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0 A Integração dos Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos: uma reflexão Bioética Hélio Assis Pereira Rio de Janeiro 2012 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOÉTICA, ÉTICA APLICADA E SAÚDE COLETIVA - PPGBIOS UFRJ, FIOCRUZ, UERJ E UFF 1 Hélio Assis Pereira A Integração dos Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos: uma reflexão Bioética. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Fundação Oswaldo Cruz, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Carlos Dimas Martins Ribeiro Rio de Janeiro 2012 2 Esta dissertação de mestrado, intitulada “A Integração dos Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos: uma reflexão Bioética” apresentada por Hélio Assis Pereira Foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Prof. Dr. Carlos Dimas Martins Ribeiro Orientador Universidade Federal Fluminense/PPGBIOS Prof. Dr. Ciro Augusto Floriani Professor convidado Secretária Estadual de Saúde Rio de Janeiro Prof. Dr. Aluísio Gomes da Silva Junior Professor convidado Universidade Federal Fluminense/PPGBIOS Dissertação de mestrado defendida e aprovada em 20 de setembro de 2012 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOÉTICA, ÉTICA APLICADA E SAÚDE COLETIVA - PPGBIOS UFRJ, FIOCRUZ, UERJ E UFF 3 Catalogação na fonte Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense P426 Pereira, Hélio Assis A integração dos cuidados paliativos nas unidades de terapia intensiva de adultos: uma reflexão bioética / Hélio Assis Pereira. – Niterói: [s.n.], 2012. 132 f. Orientador: Carlos Dimas Martins Ribeiro. Dissertação (Mestrado em Bioética, Ética aplicada e Saúde Coletiva) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Medicina, 2012. 1. Bioética. 2. Terapia intensiva. 3. Assistência paliativa. I. Titulo. CDD 179.7 4 Agradecimentos Por convicção pessoal, agradeço a Deus e aos meus familiares pelo apoio e estímulo durante esse desafio. A empreitada se tornou possível graças à imensurável ajuda do meu orientador, Professor Carlos Dimas Martins Ribeiro, que com seu conhecimento e sabedoria, pacientemente me guiou pelo caminho das pedras. Agradeço a cortesia dos Professores Ciro Augusto Floriani e Aluísio Gomes da Silva Junior, por aceitarem participar da Banca de Avaliação, fato que me deixou lisonjeado. Agradeço a todos os demais professores do PPGBIOS, com os quais muito aprendi e passei a ter uma nova percepção da ética médica. 5 Lista de Siglas e Abreviaturas AMIB Associação de Medicina Intensiva Brasileira CP Cuidados Paliativos EUA Estados Unidos da América do Norte OMS Organização Mundial da Saúde UCP Unidade de Cuidados Paliativos UTI Unidade de Terapia Intensiva UTI-A Unidade de Terapia Intensiva de Adultos WHO World Health Organization WMA World Medical Association 6 Resumo: A medicina intensiva incorporou os avanços da biotecnociência e ampliou de maneira exuberante a capacidade de intervir nas doenças graves que ameaçam de maneira crítica a vida do ser humano. O suporte avançado de vida das Unidades de Terapia Intensiva tornou possível salvar e prolongar a vida, mas também é capaz de prolongar o sofrimento e a morte. O uso, tanto mal apreciado quanto excessivo, dessa tecnologia no final da vida passou a ser questionado. A medicalização da sociedade trouxe a morte para o hospital e, atualmente, a maioria das pessoas morre nos hospitais, principalmente nas Unidades de Terapia Intensiva. Neste contexto, emergem os Cuidados Paliativos como uma proposta filosófica de cuidados totais direcionados para aliviar a dor e o sofrimento e preservar ao máximo a qualidade de vida no fim da vida. Existe um recente e também crescente movimento que visa a integração dos Cuidados Paliativos aos Cuidados Intensivos. O objetivo foi analisar, através da metodologia da Bioética Principialista, como esta integração está ocorrendo, e quais são as barreiras e as questões éticas envolvidas neste interfaceamento das culturas de cura e do conforto. Metodologia: este é um estudo teórico- conceitual, com revisão não sistemática da literatura e análise reflexiva, utilizando os princípios da Ética Biomédica: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Conclusão: conclui- se que a cultura do médico intensivista ainda é o uso agressivo do cuidado curativo para salvar vidas e a morte é considerada um fracasso. A integração dos cuidados curativos e dos Cuidados Paliativos na ambiência das Unidades de Terapia Intensiva pode mudar a cultura das equipes das Unidades de Terapia Intensiva de Adultos e causar a fusão destas duas filosofias do cuidar, que antes se encontravam em pólos opostos e eram consideradas exclusivas ou no máximo sequenciais, e hoje pretendem ser mútuas e sincrônicas, desde o momento da admissão, trazendo benefícios para o paciente, familiares e para a equipe da Unidade de Terapia Intensiva. Palavras-chave: Bioética; cuidados paliativos; cuidados intensivos; unidade de terapia intensiva. 7 Abstract: Critical Care Medicine has incorporated the advances of biotechnology, vigorously expanding the ability to intervene in serious diseases that critically threaten human life. Although the Intensive Care Unit’s advanced life support has made it possible to save and prolong life, it can also prolong suffering and death. The use, either poorly appreciated or excessive, of this technology has to be questioned. The medicalization of society brought death to the hospital and that's where most people die today, especially in Intensive Care Units. In this context, palliative care emerges as a philosophical proposal targeted to total care for the relief of pain and suffering and preservation of the maximum life quality in the end of life. There is a recent and growing movement that aims at the integration of palliative care into intensive care. Objective: The aim was to analyze, through the principles of Biomedical Ethics methodology, how this integration is occurring and what are the barriers and ethical issues involved in such interfacing between the cultures of cure and comfort. Methodology: This is a conceptual-theoretical study with no systematic review of the literature and reflective analysis using the Principles of Biomedical Ethics: autonomy, beneficence, non-maleficence and justice. Conclusion: It was concluded that the culture of intensive care physician is still the aggressive use of curative care to save lives and death is considered a failure. Integration of curative care and palliative care in the ambience of Intensive Care Units can change the culture of the staff of the Intensive Care Unit for Adult and merge these two philosophies of care, which were previously separate poles, considered unique or, at best, sequential, and that now claim to be synchronous with each other, from the time of admission, bringing benefits for patients, families and team of the Intensive Care Unit. Keywords: Bioethics; palliative care; intensive care; intensive care unit. 8 Sumário 1 Introdução 10 2 Objetivos 15 2. 1Geral 15 2. 2 Específicos 15 3 Método 15 4 Marco Teórico 19 4. 1 Contexto do Problema 19 4. 1. 1 A Medicina Intensiva, as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e os Médicos Intensivistas 19 4. 1. 2 O Paciente e a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) 22 4. 2 Cuidados Paliativos (CP) 34 4. 2. 1 As Origens Históricas dos Cuidados Paliativos 35 4. 2. 2 Os Princípios Éticos dos Cuidados Paliativos 39 4. 2. 3 Os Conceitos de Qualidade de Vida, Dor e Sofrimento 43 4. 3 A Bioética e a Abordagem Principialista 48 4. 3. 1 As Origens Históricas da Bioética 48 4. 3. 2 A Bioética Principialista 53 4. 3. 3 Críticas ao Principialismo 59 5 Cuidados Paliativos e Cuidados Intensivos 63 5. 1 Descrição dos Artigos Investigados 63 5. 2 Análise dos Artigos Investigados 66 5. 2. 1 As Formas de Integração 66 5. 2. 2 As Vantagens, Desvantagens e Desafios da Integração 69 9 5. 2. 2. 1 Vantagens 69 5. 2. 2. 2 Desvantagens 72 5. 2. 2. 3 Desafios 73 5. 2. 3 Os Domínios dos Cuidados Paliativos 75 5. 3 A Interface da Bioética Principialista com os Domínios dos Cuidados Paliativos nas UTIs-A 77 5. 3. 1 Princípio do Respeito à Autonomia 78 5. 3. 2 Princípio da Beneficência 80 5. 3. 3 Princípio da Não-Maleficência 85 5. 3. 4 Princípio da Justiça 87 6 Conclusão 88 7 Referências Bibliográficas 94 7. 1 Geral 94 7. 