosDe Ética E Filosofia Política (USP), 2(31), 98-115, p.98. Disponível em: 
<http://www.revistas.usp.br/cefp/article/view/142060> Acessado em: 04/05/2020. 
53 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara, Op. Cit., p.54. 
54 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de 
cada autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.137 (§212). 
http://www.revistas.usp.br/cefp/article/view/142060
quem executa-se as leis e, em um lugar onde não se ministra a justiça, seria como se não 
houvesse tal justiça. Não existindo quem garantisse os direito dos cidadãoes, não existiria 
mais governo. Neste caso, o povo fica livre para instituir uma novo legislativo diferente 
do anterior nos indivíduos ou na forma.55 
 
Os dois últimos casos que Locke cita são quando a tirania acomete o 
legislativo e quando a tirania acomete o executivo, fazendo com que essas instituições 
trabalhem em prol de interesses próprios e não em nome do bem comum ou da proteção 
da propriedade dos membros da sociedade. Nestes casos, seria também igualmente 
possível a resistência por parte da população a tal legislativo ou executivo que estariam 
agindo em benefício próprio e contra o pacto estabelecido. Ambos os casos o legislativo 
poderia ser refundado.56 Essas conclusões podem ser tiradas da própria obra de Locke, 
notadamente no trecho abaixo: 
 
Sempre que o legislativo tentar tomar ou destruir a propriedade do cidadão, ou 
subjugá-lo ao seu poder arbitrário entra em estado de guerra com ele isentando-
o de ulterior obediência, deixando-o à mercê de Deus, que provê para todos os 
homens contra força e a violência.Quando,pois, o legislativo infringir esta 
regra básica da sociedade, e movido por cobiça, medo, loucura ou corrupção, 
tentar apossar-se ou entregar a terceiros o poder absoluto sobre a vida, 
liberdade e propriedade do povo, perde, com isso,o poder que a comunidade 
lhe confiou para fins opostos, fazendo com que volte ao povo; este tem agora 
o direito de reassumir a liberade primitiva e escolher um novo legislativo, mais 
conveniente, que zele pela segurança e garantia, que é o objetivo da sociedade. 
O que foi dito acima a respeito do legislativo também se aplica em geral 
ao executivo máximo, que, por ter duplo encargo – ou seja, participar do 
legislativo e exercer a execução da lei -, contraria a ambos quando tenta impor 
a própria vontade como lei da sociedade. (...) preparar tal assembléia, 
substituindo por partidários assumidos da sua própria vontade os verdadeiros 
representantes do povo que fazem as leis da sociedade, constitui, com certeza, 
a maior infração ao mandato e verdadeira subversão do governo que se possa 
conceber.57 
 
A reisitência seria um forma de acabar com a desordem instituida e não 
poderia considerar-se que tal ato levaria sociedade a um estado de anarquia, como deixa 
claro Locke ao se adiantar a tal objeção. Sobre isso, têm-se a lição de Azinio Oliveira de 
Alcântara: 
 
 
55 Ibdem,p.139-140 (§219-§220). 
56 Ibdem,p.140-141 (§221-§222). 
57 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de cada 
autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.140-141 (§221-§222). 
Mediante o expediente da resistência, busca-se, de um prisma, a eliminação 
da desordem produzida pela traição da confiança depositada no 
governante; de outro, visa a superar a instabilidade e, uma vez reforçado 
o pacto, tornar a escolher os representantes que guiarão ao bem 
comum.(...) Locke adianta a objeção de que a defesa do direito de resistência, 
nestes termos, poderia levar à anarquia, uma vez que se coloca nas mãos do 
povo uma ampla discricionariedade quanto à compreensão do que é, ou não, 
consentâneo ao direito natural. A isto responde que a comunidade não se põe, 
em todo tempo de turbulência política, em linha franca de mudança. Em 
verdade, pontua que o povo está disposto a permanecer em seu estado, mesmo 
que esta atitude tenha como consequência o sacrifício, em certa medida, de 
seus direitos naturais. Quer dizer o escritor que os indivíduos estão dispostos, 
em nome da continuidade do governo civil, não obstante as injustiças que este 
cometa, a permanecerem sob injustiças. A questão, desta feita, apresenta-se em 
termos de graus, uma vez há um limite de transgressões a partir do qual a 
sociedade deixa de tolerar a tirania e passa a reagir em prol da dissolução dos 
poderes ilegítimos, mesmo que há muito tenha já medrado o direito de 
resistência. A dissolução do governo, na tradição política lockeana, é o 
expediente último para pôr fim ao sofrimento do povo.58 
 
No mesmo prisma das conclusões acima, escreverá Maria Garcia sobre Locke 
que: 
 
