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A Bíblia COMENTADA À LUZ DA Doutrina Católica 2 STENIO CARNEIRO A Bíblia COMENTADA À LUZ DA Doutrina Católica 2016 3 C289b Carneiro, Francisco Stenio de Araújo A Bíblia Comentada à Luz da Doutrina Católica/ Francisco Stenio de Araújo Carneiro. 1ª ed. Joinville, SC: Clube de Autores Publicações S/A, 2016. ISBN: 978-85-916915-3-1 1. Religião. 2. Bíblia. I. Título. CDU: 22 __________________________________________________________ Catalogação na Fonte: Kelly M. Bernini – CRB-10/1541 Imagem da capa: Calvary of Jesus Christ por Falco Copyright © 2016 por Stenio Carneiro Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito do autor. 4 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO O ANTIGO TESTAMENTO DEUS CRIA OS CÉUS E A TERRA A Criação do Mundo O Sétimo Dia DEUS CRIA O HOMEM E A MULHER À Criação para o Homem Criados à Imagem e Semelhança de Deus A Felicidade dos Primeiros Homens A Alma Imortal do Homem Os Dons Preternaturais O Livre-Arbítrio A Graça de Deus e o Estado de Justiça Original SATANÁS REBELA-SE CONTRA DEUS A Revolta de Lúcifer DEUS ESTABELECE LIMITES PARA O HOMEM A Árvore da Ciência do Bem e do Mal DEUS CRIA A FAMÍLIA A Criação da Família O HOMEM DESOBEDECE A DEUS Adão e Eva negam a Deus O Pecado Original Estamos Abandonados nas Mãos do Demônio? A PROMESSA DE DEUS O Primeiro Anúncio da Salvação A Promessa de Salvação Porei Ódio entre Ti e a Mulher Entre a Tua Descendência e a Dela AS CONSEQUÊNCIAS DO PECADO O Aparecimento da Morte O Sofrimento e a Dor 5 O HOMEM É EXPULSO DO PARAÍSO A Expulsão do Paraíso A Árvore da Vida A MALDADE CHEGA AO SEU LIMITE Deus Arrepende-se de Ter Criado o Homem A ARCA DE NOÉ O Dilúvio Noé A Arca e a Igreja O SINAL DA PRIMEIRA ALIANÇA O Arco-íris A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS A Torre de Babel A Criação de um Novo Povo DEUS DIRIGE-SE A ABRÃO O Início de um Povo Darei esta Terra à Tua Posteridade DEUS TESTA A FÉ DE ABRÃO A Fé de Abrão é Testada O Nome Abrão Muda para Abraão Sodoma e Gomorra O SACRIFÍCIO DE ISAAC Deus Testa novamente a Fé de Abraão A ESCRAVIDÃO NO EGITO Os Hebreus no Egito DEUS NA SARÇA ARDENTE Deus se Revela A LIBERTAÇÃO DO EGITO Os Hebreus Fogem do Egito O Cordeiro Oferecido e Jesus Cristo A Páscoa dos Cristãos O MANÁ NO DESERTO O Maná Maná, Sinal da Eucaristia MOISÉS RECEBE OS MANDAMENTOS Cláusulas da Aliança - O Decálogo Aliança no Monte Sinai O Decálogo A ARCA DA ALIANÇA A Arca da Aliança 6 A Proibição de Fabricação de Imagens OS HEBREUS ROMPEM A ALIANÇA O Rompimento da Aliança OS HEBREUS MURMURAM CONTRA DEUS Quarenta Anos no Deserto MOISÉS MORRE E JOSUÉ ASSUME Josué A Renovação do Povo Hebreu no Deserto Moisés Não Entrará na Terra Prometida OS HEBREUS ENTRAM NA PALESTINA Deus Expulsa os Habitantes de Canaã A Tribo de Judá AS INFIDELIDADES E AS INVASÕES O Contato com as Nações Pagãs Vizinhas AS INFIDELIDADES NAS MONARQUIAS O Pecado do Povo Hebreu ao Pedir um Rei O Pecado do Rei Saul O Pecado do Rei Davi O Pecado do Rei Salomão A DIVISÃO DO REINO DE ISRAEL A Divisão do Reino de Israel O Surgimento dos Profetas O Profeta Isaías O REINO DE ISRAEL O Fim do Reino de Israel A DEPORTAÇÃO DO POVO DE JUDÁ A Primeira Deportação A Segunda Deportação JERUSALÉM É INVADIDA PELOS VIZINHOS A Posse da Terra O Profeta Jeremias OS HEBREUS EXILADOS ESQUECEM DEUS A Cultura Babilônica Influência os Hebreus Os Hebreus Exilados O Exílio Ezequiel CHEGA AO FIM O EXÍLIO DOS HEBREUS O Rei Ciro O Retorno à Terra Prometida NASCE O JUDAÍSMO 7 O Judaísmo e os Fariseus ALEXANDRE MAGNO E ANTIOCO EPIFANES Alexandre Magno Antioco Epifanes IV A GUERRA DOS MACABEUS A Revolta dos Macabeus ROMA INVADE A JUDÉIA A Invasão Romana A EXPECTATIVA POR UM MESSIAS A Expectativa do Povo Hebreu por um Messias O Conhecimento da Vinda de Jesus Cristo CONCLUSÃO O Valor da Fidelidade a Deus O NOVO TESTAMENTO A GENEALOGIA DE JESUS CRISTO A Genealogia Existente na Bíblia O ANJO APARECE A MARIA SANTÍSSIMA São José A Anunciação da Virgem Maria Maria Santíssima A Oração “Ave-Maria” e o Santo Rosário O Advento O Nome de Jesus Cristo O NASCIMENTO DE JESUS CRISTO O Verbo de Deus Herodes O Mistério da Encarnação Privilégios da Virgem Maria A Assunção de Nossa Senhora A Natureza Humana do Filho de Deus Jesus Cristo, Deus e Homem ao mesmo Tempo A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade A INFÂNCIA DE JESUS CRISTO A Purificação da Virgem Maria A Circuncisão de Jesus Cristo Não Existe Mistério na Infância de Jesus Cristo JOÃO BATISTA ANUNCIA O MESSIAS São João Batista O BATISMO DE JESUS CRISTO 8 O Batismo de Jesus Cristo O Cordeiro de Deus O Sacramento do Batismo A Confirmação ou Crisma A TENTAÇÃO NO DESERTO A Tentação no Deserto Não Tentarás o Senhor, Teu Deus A Quaresma Jejum e Abstinência A ESCOLHA DOS APÓSTOLOS O Reino de Deus Os Doze Apóstolos AS BODAS EM CANÁ DA GALILÉIA A Intercessão da Santíssima Virgem A Intercessão dos Santos A CONVERSA COM NICODEMOS A Verdadeira Adoração A Serpente de Bronze A SAMARITANA NO POÇO DE JACÓ Os Samaritanos O Espírito Santo O FIM DO MUNDO O Pecado O Purgatório O Céu O Inferno O Limbo O Juízo Particular O Fim do Mundo A Ressurreição da Carne O Juízo Final O Suplício Eterno A Vida Eterna O SERMÃO DA MONTANHA A Nova Lei As Bem-Aventuranças A ORAÇÃO DO PADRE-NOSSO A Oração A Oração do Padre-Nosso JESUS RESPONDE AO CENTURIÃO 9 A Salvação é para Todos O PERDÃO DOS PECADOS A Missão de Jesus Cristo O ENVIO DOS APÓSTOLOS O Envio dos Apóstolos O Reino de Deus na Terra SÃO JOÃO BATISTA É Ele o Elias que Devia Voltar A Responsabilidade pelo Conhecimento JESUS CRISTO É O SENHOR DO SÁBADO A Tradição Farisaica Os Atos de Jesus Condenados pelos Fariseus O Pecado Contra o Espírito Santo AS PARÁBOLAS As Parábolas A SAGRADA EUCARISTIA A Compreensão do Sacramento da Eucaristia A Sagrada Eucaristia Melquisedec A IGREJA DE JESUS CRISTO O Reino de Deus na Terra A Doutrina Cristã A Santa Igreja Católica Apostólica Romana A Igreja Docente e a Igreja Discente O Vigário de Jesus Cristo na Terra O Poder das Chaves A TRANSFIGURAÇÃO A Transfiguração A ANTIGA DIGNIDADE DO MATRIMÔNIO A Antiga Dignidade do Matrimônio O Matrimônio O JOVEM RICO O Jovem Rico A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO A Ressurreição de Lázaro Eu Sou a Ressurreição e a Vida A CAMINHO DE JERUSALÉM A Entrada em Jerusalém A Semana Santa JESUS CRISTO CRITICA OS FARISEUS 10 Crítica aos Fariseus OS FALSOS PROFETAS Cuidado com os Falsos Profetas A Reencarnação CONSPIRAÇÃO PARA MATAR JESUS A Conspiração Contra Jesus Cristo A CEIA PASCAL O Sacramento da Eucaristia A Consagração A Transubstanciação A Eficácia do Sacramento da Eucaristia A VINDA DO ESPÍRITO SANTO O Espírito Santo NO HORTO DAS OLIVEIRAS Jesus no Horto das Oliveiras JULGAMENTO DE JESUS CRISTO O Julgamento de Jesus Cristo A Negação dos Apóstolos A MORTE DE JESUS CRISTO NA CRUZ A Obra de Redenção A Paixão de Jesus Cristo O Corpo, a Alma e a Divindade A Corrupção do Corpo O Nascimento da Igreja O SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA Os Sacrifícios a Deus O Altar do Sacrifício Os Sacrifícios no Antigo Testamento O Sacrifício da Lei Patriarcal O Sacrifício da Lei Mosaica O Valor dos Sacrifícios no Antigo Testamento O Sacrifício do Novo Testamento O Santo Sacrifício da Missa A Missa é um Sacrifício A Missa Tradicional da Santa Igreja O Sacrifício da Missa A Celebração do Santo Sacrifício da Missa O Mesmo Sacrifício da Cruz JESUS CRISTO DESCE AOS INFERNOS Jesus Cristo Desceu aos Infernos 11 A RESSURREIÇÃO DE JESUS CRISTO A Ressurreição de Jesus Cristo Não Existe Reencarnação Do Sábado para o Domingo JESUS APARECE AOS APÓSTOLOS Apresentação aos Apóstolos A Ascensão de Jesus Cristo O Poder de Julgar de Jesus Cristo O Poder de Perdoar os Pecados O Arrependimento dos Pecados Jesus é Rei, Sacerdote e Profeta PENTECOSTES Pentecostes A Descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos A IGREJA PRIMITIVAApós Pentecostes BIBLIOGRAFIA 12 APRESENTAÇÃO Este livro foi elaborado utilizando a Sagrada Escritura e, como base para os comentários de suas passagens, diversos livros católicos tradicionais, colocando como destaque o Catecismo Romano, o Catecismo de São Pio X e a Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. Ele não foi redigido para ensinar tão somente a Palavra de Deus, mas, sobretudo, auxiliar na difusão da Doutrina Católica, para que o fiel aumente o amor por sua Igreja. Para obter esse resultado, o trabalho foi desenvolvido como uma narrativa, utilizando as principais passagens que compõem o Antigo e o Novo Testamento e seguindo a ordem cronológica dos fatos históricos, da criação do mundo até à formação da Igreja. Através dos comentários, procurou-se abordar as questões doutrinárias mais relevantes relacionadas com as passagens bíblicas e que precisam ser conhecidas e estar presentes na vida de todo Católico. No final de cada capítulo, segue uma opção de leitura para ser usada como um direcionamento ao se buscar a Palavra de Deus. Por fim, gostaria de sugerir que o leitor, caso venha a gostar do livro, deixe seu comentário no site onde o adquiriu, assim mais pessoas poderão ter acesso a boa experiência que teve. Stenio Carneiro "Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio" Efésios 6, 11 13 14 O ANTIGO TESTAMENTO 15 DEUS CRIA OS CÉUS E A TERRA A criação do mundo visível e invisível por Deus: “No princípio, Deus criou os céus e a terra.” (Gn 1,1) A CRIAÇÃO DO MUNDO A Criação é o ato pelo qual Deus deu existência a tudo o que há no mundo: anjos, homens, animais, plantas e tudo o mais. Sendo assim, antes de Deus ter criado o mundo, não existia coisa alguma, exceto Ele mesmo, porque só Ele existe necessariamente, e tudo o mais, em virtude do seu Poder. Quanto ao poder de Deus, a Sagrada Escritura ensina que Ele tem poder infinito. O próprio Deus, em Gen 17, 1, declara de Si mesmo como sendo "Todo-Poderoso". Sendo assim, Ele sabe todas as coisas, e todas as coisas estão igualmente sujeitas ao Seu poder e soberania. Por conseguinte, nada se pode pensar ou imaginar que Deus não tenha a virtude de realizar. Pode, portanto, não só operar prodígios que, por maiores que sejam, não excedem de maneira absoluta o âmbito de nossas ideias, como por exemplo, fazer voltar ao nada todas as coisas, ou num ápice tirar do nada outros mundos; mas pode também fazer coisas muito maiores, que a inteligência humana não chega sequer a suspeitar. Foi, por saber dessas verdades, que o anjo Gabriel afirmou a Maria Santíssima que "a Deus, nada é impossível" (Lc 1, 37). Agora, que ninguém caia no erro de pensar que só a Ele é atribuído o predicado de Todo-Poderoso, de sorte que não seja também comum ao Filho e ao Espírito Santo. 