2 Referências dos Artigos Analisados 111 8 Anexos 117 8.1 Anexo I: Quadro de Avaliação dos Artigos 117 8.2 Anexo II: Fluxograma 131 10 1. Introdução À época do internato médico, por vocação pessoal, direcionei minha formação para a assistência ao paciente em estado crítico internado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Desde então, atuo na assistência médica e como preceptor de alunos e residentes. Nesses 30 anos de vivência na área de medicina intensiva, tive a oportunidade de presenciar, nessas unidades, a incorporação dos grandes avanços das biotecnociências aos Cuidados Intensivos. No transcorrer das últimas décadas, de modo quase sincrônico, vêm ocorrendo mudanças do paradigma ético-profissional no âmbito da medicina, com suas repercussões na especialidade e com surgimento de conflitos éticos relativos ao fim da vida nas UTIs. A especialidade Medicina Intensiva surgiu nos anos 1950, tendo como pedra fundamental os conceitos em reanimação cardiopulmonar-cerebral e o estabelecimento de protocolos de suporte avançado à vida para pacientes gravemente enfermos e em estado crítico (AMIB, 2007). Nas últimas décadas, as UTIs se transformaram em centros sofisticados de alta tecnologia médica; porém de altíssimo custo operacional. A Medicina Intensiva tem como missão promover os Cuidados Intensivos de alta qualidade a todos os pacientes em estado crítico que deles necessitam e dos quais podem ser beneficiados. Trata-se de uma prática cooperativa multiprofissional e multidisciplinar, e, por isso, o termo Cuidados Intensivos é mais adequado que Medicina Intensiva. Os principais objetivos dos Cuidados Intensivos são a prevenção da morte prematura e do sofrimento, procurando preservar ou restaurar a qualidade de vida dos pacientes por meio do tratamento de doenças com possibilidades de recuperação, por um período de tempo adequado (LUCE, 2001). Em situações cada vez mais complexas e difíceis, são salvas diariamente inúmeras vidas de pacientes vítimas de traumas, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e de variadas complicações clínicas agudas. Atualmente, pacientes de alto risco cirúrgico e idosos podem ser submetidos a procedimentos operatórios de grande porte, e a medicina está capacitada a realizar diversos procedimentos de alta complexidade, como os transplantes de órgãos, graças aos Cuidados Intensivos no pós-operatório (SIMCHEN, 2007). Os avanços da tecnologia biomédica são incontestavelmente essenciais para que se cumpra esta missão. Estes objetivos são frequentemente alcançados, considerando que 11 cerca de 75% a 90% dos pacientes internados nas UTI sobrevivem e recebem alta (LUCE, 2001). Entretanto, devido ao grande número de pacientes internados e à gravidade de suas doenças, as UTI tem se tornado um local em que a morte ocorre com grande frequência. Estudos demonstram que 22% de todas as mortes nos EUA, o equivalente a 540. 000 mortes por ano ocorrem durante a internação ou logo após a alta das UTI (ANGUS, 2004). A medicina tecnocientífica contemporânea, baseada em evidências ou revisões sistemáticas, tem estabelecido diretrizes e protocolos internacionais para a abordagem de pacientes em estado crítico e em pós-operatórios, expandindo, assim, cada vez mais as indicações para admissões nas UTIs. Ao mesmo tempo em que se torna necessário um número cada vez maior de leitos para atender a esse novo contingente, crescentemente constituído de idosos e pacientes com maior número de comorbidades, os leitos nas UTIs continuam a ser escassos para atender à demanda em praticamente toda parte do mundo (ANGUS, 2004). Estudos recentes demonstram, com evidências científicas, que os Cuidados Intensivos nas UTI aumentam a sobrevida dos pacientes em estado crítico. A tecnologia avançada de suporte de vida permite aos médicos prolongar a vida [e adiar a morte] em circunstâncias que não eram possíveis no passado recente. Isto tem sido reconhecido não só pela comunidade médica, mas também pela sociedade, e criaram-se expectativas extremamente elevadas de recuperação em relação à doença crítica. Ao mesmo tempo em que mais vidas são salvas, ocorre também que um número maior de pacientes morrem nas UTIs depois de receberem prolongadas terapias de sustentação e manutenção da vida (SIMCHEN, 2007). Neste contexto, observam-se alguns problemas éticos relativos aos cuidados de fim da vida nas Unidades de Terapia Intensiva, incluindo também os conflitos éticos relativos à alocação de recursos. Assim, por um lado, se reconhece que os Cuidados Intensivos devem estar disponíveis em tempo hábil para aqueles que deles necessitam com urgência, mas a sua prestação é em grande parte dependente da disponibilidade finita de recursos financeiros e humanos. Os médicos defrontam-se com preocupantes conflitos de interesse, através de pressões para utilizar os recursos de saúde de forma racional e, ao mesmo tempo, promover o acesso equitativo e oportuno às UTIs (MCDERMID, 2009). 12 Nessa situação, o intensivista é obrigado a realizar a “triagem” dos pacientes que serão admitidos na UTI, e esta permanece inadequada e conflituosa, porque ainda não existem critérios médicos seguros para a tomada de decisão e para evitar os erros na seleção do paciente que realmente será beneficiado (KNAUS, 1993). A triagem envolve questões médicas, éticas, econômicas, sociais e considerações legais. As tomadas de decisão em situações de carência de recursos frequentemente geram conflitos. Os aspectos éticos envolvidos podem aumentar a complexidade do processo, mas constituem um importante referencial a ser utilizado. Os Cuidados Intensivos estão enfrentando demandas crescentes devido ao envelhecimento da população e à relativa falta de médicos intensivistas. Além disso, a qualidade da assistência e os altos custos dos Cuidados Intensivos são questões de saúde pública, que atualmente geram discussões polêmicas em relação ao futuro das UTIs (AMARAL, 2009). A morte foi medicalizada e hospitalizada. Para Moritz, aspectos culturais associados aos fatores sociais tornaram a morte institucionalizada. No mundo atual, mais de 70% dos óbitos ocorrem nos hospitais e, mais especificamente, nas UTIs, onde é quase impossível morrer sem a anuência do médico intensivista (MORITZ, 2008). A morte continua sendo o tema de maior complexidade, o objeto de discussões infindáveis em todas as áreas do conhecimento humano. Tais discussões evoluíram para uma dilemática distinção entre a morte e o morrer, sendo ainda incluídas,nesse debate, considerações sobre os conceitos de pessoa, dignidade, qualidade e valor da vida humana. Os avanços da medicina técnico-científica, principalmente das UTIs, permitem hoje manter “vivos” pacientes em situações extremas. Os sinais vitais são controlados por monitores multiparamétricos e, as funções de órgãos vitais, substituídas por equipamentos, como a respiração realizada por ventiladores microprocessados, além de modernos e eficientes fármacos para cada distúrbio fisiológico. Porém, toda esta tecnologia, aplicada por uma equipe especificamente treinada, levou ao descaminho dos objetivos iniciais da Medicina Intensiva, que era tratar, em um curto período, alterações fisiológicas do paciente em estado crítico agudo. Se o quadro agudo não pode ser resolvido, o paciente continua sendo mantido “vivo” por período prolongado de tempo. É difícil morrer com tanta tecnologia disponível, mas a morte 13 acabará por vir após um período prolongado de sofrimento e agonia. Os médicos intensivistas estão confrontados com pacientes que não vão se recuperar, mas que também não vão morrer em curto prazo devido a técnicas de suporte de vida avançadas (PARMLEY, 1999). Segundo Callahan, “o problema mais fundamental é que a medicina tecnológica tem duas vertentes: a de que pode nos dar uma vida mais longa ou um morrer mais lento e que ela pode nos manter vivos quando poderíamos estar melhor se estivéssemos mortos” (CALLAHAN 2003, p. 344). Hoje existem os “mortos-vivos” nas UTIs e é de grande complexidade lidar com pacientes que estão vivendo e morrendo ao mesmo tempo. Essa morte prolongada, dolorosa e sofrida é questionada eticamente e chamada de “futilidade médica” ou “distanásia”. A Medicina Intensiva é paradoxal, ao mesmo tempo em que é a grande arma na luta contra a finitude da vida física, salvando-a ou prolongando-a; é também o caminho que pode levar ao calvário no fim da vida. Para alguns pacientes, as UTIs acabam se transformando no purgatório, onde o castigo é a tecnologia excessivamente aplicada. A “tecnolatria” [termo para o encantamento e fascínio pela tecnologia] criou o médico tecnotrônico, que acredita e aplica sem limite toda tecnologia disponível nas UTIs, em um patamar preocupante, distorcendo e comprometendo o cuidado mais humanizado e a relação médico-paciente (SANVITO, 1994). O uso ilimitado da tecnologia biomédica tem levantado questões éticas e representa hoje uma realidade que às vezes causa temor, chegando a situações altamente complexas e às vezes perplexas. Os pacientes das UTIs encontram-se vulnerados e perdem sua autonomia, sendo que menos de 5% deles são capazes de tomar decisões e menos de 20% expressaram previamente suas diretrizes antecipadas de vontade, ficando assim as decisões a cargo do médico ou do decisor substituto (COHEN, 2005). Os Cuidados Paliativos emergem, neste contexto, como um importante e respeitado componente de uma nova proposta assistencial para pacientes com doença em fase terminal ou acometidos de doenças graves que ameaçam a vida. O objetivo deixa de ser a “cura” e passa a ser o “cuidado total” do paciente, o não abandono e a não utilização de medidas terapêuticas fúteis no fim da vida. Os cuidados estão focados no alívio da dor e do sofrimento e assim procura-se preservar a qualidade de vida nesta fase da doença. Este movimento filosófico em torno dos Cuidados Paliativos opõe-se à ameaça da medicina 14 moderna tecnocêntrica que exclui o doente do processo de tomada de decisões relativas à sua vida e, em especial, à sua própria morte (TABOADA, 2000). Assim como a Medicina Intensiva, que não tinha inicialmente como missão o cuidar do paciente crônico em fase terminal da doença, o objetivo da Medicina Paliativa também não era dar assistência aos pacientes das UTIs. Porém, é nas UTIs que ocorrem o maior número de mortes, e, portanto, é justamente neste âmbito que devemos discutir e refletir sobre a finitude existencial do ser humano e o papel dos Cuidados Paliativos neste tipo de Unidade de Saúde. Recentemente, os Cuidados Paliativos passaram a ser indicados para todos os pacientes portadores de doenças graves que ameaçam a vida, e devem ser ofertados durante toda a trajetória da doença e não se restringirem apenas à fase final da vida. Os Cuidados Paliativos têm também, entre os objetivos fundamentais, o suporte aos familiares, transformando paciente e família na “unidade“ a