A teoria de Locke, como observou Carole Pateman – refere – permitia que o 
indivíduo tivesse apenas duas alternativas: “...ou as pessoas desempenham 
suas atividades cotidianas sob proteção de um governo liberal e constitucional, 
ou elas estão em revolta contra um governo que em vez de ser ‘liberal’ torna-
se-ia arbitrário e tirânico, assim perdendo seu direito a obediência”. O direito 
de resistência apresentava-se como “instrumento político para o 
aperfeiçoamento do Estado”, uma vez que não havia ruptura completa das 
instituições mas tão somente a formação de novo poder legislativo.59 
 
A resistência deveria partir da maioria da população, ou da minoria, mas com 
o crivo da maioria, deixando assim a teoria coerente com a ideia de conseso desenvolvida 
em sua obra.60 A ideia de que a maioria funda o legislativo é presente na obra de Locke, 
pondendo-se dizer que: 
 
“parece-nos correto afirmar que o direito de resistência no Segundo Tratado 
aparece fundamentado sobretudo na noção de que o governo é instituído a 
partir do consentimento e da atribuição do poder legislativo em confiança aos 
representantes do povo, conforme determinação da maioria. O governo, dessa 
forma constituído, tem por finalidade a manutenção da paz e segurança que 
 
58 NETO, Azinio Oliveira de Alcântara A resistência como direito: princípio constitucional implícito 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da 
Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis, Rio de Janeiro, 2016, p.56. 
59 GARCIA, Maria Desobediência Civil: Direito Fundamental, 2ª edição revista, atualizada e ampliada, 
Editora Revista dos Tribunais,São Paulo,2004, p.163. 
60 GOMES, Daniel Machado, NETO, Azinio Oliveira de Alcantara Direito de Resistência e limites ao 
poder do estado no pensamento de Locke, p. 31 In: V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI 
MONTEVIDÉU, Teoria e filosofia do estado, Uruguai, 2016, p.25-43. Disponível em: 
<http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/9105o6b2> Acessado em: 04/05/2020. 
http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/9105o6b2
exclui o estado de guerra e a preservação da propriedade dos súditos entendida 
como vida, liberdade e bens.”61 
 
Como se pôde notar, há grande importância da vontade da maioria na teoria 
da resistência de Locke e seria o próprio povo que degolaria o governante que estaria 
agindo e maneira ilegitima e refundaria os termos do pacto civil: 
 
A comunidade é, neste cenário, a única legitimada para debelar o governante 
que está em desvio de rota. Como legislador soberano, a sociedade, que 
abandonou o estado de natureza e passou a gozar da segurança do estado civil, 
vai forçar o governante deslegitimado a deixar seus intentos, restabelecendo-
se a concórdia. Desta feita, se o governo deixa de ter consentimento da maioria, 
em razão de uma mudança de comportamento, perde ele, por conseguinte, a 
legitimidade.(...)Como se firmou linhas atrás, o direito de resistência nasce da 
(des)legitimação.Em primeiro plano, o governo é legítimo para conduzir os 
negócios públicos, umavez que se deu a escolha do legislativo que positivou 
a forma de governo. O legislativo é, em suma, o governo soberano do povo 
que, diante das incertezas de que todos os componentes da comunidade 
obedeçam aos direitos naturais, entrega, em fidúcia, parte das liberdades para 
um governo legítimo. A desvirtuação deste retira-lhe o adjetivo de ―legítimo, 
o que faz retornar a legitimação ao povo para que, novamente, ―refunde os 
termos do pacto civil.62 
 
Nas palavras de Jonh Locke: 
 
Neste ponto, surgirá provavelmente a pergunta comum: Quam julgará se o 
príncipe ou o legislativo agem em contrariedade ao encargo recebido? Talvez 
isso seja sugerido ao povo por homens fingidos e facciosos, quando o príncipe 
faça talvez uso só da sua prerrogativa. A isto respondo: O povo será o Juiz.
63
 
 
Por derradeiro, cumpre ressaltar que, para o autor, “contra a tirania, como 
contra todo o poder político que exceda os seus limites e ponha o arbítrio no lugar da 
lei, o povo tem o direito de recorrer à resistência ativa e à força.”64 
 
A influência da Teoria Lockeana chegou ao continente americano e teve 
grande peso nas obras e pensamentos de Thomas Jefferson (1743-1826), outro teorico do 
direito de resistência de matriz liberal. 
 