16 Como afirmamos que o Pai é Deus, que o Filho é Deus e que o Espírito Santo é Deus, sem por isso reconhecer três deuses, mas a um só Deus; assim também dizemos que o Pai é todo-poderoso, que o Filho é todo-poderoso e que o Espírito Santo é todo- poderoso, sem contudo asseverarmos que haja três onipotentes, mas um só onipotente. Damos ao Pai esse atributo pela especial razão de ser Ele a fonte de tudo quanto existe. Por conta de sua onipotência divina, Deus não formou o mundo de uma matéria preexistente, mas criou-o do nada, sem a tanto ser obrigado por violência estranha ou necessidade natural; mas por Sua livre e espontânea vontade. Nenhum outro motivo O impeliu a criar o mundo, senão a Sua própria bondade. Queria comunicá-la a todas as coisas que criasse. Possuindo por Sua natureza toda a felicidade, Deus não tem falta de coisa nenhuma. Logo, Deus não criou o mundo por necessidade nem por ambição, muito ao contrário; criou-o por pura benevolência, para comunicar às criaturas parte da sua Bondade infinita. Importante mencionar que somente quando aprouve ao seu divino querer foi que Deus criou o mundo, podia, por conseqüência, ter deixado de criá-lo. Apesar de todo esse poder, Deus não pode todavia mentir, nem enganar, nem ser enganado, nem pecar, nem perecer, nem tampouco ignorar alguma coisa. Isto porque essas deficiências só podem ocorrer numa natureza cuja operação é imperfeita. Ora, operando sempre de maneira perfeitíssima, Deus não é capaz de tais coisas. Observamos todas essas realidades na passagem de Gn 1, 1-25, a qual revela que a criação do mundo é fruto de um Deus infinitamente poderoso, que fez do nada o céu e a terra, e todas as coisas que neles estão contidos, para manifestar a sua glória e a sua grandeza; como também veio de um Deus que é puro amor e bondade, que desejou comunicar aos seres parte do bem infinito que possui. Perceba, no entanto, que depois de consumada a obra da Criação, os seres por Ele criados não podem continuar a subsistir sem o auxílio de Sua potência infinita. Como tudo só existe graças à onipotência, sabedoria e bondade do Criador, todas as criaturas recairiam logo em seu nada, se Deus lhes não assistisse continuamente pela Sua Providência, e não as conservasse pelo mesmo poder que, desde o princípio, empregou para criá-las. Ressalte-se aqui que o mundo não foi criado somente por Deus Pai, pois sua criação teve a participação conjunta das três Pessoas divinas, porque aquilo que uma Pessoa faz relativamente às criaturas, fazem-no com um só e o mesmo ato também as outras. É o que nos ensina a passagem de Gn 1, 26: “Então Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. Vale lembrar que, comumentemente, é atribuída a criação a Deus Pai porque a criação é efeito da onipotência divina a qual se atribui particularmente a Deus Pai, como se atribui a sabedoria ao Filho e a bondade ao Espírito Santo, embora todas as três Pessoas tenham a mesma onipotência, sabedoria e bondade. Quanto à existência de Deus Pai, sabemos que Ele é espírito, que está absolutamente isento de matéria e de qualquer elemento estranho ao seu ser. No entanto, 17 temos ao Senhor como um ser real porque a nossa razão no-lo demonstra, e a fé no-lo confirma. Ele é, no sentido mais absoluto e transcendental, o Ser por essência e as restantes coisas são seres particulares, são tais seres e não o Ser. Dizer que Ele é o ser por essência significa que existe per se e concentra em si mesmo todos os modos do ser; é, portanto perfeito e, sendo perfeito, necessariamente há de ser bom. É, além disso, infinito, condição indispensável para que nenhum ser tenha ação sobre Ele; se é infinito possui o dom da ubiqüidade (faculdade divina de estar concomitantemente presente em toda parte). É imutável, porque, se mudasse, havia de ser em busca de uma perfeição que lhe faltasse. Sendo imutável, é eterno, porque o tempo é sucessão e toda sucessão revela mudança. Sendo perfeito em grau infinito, não pode haver mais do que um; se houvesse dois seres infinitamente perfeitos, nada teria um que o outro não possuísse, não haveria meios de distingui-los e seriam, portanto, um. Nós O temos como Pai porque, além de termos sido por Ele criados, pela graça, fomos eleitos filhos adotivos de Deus. O homem pode, apesar de sua fraqueza, cooperar com a ação divina no governo do mundo, empenhando-se, como instrumento de Deus, em promover o bem dos seus semelhantes. O SÉTIMO DIA Sobre o número de dias da criação do mundo, o Gênesis ensina que foram utilizados seis dias para terminá-lo, apesar de que Deus poderia tê-lo criado, se assim O desejasse, em um só instante. Revela, também, que no sétimo dia Deus descansou, “abençoou e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação” (Gn 2, 3). Esse dia, para os judeus da época de Jesus Cristo, era o sábado, que quer dizer descanso. Anteriormente, na época de Moisés, Deus havia ordenado que este dia fosse santificado e consagrado a Ele. Após a ressurreição de Jesus Cristo, os cristãos passaram a adotar o domingo como o “primeiro dia da semana” (Mt 28, 1-10) e como o dia do “repouso sagrado”. Domingo provém do latim “dominica díes”, que quer dizer “dia do Senhor”.Ele substituiu o sábado, porque foi em dia de domingo que Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou. Referência: A criação do mundo (Gn 1, 1-25). 18 19 DEUS CRIA O HOMEM E A MULHER No mundo visível, Deus cria o homem e a mulher com tanto amor que os faz à sua imagem e semelhança. O homem recebe, nesse momento, o dom da liberdade, a graça da santidade e o estado de justiça original: “E viu Deus que isto era bom, e (por fim) disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e presida aos peixes do mar, e às aves do Céu, e aos animais selváticos, e a toda a terra, e a todos os répteis, que se movem sobre a terra. E criou Deus o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, varão e fêmea os criou.” (Gn 1,26-27) À CRIAÇÃO PARA O HOMEM Por pura bondade, Deus formou do limo da terra o corpo do homem, de maneira que fosse imortal e impassível. Pelo mesmo motivo, criou e mantém o curso regular do universo em proveito do homem. Sendo assim, tudo o que existe foi disposto para servir ao homem em todas as suas necessidades. Fez isso por considerá-lo a criatura mais débil e a que mais necessita de cuidados espirituais e materiais. Por outro lado, a graça, juntamente com as virtudes e os dons recebidos, faz do homem o ser mais perfeito da criação na ordem natural, superior, inclusive, aos anjos, não incluindo a sua natureza. O homem, em virtude de sua criação, deve reconhecer a Deus como fonte e princípio de todo o bem, e consagrar-se a Ele como seu fim último. 20 CRIADOS À IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS Quando a Bíblia fala da criação do homem e diz que o homem e a mulher foram criados à “Imagem de Deus”, ela não está dizendo que eles foram feitos à representação visível de Deus, já que Este é puro espírito, mas afirmando que a natureza e operações mais elevadas do homem lhe permitem entrever a natureza divina e a vida íntima da Augusta Trindade e imitam de certo modo a perfeição das pessoas divinas. Podemos perceber essa “imagem e semelhança” na alma humana, pois as operações mais perfeitas da nossa alma, entender e amar, têm por objeto a primeira Verdade e o Bem supremo, que é Deus. No mundo corpóreo, não há, além do homem, nenhum outro ser feito à imagem e semelhança de Deus, isso porque somente ele possui natureza espiritual. Cabe anotar que o Senhor assim agiu, concedendo ao homem ser criado à sua imagem, porque se apiedou mais do gênero humano do que dos demais seres existentes na terra, pois via que ele era incapaz, pela lei de sua própria natureza, de subsistir para sempre. Sendo assim, considerou Deus que o homem, possuindo uma espécie de sombra do Verbo, e sendo racional, poderia permanecer na bem-aventurança, vivendo no paraíso a verdadeira vida, que realmente possuem os santos. A expressão “Semelhante a Deus” indica que, embora o homem seja “imagem de Deus”, ele não é Deus e nunca poderá ser. A FELICIDADE DOS PRIMEIROS HOMENS O homem foi criado perfeito por Deus. Seu primitivo estado de felicidade compreendia ciência claríssima e universal, justiça original unida à prática de todas as virtudes, império absoluto da alma sobre o corpo e domínio sobre todas as criaturas. Nesse estado, o homem gozava de muita felicidade. Não era, entretanto, a última e suprema felicidade a que podia aspirar, pois sendo temporal, a ela devia seguir-se outra mais alta e definitiva. Para atingir o estado de felicidade último e perfeito, deveria ele contrair méritos no primitivo estado. Ora, como as únicas fontes de mérito para o homem reduzem-se à amizade com Deus, à vida da graça e a prática das virtudes sob a inspiração divina do Espírito Santo, deveria ele, para obter a verdadeira felicidade, concentrar-se em buscar um bem que traz perfeição diretamente ao espírito, no caso, Deus, Sumo Bem, Soberano e Infinito. Caso assim agisse, no final de sua existência, seria levado por Deus para o céu e, em companhia dos anjos, receberia o galardão que haveria de coroar a sua vida, a felicidade plena. 