ser cuidada. Para Schramm, os Cuidados Paliativos pretendem tornar possível a conciliação entre os Princípios da Sacralidade da Vida e a Qualidade da Vida, ou seja, os “Cuidados Paliativos talvez delineiem uma espécie de justo meio, constituído pela preocupação de responder ao chamamento do outro, ao mesmo tempo, sem expropriá-lo da experiência fundamental de seu morrer” (SCHRAMM, 2002, p 20). Este cenário atual me motivou a estudar e refletir sobre o fim da vida nas UTIs, e analisar o porquê da situação atual. Sem dúvida, algo está certo [se salva mais vidas] e algo está errado [sofrimento e dor] nos Cuidados Intensivos. Os intensivistas e os paliativistas convivem e enfrentam situações semelhantes em suas atividades assistenciais, porque lidam com pacientes acometidos por doenças graves que ameaçam a vida e com os aspectos médicos e éticos relativos ao fim da vida. A dor e o sofrimento são frequentes para os pacientes assistidos, e a qualidade da vida é um objetivo comum. O julgamento paternalista tradicional dos médicos e a autonomia do paciente para se autodeterminar nas tomadas de decisões podem ser conflituosos em relação ao prolongamento do tempo de vida ou à limitação da terapêutica. Tudo isso coloca em foco a UTI e o médico intensivista devido aos conflitos éticos relativos ao fim da vida. O uso desmedido da tecnologia médica para manter e prolongar a vida, a falta de definição consensual e objetiva do que é paciente com doença em fase 15 terminal, o respeito à autonomia, a sacralidade e a qualidade da vida, a dor, o sofrimento, a limitação do esforço terapêutico, e, sobretudo, o respeito à dignidade da pessoa humana são questões Bioéticas, presentes no cotidiano das UTIs, que estão se transformando em verdadeiros conflitos éticos. O objetivo do presente estudo é analisar os conflitos éticos nos cuidados de fim da vida, e como está ocorrendo a integração dos Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos, utilizando-se dos princípios da Bioética Médica para avaliar esta holística filosofia do cuidar no atendimento integral ao paciente internado nas UTIs-A e aos seus familiares. 2. Objetivos 2. 1 Geral Analisar a integração dos Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos (UTIs-A), refletindo sobre seus fundamentos filosóficos e sua contribuição para lidar com os conflitos éticos presentes nestas unidades. 2. 2. Específicos a) Caracterizar os conflitos éticos no final da vida presentes nos atendimentos nas UTIs-A; b) Analisar os princípios fundamentais dos Cuidados Paliativos e contextualizar a sua utilização nas UTIs-A; c) Analisar o desafio da Integração dos Cuidados Paliativos nas UTIs-A. 3. Método Esta dissertação é um estudo de caráter teórico-conceitual, através de revisão não sistemática da literatura, na qual foi realizada uma análise crítica e reflexiva sobre a lógica discursiva dos autores e seus argumentos, que fundamentam posições e opiniões sobre a integração dos Cuidados Paliativos nas UTIs-A. Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica através de material publicado em livros textos, artigos de periódicos, teses e dissertações, sobre a produção acadêmica em diferentes campos do conhecimento, com o objetivo de avaliar os aspectos e dimensões que vêm sendo destacados e privilegiados em relação aos Cuidados Paliativos nos cuidados de 16 fim de vida nas UTIs-A,e também quanto aos aspectos Bioéticos relativos ao tema-objetivo do estudo. Assim, após a análise da multiplicidade de perspectivas ordenada e o conjunto de estudos sobre o tema, foi realizada a contextualização do “estado da arte” da integração dos Cuidados Paliativos nas UTIs-A. A vivência profissional, de 30 anos, do autor como médico intensivista em hospital universitário público, atuando na prática assistencial diária, assim com em atividades acadêmicas, foi também considerada dentro dessa perspectiva contextual. Após a contextualização do assunto, foi feita uma revisão não sistemática da literatura sobre a integração dos Cuidados Paliativos nas UTIs-A, através de roteiro pré- estabelecido (Anexo I) dos artigos publicados nas bases selecionadas. Os artigos foram analisados com base na proposta de avaliar a integração de dois modelos de cuidados em saúde: um Intensivo e o outro Paliativo, no ambiente das Unidades de Terapia Intensiva de Adultos, utilizando-se os conceitos da Bioética Principialista para refletir sobre as vantagens e desvantagens e os aspectos éticos da integração dos Cuidados Paliativos na UTI-A. O levantamento bibliográfico reflete o vocabulário estruturado dos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), cujo site é http: //decs. bvs. br, e do Medical Subject Headings (MeSH), site http: //www. nlm. nih. gov/mesh/meshhome. html, utilizados na indexação de publicações científicas e usados na pesquisa e recuperação de assuntos da literatura científica nas fontes de informação disponíveis. Foram utilizadas as seguintes palavra- chaves, em português, inglês e espanhol. Palavra-chave: “Cuidados Paliativos” e “Unidade de Terapia Intensiva”. Key words: “palliative care” e “ Intensive Care Units”. Palabra-clave: “Cuidados Paliativos” e “ Unidad de Cuidados Intensivos”. A pesquisa foi realizada de forma integrada e com cruzamento dos descritores “Cuidados Paliativos” e “Unidade de Terapia Intensiva”, em inglês, português e espanhol. Os critérios para inclusão dos artigos foram a consideração do idioma: português, inglês ou espanhol; abordagem do objeto e dos objetivos do estudo; periódicos revisados por pares; textos completos e com referência à UTI de adulto. Os critérios de exclusão foram os idiomas diferentes dos citados; editoriais, cartas e resenhas; texto completo não http://decs.bvs.br/ http://www.nlm.nih.gov/mesh/ http://www.nlm.nih.gov/mesh/meshhome.html 17 disponível e com referência à UTI pediátrica. Não houve delimitação no período de tempo de publicação dos artigos, tendo sido a pesquisa concluída em Abril de 2012. Para a pesquisa foi utilizado o Portal CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) do Ministério da Educação (Brasil), com acesso através da Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ (Brasil). O Portal CAPES é de grande abrangência e de acesso facilitado para a maioria dos investigadores brasileiros. A biblioteca virtual reúne e disponibiliza a instituições de ensino e pesquisa no Brasil o melhor da produção científica internacional. No portal CAPES foram selecionadas as três bases abaixo, consideradas mais abrangentes para publicações nos idiomas inglês, espanhol e português, para o tema em estudo: MEDLINE/PubMed (via National Library of Medicine): base de dados especializada em ciências biomédicas e ciências da vida, desenvolvida pelo U. S. National Institute of Health (NIH) e administrada pelo National Center for Biotechnology Information (NCBI). De acesso público, indexa a literatura especializada nas áreas de ciências biológicas, enfermagem, odontologia, medicina, medicina veterinária e saúde pública. LILACS – Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde: Base de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, sendo uma base cooperativa do Sistema BIREME que compreende a literatura relativa às Ciências da Saúde, publicada nos países da região, a partir de 1982. SciELO. ORG – Scientific Electronic Library Online ou Biblioteca Científica Eletrônica Online: Biblioteca eletrônica que abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos, incluindo publicações da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Espanha, Portugal, Venezuela, nas áreas de Saúde Pública e Ciências Sociais. Em seguida foi realizada uma busca avançada por assunto utilizando os descritores nos idiomas selecionados nas três bases. A pesquisa localizou um total de 121 ocorrências que continham os descritores Cuidados Paliativos e Unidade de Terapia Intensiva. Deste grupo foram excluídos 50 ocorrências por não possuírem relação entre os temas. Os artigos foram excluídos por se referirem a UTIs neonatais e pediátricas ou porque tratavam de intervenções farmacológicas ou determinados cuidados práticos específicos, fugindo, portanto, do objetivo do estudo. http://buscador.periodicos.capes.gov.br.ez29.periodicos.capes.gov.br/V/YG1UA2G3SMSMLIY2NXR75AIGDJC186N4MU6UQUUFFVSGYALBG2-08389?func=native-link&resource=CAP00068 http://buscador.periodicos.capes.gov.br.ez29.periodicos.capes.gov.br/V/UA2E68SLA9VP7RJ2E299DTU7H7BNTFUIFQR8E11F1EDG8SGFN5-09499?func=native-link&resource=CAP01881 http://buscador.periodicos.capes.gov.br.ez29.periodicos.capes.gov.br/V/RI4SBMVB6DK1E61P6HSS25SD1EHI9PVDE9B8D2RRXDRGM818DM-00471?func=native-link&resource=CAP01880 18 Após a primeira vista da seleção por título e a leitura dos resumos disponíveis, restaram para avaliação e leitura do texto integral o total de 71 artigos. A seleção continuou com a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão após a leitura dos estudos identificados. O quantitativo identificado pelos descritores teve a seguinte distribuição: Palavra-chave: “Cuidados Paliativos” e “Unidade de Terapia Intensiva”: 7 ocorrências. Palabra-clave: “Cuidados Paliativos” e “Unidad de Cuidados Intensivos”: 3 ocorrências. Key words: “Palliative Care” e “Intensive Care Units”: 61 ocorrências. Desse total de 71 ocorrências, após leitura mais detalhada do resumo, foram excluídas mais 6 artigos, por não se tratarem de artigos e sim de editoriais, cartas, livros ou resenhas de livros, ou não possuírem relação entre os temas. Restaram então 64 artigos revisados por pares (editores de revistas cientificas), tendo sido excluídos mais 3 artigos por não