61 Tsuji, A. (2017). Notas sobre o direito de resistência no segundo tratado sobre o governo de John 
Locke. Cadernos De Ética E Filosofia Política (USP), 2(31), 98-115, p113. Disponível em: 
<http://www.revistas.usp.br/cefp/article/view/142060> Acessado em: 04/05/2020. 
62 GOMES, Daniel Machado, NETO, Azinio Oliveira de Alcantara Direito de Resistência e limites ao 
poder do estado no pensamento de Locke, p. 31 In: V ENCONTRO INTERNACIONAL DO CONPEDI 
MONTEVIDÉU, Teoria e filosofia do estado, Uruguai, 2016, p.25-43,p.28. Disponível em: 
<http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/9105o6b2> Acessado em: 04/05/2020. 
63 LOCKE, John Segundo Tratado Sobre o Governo Tradução: Alex Marins, Coleção obra prima de 
cada autor, Texto integral, Martin Claret, 1ª Reimpressão, São Paulo, 2011, p.154 (§240). 
64 ROHLING marcos locke e a doutrina do direito de resistência revista PERI v.04 n.02 2012 , p. 114–
135, p.128. Disponível em: < http://www.nexos.ufsc.br/index.php/peri/article/view/876> Acessado em: 
23/05/2020. 
http://www.revistas.usp.br/cefp/article/view/142060
http://conpedi.danilolr.info/publicacoes/9105o6b2
http://www.nexos.ufsc.br/index.php/peri/article/view/876
 
Thomas Jefferson, ex- presidente dos Estado Unidos, que teve papel 
fundamental na construção da democracia nos Estados Unidos, defendia desde a 
formação de seu Estado que os cidadãos possuíam direitos naturais inalienáveis, e que era 
função primordial do governo proteger esses direitos, e se assim não fosse, seria a 
resistência uma obrigação dos cidadãos.65 
 
O autor entendia que a finalidade do governo seria ser garantidor dos direitos 
naturais. Isso significava proteger, primordialmente, a vida, a liberdade e a busca pela 
felicidade (tenha-se anotado que Jefferson considerava a liberdade o princípio básico da 
política). Para o autor, a única imposição que a lei deveria estabelecer é tomar 
providências para que um homem não adentrasse a esfera de direitos alheia, não 
respeitando, desse modo, os direitos iguais dos seus semelhantes: 
 
Nela, Jefferson consolidou a sua doutrina, profundamente influenciada pela 
teoria de John Locke. Ele entendia que os governos estavam circunscritos à 
consecução da sua finalidade de assegurar os direitos naturais, dentre os quais, 
destacavam-se a vida, a liberdade e a busca da felicidade.A liberdade era o 
principal. Segundo ele, a única proibição que as leis deveriam impor ao homem 
seria a de exercitá-la descuidando-se dos direitos iguais de outros.66 
 
Todos esses direitos seriam inalienáveis, porém, diferente de Locke, eles não 
seriam tranferidos a sociedade política, permanecendo com o indivíduo, garantindo a 
eles mais autonomia frente ao estado e serviriam de proteção contra toda e qualquer 
atividade estatal, principalmente a arbitraria: 
 
Todos estes direitos eram inalienáveis, ou seja, não eram transmitidos à 
sociedade política, permanecendo com os indivíduos. Eles serviam de limites 
intransponíveis à atuação estatal. Da mesma forma, os direitos de pensar e 
publicar os próprios pensamentos, de livre comércio, de liberdade pessoal, de 
liberdade religiosa e de julgamento pelo júri também não eram cedidos, seja 
porque evitavam a arbitrariedade dos governantes seja porque eram inúteis 
para a atividade de governo.Para Jefferson: “os poderes legítimos do governo 
somente se estendem a atos que sejam prejudiciais a outros” (...) O ex-
presidente americano, ao fim e ao cabo, foi um vanguardista liberal avançando 
em diversas ideias das quais John Locke foi precursor. Enquanto este último 
entendia que os direitos naturais eram transferidos para a sociedade política 
com o advento do pacto social, retornando aos indivíduos somente em caso de 
 
65 COSTA, Nelson Nery Teoria e Realidade da Desobediência Civil, 2ª Edição (Revista e ampliada), 
Editora Forense, Rio de Janeiro, 2000, p. 22-25. 
66OLIVEIRA, Bruno Pittella Direito de Resistência, Desobediência Civil e a Construção da Democracia 
no Brasil Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Direito da Pontifícia 
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, 2013, p.34. 
arbitrariedade do governante, Jefferson manteve-os no poder dos homens, 
garantindo-os maior autonomia.67 
 