21 A ALMA IMORTAL DO HOMEM O homem, apesar de ter sido criado da terra, foi animado por uma alma imortal, uma alma criada à “imagem e semelhança” de Deus. Isso aconteceu no momento em que Deus “formou o homem do barro da terra” e “inspirou-lhe nas narinas um sopro de vida e este se tornou um ser vivente”, significando que a alma é criada no momento da concepção do homem, uma alma nova, não uma que foi “reencarnada” como ensinam muitas falsas doutrinas. Portanto, a doutrina da reencarnação é totalmente anticristã. A alma é a parte mais nobre do homem porque é substância espiritual, dotada de inteligência e de vontade, capaz de conhecer a Deus e de possuí-Lo eternamente. Atente que as plantas e os animais também têm alma, no entanto, a alma das plantas é exclusivamente vegetativa; a dos animais vegetativa e sensitiva; e a humana, além destas faculdades, possui a inteligência, que é o que distingue o homem dos demais seres corpóreos. Jesus Cristo estabeleceu o destino futuro da nossa alma. Distinta do corpo, ela não morre com ele; mas comparece perante Deus e recomeça uma vida nova e eterna. OS DONS PRETERNATURAIS O homem, no paraíso, estava dotado de todos os dons naturais, aos quais a bondade divina tinha ajuntado dons sobrenaturais. Na ordem natural, foi-lhe concedida uma inteligência perfeita, isenta das trevas e dúvidas da ignorância; sua vontade era norteada para o bem e livre de toda tendência ao mal; seu coração dirigia-se espontaneamente a Deus e ao que é bom, alheio, por completo, ao triste peso da concupiscência. Na ordem sobrenatural, o homem gozava dos Dons Preternaturais: o dom da liberdade, a graça da santidade, de onde veio à imortalidade, e o estado de justiça original, que gerava a harmonia com a criação que o rodeava. Por meio desses dons, o homem usufruía de um estado de graça, harmonia e felicidade que lhe possibilitava participar da filiação divina. Além disso, Deus lhe acrescentava a promessa de fazê-los participar da própria ventura, e isto durante a eternidade. O LIVRE-ARBÍTRIO No ato da criação, o homem recebe algo digno de alguém agraciado por Deus, o Livre-Arbítrio de pensar, de praticar atos e até mesmo de discordar e negar a quem lhe 22 deu esse dom. Paralelo a essa liberdade, foi-lhe dada inteligência suficiente para que pudesse rejeitar o mal e desejar o bem, além de uma consciência superior, que nenhum outro animal possui, que o alerta quando se afasta da vontade de seu criador. Portanto, a liberdade humana não reside exclusivamente na vontade, em querer ou não querer, mas na vontade unida à inteligência. Por conta disso, tem o homem condições de rejeitar o mal e desejar o bem. Observe, no entanto, que essa liberdade não é absoluta. Lembre que o governo de Deus neste mundo, chamado de 'Providência Divina’, estende-se a todas as coisas, tanto aos seres inanimados como aos atos livres do homem. Assim, os atos livres do homem estão de tal maneira sujeitos às disposições da Providência Divina, que coisa nenhuma pode o homem fazer, se Deus a não ordena ou a permite, pois a liberdade não lhe confere independência a respeito de Deus. A GRAÇA DE DEUS E O ESTADO DE JUSTIÇA ORIGINAL Adão e Eva saíram das mãos de Deus inocentes e puros; estado esse que se chama de Justiça Original. Sendo assim, Deus não somente presenteou o homem com uma natureza semelhança a sua, mas concedeu-lhe a Sua graça. A Graça da Santidade fazia com que os primeiros homens pudessem participar da vida de Deus, de sua amizade. Pela propagação desta graça, todos os aspectos de suas vidas eram fortalecidos. Além da graça santificante, Deus concedeu aos nossos primeiros pais outros dons que os ajudavam e que deviam transmitir aos seus descendentes, como a integridade, isto é, a perfeita sujeição dos sentidos à razão, onde o espírito nada sabia das trevas da ignorância e a alma estava inclinada para o bem; a imortalidade, pois o homem não havia de sofrer nem de morrer, sendo que seu corpo, isento do trabalho e das misérias da vida, devia passar desta existência terrestre para uma vida sem fime sempre feliz; e a imunidade a todas as dores e misérias terrenas. O Estado de Justiça Original, recebido de Deus, criava a harmonia entre o homem e a mulher, com eles mesmos e com toda a criação, gerando uma paz absoluta. Essa harmonia somente será superada pela glória da nova criação em Jesus Cristo. Referência: A criação do homem e da mulher (Gn 1, 26-31 e 2, 1-8). 23 SATANÁS REBELA-SE CONTRA DEUS No mundo invisível, Deus cria anjos para servi-Lo. Acontece que o anjo a quem o Senhor deu o comando sobre todos os demais, rebela-se contra a sua autoridade e santidade: “Depois apareceu no céu um grande sinal: uma Mulher vestida de sol, com a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. Ela está grávida, e clama com dores, atormentada para dar a luz. Foi visto ainda um outro sinal no céu: era um grande Dragão, cor de fogo, que tinha sete cabeças e dez pontas, e nas suas cabeças sete diademas. A sua cauda arrasta a terça parte das estrelas do céu, e precipitou-as na terra. Depois o Dragão parou diante da Mulher, que estava para dar à luz, a fim de devorar o seu filho, logo que ela o tivesse dado à luz.” (Ap 12, 1-4) A REVOLTA DE LÚCIFER Antes da criação do homem, Deus havia criado os anjos, puros espíritos destinados a viverem sem que fossem, como a nossa alma, unidos aos corpos. O Senhor, cujas obras todas eram boas, os criara na santidade, e eles podiam perpetuá-la, obedecendo a seu Criador. Acontece que os anjos, igualmente aos homens, tiveram que passar por uma provação. Ao final desta provação, a maior parte permaneceu fiel e foi confirmado para sempre no seu estado de perfeição e de felicidade. São os anjos bons que adoram a Deus 24 no céu, cumprem as suas ordens no universo e zelam pela salvação dos homens. Os demais, entretanto, com Lúcifer à sua frente, cegos pelo orgulho, negaram a Deus o ato de submissão que Ele lhes pedia. Deus havia elevado Lúcifer (anjo de luz) acima dos demais anjos para que melhor O servisse no céu.No entanto, não se contentando em ser o que era e devorado de ciúmes à vista da ventura do homem e dos seus altos destinos, juntou-se a outros anjos e atentou contra o Senhor. Ao arcanjo Miguel foi concedida a missão de travar contra eles uma batalha. Derrotados, recebem como castigo a expulsão para sempre do Paraíso e a condenação ao Inferno por toda a eternidade: "Houve uma batalha no céu. Miguel e seus anjos tiveram de combater o Dragão. O Dragão e seus anjos travaram combate, mas não prevaleceram. E já não houve lugar no céu para eles." (Ap 12, 7-8). Quando o Demônio viu que seus planos haviam perecido e que seu sonho de ser Deus definitivamente acabara, ficou possuído de uma grande ira e pensou em vingar-se. Entretanto, não adiantava enfrentar Deus. Lembrou-se, então, do homem que Deus havia criado na terra. Imaginou que não existiria mal maior do que transformar este homem em inimigo de Deus: "Foi então precipitado o grande Dragão, a primitiva Serpente, chamado Demônio e Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Foi precipitado na terra, e com ele os seus anjos. Por isso alegrai-vos, ó céus, e todos que aí habitais. Mas, ó terra e mar, cuidado! Porque o Demônio desceu para vós, cheio de grande ira, sabendo que pouco tempo lhe resta (para perder almas). O Dragão, vendo que fora precipitado na terra, perseguiu a Mulher que dera à luz o Menino. Mas à Mulher foram dadas duas asas de grande águia, a fim de voar para o deserto, para o lugar de seu retiro, onde é alimentada por um tempo, dois tempos e a metade de um tempo, fora do alcance da cabeça da Serpente. A Serpente vomitou contra a Mulher um rio de água, para fazê-la submergir. A terra, porém, acudiu à Mulher, abrindo a boca para engolir o rio que o Dragão vomitara. Este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus." (Ap 12, 9-18) Os Anjos que se conservaram fiéis a Deus foram confirmados em graça, passando a gozarem para sempre da vista de Deus no céu, onde estão a amá-Lo, bendizê-Lo e louvá-Lo eternamente. 25 Referência: A batalha do apocalipse (Ap 12, 1-18). 26 DEUS ESTABELECE LIMITES PARA O HOMEM Deus, sabendo das más intenções de Lúcifer, adverte o homem de que deve sempre obedecê-Lo: “Tomou, pois, o Senhor Deus o homem, e colocou-o no jardim do Eden, para que o cultivasse e guardasse.E deu-lhe este preceito, dizendo: Come de todas as árvores do paraíso, mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente.” (Gn 2, 15-17) A ÁRVORE DA CIÊNCIA DO BEM E DO MAL Deus colocou o homem no paraíso em perfeito estado de inocência, graça e felicidade, isento, portanto, da morte e de todas as misérias da alma e do corpo. O Senhor, entretanto, usando do seu direito de soberano, colocou uma condição para a conservação desta ventura terrena e desta felicidade sobrenatural: queria um ato de submissão e dependência do homem. Assim, permitiu-lhe que comesse de todos os frutos do Paraíso terrestre, proibindo-lhe apenas que experimentasse o fruto da árvore que estava no meio do jardim. A intenção de Deus era dar um preceito ao homem para que este soubesse que tem um mestre. Seria um preceito ligado a uma coisa sensível, porque o homem possuía sentidos; e fácil de seguir, pois Deus queria que a vida lhe corresse agradável, enquanto se conservasse inocente. 