estarem escritos nos idiomas determinados (1 em francês e 2 em alemão). Do restante de 61 artigos, foi feita a leitura dos artigos para avaliar se o conteúdo estaria relacionado com os objetivos do estudo ou tema central sobre a integração dos Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos. Desse modo, mais 8 artigos foram excluídos, restando assim 53. Após essa seleção, a pesquisa foi finalizada com a exclusão dos artigos que não apresentavam textos completos disponibilizados no portal CAPES, tendo sido excluídos, assim, mais 6 artigos. Após a utilização da metodologia descrita e aplicando os critérios de inclusão e exclusão, restaram 48 artigos que foram utilizados no estudo. Após a leitura detalhada dos artigos, obteve-se a perspectiva geral das publicações científicas que abordavam o tema do estudo. Em seguida, foi realizada uma análise descritiva com o objetivo de identificar os domínios dos Cuidados Paliativos nos cuidados de fim da vida nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos. A análise buscou identificar os princípios filosóficos dos Cuidados Paliativos e os processos utilizados na integração dos Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva de Adultos, e, desse modo, foi possível avaliar as dificuldades, benefícios e questões éticas envolvidas. Por último, realizou-se um interfaceamento das propostas dos Cuidados Paliativos para os cuidados de fim da vida nas UTI com os princípios de autonomia, beneficência, não-malefiência e justiça da Bioética Médica. 4. Marco Teórico 19 4.1 Contexto do Problema 4. 1. 1 Medicina Intensiva, as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) e os Médicos Intensivistas A Medicina Intensiva é uma especialidade na qual, aos conhecimentos da Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Anestesiologia e Pediatria somam-se os mais recentes conhecimentos médicos para a assistência ao paciente gravemente enfermo, próprio da adição de avanços da engenharia biomédica, informatização, farmacologia, ética, humanização e gestão (AMIB, 2007). Os Cuidados Intensivos necessitam de uma equipe multiprofissional interdisciplinar e transdisciplinar para o atendimento integral das necessidades do paciente crítico ou potencialmente crítico, e devem compreender minimamente a participação efetiva e compartilhada de profissionais da área médica, enfermagem, psicologia, nutrição, terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia e assistência social (RDC n. 7, 2010). Origens das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) A ideia conceitual da Medicina Intensiva, segundo a Society Critical Care and Medicine (SCCM-USA), surgiu em 1854 quando a enfermeira Florence Nightingale, durante a Guerra da Crimeia (1853–1856), comprovou a redução altamente significativa da mortalidade, ao separar uma área do hospital para cuidados e vigilância contínua dos pacientes gravemente feridos. As UTIs tiveram seu modelo inicial – do ponto de vista técnico e instrumental – concebido em 1926, quando o neurocirurgião Walter E. Dandy estabeleceu uma unidade de três leitos para pacientes em pós-operatório no Johns Hopkins Hospital, EUA. Já em 1929, Philip Drinker demonstrava o benefício do primeiro ventilador mecânico designado como Pulmão de Aço (Iron Lung). Durante a pandemia de poliomielite, entre 1947 e 1948, o tratamento de pacientes com paralisia respiratória ocasionou avanços significativos no conhecimento teórico e prático da ventilação mecânica; porém, havia uma grande demanda e a disponibilidade era limitada devido aos 20 custos. A partir de 1950, esse desenvolvimento da ventilação mecânica propiciou a organização de UTIs respiratórias em vários hospitais europeus e americanos. E, em 1957, Forrest Bird criou o aparelho “Bird Mark 7”, o primeiro ventilador mecânico ciclado a pressão – confiável, de baixo custo e produzido em larga escala, foi considerado um grande marco na história da Medicina Intensiva. Posteriormente, em 1971, surgiu um novo modelo para uso infantil – o “Baby Bird”, que reduziu drasticamente a mortalidade neonatal decorrente de problemas respiratórios. Peter Safar, reconhecido como o primeiro médico intensivista, formulou, em 1962, o ABC primário da reanimação cardiopulmonar e deu início à disciplina de Medicina de Suporte Crítico nos Estados Unidos. Em 1996, também nos Estados Unidos, começou a certificação especial de competência em Cuidados Críticos para as quatro áreas primárias: Anestesiologia, Medicina Interna, Pediatria e Cirurgia. E, em 1972, foi criada a Society of Critical Care Medicine (SCCM) – EUA, e posteriormente, em 1997, a World Federation of Societies, of Intensive and Critical Care Medicine (WFSICCM). Nesse mesmo ano, mais de cinco mil UTIs já estavam operacionais nos EUA (SCCM- 2011). No Brasil, iniciou-se em 1950 o uso do “Pulmão de Aço” no Instituto de Ortopedia e Traumatologia da Universidade de São Paulo, sendo então, em 1967, inaugurada a primeira UTI respiratória no Hospital Federal dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (ORLANDO, 2004). Entretanto, somente em 1980 formou-se a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), resultando no reconhecimento da Medicina Intensiva como especialidade pela Associação Médica Brasileira em 1981, pelo Conselho Federal de Medicina em 1992 e pela Comissão Nacional de Residência Médica em 2004 (AMIB 2007). Hoje, estão em operação no Brasil 2.342 unidades, com 25.367 leitos disponibilizados, quantitativo ainda numericamente insuficiente. O Sistema de Qualidade em Terapia Intensiva (QuaTI), que avalia indicadores de desempenho das UTIs brasileiras, mostrou que em média 88% dos pacientes internados nas UTIs brasileiras sobrevivem, índices comparáveis aos melhores verificados em nível internacional (AMIB, 2007). Os Modelos de UTI 21 A Unidade de Terapia Intensiva Adulto (UTI-A) destina-se à assistência de pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, podendo admitir pacientes de 15 a 17 anos, quando definido nas normas da instituição. A UTI e o Centro de Tratamento Intensivo (CTI) são nomenclaturas utilizadas como sinônimos. Porém, conceitualmente o CTI é o agrupamento, em uma mesma área física, de mais de uma UTI, destinada à assistência a pacientes selecionados por tipo de doença ou intervenção, como cardiopatas, neurológicos, cirúrgicos, entre outras (RDC n. 7, 2010). As UTIs são normatizadas, funcionalmente, em dois modelos básicos: “fechadas” e “abertas”. No modelo de UTI “aberta”, o médico assistente continua como responsável pelas tomadas de decisão sobre os cuidados do paciente, sendo esse um modelo usual em hospitais privados e nas UTIs cirúrgicas. Enquanto que no modelo de UTI “fechada”, o intensivista assume o papel principal de médico assistente; os planos diagnósticos e terapêuticos passam a ser responsabilidade da equipe da unidade, e o médico primário do paciente permanece apenas como consultor. Este modelo é recomendado pela Society of Critical Care Medicine (USA) devido às evidências crescentes de que proporcionam melhores resultados para os pacientes, reduzindo a mortalidade, tempo de permanência e custos (MULIZ, 1998). Os Médicos Intensivistas e as UTIs A formação do médico intensivista é realizada em serviços credenciados pela Comissão de Formação do Intensivista da AMIB e pela Comissão Nacional de Residência Médica. A especialidade é reconhecida mundialmente e exige certificações próprias (AMIB, 2007). O médico intensivista atua na assistência como médico da rotina (diarista) ou como médico plantonista nas UTIs. O médico da rotina avalia diariamente os pacientes, tendo a chamada “visão horizontal” da evolução clínica, coordena as rondas médicas de discussão dos casos clínicos e é responsável pela tomadas de decisões em consenso com as demais equipes do hospital sobre os planos diagnósticos, terapêuticos e também pela comunicação com o paciente e os familiares. O médico plantonista trabalha em escala semanal e dedica- se às intercorrências médicas ocorridas durante o plantão, tendo assim a chamada “visão vertical”. A AMIB e o Ministério da Saúde normatizam a obrigatoriedade de que tanto o 22 diretor médico da UTI quanto o médico da rotina sejam especialistas titulados. Devido à carência de médicos intensivistas, os plantonistas nem sempre são especialistas, apenas detêm “uma certa” experiência em UTI. O médico intensivista é disciplinado e treinado para cumprir a missão de “salvar a vida” do paciente em estado crítico. A especialidade exige atualização contínua dos conhecimentos científicos e aprimoramento técnico. Além disso, existe a sobrecarga de trabalho à beira do leito devido à gravidade das doenças e ao número excessivo de pacientes sob responsabilidade de cada médico, e, assim consequentemente, as outras disciplinas como ética, comunicação, psicologia e humanização passam a ser tratadas como de menor prioridade, sendo delegadas ao segundo plano na formação e no exercício da especialidade. Talvez, mais do que em qualquer outra área assistencial, lidam diuturnamente com a dor, o sofrimento humano e a morte. Faz parte dessa vivência o enfrentamento quase que cotidiano de questões éticas, morais, humanitárias, religiosas e mesmo judiciais. A síndrome da estafa profissional (“burnout”), caracterizada por exaustão emocional, distanciamento afetivo e baixa realização pessoal, é muito frequente entre as equipes das UTIs. Estas questões acarretam, cadavez mais precocemente, o abandono da especialidade e a falta de médicos jovens que optem pela especialidade, argumentando o alto estresse psicológico e a baixa qualidade de vida (BARROS, 2008). 4. 1. 