Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Camila Carminate – 5 FASE Síndrome Guillan-Barré A síndrome de Guillain-Barré é uma polineuropatia (polirradiculoneuropatia) aguda ou subaguda que pode seguir doença infecciosa leve, inoculações ou procedimentos cirúrgicos, podendo também ocorrer sem precipitantes evidentes. Evidências clínicas e epidemiológicas sugerem associação com infecção precedente por Campylobacter jejuni. Sua causa exata não está clara, mas parece ter uma base imunológica. Ocorre ao longo do ano todo, com uma taxa situada entre 1 e 4 casos por 100.000 por ano; nos Estados Unidos (EUA), ocorrem cerca de 5.000 a 6.000 casos todo ano. Os indivíduos do sexo masculino correm risco ligeiramente maior de SGB e, nos países ocidentais, os adultos são acometidos com maior frequência do que as crianças. IMUNOPATOGÊNESE Diversas linhas de evidências corroboram uma base autoimune para a polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA), o tipo mais comum e mais bem- estudado de SGB; o conceito aplica-se a todos os subtipos de SGB. É provável que mecanismos imunes celulares e humorais contribuam para o dano tecidual na PDIA. A ativação da célula T é sugerida pelo achado de níveis elevados de citocinas e receptores de citocinas presentes no soro (interleucina [IL] 2, receptor solúvel de IL-2) e no líquido cerebrospinal (LCS) (IL-6, fator de necrose tumoral α, interferon γ). Evidências circunstanciais sugerem que toda a SGB resulte de respostas imunológicas a antígenos alheios (agentes infecciosos, vacinas) que se dirigem erroneamente ao tecido nervoso do hospedeiro por meio de mecanismo de semelhança de epítopos (mimetismo molecular). Os alvos neurais provavelmente são glicoconjugados, especificamente gangliosídeos. Os gangliosídeos são glicoesfingolipídeos complexos que contêm um ou mais resíduos de ácido siálico; vários gangliosídeos participam nas interações entre células (incluindo aquelas entre axônios e a glia), modulação de receptores e regulação do crescimento. Eles são expostos na membrana plasmática das células, o que os torna suscetíveis a um ataque mediado por anticorpos. Gangliosídeos e outros glicoconjugados estão presentes em grande quantidade nos tecidos nervosos humanos e em locais-chave, como os nodos de Ranvier. Anticorpos antigangliosídeos, mais frequentemente contra GM1, são comuns na SGB (20 a 50% dos casos), sobretudo na NAMA e NAMSA e naqueles casos precedidos de infecção por C. jejuni. Além disso, o C. jejuni isolado em coproculturas de pacientes com SGB possui estruturas glicolipídicas que reagem antigenicamente de forma cruzada com gangliosídeos, incluindo o GM1, concentrados nos nervos humanos. Os resíduos de ácido siálico de cepas patogênicas de C. jejuni também podem desencadear a ativação das células dendríticas por meio de sinalização via receptor semelhante ao Toll (TLR4), promovendo a diferenciação das células B e a amplificação da autoimunidade humoral. Entre 5 e 15 dias após a injeção, alguns receptores apresentam SGB axonal motora aguda com altos títulos de anticorpos anti-GM1 que reconhecem epítopos nos nodos de Ranvier e placas motoras. Experimentalmente, os anticorpos anti-GM1 são capazes de desencadear lesão mediada pelo complemento nas junções paranodais axônio-glia, desorganizando a aglomeração dos canais de sódio e provavelmente contribuindo para o bloqueio de condução. 2 Camila Carminate – 5 FASE Imunopatogênese postulada para a síndrome de Guillain- Barré (SGB) associada à infecção por Campylobacter jejuni. As células B reconhecem glicoconjugados do C. jejuni (Cj) que desencadeiam reação cruzada com gangliosídeo presente na superfície da célula de Schwann e na mielina subjacente dos nervos periféricos. Algumas células B, ativadas via mecanismo independente das células T, secretam principalmente IgM. Outras células B são ativadas por uma via parcialmente dependente da célula T e secretam principalmente IgG; o auxílio das células T é fornecido pelas células CD4 ativadas localmente por fragmentos de proteínas Cj, que são apresentados na superfície de células apresentadoras de antígeno (APC). Um evento crítico no desenvolvimento da SGB é a fuga de células B ativadas das placas de Peyer para os linfonodos regionais. Células T ativadas provavelmente também atuam ajudando na abertura da barreira hematoneural, o que facilita a penetração de autoanticorpos patogênicos. As primeiras alterações na mielina são edema entre as lamelas de mielina e a ruptura vesicular das camadas de mielina mais externas. Tais efeitos estão associados à ativação do complexo de ataque à membrana C5b-C9 e provavelmente são mediados pela entrada de cálcio; é possível que a citocina dos macrófagos, fator de necrose tumoral (TNF), também participe da lesão da mielina. Anticorpos anti-GQ1b são encontrados em mais de 90% dos pacientes com SMF, e os títulos de IgG são mais altos no