27 Ora, o homem era por natureza corruptível, mas pela graça da participação do Verbo havia escapado desta condição natural. Caso permanecesse na virtude e continuado bom, o prêmio para ele seria o aumento de graça e de felicidade. Teria, por conseguinte, sempre no paraíso vida isenta de tristeza, dor, preocupações, além da imortalidade prometida no céu. No entanto, em caso de desobediência, ele e seus descendentes, decairiam daquela perfeição e experimentariam o mal, tanto espiritual como corporal. Deixariam, portanto, de viver no paraíso, sendo dali expulsos para ficarem doravante sujeitos à morte e à corrupção (do corpo). Com efeito, devido à presença do Verbo a corrupção natural não os podia tocar. É o que afirma o livro da Sabedoria: “Deus criou o homem para a incorruptibilidade e o fez imagem de sua própria eternidade; é por inveja do diabo que a morte entrou no mundo” (Sb 2, 23-24). A passagem de Gn 2, 16, revela a preocupação de Deus com o futuro do homem. Mostra, simbolicamente, o que ele não deve fazer: “não comam do fruto da árvore da ciência do bem e do mal” e, de maneira clara, a conseqüência caso o faça: “no dia em que dele comerem, morrerás indubitavelmente”. Isso significa dizer que, se o homem decidir comer do “fruto da árvore” (ou seja, se “desobedecer a Deus”), perderá a “graça da santidade” e, com isso, o “dom da imortalidade”, passando a morrer. A expressão “árvore da ciência do bem e do mal” significa o LIMITE que o homem deve respeitar para sua própria felicidade porque, como ser criado por Deus, não tem condições de discernir sozinho o que é bom e o que é mal. A partir da observação desse Limite é que o homem evitará o mal em sua vida. Referência: O Limite do homem (Gn 2, 9-17). 28 DEUS CRIA A FAMÍLIA Após criar o homem e a mulher, Deus origina a instituição ao redor da qual toda a humanidade se desenvolverá: a Família: “Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só: façamos-lhe um adjutório semelhante a ele. Mandou, pois, o Senhor Deus um profundo sono a Adão, e enquanto ele estava dormindo, tirou uma das suas costelas, e pôs carne no lugar dela. E da costela, que tinha tirado de Adão, formou o Senhor Deus uma mulher, e a levou a Adão. E Adão disse: eis aqui agora o osso de meus ossos e a carne da minha carne; ela se chamará Virago, porque do varão foi tomada. Por isso deixará o homem seu pai e a sua mãe, e se unirá a sua mulher, e os dois serão uma só carne.” (Gn 2, 18; 2, 21-25) A CRIAÇÃO DA FAMÍLIA Ao terminar de formar Adão, Deus decidiu associar-lheuma companheira e consorte. Para tanto, “infundiu-lhe um profundo sono; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma costela, da qual formou a mulher, que apresentou a Adão. Este a recebeu com alegria e a chamou Eva”. Neste momento, Deus instituiu a Família. Formada como reflexo da Santíssima Trindade, a Família não é uma comunhão meramente material e formal, mas uma aliança de amor, o que a capacita a resistir a toda e qualquer maldade vinda do demônio. Portanto, através da família, o homem terá um meio seguro para alcançar o Reino do céu. Perceba que a família foi um projeto querido 29 pelo coração de Deus desde o início da criação. Para perpetuá-la, Deus institui o Matrimônio. Ele representa não apenas a simples união entre um homem e uma mulher, mas uma “aliança” entre os dois e Deus, por isso mesmo, indissolúvel. Na Família criada por Deus, o interesse de um dos membros não deve se sobressair sobre o interesse dos demais. Essa percepção, por parte dos membros, é que faz com que o adultério, as discussões, o egoísmo, enfim, o mal, que possa prejudicar a família, seja evitado. No momento de sua celebração, Deus abençoa seus integrantes, fazendo com que um sirva de “ajuda adequada” (Gn 2, 18) ao outro e que os dois, transformados em “uma só carne” (Gn 2, 23), participem de sua natureza criadora através da fecundidade do casal: “Frutificai, disse Ele, e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a.” (Gn 1, 28). Em Gn 2, 22, encontramos uma verdade que não pode ser esquecida: “o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem”, ou seja, Deus fez a mulher para o homem. Ele não fez um homem para coabitar com outro homem ou uma mulher para ser esposa de outra. Da mesma forma, ensina o Catecismo Romano: “os fiéis devem saber, antes de tudo, que o Matrimônio foi instituído por Deus. Está escrito no Gênesis: 'Criou-os como homem e mulher; e Deus os abençoou, e disse: Crescei, e multiplicai- vos'.” (MARTINS, p. 377). Sendo assim, qualquer situação, além da ordem divina, está fora da vontade de Deus e deve ser rejeitada. Referência: Deus cria a Família (Gn 2, 18-25). 30 O HOMEM DESOBEDECE A DEUS Satanás, ao chegar a terra, procura induzir o homem ao pecado. Este, estimulado pelo Espírito do Mal, que lhe apareceu sob a forma de serpente, então inofensiva, revolta-se contra Deus. Nesse momento, o pecado original toma forma: “Mas a serpente era o mais astuto de todos os animais da terra que o Senhor Deus tinha feito. E ela disse à mulher: por que vos mandou Deus que não comêsseis de toda a árvore do paraíso? Respondeu-lhe a mulher: nós comemos do fruto das árvores, que estão no paraíso, mas do fruto da árvore, que está no meio do paraíso, Deus nos mandou que não comêssemos, e nem a tocássemos, não suceda que MORRAMOS. Porém a serpente disse à mulher: vós de nenhum modo morrereis; mas Deus sabe que, em qualquer dia que comerdes dele, se abrirão os vossos olhos, e sereis como DEUSES, conhecendo o bem e o mal. Viu, pois, a mulher que (o fruto) da árvore era bom para comer, formoso aos olhos e desejável para alcançar a sabedoria, e tirou do fruto dela, e comeu: e deu a seu marido, que também comeu.” (Gn 3, 1-7) ADÃO E EVA NEGAM A DEUS Satanás, cheio de revolta, vendo que não podia atingir a Deus, dirige-se a terra e passa a mentir para o homem. Fala-lhe que Deus não é bom, que não é fiel e que não é o único a discernir sobre o que é bom e o que é mal, que ele próprio tem a capacidade de 31 fazê-lo, que pode ser igual a Deus. Estava, na realidade, reproduzindo na terra o que se havia passado com ele mesmo no céu quando desejou ser Deus. Quando o homem recebeu o dom da liberdade, adquiriu, entre outras coisas, a capacidade de repelir a satanás e seus aliados. Esses são poderosos pelo fato de serem puro espírito, mas, como criaturas, não são capazes de influírem na vida do homem que não os deseja. O homem, mesmo sabendo disso, ao ser tentado pelo Diabo não o rejeita, deixando morrer em seu coração a confiança em Deus. Prefere a si mesmo em vez de seu Criador. Assim, ao invés de querer, por intermédio de Deus, participar de sua natureza divina, aceita a sugestão do demônio de que, pelas suas próprias forças, chegaria ao mesmo propósito. Então, munido do dom da liberdade, o homem decide desobedecer a Deus na esperança de tornar-se igual a Ele, conhecedor e determinador do bem e do mal. Deste modo, Eva colheu a fruta proibida e comeu. Em seguida, levou-a a seu marido que dela também comeu, instigado pelo exemplo da sua companheira. Imediatamente, abriram-se-lhes os olhos; foram esconder-se depois de terem encoberto o corpo com folhagem na esperança de ocultarem a vergonha e o pecado. Observa-se, com essa decisão, que a raiz do pecado, sem dúvida, foi a soberba do homem. A partir desse momento, o homem, longe da graça da santidade, não mais poderá atingir a perfeição a que foi destinado. Todo pecado, de então em diante, passará a ser uma desobediência a Deus e uma falta de confiança em seu amor. O PECADO ORIGINAL Pecado original é a mancha do pecado que se transmite a todos os homens devido a queda de nossos primeiros pais. Essa mancha sobreveio com a perda dos dons preternaturais. Ora, Deus pôde retirar os dons prometidos porque ao conferir ao gênero humano, em Adão, a graça santificante e os outros dons preternaturais, o fez com a condição de que ele não Lhe desobedecesse. Com a desobediência, os dons foram retirados. Importante anotar que Adão desobedeceu na qualidade de cabeça e pai do gênero humano, o que acabou por tornar todos os homens rebeldes a Deus. Essa qualidade é comprovada em At 17, 26, ao lermos que “de um só fez toda a raça humana”. Lembre-se que Adão havia recebido os dons de Deus não exclusivamente para si, mas para todos os seus descendentes. Da mesma forma, ao pecarem, transmitem a todos o pecado e, consequentemente, suas implicações, no caso, a privação da graça, a perda do Paraíso, a ignorância, a inclinação para o mal, a morte e todas as demais misérias. Observe, entretanto, que apesar de todos estes motivos de pecado é preciso sustentar que o homem é livre quando executa atos morais e que jamais peca por necessidade. 32 Na Sagrada Escritura, em Rm 5, 12, encontramos São Paulo fazendo referência ao pecado original na passagem: “Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram”. Observe que todos os homens contraem o pecado original, exceto a Santíssima Virgem que dele foi preservada por Deus, com singular privilégio, devido aos merecimentos de Jesus Cristo. Diante do que foi exposto, percebe-se que o pecado original não tem nada a ver com relação sexual. Não é devido a esse ato biológico que se transmite o pecado original, pois mesmo a criança que se origina de meios não naturais já nasce com o mesmo. Por último, vale salientar que quem não acredita no pecado original não pode dizer-se cristão, pois não acredita no mistério de Jesus Cristo, na Salvação por Ele conquistada. Como disse João Batista a respeito de Cristo: “Eis o Cordeiro de Deus que veio retirar o pecado do mundo”. ESTAMOS ABANDONADOS NAS MÃOS DO DEMÔNIO? Dizemos que o demônio é maligno porque nos promove uma guerra sem tréguas e nutre contra nós um ódio de morte. Apesar do grande poder e obstinação do demônio, e seu ódio mortal contra o gênero humano, ele não pode tentar-nos e importunar-nos com a força ou pelo tempo que ele queira, pois toda a sua influência é regulada pela vontade e permissão de Deus. Quando Deus permite a tentação, Ele nunca deixa que ela seja maior do que a nossa capacidade de repeli-la. É o que percebemos ao ler I Cor 10, 13: “Não tendes sido provados além do que é humanamente suportável. Deus é fiel, e não permitirá que sejais provados acima de vossas forças”. Sendo assim, com piedade e pureza de intenção, devemos pedir a Deus que não permita sermos tentados além do que podem as nossas forças, e nos faça, antes, tirar alento da própria tentação, para que,resistindo com firmeza, fortaleçamos as nossas virtudes e aumentemos os nossos merecimentos para fazer-nos dignos de alcançar, algum dia, a graça suprema da visão beatífica. Referência: O pecado original (Gn 3, 1-13). 