2. O Paciente e a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) A Triagem dos Pacientes nas UTIs Embora a maioria das UTIs adote critérios de admissão e alta, não existe um modelo preditivo que estabeleça com razoável segurança a chance de a pessoa se recuperar e sobreviver. Em termos práticos, idealmente os pacientes seriam admitidos e receberiam alta da UTI, utilizando critérios estritamente baseados nos benefícios proporcionados pelos Cuidados Intensivos. Porém, no mundo real, o número de pacientes potenciais excede o número de leitos disponíveis. A problemática começa no nível das decisões de macroalocação de recursos pelas políticas de saúde pública, dada a dificuldade para criar hospitais de nível terciário dotados de UTI. Este racionamento de recursos engendra outras 23 questões, em nível de microalocação de recursos para as equipes médicas, como por exemplo, quanto mais restrito o número de hospitais terciários e leitos de UTI em uma comunidade, mais difícil e conflituosa será a admissão (NASRAWAY, 1998). Em situações de carência de leitos disponíveis, ocorrem com grande frequência problemas éticos relacionados com as admissões e as altas nas UTIs, e um método de triagem ou priorização para admissão de pacientes tornou-se necessário. A triagem tem dois componentes, sendo que o primeiro visa classificar os pacientes e priorizar os cuidados com base na gravidade de suas doenças, e o segundo objetiva racionalizar os recursos para otimizar a sua disponibilidade e direcioná-los para os pacientes que têm maior probabilidade de se beneficiar deles (LYONS, 2. 000). Os doentes que são admitidos após uma recusa prévia têm mortalidade maior do que os que são admitidos na primeira tentativa, para o mesmo grau de gravidade. A mortalidade aumenta a cada hora de atraso na admissão, devido à deterioração funcional e ao aumento do número de órgãos com disfunção ou falência (GRINER, 1972). Este dilemático procedimento entre os intensivistas é expresso pelo jargão “A Escolha de Sofia”, em referência à personagem do livro de William C. Styron, no qual uma prisioneira polonesa em Auschwitz é obrigada a escolher entre o filho e a filha, sendo que um será executado e outro salvo. Ela escolhe o menino, que está mais forte, e supostamente teria mais chances na vida (STYRON, 1979). As Sociedades profissionais têm publicado diretrizes para ajudar na orientação das decisões de triagem para atendimento nas UTIs. A Força-Tarefa do American College of Critical Care enfatizou o “benefício” como prioridade (GUIDELINES-SCCM, 1999), enquanto para a American Thoracic Society, os pacientes devem ser admitidos com base na “ordem de chegada” [o primeiro a chegar é o primeiro a ser atendido], desde que haja um benefício mínimo esperado para admissão na UTI (ATS, 1997). Objetivando melhorar o benefício médico das UTIs, foram testados inúmeros sistemas de avaliação em que escores clínicos recebem pontuação e são trabalhados com cálculos matemáticos, para identificar os pacientes que mantêm alta mortalidade, a despeito de todos os cuidados médicos e uso intensivo das tecnologias. Os escores mais aceitos nas UTIs-A são o APACHE (Acute Physiology and Chronic Health Evaluation) e o SAPS (Simplified Acute Physiology Score). No entanto, são considerados inadequados para esta 24 tarefa, porque esses índices apresentam variação de desempenho, são difíceis de calcular, são dependentes de dados acumulados durante as primeiras 24 horas de UTI e, portanto, não estão disponíveis no momento da triagem. Tais escores mostraram-se eficazes apenas quando aplicados a grupos de pacientes, não sendo confiáveis quando utilizados em casos individuais (ZIMMERMAN, 1987). Apesar de a demanda por vagas em UTI continuar maior que a oferta, a “triagem” dos pacientes permanece inadequada, sendo que muitas vagas são solicitadas para pacientes que se encontram em fase avançada e terminal da doença, e que não se beneficiarão dos Cuidados Intensivos. No Brasil, muitas internações são realizadas através de Centrais Reguladoras de Vagas (CRV) e até mesmo decorrentes de Mandados Judiciais, sem a prévia avaliação do médico intensivista. A “Humanização” da Assistência nas UTIs As UTIs são ambientes de acesso restrito e praticamente impõem a ausência de familiares, levando ao isolamento físico e social do paciente. A “humanização” das UTIs, fundamentada no respeito e valorização da pessoa humana, tem sido objeto de preocupação e pesquisas. As iniciativas para a transformação da cultura institucional, por meio da construção da consciência coletiva de compromissos morais e éticos e dos mecanismos para implementar ações que visam conciliar tecnicismo e humanismo, ainda tiveram pouco impacto. O paciente ainda continua sendo abordado como “objeto” terapêutico e não como “sujeito” (RIOS, 2009). A doença grave, que ameaça a vida, traz à tona a consciência da finitude existencial, fragilizando e vulnerabilizando o ser humano. O medo, quase fóbico, de morrer na solidão em um recinto hostil, longe dos entes queridos, pacientes contidos no leito, invadidos por tubos e cateteres, sem poder falar, atendidos por técnicos com luvas e máscaras e referenciados apenas pelo número do leito ou pela patologia, tudo isso causa, além da dor física, um sofrimento imensurável, angustiante e extenuante. Para Menezes, “a imagem temida da morte foi transformada: o tradicional esqueleto com a foice foi substituído, no século XX, pela imagem de um internado em CTI, sozinho, invadido por tubos e cercado de aparelhos” (MENEZES, 2003). 25 As UTIs estão impregnadas de pressupostos e preconceitos em relação à vida e a morte. A medicina e a sociedade têm ideias supervalorizadas e às vezes antagônicas em relação às UTIs. Para uns, seria o corredor da vida (“derradeira esperança”), enquanto para outros, o corredor da morte ("antecâmara da morte"). O Bioeticista Pessini avalia que o desejo de prolongar a vida por meio da tecnologia não é exclusivo dos profissionais da área da saúde, mas também da sociedade, visto que alguns pacientes solicitam o uso de toda tecnologia disponível e os melhores medicamentos – “fazer tudo o que pode ser feito” – nos seus tratamentos, desconsiderando os limites do tratamento da doença e do prolongar, insistentemente, algo incurável, tornando-se desse modo vulnerados (PESSINI, 2005). A luta intensiva contra a morte passa a ser questionada como obstinação terapêutica, tratamento fútil ou distanásia (morte com sofrimento). Para alguns bioeticistas, os médicos intensivistas se portam às vezes como o “Dr. Frankenstein” em uma luta desenfreada contra a morte (SIQUEIRA-BATISTA, 2005), e acabam por transformar as UTIs em “modernas catedrais do sofrimento humano” (PESSINI, 2009). A Comunicação nas UTIs A “comunicação” é um diálogo que necessita de mútua e recíproca compreensão e entendimento entre as partes envolvidas; não sendo simplesmente a transmissão de informações. Em situações de “terminalidade da vida” a comunicação nas UTIs entre os envolvidos continua inadequada e problemática. Os pacientes internados são geralmente incapazes de interagir com a equipe, e assim, a comunicação ocorre em grande parte com os famíliares. Identificar as preferências e os valores do paciente constitui um desafio específico (LUCE, 2010). A comunicação da má notícia, tem como consequência imediata uma transformação radical e drástica nas perspectivas e possibilidades futuras do paciente e seus familiares. Quase sempre o paciente e seus familiares têm dificuldade em compreender informações básicas sobre a condição médica, como a natureza da doença e os significadosdos problemas relacionados, planos de cuidados, prognóstico, benefícios e riscos do tratamento. Paralelamente, os médicos costumam usar um tempo desproporcionalmente maior para falar do que para ouvir, dificultando uma manifestação mais qualificada das expectativas dos familiares. 26 A comunicação envolve não só o compartilhamento de informações, mas também uma atitude compassiva e apoio emocional. O médico, assim como toda a equipe de cuidados, deve providenciar oportunidades regulares para interagir com o paciente e seus famíliares e as explicações iniciais devem ser atualizadas durante todo o curso da doença. Em muitos casos, nenhuma reunião com a família é realizada, mesmo durante uma permanência prolongada. A comunicação é uma habilidade essencial para as equipes das UTIs, que lidam com todas as questões relativas ao fim da vida. Porém, a falta de formação e aprimoramento em técnicas de comunicação, disponibilidade de tempo, espaço adequado, acrescidos da baixa motivação e compromisso das equipes nesta interação, causam impactos negativos e deterioração da relação médico-paciente-familiares. O uso excessivo de termos técnicos, que geralmente é uma linguagem incompreensível para a maioria dos pacientes e familiares, impede a criação de um vínculo de empatia e solidariedade nesta relação. A comunicação deve ser oportuna e precisa com o paciente, e só após a compreensão das informações e o seu consentimento, estas devem ser passadas aos famíliares. Algumas vezes as informações são transmitidas apenas aos familiares do paciente, mesmo que o mesmo ainda esteja em condições de se autodeterminar, estabelecendo-se então uma “conspiração do silêncio” e o pressuposto de que essa solução é o melhor para o paciente. Isso acaba gerando quebra de confiança e o surgimento de diversos tipos de conflitos em relação às condutas médicas e a expectativa dos pacientes e familiares nos momentos de tomadas de decisão (SCHAEFER, 2009). A não compreensão da situação e a quebra de confiança resultam, em geral, na