Thomas Jefferson era um autor contratualista para o qual a fonte de toda a 
autoridade na sociedade é o povo. Isso siginifica que, uma vez que o governo descumpra 
os termos do contrato que foi cunhado no momento da formação da sociedade política, 
não haveria mais obrigação do povo em obedecer tal governo sendo não somente um 
direito, mas um dever resistir a esse governo que se mostrou injusto e contrário aos 
interesses da nação. Thomas Jefferson demonstra sua doutrina na redação da declaração 
de independência dos Estados Unidos, documento o qual participou da redação e foi 
signatário: 
O autor considerava o povo fonte de toda a autoridade da nação. Por este 
motivo, a Declaração de Independência, em seu artigo 4º, prevê que toda vez 
que alguma forma de governo se tornar nociva à garantia dos direitos 
inalienáveis, será “direito do povo alterá-la ou aboli-la, e instituir uma nova 
forma de governo baseada nesses princípios, e cuja organização de 
poderes lhe pareça, segundo a maior probabilidade, capaz de 
proporcionar-lhe a segurança e a felicidade”.Ou seja, quando o governo 
descumpre o contrato social, responsável por conduzir os homens às 
sociedades políticas, esvai-se a obrigação de obedecer às leis. Quando isto 
acontecesse, Jefferson, conclamando uma cidadania participativa, apontava a 
resistência ao governo arbitrário e violento não só como um direito, mas como 
um dever.68 
 
Ainda nesta toada, vale citar a lição de Nelson Nery Costa: 
Jefferson, um contratualista, considerava que os homens foram dotados 
igualmente de direitos naturais e inalienáveis, e as socieades políticas, criadas 
para garantir essas prerrogativas. Quando o governo não cumpria a função 
estabelecida pelo contrato, liberava os indivíduos da obrigação de obedecer às 
leis, podendo opor-se às medidas governamentais. (...) As rebeliões tornavam-
se necessárias para a própria formação do Estado e advertências aos 
governantes, de que os indivíduos mantinham a autonomia civil e política.69 
 
Cumpre apenas não esquecer a advertência que Nelson Nery Costa expõe em 
sua obra quando trata de Thomas Jefferson e seu conceito de quem seria o “povo”, o qual, 
segundo sua doutrina deteria a autoridade na sociedade. No “Projeto da Constituição de 
Virginia”, de 1776, “Povo” seria somente os indivíduoshomens da sociedade que 
 
67 Ibdem, p.34-35 e 36. 
68 OLIVEIRA, Bruno Pittella Direito de Resistência, Desobediência Civil e a Construção da Democracia 
no Brasil Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Direito da Pontifícia 
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, 2013, p.35. 
69 COSTA, Nelson Nery Teoria e Realidade da Desobediência Civil, 2ª Edição (Revista e ampliada), 
Editora Forense, Rio de Janeiro, 2000, p. 24. 
possuiam terra e pagavam impostos proporcionais ao governo. Jefferson depois 
reconheceu defeitos desse entendimento em “Notas sobre Virginia”: 
 
No Projeto de Constituição de Virgínia, de 1776, o ‘povo que elege seus 
representantes’ se encontrava definido como: “Todas as pessoas do sexo 
masculino, maiores e sãs de espirito, possuindo uma propriedade livre e 
alodial, uma quarta parte de um acre de terra em qualquer cidade ou 25 acres 
de terra no campo e todas as pessoas que tiverem pago impostos porporcionais 
ao governo nos últimos dois anos.” (...) Posteriormente, em Notas sobre a 
Virgínia (Questio XIII), o autor reconheceu os defeitos do sistema proposto, 
ao observar que “a maioria dos homens, no estado, que paga e luta por sua 
sustentação, não está representada no legislativo, na lista de senhores de 
propriedade livre com direito a voto, geralemente não incluíndo metade dos 
alistados na milícia ou dos coletores de impostos”70 
 
Por derradeiro, Jefferson também era partidario da noção de que as rebeliões 
e revoltas eram necessesárias para a formação do corpo político e para lembrar os 
governantes a autonomia política e civil do cidadão. Nelson Nery dirá que, para Jefferson: 
 
A resistência era uma prática positiva para a sociedade, considerando que “A 
árvore da liberdade deve ser regada, de vez em quando,com o sangue de 
patriotas e tiranos. Este é seu adubo natural”. As rebeliões tornavam-se 
necessárias para a própria formação do Estado e advertências aos governantes, 
de que os indivíduos mantinham a autonomia civil e política.71 
 
 
70 JEFFERSON, Thomas. Escritos Políticos, São Paulo, Ed. IBRASA, 1964 Apud. COSTA, Nelson Nery 
Teoria e Realidade da Desobediência Civil, 2ª Edição (Revista e ampliada), Editora Forense, Rio de 
Janeiro, 2000, p. 23. 
71 Ibdem,p.24.

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