33 A PROMESSA DE DEUS Vendo que o homem caíra na tentação, Deus, cheio de compaixão, não o abandona, mas promete-lhe uma salvação: “E o Senhor Deus disse à serpente: pois que fizeste isto, és maldita entre todos os animais e bestas da terra: andarás de rastos sobre o teu peito, e comerás terra todos os dias da tua vida. Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça e tu armarás traições ao seu calcanhar.” (Gn 3, 14-15) O PRIMEIRO ANÚNCIO DA SALVAÇÃO Esse é o primeiro anúncio que a bíblia nos traz da vinda de Jesus Cristo e de sua vitória sobre o demônio. Ela nos dá um curtíssimo relato de como as coisas ocorrerão e quais as pessoas que estarão envolvidas. Identificamos, em seu conteúdo, dois pontos: o primeiro é a promessa de Deus de que o Mal seria vencido definitivamente; o segundo é que, se de uma mulher surgiu o pecado, de outra nasceria aquele que venceria o demônio e tiraria o pecado do mundo. A PROMESSA DE SALVAÇÃO O pecado desencadeou contra o homem toda a sua força, trazendo contra ele o veredicto divino que pesava sobre a transgressão do mandamento. Por conseguinte, o homem ficou privado dos dons que havia recebido, como, por 34 exemplo, a graça santificante com as virtudes sobrenaturais infusas e dos dons do Espírito Santo; além disso, foi-lhe retirado o privilégio da integridade vinculado aos dons sobrenaturais. Observe que o privilégio da integridade tinha grande importância na vida do homem, pois produzia a subordinação perfeita dos sentidos à razão, e do corpo à alma. Através desse dom, o homem conseguia com que as faculdades afetivas não experimentassem nenhum movimento desordenado. Enfim, com a falta dos dons, o homem se viu em total desespero. Nada podia levantar o gênero humano e reintegrá-lo ao estado primitivo, nem as forças humanas, nem as forças angélicas. A razão do homem não poder, por si mesmo, reconciliar-se com Deus é porque tal empresa excedia os méritos e esforços da simples criatura, ainda que fosse a mais perfeita. A salvação só podia vir de um Deus feito homem. Sendo assim, o homem não tinha como salvar-se, se Deus não usasse para com ele de misericórdia. Então, uma vez que o homem havia decaído de tão alta dignidade que teria Deus de fazer? Deixar perecer algo que tinha participado da Sua imagem? Guardar silêncio e ignorar o homem que foi enganado pelo demônio, sabendo que tal erro causaria a sua ruína e perda? Pois bem, vendo a situação de ruína e desgraça em que o homem encontrava-se, Deus não desamparou Adão e sua descendência em tão desventurada sorte. Ao lado da justiça que pune, surge a misericórdia a perdoar, a prometer salvação. A misericórdia de que Deus usou para com a humanidade foi prometer logo a Adão um Redentor divino, ou Messias, enviá-Lo depois a seu tempo para libertar os homens da escravidão do demônio e do pecado e merecer-lhe a glória. Tal fato, no entanto, não podia acontecer sem a destruição da morte e da corrupção (do corpo). Por conseguinte, convinha que o Redentor assumisse um corpo mortal a fim de aniquilar em si a morte. Para tamanho empreendimento, Deus somente poderia contar com a Imagem Dele próprio. Ora, a Escritura ensina, em Jo 14, 9, que o Filho é a imagem do Pai: “Quem vê o Filho, vê o Pai”. Caberia, portanto, ao Filho de Deus vir a terra assumir a fraqueza de nossa carne, destruir a infinita malícia do pecado, e pelo Seu Sangue reconciliar-nos com Deus. A promessa de um redentor foi sendo repetida por Deus durante todo o Antigo Testamento, inicialmente aos primeiros Patriarcas e, por meio dos Profetas, ao povo hebreu. A Providência irá conceder aos Patriarcas longuíssima vida para que ensinem a seus descendentes a Religião revelada e para que, velando sobre a fiel tradição das divinas promessas, perpetuem a fé no futuro Messias. 35 POREI ÓDIO ENTRE TI E A MULHER No mesmo instante que condenava o gênero humano, imediatamente após o pecado, Deus fez nascer a esperança de resgate, pelas (próprias) palavras com que anunciou ao demônio a dura derrota que lhe resultaria da libertação dos homens: "Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar". A “mulher” citada no texto é Maria Santíssima, mãe de Jesus Cristo, que despontará como uma nova Eva. Ela nascerá sem o pecado original e, durante sua vida, não cometerá o pecado da desobediência, já que acolherá, plenamente, o chamado de Deus com um “sim”. Ao contrário de Eva, que fez a própria vontade, Maria Santíssima cumprirá a vontade de Deus. ENTRE A TUA DESCENDÊNCIA E A DELA A descendência da mulher de que fala a passagem de Gn 3, 15, “entre a tua descendência e a (descendência) dela” (de Maria Santíssima), é Jesus Cristo. Encontramos no livro do Apocalipse, em Ap 12, 4-5, uma referência a mesma Mulher vista no Gênesis e a sua descendência direta (seu filho Jesus Cristo): "Esse Dragão deteve-se diante da Mulher que estava para dar à luz, a fim de que, quando ela desse à luz, lhe devorasse o filho. Ela deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as nações pagãs com cetro de ferro. Mas seu Filho foi arrebatado para junto de Deus e do seu trono". Referência: O primeiro anúncio da Salvação (Gn 3, 14-15). 36 AS CONSEQUÊNCIAS DO PECADO Em seguida aparecem as conseqüências do pecado da desobediência de Adão e Eva, entre elas, a Morte: “Disse também à mulher: multiplicarei os teus trabalhos, e (especialmente os de) teus partos. Darás à luz com dor os filhos, e desejarás com ardor a teu marido, que te dominará. E disse a Adão: porque destes ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore, de que eu te tinha ordenado que não comesses, a terra será maldita por tua causa: tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra, de que foste tomado, porque tu és pó, e em pó te hás de tornar.” (Gn 3, 16-19) O APARECIMENTO DA MORTE Deus não apenas havia feito o homem do nada, mas também lhe tinha graciosamente concedido a Sua própria vida pela graça do Verbo. O homem, entretanto, achando-se senhor de suas ações, decidiu desprezar e transgredir a ordem de Deus, excluindo-O de sua vida. O Senhor que presenciara a desobediência, inicialmente, amaldiçoou a serpente, primeiro autor da desgraça; depois, sentenciou contra os culpados o devido castigo. Foram, então, duramente acusados e condenados por aquela terrível sentença: "A terra será maldita por causa de tua obra. Com sacrifício tirarás dela o teu sustento, todos 37 os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás ervas da terra” (Gn 3, 17-18). Por fim, recebem o castigo anunciado para o caso de desobediência, aparece a figura da morte no mundo: “Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e pó te hás de tornar.” (Gn 3,19). Observe que seria incoerente que a palavra de Deus mentisse no caso de que, promulgada com toda certeza a lei de morte para o homem transgressor do preceito, este não morresse após a transgressão, mas ficasse sem efeito a sentença divina. Deus não seria verdadeiro se após ter declarado que haveríamos de morrer, de fato não morrêssemos. Portanto, como a sentença havia sido promulgada, ela, certamente, seria executada. Embora o homem tivesse uma natureza mortal, Deus o destinava à imortalidade. É, portanto, com o pecado que ele passou a ter os dias de sua vida contados. Vê-se, desta forma, que Deus não criou a morte, ela entrou no mundo por causa do pecado. E o assassino do homem, aquele que o fez pecar, foi exatamente o demônio. Por isso, Jesus Cristo, em Jo 8, 44, chama odemônio de “homicida desde o princípio”, pois ele realmente “matou” o homem, fê-lo experimentar a morte. Perceba que o que aconteceu com nossos primeiros pais foi que a desobediência ao mandamento os reconduziu ao seu estado natural, e assim como haviam passado do nada ao ser, era justo que doravante fossem sujeitos no decurso do tempo à corrupção, voltando ao nada. Por isso, uma vez que antes nada eram por natureza, e a presença e a filantropia do Verbo os chamaram à vida, conseqüentemente, quando alheios a vontade de Deus, os homens foram privados do ser, e voltaram ao nada. Agora, se tivessem correspondido ao desejo daquele que os criou, teriam diminuído a força da corrupção natural e se conservado incorruptível, conforme assevera a Sabedoria: "O respeito das leis é garantia de incorruptibilidade” (Sb 6, 18). O SOFRIMENTO E A DOR Deus também havia criado o homem isento do sofrimento e da dor. Isso acontecia porque a alma, por especial privilégio, protegia o corpo contra todo o mal e ela por sua vez de coisa alguma podia receber dano, enquanto a vontade permanecesse submissa a Deus. Devido a queda do homem, Deus, para Se desagravar da ofensa, os pune com toda a sorte de sofrimentos interiores e exteriores. Aparecem, então, o sofrimento e a dor, como pode ser visto em Gn 3,16: “Multiplicarei os sofrimentos de teu parto; darás à luz com dores”. Deduz-se, do que foi dito nos parágrafos anteriores, que a morte e as outras misérias corporais são efeitos do próprio pecado. Observe que, apesar de tão graves sinais da cólera e vingança divina, transparece, 38 como um clarão, o amor que Deus tem aos homens. Pois dizem as Escrituras: “Deus Nosso Senhor fez para Adão e sua mulher umas túnicas de peles, e assim os cobriu” (Gn 3, 21). Nesse simples fato vai a maior prova de que Deus jamais haveria de abandonar os homens. Somente na volta triunfante de Jesus Cristo, quando o pecado for definitivamente derrotado, é que a morte será vencida. Assim ensina São Paulo, em I Cor 15, 26, quando diz que “o último inimigo a ser vencido será a morte”. Referência: O aparecimento da morte (Gn 3, 16-22). 