negativa de familiares para tomar as decisões de limitar ou suspender tratamentos. Nesses casos, os familiares solicitam que se faça “tudo o que o puder ser feito”, argumentando que “enquanto há vida há esperança”. Às vezes, confusos e perplexos em relação ao quadro do paciente, muitos familiares preferem esperar por curas milagrosas, através da intervenção divina, colocando então seu ente querido, simbolicamente, nas “mãos” dos médicos e de Deus. Os Idosos nas UTIs 27 O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostrou que a nova expectativa média de vida do brasileiro é de 73, 1 anos. O número de idosos com mais de 65 anos chega a 14 milhões, e, se considerarmos a faixa acima 60 anos, computaremos cerca de 21 milhões de idosos no Brasil (IBGE, 2010). Os Cuidados Intensivos dispensados a pacientes geriátricos geram polêmicas discussões econômicas, humanitárias e éticas. O avanço da biotecnociência das últimas décadas revolucionou a saúde coletiva, a medicina diagnóstica e a terapêutica médica, trazendo um grande e contínuo aumento da longevidade. A idade média dos pacientes nas UTIs tem aumentado nos últimos anos e aumentará ainda mais, já que a proporção da população idosa continuará crescendo, fato este universal e irreversível. A assistência aos idosos está cada vez mais cara e duradoura. Em consequência, a idade, por vezes, é usada para decidir alocações de recursos, vagas e limitação terapêutica. No fim da vida, os idosos padecem com doenças e sofrimento intenso e necessitam de assistência médica e social em todos os níveis de atenção à saúde. Em geral, as doenças dos idosos são crônicas e múltiplas, perduram por vários anos e exigem acompanhamento médico e contínuo de equipes multidisciplinares. Sendo assim, esse grupo constitui uma população com características e particularidades próprias, com expressiva utilização dos serviços de saúde, especialmente em UTI. As internações são mais frequentes e o tempo de ocupação do leito maior do que o de outras faixas etárias. Por isso, os idosos representam entre 26% e 51% dos pacientes admitidos nas UTIs dos EUA (HENNESSY et al, 2005). Dos recursos investidos em UTI, cerca de 60% são consumidos por indivíduos acima de 65 anos. Em pacientes acima de 75 anos, os custos por diária de UTI chegam a ser sete vezes maior, quando comparados com os de pacientes com idade inferior a 65 anos (ADELMAN et al, 1994). Ao considerar a oferta dos Cuidados Intensivos para os idosos, devemos ter em mente que, mais que a idade, a gravidade da doença e o estado funcional prévio são os determinantes da mortalidade e prognóstico funcional em longo prazo. De modo geral, os idosos que sobrevivem e recuperam a capacidade funcional e qualidade de vida que tinham anteriormente (VAN DEN, 1999). O Paciente com Doença em Fase Terminal e as UTIs 28 O termo “paciente terminal” é complexo, envolve conceitos médicos e filosóficos e tem uma conotação negativa. Ainda não existe consenso nesta momenclatura, alguns autores usam sinonímias que não melhoram estes aspectos, como paciente “fora de possibilidades terapêuticas”, “fora de possibilidades de cura”, ou “candidato a Cuidados Paliativos”, dentre outras. O conceito de paciente com doença terminal é historicamente relacionado com o século XX, por causa da alteração das trajetórias das doenças, que em outras épocas eram fulminantes (KOVCAS, 2009). Entretanto, o conceito definitivo não é possível, porque todo conhecimento em medicina é apenas probabilístico, temporal e, portanto, mutável. Considerando os aspectos acima, parece mais adequado usar a expressão “paciente com doença em fase terminal”, que não fragmenta o ser humano em doente e doença. O paciente com doença em fase terminal deixou de permanecer em seu leito domiciliar e foi deslocado para o hospital, dando ao processo de morrer um caráter privado e medicalizado. A evolução da medicina aumentou significativamente a expectativa de vida para o paciente portador de uma doença grave ou mesmo incurável, e o acerto dos prognósticos de tempo de vida são difíceis em medicina. Desse modo, alguns autores e sociedades médicas buscam definir os aspectos da terminalidade da vida. Para a Sociedade Espanhola de Cuidados Paliativos (SECPAL), o paciente com doença em fase terminal é definido através de elementos fundamentais, como: a) presença de enfermidade avançada, incurável e progressiva; b) falta de resposta ao tratamento específico; c) presença de múltiplos sintomas intensos de causas multifatoriais; d) grande impacto emocional no paciente, família e equipe terapêutica, estando relacionado à presença explícita da morte; e) prognóstico de vida inferior a seis meses. Esta situação complexa produz uma grande demanda por cuidados e suporte, os quais devem ser adequadamente atendidos (SECPAL, 2012). Segundo Moritz, dentre os critérios de irreversibilidade da doença destacam-se os seguintes aspectos que justificam a mudança dos objetivos de cuidados de cura para cuidados de conforto: a) se não se houver obtido a efetividade terapêutica desejada ou quando existem fortes evidências de que o objetivo terapêutico curativo não terá sucesso; b) se o tratamento somente irá manter ou prolongar um quadro de inconsciência permanente e irreversível; c) se o sofrimento é inevitável e desproporcional ao benefício esperado; d) que 29 a irreversibilidade do quadro clínico do paciente permita a conclusão de que determinados procedimentos somente irão aumentar o seu sofrimento; e) se caso tenha sido manifesto o desejo do paciente sobre a eventualidade de uma circunstância como a atual e, no caso de uma doença crônica preexistente, que tenha havido essa informação ao médico assistente (MORITZ, 2009). Muitos pacientes em fase terminal da doença, pormotivos diversos, são transferidos para as UTIs. Entretanto, após a admissão e com os Cuidados Intensivos, não morrem, mas também não se recuperam, e acabam permanecendo internados por períodos prolongados. Nesses casos, o ideal seria a assistência fora da UTI e em uma Unidade destinada e preparada para Cuidados Paliativos. Em geral existe grande resistência dos envolvidos em relação à alta, pela falta de condições para dar continuidade à assistência adequada fora da unidade, como instalações físicas adequadas e qualificação da equipe do local, já que, de fato, muitos deles morrem logo após a alta da unidade. Um estudo realizado por Azevedo, verificou-se que a mortalidade na enfermaria após alta da UTI foi de 9% (AZEVEDO, 2005). Em determinado momento, parte dos leitos das UTIs estará ocupada por pacientes sem perspectivas de sobrevida e que passam por um longo e doloroso processo de morte. Essa situação e a dificuldade do médico intensivista para lidar com a fase final da vida podem gerar situações sutis de abandono e negligência, que ocorrem sorrateiramente nas UTIs, em situações em que o uso de drogas analgésicas potentes e não início ou limitação da terapêutica seriam medicamente, eticamente e moralmente justificáveis. Este fato é denominado por alguns de “criptotanásia” e ocorre quando o ato de abandonar, deixar de investir ou deixar morrer é realizado “às escondidas”, sem o consentimento ou conhecimento do paciente, familiares e da própria equipe da UTI (LORDA, 2008). A Morte Moderna e o Processo de Morrer nas UTIs A discussão da morte e do morrer com as equipes de saúde, que geralmente não são educadas para lidar com a morte, tornou-se conflituosa, tendo as questões éticas causadas grandes preocupações em relação aos cuidados dispensados ao paciente que está no fim da vida nas UTIs. Para a medicina, que é a arte de curar, o que interessa é a vida. A morte é 30 considerada um fracasso e para muitos médicos a morte é assunto para ser tratado pelos tanatologistas. Nessa perspectiva, ocorrem deformações do processo do morrer. O homem é único animal racional e com autoconsciência, por isso é também o único animal que faz uma análise reflexiva sobre a morte. Desde que toma consciência da sua existência, tem a certeza absoluta que vai morrer e a incerteza sobre o que é a morte ou se existe algo depois da vida. O homem não mais aceita que a morte seja um fenômeno biologicamente natural e inerente à condição humana. Como consequência, o ser humano renega a morte e cria, através da ciência, a utopia da juventude eterna e da imortalidade. Hoje, a morte adquiriu outra característica social e ocorre com maior frequência em hospitais. A morte foi reduzida a uma ocorrência desconfortável causada por doenças, sendo por isso medicalizada. Na cultura ocidental, a morte é renegada devido à sua associação com dor, sofrimento e o deixar de existir, o fim absoluto – é a nadificação. Na sociedade ocidental contemporânea, surgiu o conceito de “morte moderna”, que é definida como um processo eminentemente medicalizado, no qual o doente com doença em fase terminal é submetido a regras e rotinas institucionais que privilegiam a competência e a eficácia médicas (MENEZES, 2003). Essa medicalização da sociedade é uma intromissão desmesurada da medicina que passa a considerar como doença problemas os mais diversos, entre eles a morte. A morte passou a ser considerada uma “doença” que precisa ser curada. Protocolos de ressuscitação cardiopulmonar e cerebral foram criados. Porém, ressuscitar (dar vida ao morto) é algo divino e fora do alcance da medicina, portanto o termo “reanimação” parece ser mais adequado. A morte pode ser adiada e prolongada, mas mantém sua inevitabilidade. Ariès acredita que devido às causas técnicas médicas, esse deslocamento do lugar da morte foi aceito pelas famílias, estendido e facilitado pela sua