início da evolução. Na PDIA, uma etapa inicial na indução da lesão tecidual parece ser o depósito de complemento ao longo da superfície externa da célula de Schwann. A ativação do complemento suscita desintegração vesicular típica da bainha de mielina, e também leva ao recrutamento de macrófagos ativados, que participam da lesão à mielina e aos axônios. Na NAMA, o padrão é diferente, uma vez que o complemento se deposita junto com IgG nos nodos de Ranvier ao longo dos grandes axônios motores. É interessante assinalar que, nos casos de NAMA, os anticorpos contra GD1a parecem ter uma excelente especificidade, que favorece a ligação às raízes nervosas motoras, e não às sensitivas, embora esse gangliosídeo seja expresso em ambos os tipos de fibras. FISIOPATOLOGIA Nas formas desmielinizantes da SGB, a origem da paralisia flácida e do distúrbio sensorial é o bloqueio da condução. Esse achado, demonstrável eletrofisiologicamente, indica que as conexões axonais permanecem intactas. Em casos graves de SGB desmielinizante, em geral ocorre degeneração axonal secundária; pode-se estimar sua extensão eletrofisiologicamente. Uma degeneração axonal secundária maior correlaciona- se com taxa de recuperação mais lenta e maior grau de incapacidade residual. Quando um padrão axonal primário é detectado em testes eletrofisiológicos, a implicação é que os axônios sofreram degeneração, foram desconectados de seus alvos, especificamente das junções neuromusculares, e, portanto, devem regenerar-se para que ocorra recuperação. Nos casos axonais motores em que a recuperação é rápida, acredita-se que a lesão se localize nos ramos motores pré- terminais, o que possibilita que a regeneração e a re- inervação se deem rapidamente. 3 Camila Carminate – 5 FASE De outro modo, nos casos leves, o brotamento colateral e a reinervação dos axônios motores sobreviventes próximos à junção neuromuscular podem começar a restabelecer a continuidade fisiológica com as células musculares ao longo de vários meses. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS A SGB manifesta-se como paralisia motora arrefléxica de evolução rápida, com ou sem alterações sensoriais. O padrão habitual é de paralisia ascendente, que pode ser percebida inicialmente como sensação de peso nas pernas. A fraqueza surge em questão de horas a alguns dias e, muitas vezes, é acompanhada de disestesias com formigamento nos membros. Os nervos cranianos inferiores também são muitas vezes envolvidos, causando fraqueza bulbar e dificuldade no manejo de secreções e na manutenção das vias respiratórias. A dor no pescoço, nos ombros, no dorso ou difusamente na coluna vertebral também é comum nos estágios iniciais. A necessidade de ventilação mecânica está associada a fraqueza mais intensa por ocasião da admissão, progressão rápida e presença de fraqueza facial e/ou bulbar durante a primeirasemana dos sintomas. Os reflexos tendíneos profundos estão reduzidos ou abolidos nos primeiros dias de instalação. Os déficits sensoriais cutâneos (p. ex., perda das sensibilidades álgica e térmica) em geral são relativamente leves, mas as funções servidas por fibras sensoriais grandes, como os reflexos tendíneos profundos e a propriocepção, são mais intensamente afetadas. Nos casos graves, pode ocorrer disfunção vesical, mas que costuma ser transitória. O envolvimento autonômico é comum e pode ocorrer até mesmo nos pacientes cuja SGB é leve nos demais aspectos. As manifestações mais comuns são perda do controle vasomotor com flutuação ampla da pressão arterial, hipotensão postural e arritmias cardíacas. A dor é outra característica comum da SGB; além da dor aguda descrita antes, pode haver dor incômoda e profunda nos músculos enfraquecidos, que os pacientes comparam àquela relacionada com a prática de exercícios pesados no dia anterior. Foram identificados vários subtipos de SGB, determinados principalmente por distinções eletrodiagnósticas e patológicas. A variante mais comum é a polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA). Além disso, há duas variantes axonais que, com frequência, são clinicamente graves – os subtipos de neuropatia axonal motora aguda (NAMA) e neuropatia axonal motossensorial aguda (NAMSA). Além disso, também há diversas síndromes limitadas ou regionais da SGB, destacando-se a síndrome de Miller Fisher (SMF), na qual o paciente se apresenta com ataxia e arreflexia dos membros em rápida evolução, sem fraqueza, e oftalmoplegia, muitas vezes com paralisia pupilar. A variante SMF responde por cerca de 5% de todos os casos e está fortemente associada a anticorpos contra o gangliosídeo GQ1b. Outras variantes regionais da SGB são (1) formas sensoriais puras; (2) oftalmoplegia com anticorpos anti-GQ1b como parte da SGB motossensorial grave; (3) SGB com paralisia bulbar e facial grave, às vezes associada a infecção prévia por citomegalovírus (CMV) e anticorpos anti-GM2; e (4) pandisautonomia aguda. INVESTIGAÇÕES O líquido cerebrospinal (LCS) frequentemente mostra uma anormalidade característica, denominada dissociação citoalbuminológica, com aumento da concentração proteica e celularidade normal; no entanto, as 4 Camila Carminate – 5 FASE anormalidades podem não ser encontradas na primeira semana de doença. Os estudos eletrofisiológicos podem revelar acentuada diminuição da velocidade de condução motora e sensorial, ou denervação evidente e perda axonal. O tempo de evolução das alterações eletrofisiológicas não necessariamente apresenta paralelos com quaisquer desenvolvimentos clínicos. Quando existe suspeita de infecção por HIV pelo contexto clínico do desenvolvimento da neuropatia ou pela presença de fatores de risco importantes, devem ser feitos estudos sorológicos apropriados. TRATAMENTO Na grande maioria dos pacientes com SGB, deve-se iniciar o tratamento tão logo seja possível após o diagnóstico. Cada dia conta; cerca de duas semanas após os primeiros sintomas motores, não se sabe se a imunoterapia ainda será efetiva. Se o paciente já tiver alcançado o estágio de platô, o tratamento provavelmente não estará mais indicado, a não ser que o paciente tenha fraqueza motora intensa e não se possa excluir a possibilidade de ocorrência de ataque imunológico ainda em curso. Pode-se instituir imunoglobulina intravenosa (IgIV) em altas doses ou plasmaférese, uma vez que ambas são igualmente efetivas. A IgIV muitas vezes é a terapia inicial escolhida em razão da facilidade de administração e bom histórico de segurança. A IgIV é administrada em infusão contínua durante 5 dias para uma dose total de 2 g/kg de peso corporal. Há algumas evidências de que os autoanticorpos da SGB são neutralizados por anticorpos anti-idiotípicos presentes nas preparações de IgIV, o que talvez explique seu efeito terapêutico. A plasmaférese parece reduzir o tempo necessário para a recuperação e pode diminuir a probabilidade de déficits neurológicos residuais. O tratamento é sintomático, com o objetivo de impedir complicações como insuficiência respiratória ou colapso vascular. Por esse motivo, os pacientes mais comprometidos devem ser tratados em Unidades de Tratamento Intensivo, em que existe aparelhagem disponível para monitoração e respiração assistida, se necessário (p. ex., quando a capacidade vital forçada chega a 15 mL/kg, quando a força inspiratória atinge – 40 mmHg, quando o paciente tem a respiração curta, ou quando existe uma queda da saturação de oxigênio no sangue). A reposição de volume ou o tratamento com agentes vasopressores algumas vezes são necessários para atuar contra a hipotensão, e a heparina em doses baixas pode ajudar a prevenir a embolia pulmonar. PROGNÓSTICO Os sinais e sintomas param de progredir em cerca de quatro semanas de doença. O distúrbio é autolimitante, e a melhora ocorre durante semanas ou meses após o início do quadro. Cerca de 70% dos pacientes se recuperam completamente, 25% permanecem com déficits neurológicos mínimos, e 5% 5 Camila Carminate – 5 FASE morrem, geralmente como resultado de insuficiência respiratória. O prognóstico é pior quando existe evidência de infecção pelo Campylobacter jejuni, evolução mais lenta e uma recuperação menos completa também são mais prováveis quando a patologia primária é a degeneração axonal e não a desmielinização. Idade avançada, necessidade de suporte ventilatório ou início mais rápido do quadro também podem predizer um prognóstico pior. DIAGNOSTICO DIFERENCIAL - BOTULISMO A toxina do Clostridium botulinum pode causar paralisia neuromuscular. Ela atua impedindo a liberação de acetilcolina em junções neuromusculares e sinapses autonômicas. O botulismo ocorre mais comumente após a ingestão de alimentos em conservas caseiras contaminados com a toxina; raramente ocorre a partir de feridas infectadas. Quanto mais curto o período de latência entre a ingestão da toxina e o início dos sintomas, maior a dose da toxina e maior o risco de envolvimento subsequente do sistema nervoso central. Outros distúrbios que podem entrar no diagnóstico diferencial incluem mielopatias agudas (em especial com dor no dorso prolongada e alterações esfinctéricas); difteria (alterações orofaríngeas precoces); polirradiculite de Lyme e outras paralisias transmitidas via carrapatos; porfiria (dor abdominal, crises convulsivas, psicose); neuropatia vasculítica (medir velocidade de hemossedimentação, descrita adiante); poliomielite (febre e meningismo comuns); vírus do Oeste do Nilo; polirradiculite por CMV (em pacientes imunocomprometidos); neuropatia ou miopatia de doença crítica; distúrbios da junção neuromuscular, como miastenia gravis e botulismo (perda precoce da reatividade pupilar); intoxicações por organofosforados, tálio ou arsênico; intoxicação por moluscos paralíticos; ou hipofosfatemia grave (rara). REFERENCIAS Neurologia Clinica. Harrison.
Compartilhar