39 O HOMEM É EXPULSO DO PARAÍSO De imediato, surge outra conseqüência do pecado: o homem fica completamente afastado da presença de Deus: “O Senhor Deus expulsou-o; e colocou ao oriente do jardim do Éden querubins armados de uma espada flamejante, para guardar o caminho da árvore da vida.” (Gn 3, 21-24) A EXPULSÃO DO PARAÍSO Enquanto contraía méritos para ser levado à glória, o homem habitava num jardim de delícias, expressamente preparado por Deus, chamado Paraíso terreal. Após algum tempo de provas e méritos no primitivo estado, receberia o galardão que haveria de coroar a sua felicidade, qual seja, o céu da glória, em companhia dos anjos, para onde seria levado por Deus. No entanto, preferiu romper com a aliança que havia feito com seu criador e passou a desobedecê-Lo na vã esperança de tornar-se igual a Ele. Com isso, o homem perdeu a graça e a amizade de Deus; deixou de possuir o direito a bem-aventurança eterna que havia de ser sua recompensa; suas faculdades foram entibiadas; seu espírito passou a conhecer a ignorância e sua vontade propendeu para o mal; foi desfeito a qualidade de filho de Deus e perdido a herança do Paraíso. Sem poder mais viver na presença Divina, o homem foi desterrado daquele lugar de delícias, lançado fora dali para que ganhasse o pão entre inumeráveis trabalhos e fadigas, conforme se lê nas Escrituras: “um Querubim se postou à entrada do Paraíso, 40 brandindo uma espada de fogo, para lhes tirar toda esperança de lá tornarem”. Portanto, a expulsão do paraíso aconteceu devido o homem ter ofendido a Deus infinitamente bom e digno por Si mesmo de ser amado. Sendo assim, a impossibilidade de o homem morar no paraíso junto com seu criador foi ocasionada por ele próprio. Jesus Cristo, na cruz, restituirá a Glória perdida com o pecado e libertará os espíritos cativos, dando-lhes a oportunidade de, novamente, serem chamados de “filhos” e poderem ficar na presença de Deus Pai. Após a expulsão de Adão e Eva do paraíso, a Sagrada Escritura passa a contar, através das histórias de seus descendentes, os desdobramentos resultantes do pecado destes dois personagens. Um desses exemplos é a história de Caim que mata seu irmão Abel. A intenção do autor sagrado é mostrar o que o pecado da desobediência levou a maldade para dentro do coração do homem. Importante comentar que Abel, o justo que é morto apesar da sua inocência, é figura de Jesus Cristo, o Messias que haveria de morrer crucificado, sob os golpes de um ódio cego e violento, pelos Judeus, seus irmãos. A ÁRVORE DA VIDA Em Gn 3, 19, observamos que é da natureza do homem ser pó, ou seja, ser mortal. Mais adiante, em Gn 3, 22, encontramos o indício de que Deus havia concedido ao homem, quanto a sua vida mortal, um dom além do natural, o dom da imortalidade. Esse indício encontra-se de forma simbólica na expressão “Árvore da vida”, à qual o homem perdeu o acesso quando de sua queda: “E o Senhor Deus disse: Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal. Agora, pois, cuidemos que ele não estenda a sua mão e tome também do fruto da Árvore da vida, e o coma, e viva eternamente“. O homem somente obterá, novamente, o acesso à “Árvore da vida”, à Vida Eterna, no final dos tempos, mas esta será alcançada não mais através de um dom preternatural, como o da “imortalidade”, mas do dom da “ressurreição”. O termo “morrer” significa não mais participar da vida bem-aventurada de Deus. Isso aconteceu no momento em que o homem perdeu o acesso à “Árvore da vida” (Gn 3, 22). Referência: O homem é expulso do paraíso (Gn 3, 23-24). 41 42 A MALDADE CHEGA AO SEU LIMITE O homem, entregue aos seus próprios pensamentos, é completamente dominado pelo pecado que o leva ao sofrimento e à insatisfação. A maldade humana generaliza-se e logo toda a criação perde o equilíbrio: “O Senhor viu que a maldade dos homens era grande na terra, e que todos os pensamentos do seu coração estavam continuamente voltados para o mal. O Senhor arrependeu-se de ter criado o homem na terra, e teve o coração ferido de íntima dor.” (Gn 6, 5-6 ) DEUS ARREPENDE-SE DE TER CRIADO O HOMEM Desde o início dos tempos, Deus infundiu nas criaturas o instinto de seu próprio bem, de sorte que elas por uma propensão natural estão sempre a buscá-Lo. Acontece que, com o pecado original, enquanto as criaturas irracionais conservaram seu pendor natural, e até hoje continuam na bondade primitiva de sua criação, o pobre gênero humano abandonou o bom caminho; pois não só deixou a perder os dons da justiça original, com que Deus o dotara e enobrecera, além das exigências da natureza humana, mas também suprimiu o apreciável gosto pela virtude, que é inato em seu coração. Afora isto, a atitude do homem também levou ao desfazimento do estado de integridade e justiça original, o que rompeu com a harmonia entre homem e mulher, e entre eles e toda a criação. A conseqüência disto tudo foi que os descendentes de Adão começaram a se 43 perverter e, em pouco tempo, toda terra se encheu de vícios e pecados. A maldade, no entanto, não se deteve em certos limites, mas cresceu tanto que ultrapassou qualquer medida, superando toda espécie de iniqüidade. Além do mais, não se limitou a um só pecado, mas novos delitos foram sendo inventados. Difundiram-se adultérios e roubos e toda a terra se encheu de morticínios e rapinas. Cidades guerreavam entre si, nações se insurgiam contra nações, a terra estava dilacerada por rebeliões e batalhas. Nem mesmo se abstinham do que é contra a natureza, conforme afirma o Apóstolo: “Suas mulheres mudaram as relações naturais por relações contra a natureza; igualmente os homens, deixando a relação natural com a mulher, arderam em desejo uns para com os outros, praticando torpezas homens com homens e recebendo em si mesmos a paga de sua aberração” (Rm 1, 26-27). Quanto a tudo isso, diz a Escritura que “todos se transviarame se corromperam sem exceção. Não há quem faça o bem, não aparece um sequer.” (Sl 52, 4). Realmente, todos, individualmente e em comum, cometiam toda espécie de pecados. Com a maldade dominando o homem, ninguém passou a achar mais gosto nas coisas da salvação, todos se inclinaram para o mal e se deixaram dominar pelas más tendências, como à cólera, o ódio, à soberba, à ambição, e todas as demais espécies de maldades. O resultado de tudo isso é um assustador aumento do sofrimento e da insatisfação. Diante da escolha do homem pelo mal, Deus sofre profundamente, chegando, de certa maneira, a arrepender-se de tê-lo criado, como diz a Escritura: “O Senhor arrependeu-se de ter criado o homem na terra, e teve o coração ferido de íntima dor”. (Gn 6, 6). Apesar de sua tristeza, Deus, na sua justiça, não se esqueceu de ter misericórdia para com o homem. Lembrando que tinha prometido a Eva um Messias que havia de salvar os homens, conservou a vida de um justo em meio aquele turbulento período. Noé será herdeiro da posteridade donde sairá o Salvador esperado. Referência: A maldade humana (Gn 6, 1-7). 44 A ARCA DE NOÉ Deus manifesta seu descontentamento através do dilúvio. Esforça-se, entretanto, em salvar a Noé e sua família, pequeno grupo que, livremente, procura seguir seus ensinamentos. O dilúvio será a resposta de Deus aos homens que buscam a maldade e a Arca de Noé a resposta aos que procuram segui-lo: “E disse: ‘Exterminarei da superfície da terra o homem que criei porque me arrependo de tê-lo criado’. Noé, entretanto, encontrou graça aos olhos do Senhor. Noé era um homem justo e perfeito no meio dos homens de sua geração. Então Deus disse a Noé: ‘Faze para ti uma arca de madeira resinosa. Eis que vou fazer cair o dilúvio sobre toda a terra. Tudo que está sobre a terra morrerá’.” (Gn 6, 8-17; 7, 1-4) O DILÚVIO Diante de tanta corrupção, Deus decide castigar o gênero humano com um dilúvio universal. O Senhor vinha avisando sobre o castigo desde Henoch, isto é, durante quase mil anos adiava sua decisão na esperança dos homens abandonarem o mau caminho; mas o abuso das graças fatalmente acarreta a punição: desta feita, veio terrível e deixou uma lembrança imorredoura. Assim, durante quarenta dias e quarenta noites chove tanto que as águas cobrem os montes mais altos. Morrem afogados todos os homens, salvando-se apenas Noé e sua 45 família. Noé foi salvo devido a sua estrita obediência, pois havia acatado a ordem de Deus, recebida muito antes do dilúvio, para que começasse a fabricar sua Arca. O relato do dilúvio tem o objetivo de mostrar a extensão destruidora do pecado de Adão na vida dos homens. Para o autor sagrado, a corrupção da humanidade aumentou de tal forma que Deus se utilizou das coisas inanimadas como instrumento à Justiça divina para castigar o pecado, fazendo padecer o pecador as conseqüências de sua culpa. Sendo assim, o dilúvio aconteceu porque o pecado dos homens chegou a tal limite que Deus, assim como aconteceu em Sodoma e Gomorra, precisou intervir. Com efeito, não poderia Deus, por ser justo e puro, apesar de ser amor e misericórdia, deixar o mal imperar de forma absoluta. O Dilúvio foi um grande acontecimento que purificou e renovou a terra. A Igreja o considera figura do batismo de Jesus Cristo, que hoje lava os nossos pecados. Observe que o antigo uso dos sacrifícios outra vez posto em vigor por Noé ao sair da arca e aceito solenemente por Deus, destaca os animais puros, figura de Jesus Cristo, como os únicos a serem admitidos nos holocaustos: “E Noé levantou um altar ao Senhor: tomou de todos os animais puros e de todas as aves puras, e ofereceu-os em holocausto ao Senhor sobre o altar" (Gn 8, 20). Diz a Sagrada escritura que Deus ficou muito satisfeito com a piedade do seu servo e manifestou-lhe que tinha por agradável este sacrifício: "O Senhor respirou um agradável odor". (Gn 8, 21). Com relação à questão dos sacrifícios é importante fazer algumas considerações: Após a queda, não havia nenhum meio possível do homem voltar a reconciliar-se com Deus que não fosse pela mediação do Redentor, o qual lhe havia sido prometido por uma misericórdia completamente gratuita. Sendo assim, todas