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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – A. C. SIMÕES FACULDADE DE DIREITO DE ALAGOAS RESENHA CRÍTICA SOBRE O FILME “O MERCADOR DE VENEZA’’ E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE. Rafaela Santos Melo Resenha crítica solicitada pelo professor José Junior, realizada como exigência para complementação de nota da primeira atividade avaliativa de Direito Civil. Maceió 2021 Fonte: O Mercador de Veneza. Título original: The Merchandt of Venice. Gênero: Drama. Lançamento (EUA): 2004. Distribuição: Sony Pictures Classics / California Filmes. Direção: Michael Redford, baseado em peça teatral de Willian Shakespeare. RESENHA CRÍTICA Os fatos ocorrem na cidade de Veneza na Itália, em meados do século XVI, dentro de um contexto histórico, onde as atividades econômicas e comerciais passavam por uma significativa ascensão. Pode-se observar, inicialmente, sob o aspecto social, que é a imposição forte de leis e os princípios aos estrangeiros consistindo numa intensa discriminação do povo judeu pelos cristãos. A obra demonstra uma ambiguidade sobre a essência do ser humano, caracterizada no confronto entre a intolerância, usura, vingança amizade, paixão e justiça. O drama provoca a inquietação e a reflexão de uma questão que a jurídica, com contornos sobre a legislação de Veneza e o estrangeiro, com ênfase nas fases processuais que o litígio comporta. Coloca-se em discussão assuntos como o contrato, bem como a importância da argumentação e da retórica para os profissionais do direito. Pórcia de Belmonte, uma moça rica cujo pai deixa em testamento o desejo de casá-la com aquele que, escolhendo dentre três baús de ouro, prata ou chumbo, encontrasse o retrato dela. Bassanio um moço de poucas posses pede seu amigo António, rico mercador, uma quantia em dinheiro para que pudesse se locomover até Belmonte a fim de concorrer a mão da Bela Pórcia. Entretanto, o Antônio não disponho de quantia necessária no momento, vez que seus navios estavam em alto mar, mas devido à grande afeição que nutria por Bassanio, pede um empréstimo para Shylock, judeu rico que emprestava dinheiro a juros. Shylock, por sua vez, nutria certo ódio por Antônio que também emprestava dinheiro, porém, sem cobrar juros algum. Vislumbrando nessa situação a oportunidade de vingar- se de Antônio, coloca como condição para o empréstimo: o contrato garantindo uma libra de carne do corpo de Antônio casa dívida não fosse paga no dia combinado. Acontece que os navios de Antônio se perdem no mar, levando-o a falência e no dia estipulado ele não tinha quantia em dinheiro para devolver a Shylock, que resolve recorrer à justiça para ter seu contrato executado. Pórcia, já casada com Bassanio, resolve ajudá- los secretamente, disfarçando-se de advogado homem e defendendo Antônio. O contrato que foi celebrado entre duas pessoas, mediante pagamento de elevada soma, que verificada certa condição, cuja ocorrência era extremamente improvável, onde o contrato poderia exigir uma libra de carne do corpo do outro contratante. Aquele que assumirá a obrigação de entregar parte de sua carne estava bastante tranquilo, porque a possibilidade de ocorrência da condição era remota, praticamente inexistente. Mas a condição se verificou e então aquele contrato, pretende exercer o seu direito de retirar a libra de carne. O juiz em total vinculação ao contrato estabelecido se opôs, alegando que havia sido contratada a retirada apenas de uma libra de carne exatamente e nenhuma gota de sangue, porque, do contrário, se estaria extrapolando os limites do contrato. Sendo impossível retirar carne sem levar junto um pouco de sangue, a prestação não teria como ser exigida. A prática realizada pelo devedor era permitida na época entre judeus segundo os costumes daquele local, porém, totalmente proibida em nosso ordenamento jurídico, pois a agiotagem constitui crime contra a ordem econômica. Sendo assim, quando Shylock propõe que Antônio lhe dê a garantia uma libra de carne, o contrato teve revestimento de irregularidade, já que tal garantia fatalmente causaria lesão corporal de acordo com o disposto do artigo 129 do Código Penal Brasileiro, ou até mesmo a morte mesmo, fato que se ocorresse teria tipificação em nosso atual ordenamento jurídico no artigo 121 do mesmo diploma legal. É notório que o principal objetivo do devedor era a vingança do seu desafeto já que este era corriqueiramente ofendido pelo fato de ser judeu e praticar agiotagem. Com isso, emprestar a quantia solicitada por Bassanio era ter a certeza de concretizar sua vingança, portanto, verifica-se que um dos princípios fundamentais que reveste a legalidade dos contratos é o princípio da boa-fé, que está sendo visivelmente esquecido. O filme, baseado na peça de Shakespeare, termina desse modo, reconhecendo-se validade à oposição levantada pelo devedor. O caso mostra, de forma bastante nítida, a importância da boa-fé objetiva nos contratos. Assim, interpretar o contrato retratado de modo como fez aquele que recebeu o valor e não quis dar a prestação, seria contrariar a boa-fé objetiva. Ademais, a teoria jurídica dos contratos consagra o dogma da autonomia privada, ou seja, qualquer contrato aceito pela vontade individual seria dotado de ação e garantia, criando, dessa maneira, lei entre os contratantes. Entretanto, o contrato celebrado entre Shylock e Antônio não fez lei entre as partes. Ocorre que se por um lado existe o respeito pela autonomia privada, por outro lado, tal estabilidade não pode prevalecer quando houver grande desequilíbrio entre os direitos e as obrigações das partes, como por exemplo, o aproveitamento da situação de necessidade ou do perigo de grave dano. Neste sentido o novo Código Civil traz em seu art. 421 que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato, restando claro que a autonomia da vontade é delimitada pelo ordenamento jurídico. Por fim, este contrato fere um direito indisponível, qual seja o direito da personalidade, e de acordo com o art. 13 do Código Civil em vigor, é defeso, salvo por exigência médica, o ato de dispor do próprio corpo, quando importar diminuição per manente da integridade física ou contrariar os bons costumes. Antes, fere a própria Constituição Federal que traz em seu art. 1º, inc. III, a dignidade da pessoa humana, como preceito fundamental, cerne de todo o nosso ordenamento jurídico. Os princípios são, juntamente com a norma jurídica e os costumes, fontes do Direito, não há possibilidade de elencar a legalidade na execução do supracitado contrato, caso firmado em nosso país, nos dias atuais, pois este não possui amparo nem na norma, nem tampouco nos princípios norteadores do direito sendo este contrato é nulo de pleno direito por não estar estruturado pela função social do contrato. Portanto, que tal contrato poderia até mesmo possuir validade naquela época, naquele lugar, mesmo apresentando um conflito de normas. Porém, em nosso ordenamento jurídico tal contrato não seria permitido, pois se trata de objeto ilícito aquilo que foi dado em garantia, fato este vedado pelo Código Civil Brasileiro. REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acessado em: 09 abr. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acessado em: 10 abr.2021 SANT’ANA, Valéria Maria. Manual prático dos contratos: teoria prática dos modelos. 4. ed.rev., ampl. e atual. São Paulo: Édipo, 2007. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 27. ed. vol.2. São Paulo: Saraiva, 2012.
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