cumplicidade mórbida. O hospital não é mais apenas um lugar onde se cura e onde se morre por causa de um fracasso terapêutico; passou a ser também o lugar da morte natural. Assim o tempo da morte alongou-se; o médico não pode suprimir a morte, mas pode regular sua duração. (ARIÈS, 2003). A determinação da morte deve ser feita, em conformidade com os padrões médicos aceitos. O indivíduo está morto se ocorrer parada irreversível das funções circulatórias e 31 respiratórias e a cessação irreversível de todas as funções do cérebro, incluindo o tronco cerebral (GUIDELINES, 1981). Após a realização do primeiro transplante cardíaco por Christiaan Barnad, em 1967, foi necessário redefinir esse conceito. Os médicos mudaram o conceito de morte (parada cardíaca e respiratória) e foram estabelecidos os critérios de coma irreversível (morte cerebral), que equivale à morte da pessoa mesmo que a função cardíaca estivesse preservada (AD HOC COMMITTEE, 1968). Em 1998, Prendergast definiu os modos de morrer nas UTIs, que hoje servem de bases para as discussões sobre os cuidados de fim da vida e dos conflitos éticos nas unidades. A morte do paciente pode ocorrer nas seguintes situações: 1) não resposta à reanimação plena (morte mesmo com um manejo agressivo); 2) ordens de não reanimar: ONR (decisão de não se realizar as medidas de reanimação em caso de parada cardíaca); 3) não implantação de medidas de suporte de vida (pelo entendimento de que o paciente morrerá mesmo com a terapêutica); e 4) retirada de medidas de suporte de vida (decisão de suspender medidas terapêuticas com a finalidade explícita de não substituí-las) (PRENDERGAST, 1998). A discussão sobre a limitação terapêutica e a futilidade médica relativas ao paciente com doença em fase terminal nas UTI, tornou-se multidisciplinar, porém também existem questões sobre a necessidade de controlar custos diante dos limitados recursos para atender a todos. Segundo Piva, "o aumento da eficácia e a segurança das novas modalidades terapêuticas motivam também questionamentos quanto aos aspectos econômicos, éticos e legais resultantes do emprego exagerado de tais medidas e das possíveis indicações inadequadas de sua aplicação (PIVA, 1993). Uma das consequências negativas nesse âmbito é, por exemplo, a prática recente da chamada “medicina defensiva”. A medicina defensiva pode ser definida como tratamentos, testes diagnósticos e procedimentos, com o propósito de proteger o médico de possíveis críticas, processos judiciais e éticos por negligência e imperícia, mais do que com fins de diagnosticar ou tratar seu paciente (BISHOP, 2010). Distanásia e Futilidade Médica 32 A Distanásia é algo muito complexo, com diferentes ângulos de vista e muitos equívocos, que está ocorrendo na medicina contemporânea. É um fenômeno recente, decorrente da crescente “medicalização” da vida e da morte e o uso desmedido de recursos tecnológicos na assistência médica. Apesar do intenso debate bioético sobre a questão, ainda não existe consenso nem mesmo na nomenclatura e definição. Segundo Callahan, o significado do tema futilidade médica tornou-se evidentemente polêmico e transformou-se em um “problema sem nome” (CALLAHAN, 1991). O termo Distanásia é utilizado com várias sinonímias: futilidade médica, obstinação terapêutica, tratamento fútil, inútil, desproporcional, intempestivo, extraordinário, entre outros. O neologismo foi proposto por Morache, em 1904, em seu livro Naisance et mort. A palavra é oriunda do grego, onde “dis”, significa mal ou algo mal feito, e “thánatos” significa morte. Atualmente, segundo Siqueira Batista, a Distanásia é compreendida como uma espécie de “hipermorte” com a manutenção da vida por meio de tratamentos desproporcionais, levando a um processo de morrer prolongado e com sofrimento físico e psicológico (SIQUEIRA-BATISTA, 2005). Pessini conceitua a Distanásia, denominada no mundo europeu como "obstinação terapêutica" e nosEUA como "futilidade médica”, como a atitude médica que, visando “salvar a vida” do paciente com doença em fase terminal, submete-o a grande sofrimento físico e ou psicológico e, com isso, não se prolonga a vida propriamente dita, mas prolonga- se a agonia do processo de morrer (PESSINI, 2009). O Instituto Kennedy de Ética (EUA) definiu a futilidade médica como a ausência de uma finalidade útil ou resultado útil em um procedimento diagnóstico ou intervenção terapêutica. A determinação da futilidade envolve um julgamento de valor, particularmente quando a qualidade de vida é o objetivo (KIE, 1995). Segundo definição de Jecker e Pearlman, a futilidade médica pode ser reconhecida através de quatro ponderações sobre os tratamentos que: 1) não oferecem uma oportunidade razoável de sobrevivência; 2) já eram ou inúteis ou ineficazes; 3) não oferecem um mínimo de qualidade de vida ou mínimo de benefício médico; e 4) que possivelmente não podem atingir os objetivos dos pacientes. As ponderações (1) e (2) são as definições de inutilidade quantitativa ou fisiológica, referem-se a efeitos físicos de tratamento e aplicam-se às alterações na função do órgão; e são, indiscutivelmente, as ponderações menos complicadas 33 e controversas para o médico entender e utilizar. Enquanto as definições (3) e (4) são qualitativas e mais holísticas, buscando-se benefícios para o paciente. O termo "fútil" refere-se a uma intervenção médica específica, aplicada para um determinado paciente, em um determinado momento. Não se refere a uma situação geral ou universal (JECKER e PEARLMAN, 1992). O médico e bioeticista Edmund Pellegrino discorre que os julgamentos clínicos da futilidade de uma determinada intervenção terapêutica envolvem um "equilíbrio judicioso" de três fatores: a efetividade da intervenção, uma determinação objetiva que só médicos podem fazer; o benefício da intervenção, uma avaliação de que apenas os pacientes e ou os seus decisores substitutos podem fazer; e as consequências da intervenção em que os fardos da intervenção (custo, desconforto, dor, inconveniência) são avaliados conjuntamente por ambos, os médicos e os pacientes, e/ou os seus substitutos. (PELLEGRINO, 2005). Segundo a Associação Médica Americana (AMA), os paradigmas da futilidade terapêutica envolvem frequentemente: manobras de reanimação cardiopulmonar em doentes em fim da vida e a manutenção artificial de funções vitais quando há uma perda irreversível das funções cerebrais superiores (estado vegetativo persistente ou demência profunda); utilização de intervenções agressivas e invasivas como a hemodiálise, a quimioterapia e a cirurgia, em doentes com doença incurável e sem condições razoáveis de recuperação; e procedimentos menos invasivos, como a utilização de antibióticos e hidratação via intravascular em doentes em estado agônico (TRUOG, 1999). Para o bioeticista Miguel Kottow, o conceito de futilidade médica é um contrassenso que não está de acordo com uma boa prática clínica, porque se uma medida médica é inútil, simplesmente está contraindicada e pode mesmo ter objetivo igual de lucro financeiro. Ao ofertar um tratamento fútil, o médico infringe o que talvez seja o princípio com prioridade lexical sobre os demais princípios norteadores do comportamento dentro da "arte médica”: o princípio de não-maleficência. (KOTTOW, 2005). Na controversa opinião de Schneiderman, não é necessário que os médicos deixem os pacientes decidirem sobre tratamentos, se esses forem quantitativamente e qualitativamente fúteis, e liberta o médico da obrigação moral e ética de oferecer um tratamento médico evidentemente fútil (SCHNEIDERMAN, 1990) 34 É nas UTIs que as polêmicas sobre a futilidade médica estão mais evidentes e podem ser identificados múltiplos fatores relacionados, como por exemplo, as expectativas exacerbadas sobre os poderes da medicina tecnológica em relação à morte, a prática da medicina defensiva devido ao medo de implicações legais de não fazer tudo que for possível, a má formação da equipe sobre os Cuidados de fim da vida, a falta de habilidade para a comunicação adequada entre os membros da equipe e na relação médico-paciente- familiares, e também os interesses econômicos das empresas médico- hospitalares. 4. 2 Cuidados Paliativos (CP) A medicina paliativa surgiu a partir do moderno movimento Hospice. Segundo Floriani, trata-se de um crescente e amplo movimento social iniciado na Inglaterra, em meados da década de 50 do século XX, e oficialmente reconhecido com a fundação do St. Christopher’s Hospice em Londres, por Cicely Saunders, em 1967. É um movimento filosófico com a proposta de Cuidados holísticos ou “Cuidados Totais” prestados nos âmbitos físico, emocional, social e espiritual aos pacientes e seus familiares. (FLORIANI, 2009). Em 1987, na Inglaterra, a medicina paliativa foi reconhecida pela primeira vez como uma especialidade médica, e definida como “o estudo e gestão dos pacientes com doença ativa e progressiva em fase avançada, para os quais o prognóstico é limitado e o foco dos Cuidados é a qualidade de vida” (DOYLE, 2005). A palavra hospice tem origem no latim hospes, traduzida para o português confere ao substantivo hospice o significado de hospedaria para viajantes, asilo ou abrigo de doentes e desamparados, bem como de hospício. Sendo assim, foi mantida a grafia inglesa hospice, para se referir ao local destinado à hospedagem e acolhimento, com o objetivo de assistir pessoas com doenças incuráveis ou graves (FLORIANI, 2009). A palavra “paliativo’ vem do latim, pallium, derivada do verbo palliare, que significa, em seu modo mais abrangente, proteger, cobrir com capa ou manto. O termo "paliativo", no senso comum e também no meio