as práticas do culto e da moral realizadas pelo homem teriam que se apoiar nos méritos futuros do Messias e só obteriam valor por sua união com eles. Devido a isso, o culto depois da queda passou a revestir um caráter excepcionalmente novo; veio a ser, ao mesmo tempo, expiatório e representativo. Era expiatório no sentido de que o homem culpado não poderia mais contentar-se em dar, como tributo a Deus, uma simples homenagem de adoração, louvor e agradecimento, como acontecia nos dias da sua inocência; mas, doravante, como expiação acrescentaria a oferta dos produtos da terra, e já que, segundo explica o Apóstolo São Paulo, não há expiação sem efusão de sangue (Hb 9, 22), haveria de oferecer animais em sacrifício. Através do sacrifício expiatório, o homem confessa que é pecador e reconhece que não tem mais direito a vida; e para externar esta disposição, derrama o sangue de uma vítima em lugar do próprio sangue. O culto da religião primitiva também era representativo. Com efeito, o sangue das vítimas imoladas, por si mesmo, não era apto a satisfazer a justiça de Deus. Da mesma 46 forma, o Senhor não queria o sangue do homem, o qual, aliás, não teria nenhum valor para Ele. Mas aceita os sacrifícios que Lhe eram ofertados porque representam e anunciam o único sacrifício que devia expiar o pecado cometido, isto é, a imolação de Nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário. NOÉ Em meio a toda aquela corrupção, surge um homem justo, da família de Seth, ardente de amor por Deus e desejoso de escutar e cumprir suas ordens. Seu entusiasmo e zelo chegam à presença do Senhor que, por causa de sua fidelidade, decide dar uma nova chance à humanidade. A misericórdia divina para com a humanidade se manifesta através de uma aliança entre Deus e Noé, representando todos os homens. Encontramos essa verdade em Eclo 44, 17-19: “Noé foi julgado justo e perfeito, e no tempo da ira tornou-se o elo de reconciliação. Por isso foram deixados alguns na terra, quando veio o dilúvio. Ele foi o depositário das alianças feitas com o mundo, a fim de que ninguém doravante fosse destruído por dilúvio”. Noé, salvando a humanidade da destruição, pressagiava o futuro Redentor que purificaria do pecado toda a raça humana, preservando-a da morte eterna. Ele será o exemplo de homem que o mundo, repleto de pecado, precisará se espelhar até a vinda de Jesus. Perceba que, por causa de Noé, homem justo, Deus salvou sua família e os animais. Lembre-se que, para a Sagrada Escritura, homem justo é aquele que tem uma vida íntegra e reta diante de Deus, ou seja, que obedece a Sua vontade. Sejamos, portanto, justos diante Deus e assim, Ele, em sua infinita misericórdia, poderá nos salvar e também as nossas famílias da morte. Por fim, vale lembrar que depois do dilúvio, Cam, um dos filhos de Noé, veio a desrespeitá-lo. Este, então, pronunciou contra ele uma pena gravíssima, sua descendência seria reduzida a condição de escravidão, e a seus irmãos, Sem e Jafet, deu uma bênção como prêmio pela compaixão demonstrada: "Noé, que era agricultor, plantou uma vinha. Tendo bebido vinho, embriagou-se, e apareceu nu no meio de sua tenda. Cam, o pai de Canaã, vendo a nudez de seu pai, saiu e foi contá-lo aos seus irmãos. Mas, Sem e Jafet, tomando uma capa, puseram-na sobre os seus ombros e foram cobrir a nudez de seu pai, andando de costas; e não viram a nudez de seu pai, pois que tinham os seus rostos voltados. Quando Noé despertou de sua embriaguez, soube o que lhe tinha feito o seu filho mais novo. Disse Noé: 'Abençoado seja Sem pelo Senhor, meu Deus, Canaã seja seu escravo. Deus 47 engrandeça Jafet e encontre morada nas tendas de Sem e seja Canaã escravo deles.'" (Gn 9, 20-24). Este primado de Sem somente pode ser entendido em sentido messiânico; isto é, será de Sem que descenderá a estirpe destinada ao domínioespiritual do mundo, como portadora da salvação. A ARCA E A IGREJA A Arca, onde a família de Noé se estabeleceu para fugir do dilúvio, é figura da Igreja, que acolhe a todos para levá-los a salvação eterna. A relação é a seguinte: assim como ninguém sobreviveu fora da Arca de Noé, ninguém se salva fora da Igreja. Sendo assim, fora da Igreja Católica, Apostólica, Romana, ninguém pode salvar- se, como ninguém pôde salvar-se do dilúvio fora da arca de Noé. Nesse sentido escreve São Jerônimo ao Papa Dâmaso: "Estou a falar com quem sucedeu ao Pescador, com o Discípulo da Cruz. Nenhum chefe supremo reconheço senão a Cristo; por isso me ponho em comunhão com vossa Santidade, isto é, com a cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja. Quem comer o Cordeiro fora desta casa, não pertence ao povo eleito. Quem se não recolher na Arca de Noé, há de perecer por ocasião do Dilúvio" (MARTINS, p. 170). Portanto, podemos afirmar que para salvar os homens, Noé construiu a Arca, Jesus Cristo, a sua Igreja. Referência: Noé, o dilúvio e a Arca (Gn 6-8). 48 O SINAL DA PRIMEIRA ALIANÇA Depois do Dilúvio, cheio de compaixão, Deus faz uma primeira aliança com a nova humanidade. Como sinal desse pacto, Deus faz aparecer o arco-íris no céu: “Deus disse a Noé: ‘Eis o sinal da aliança, que Eu faço convosco e com todos os animais viventes, que estão convosco, por todas as gerações futuras: Porei o meu Arco nas nuvens, e ele será o sinal da aliança entre mim e a terra’.” (Gn 9, 12-13) O ARCO-ÍRIS Segundo as Escrituras, o Arco-íris no céu é um ato de amor, onde Deus demonstra seu desejo de esquecer o pecado da humanidade ao desistir de destruir o mundo. Este sinal chancela a primeira aliança de Deus com o homem após seu pecado, tendo como propósito prepará-lo para sua futura redenção: "Quando eu tiver coberto o céu de nuvens por cima da terra, o meu arco aparecerá nas nuvens, e me lembrarei da aliança que fiz convosco e com todo ser vivo de toda espécie, e as águas não causarão mais dilúvio que extermine toda criatura.” (Gn 9,14-16). Noé foi o protagonista dessa primeira Aliança. Sua importância é tão grande que permaneceu em vigor durante todo o tempo das nações até à proclamação do Evangelho: “Dirigindo-se a Noé, Deus acrescentou: Este é o sinal da aliança que faço entre mim e todas as criaturas que estão na terra." (Gn 9, 17). 49 Seu fundamento consiste na observância, pelo homem, dos primeiros mandamentos divinos. Tais exigências tinham por objetivo preparar a humanidade para a vinda do Redentor: “Deus abençoou Noé e seus filhos e disse-lhes: Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra. Toda a ave do céu, tudo o que se arrasta sobre o solo e todos os peixes do mar: eles vos são entregues nas mãos. Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento; eu vos dou tudo isto, como vos dei a erva verde. Somente não comereis carne com a sua alma, com seu sangue. Eu pedirei conta de vosso sangue, por causa de vossas almas, a todo animal; e ao homem (que matar) o seu irmão, pedirei conta da alma do homem.” (Gn 9, 1-7). Referência: A nova humanidade e a Aliança com Deus (Gn 9). 50 A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS Ocorre que, como o dilúvio não libertou os homens do pecado, os descendentes de Noé voltam a pecar e, mais uma vez, se afastam de Deus: “Depois disseram: ‘Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja os Céus.” (Gn 11, 4) A TORRE DE BABEL Após o dilúvio, a humanidade volta a mostrar sua natureza ferida pelo pecado original. Muito embora houvesse conservado o desejo do bem, era atraída pelo mal e sujeita ao erro. Por conta disto, a resposta dos descendentes de Noé à Aliança de Deus é idêntica à que levou nossos primeiros pais ao pecado: orgulhosos, continuam desejosos de tornarem-se iguais a Deus. Essa posição soberba do homem de desejar construir, isolado de Deus, o próprio caminho é vista, simbolicamente, na Torre de Babel. Sua história é a seguinte: Durante muitos anos os descendentes de Noé habitaram numa mesma região, na planície de Senaar. Acontece que com o tempo foram multiplicando-se de tal forma que ficaram sem condições de viverem juntos, precisando de novas terras. Disseram, então, entre si: “Vinde, façamos para nós uma cidade e uma torre, cujo cimo chegue até ao céu, e tornemos célebre o nosso nome, antes que nos espalhemos por toda a terra” (Gn 11, 4). Babel quer dizer “confusão”, pois Deus, ofendido com o orgulho dos homens em 51 quererem construir uma torre que chegasse ao céu, desceu e confundiu suas línguas, de maneira que os soberbos edificadores, não se entendendo uns aos outros, tiveram de dispersar-se sem levar adiante seu ambicioso projeto. Observe que até aquele momento os homens falavam uma só e mesma língua. Em Pentecostes, após a efusão do Espírito Santo, encontraremos o surgimento de homens totalmente dispostos a obedecer e realizar a vontade Deus, exatamente o contrário da atitude soberba que tiveram os homens que edificaram a Torre de Babel. Por isso, em Pentecostes, as diferentes raças e línguas não serão obstáculos para que os povos de outras nações venham a compreender o louvor que os apóstolos farão subir ao céu como ato de adoração a Deus. A CRIAÇÃO DE UM NOVO POVO Os homens, ao separarem-se, levaram por toda a parte as tradições dos acontecimentos anteriores e a promessa de um Salvador; e acima de tudo, a idéia de um Deus criador e único. Porém, à medida que o tempo ia passando, os homens esqueciam as sãs tradições que tinham recebido dos antepassados. A soberba os levava a não mais acreditarem em Deus e em suas promessas; até chegar ao ponto do culto supremo ser rebaixado às criaturas e negado ao Senhor. Sendo assim, o homem passou a adorar os próprios objetos que fazia. Pensava que podia prender o espírito divino e encerrá-lo nas estatuas que criasse. A idolatria, dessa forma, passou a cobrir a terra. Tudo era Deus, menos o próprio Deus, e o mundo, que Deus criara para manifestar a sua onipotência, parecia ter se tornado um templo de ídolos. Impurezas imagináveis foram introduzidas nos sacrifícios. O homem culpado passou a julgou que não poderia mais satisfazer sua divindade com as vitimas ordinárias. Passou, então, a derramar o sangue humano com o dos animais. Esse processo cresceu tanto que chegou ao ponto dos pais imolarem seus próprios filhos. Finalmente, o homem foi divinizando as próprias paixões; excluindo o remorso de seu coração, passou a cometer crimes horrorosos contra a sua natureza. Deus viu que a maldade cresceu assustadoramente na humanidade e que esta chegou ao extremo de perder o conhecimento do verdadeiro Deus, ao entregar-se à idolatria. Então, a fim de conservar na terra a verdadeira religião, Deus decide escolher um povo e tomar a seu cargo o governá-lo com especial providência, preservando-o da corrupção geral. A este povo, Deus ensinará, desde a sua origem, a tê-lO como único e verdadeiro Deus. 52 Para conduzi-lo nesta jornada, Deus se revelará como nunca havia feito, e para alguns de seus membros, falará face a face, como a um amigo bem próximo, tudo por conta do amor que tais homens demonstrarão. Apesar das fraquezas que, porventura, alguns venham a ter, nunca deixarão de existir homens em seu meio cujos corações coloquem o Senhor acima de todas as coisas. Será a partir deste pequeno rebanho que nascerá o Filho de Deus. Referência: A Torre de Babel (Gn 11, 1-9). 53 DEUS DIRIGE-SE A ABRÃO Deus, a fim de iniciar seu povo, dirige-se pessoalmente a um homem, Abrão, não mais à humanidade inteira, para com ele fazer aliança e preparar o bem de todos: “O Senhor disse a Abrão: ‘Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai, vai para a terra que Eu te mostrar. Farei de ti uma grande nação; todas as famílias da terra serão benditas em ti.’ Tomou Sarai, sua mulher, e Ló, filho de seu irmão, assim como todos os bens que possuíam e os escravos que tinham adquirido em Harã, e partiram para a terra de Canaã. O Senhor apareceu a Abrão e disse-lhe:'Darei esta terra à tua posteridade'.” (Gn 12,1-7) O INÍCIO DE UM POVO Deus sempre teve na terra adoradores verdadeiros a quem Ele salvou da corrupção e do erro por efeito da sua graça. Estes justos foram santificados pela fé no Messias prometido e pelas obras que praticavam com o auxilio da sua graça. Entre esses justos encontramos um homem da Caldéia, de nome Abrão. Deus o escolheu para torná-lo o predecessor de um novo povo que desenvolverá os alicerces da verdadeira Aliança. Abrão e sua esposa, Sarai, moravam ao norte da Mesopotâmia. Abrão era descendente dos antigos Patriarcas pela linhagem de Heber. Por isso, o povo que se originará dele será chamado Povo hebreu. Deus ordena-lhe que saia de sua terra e caminhe para a terra de Canaã, chamada 54 também Palestina, prometendo-lhe que o faria cabeça de um grande povo e que de sua descendência nasceria o Messias. O apelo de Deus é exigente: Abrão deve deixar seu modo de vida pagão e confiar unicamente em Deus. Poderia ele recusar, mas aceita a obscuridade da fé. Saiu, então, Abrão de sua terra e foi para Canaã, conforme Deus lhe ordenara. Ao povo que nascerá do sim de Abrão será cobrado o fundamento da Aliança aceito por seu Patriarca, qual seja, ter o Senhor como único Deus. Observe que Deus escolheu criar uma nova nação e não utilizar uma das já existentes na terra. Sua intenção era provocar o estímulo das nações, para que estas, vendo a felicidade dos israelitas, convertessem-se ao culto do Deus verdadeiro. Tempos depois, no Monte Sinai, Deus fará com este povo uma “Aliança”: "Agora, pois, se obedecerdes à minha voz, e guardardes minha aliança, sereis o meu povo particular entre todos os povos. Toda a terra é minha, mas vós me sereis um reino de sacerdotes e uma nação consagrada." (Ex 19, 5-6) No alto da cruz, Jesus Cristo fará com este mesmo povo uma “Nova Aliança”. A partir dela, surgirá um “novo povo”, a “Igreja”, corpo místico de Cristo, do qual surgirá um “novo reino de sacerdotes e uma nova nação consagrada”. DAREI ESTA TERRA À TUA POSTERIDADE Esta posteridade mencionada no texto e na qual recairão as promessas feitas a Abraão, será Jesus Cristo. É o que nos fala São Paulo em Gal 3, 16: “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua Descendência. Não diz: aos seus descendentes, como se fossem muitos, mas fala de um só: e à tua descendência, isto é, a Cristo”. Referência: A escolha de Abrão (Gn 12-14). 55 DEUS TESTA A FÉ DE ABRÃO Devido a grandeza da missão de Abrão, Deus precisou testar sua fé, e, para tanto, não lhe concedeu, durante muitos anos, a graça de ter filhos: “A palavra do Senhor foi dirigida a Abrão, numa visão, nesses termos: Nada temas, Abrão! Eu sou o teu protetor; tua recompensa será muito grande’. Abrão respondeu: ‘Vós não me destes posteridade, e é um escravo que será o meu herdeiro’. Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida nesses termos: ‘Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que vai sair de tuas entranhas’. Abrão confiou no Senhor, e o Senhor lho imputou para justiça.” (Gn 15, 1-6) A FÉ DE ABRÃO É TESTADA Deus testa a fé de Abrão de uma forma muito concreta. No início, quando Deus lhe apareceu, prometeu-lhe uma numerosa posteridade. Esta era a grande promessa. No entanto, o tempo passou e Sarai não lhe deu filhos. Apesar disso, Abrão não deixou de acreditar em Deus, mesmo vendo-se com quase 100 anos e Sarai, sua mulher, com 90. Acreditava que, para aquele que tudo criou, nada pudesse ser impossível. Por isso, Deus “prometeu que ele cresceria como o pó da terra. Prometeu-lhe que exaltaria sua raça como as estrelas, e que seu quinhão de herança se estenderia de um mar a outro: desde o rio até as extremidades da terra. Ele fez o mesmo com Isaac, por causa de seu pai, Abraão" (Eclo 44, 22-24). 56 Neste momento, Deus ordena que Abrão praticasse a circuncisão e usasse este mesmo costume para com todos os filhos que nascessem de seu sangue. O NOME ABRÃO MUDA PARA ABRAÃO Quando Abrão aceita fazer a aliança com Deus, Este modifica seu nome de Abrão (um pai elevado) para Abraão (o pai de uma multidão) (Gn 17, 5). A intenção de Deus foi mudar a missão de Abraão, que deixou de ser o patriarca de sua família, para ser o pai do povo de Deus. Isso também ocorrerá com Sarai, sua esposa estéril, que terá seu nome mudado para Sara (mãe das nações), agora uma mulher fértil. Essa atitude de Deus, de modificar o nome, é observada na Sagrada Escritura quando Ele deseja mudar a missão de alguém. É, por exemplo, o caso da mudança do nome de Jacó para Israel, que passou a ter como missão desenvolver o povo de Deus (Gn 32, 28: “Teu nome não será mais Jacó, tornou ele, mas Israel, porque lutaste com Deus e com os homens, e venceste.”). Também encontramos isso acontecer quando Jesus Cristo muda o nome de Simão para Pedro (Jo 1, 42: “Tu és Simão, filho de João; serás chamado Kepha.”, em português Cefas, que quer dizer pedra). Em Mt 16, 18, Jesus explica o porquê dessa mudança: “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela.”. Portanto, Jesus está dando uma nova missão a Pedro. Será sobre a fé e o testemunho de Pedro que Cristo construirá a sua Igreja. Como pastor do rebanho, terá por missão defender a fé de todo desfalecimento e de consolidar nela os outros apóstolos. Pedro viria a ser o primeiro Bispo de Roma e a sucessão Papal prova que sua missão foi bem sucedida. SODOMA E GOMORRA Em Gn 18, 20, Deus fala a Abraão que "é imenso o clamor que se eleva de Sodoma e Gomorra, e o seu pecado é muito grande". Anuncia, nesse momento, seu plano de castigar Sodoma devido seus habitantes serem “perversos, e grandes pecadores diante do Senhor” (Gn 13, 13). Abraão, apesar de saber como Sodoma estava se comportando, intercede pelo povo sodomita. Deus se compraz com os sentimentos de Abraão e diz que se encontrasse pelo menos dez pessoas justas, ela não seria destruída. No entanto, não existindo o número definido, acabou a cidade por ser aniquilada. A epístola de Judas, em Jd 1, 7, traz uma forte luz sobre o pecado dos habitantes de Sodoma e Gomorra: “Da mesma forma Sodoma, Gomorra e as cidades 57 circunvizinhas, que praticaram as mesmas impurezas e se entregaram a vícios contra a natureza, jazem lá como exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno”. Para o autor sagrado é preciso fugir absolutamente da ociosidade. Conforme se lê nas profecias de Ezequiel, foi o ócio que embruteceu os habitantes de Sodoma e os precipitou naquele imundíssimo crime da mais abjeta devassidão: "O crime da tua irmã Sodoma era este: opulência, glutoneria, indolência, ociosidade; eis como vivia ela, assim como suas filhas, sem tomar pela mão o miserável e o indigente. Tornaram-se arrogantes e, sob os meus olhos, se entregaram à abominação; por isso Eu as fiz desaparecer." (Ez 16, 49-50) A passagem em que Deus aniquila as cidades de Sodoma e Gomorra (Gn 18-19) mostra o quanto Deus abomina as perversões sexuais. Este tipo de maldade expande-se pelo mundo de forma violenta, numa afronta direta ao plano de Deus para com a humanidade. São Pedro, em II Pd 2, 6, explica que Deus “condenou à destruição e reduziu à cinzas as cidades de Sodoma e Gomorra para servir de exemplo para os ímpios do porvir”. Isso nos faz pensar: até quando Deus terá paciência com este mundo? Referência: A aliança com Deus e a intercessão por Sodoma (Gn 15-20). 58 O SACRIFÍCIO DE ISAAC Enfim, chega o dia em que a promessa é cumprida e Sara concebe. Deus, então, decide provar Abraão uma segunda vez, pedindo-lhe o sacrifício de Isaac: “Sara concebeu e, apesar de sua velhice, deu à luz um filho a Abraão, no tempo fixado por Deus. Depois disto, Deus provou a Abraão. Deus disse:‘Toma teu filho; teu único filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto’. No dia seguinte, tomou consigo Isaac e partiu. Quando chegaram ao lugar, Abraão edificou um altar; Amarrou Isaac e o pôs Isaac sobre o altar. Depois, estendendo a mão, tomou
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