científico, tinha um significado metaforicamente (negativo de abandono e desprezo, como aquilo que se usa para protelar alguma coisa, aliviar temporariamente uma situação sem resolvê-la e onde não há mais nada a ser feito. Hoje em dia, perdeu o sentido pejorativo e passou a ter uma conotação 35 positiva, e se refere ao cuidado total dispensado ao paciente e seus familiares (PESSINI, 2007) O termo “Cuidados Paliativos” foi cunhado pelo cirurgião canadense Balfour Mount, quando fundou, em 1973, a primeira unidade de CP do Canadá; desde então, o termo foi incorporado à literatura especializada e ao movimento Hospice, que até então usavam a terminologia “cuidado hospice” para fazer referência aos cuidados no fim da vida (FLORIANI, 2009). A denominação “Cuidados Paliativos” tem sido usada em conjunto ou alternativamente à denominação cuidados hospice. Embora possa haver distinção conceitual, são os dois conceitos muitas vezes utilizados como sinônimos, usualmente referidos como Cuidados Paliativos. No livro de referência da área, o Oxford Textbook of Palliative Medicine (2005), embora os autores façam esta distinção conceitual, utilizam os termos como sinônimos (DOYLE, 2005). O termo também passou a ser adotado pela OMS devido à dificuldade de tradução adequada e fidedigna da palavra hospice em alguns idiomas. Assim, Cuidado Hospice pode ser considerado um programa que oferece cuidados aos pacientes no final da vida em locais denominados de hospices, enquanto os Cuidados Paliativos podem ser adequadamente oferecidos aos pacientes, no hospital, ambulatório, ou em casa, e a qualquer momento, ao longo da trajetória de qualquer tipo de doença grave, simultaneamente com terapias curativas ou restauradoras que prolongem a vida. A notável semelhança entre hospice e Cuidados Paliativos é o uso de uma equipe interdisciplinar de profissionais, incluindo médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, capelães, entre outros para a atenção integral (TENO, 2009). Um pequeno texto de Cicely Saunders é frequentemente citado para ilustrar a essência filosófica do movimento hospice: "No momentofinal da vida, quero que você sinta que me importo pelo fato de você ser você, que me importo até o último momento de sua vida, e faremos tudo que estiver ao nosso alcance, não somente para ajudá-lo a morrer em paz, mas também para você viver até o dia da sua morte" (SAUNDERS, 1998). 4. 2. 1 As Origens Históricas dos Cuidados Paliativos 36 O médico e escritor Robert Twycross faz um relato histórico dos hospices, assim resumido: A origem dos Hospices medievais remonta ao século IV da era cristã, com Fabíola, matrona romana, que abriu sua casa aos necessitados para obras de misericórdia. Tinha o sentido de hospitalidade, ou seja, acolhimento ao estranho. Hospice significava lugar de abrigo e repouso para viajantes ou peregrinos e oferecia um tipo de atendimento que combinava as habilidades de um hospital com a hospitalidade, repouso e o calor de uma casa. Esses abrigos continuaram a ser mantidos por instituições religiosas. Apesar de controvérsias, segundo Twycross, o modelo dos hospices modernos, especificamente para moribundos, foi inaugurado na cidade de Lyon, na França, em 1842, e nomeado de Hospice por Madame Jeanne Garnier, com a finalidade de assistir pacientes com câncer que morriam abandonados em seus lares. Na Grã-Bretanha, o renascimento da palavra ocorreu em 1905, com a abertura do St. Joseph Hospice das Irmãs Irlandesas da Caridade, em Londres (TWYCROSS, 2000). A fundação do St Christopher’s Hospice, por Cicely Saunders, em 1967, marca o nascimento do moderno movimento hospice. Antes, ela trabalhou em duas dessas instituições seculares: primeiro no St. Luke’s House como enfermeira, e depois no St. Joseph’s Hospice, inicialmente como estudante de medicina e depois como médica. Neste Hospice desenvolveu um importante estudo sobre o controle da dor em pacientes com câncer, criando o conceito de “dor total”, a base filosófica dos Cuidados Paliativos. A instituição despertou grande interesse internacional e logo se tornou o paradigma do movimento para o atendimento humanitário no fim da vida, em oposição à desmedida utilização da alta tecnologia para a cura da doença, deixando de lado a pessoa do paciente (TWYCROSS, 2000). A expansão do movimento hospice foi contemporânea à emergência da Bioética, nos EUA, num contexto histórico de questionamentos éticos, sociais e científicos. Também nos anos da década de 1960, a médica psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross realizou um grandioso estudo do processo de morrer e publicou, em 1969, o livro "On Death and Dying", que abordava os estágios do morrer, hoje conhecido como modelo de Kübler-Ross. No início da década de 70, introduz o estudo da tanatologia na área médica e, após 37 conhecer Cicely Saunders e seu trabalho, incentivou o movimento Hospices nos EUA (TWYCROSS, 2000). A partir dos anos 1960, a observação, por diversos pensadores sociais, de um processo de medicalização da morte conduziu à emergência de uma produção analítica e crítica sobre este modelo de morte administrada pelo aparato médico, e que passou a ser nomeado de “morte moderna” (MENEZES, 2003). Para Floriani e Schramm, o movimento hospice, na Inglaterra, foi motivado pelo desinteresse dos hospitais em cuidar de pacientes com doenças em fase terminal, cujos objetivos eram de se estabelecerem como centros de cura. Existia também a deficiência dos sistemas de saúde para prover cuidados nos domicílios da população pobre, e somando a isso, havia a necessidade de uma contrapartida das instituições religiosas, ante a crescente erosão das crenças religiosas numa sociedade que se secularizava. Os primeiros hospices britânicos passaram a ofertar cuidados diferentes dos oferecidos nos hospitais tradicionais ou em outras instituições de saúde da época, como as instituições filantrópicas ou os asilos e suas enfermarias para pobres. Era um esforço quase na contramão de uma tendência da época para organizar e legitimar cuidados aos pobres com importante ênfase na assistência espiritual. Os cuidados físicos eram atribuição da enfermagem e também da atividade das voluntárias das chamadas irmãs de caridade , e que faziam também um trabalho social junto às famílias dos moribundos (FLORIANI e SCHRAMM, 2010). A Organização Mundial da Saúde (OMS), desde meados dos anos 1980, presta importante contribuição para promover os Cuidados Paliativos. A Unidade de Câncer da OMS realizou uma campanha encorajando os países a desenvolverem programas abrangentes de controle do câncer, incluindo a prevenção, a detecção precoce e o tratamento curativo, o alívio da dor e os Cuidados Paliativos. A publicação do manual para alívio da dor oncológica com abordagem dos Cuidados Paliativos tem sido um catalisador importante a esse respeito (TWYCROSS, 2000). No Brasil, segundo Floriani, é bastante provável que o primeiro hospice tenha sido fundado no ano de 1944, na cidade do Rio de Janeiro, conhecido como o “Asilo da Penha” que tinha por função assistir pacientes pobres com câncer avançado, que não conseguiam vaga nos hospitais. A partir da década de 80 foram surgindo outras unidades ou centros de 38 Cuidados Paliativos, a maior parte vinculados ao tratamento de pacientes com câncer e/ou a centros de tratamento de dor crônica (FLORIANI, 2010). Em 1997, foi fundada a Associação Brasileira de Cuidados Paliativos (ABCP). Mais recentemente, em 2005, foi fundada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos, agregando os profissionais da saúde que praticam essa filosofia de cuidado, e também promovendo eventos que divulguem os Cuidados Paliativos para os profissionais da saúde e leigos. A Comissão Mista de Especialidade, formada por representantes do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e da Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação, emitiu em 2010 parecer favorável, em caráter definitivo, para a criação da área de atuação Medicina Paliativa. A Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) 1973/2011, publicada no Diário Oficial da União em 01/08/2011, criou a especialidade Medicina Paliativa no Brasil. (CFM, 2011). O novo Código de Ética Médica Brasileiro, aprovado pela Resolução CFM 1. 931/09 contribuiu para a divulgação da filosofia dos Cuidados Paliativos e orienta o médico a evitar a obstinação terapêutica para pacientes em estado terminal. Os Cuidados Paliativos estão referenciados nos seguintes itens: O parágrafo único do artigo 41 dispõe que: "Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os Cuidados Paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. Os Cuidados Paliativos também são abordados no item XXII, do Capítulo I, que dispõe: “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os Cuidados Paliativos apropriados”. O Princípio do não abandono é referenciado no item 2º do artigo 36 que prescreve: “Salvo por motivo justo, comunicado ao paciente ou aos seus familiares, o médico não abandonará o paciente por ser este portador de moléstia crônica ou incurável e continuará a assisti-lo ainda que para Cuidados Paliativos” (CFM, 2009). Nas últimas décadas, teve início um crescente movimento para a integração dos Cuidados Paliativos no ambiente hospitalar. As UTIs passaram a ser foco de especialistas em Cuidados Paliativos. Este trabalho começou com Campbell, em um hospital 39 universitário de Detroit EUA, em 1986, estabelecendo uma Unidade de Serviço de Suporte para pacientes com doenças em fase terminal internados na Emergência e na UTI. Segundo o autor, os resultados foram extremamente positivos, com a redução