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ESTRUTURA DA MATÉRIA I GUILHERME SOUZA COSTA Efeito Compton INTRODUÇÃO A natureza corpuscular da radiação foi dramaticamente confirmada em 1923 pelas experiências de Compton. Ele fez com que um feixe de raios X de comprimento de onda λ incidisse sobre um alvo de grafite, como é mostrado na figura a seguir. Mediu-se a intensidade dos raios X espalhados como função de seu comprimento de onda, para vários ângulos de espalhamento. A figura a seguir mostra seus resultados experimentais. Vemos que, embora o feixe incidente consista essencialmente de um único comprimento de onda λ, os raios X espalhados têm máximos de intensidade em dois comprimentos de onda; um deles é o mesmo que o comprimento de onda incidente, e o outro, λ’, é maior que λ por uma quantidade ∆λ = λ′ − λ, e varia com o ângulo segundo o qual os raios X espalhados são observados. Temos que ∆λ = λ′ − λ → É chamada de deslocamento de Compton e ∆λ varia em função do ângulo (𝜃) segundo o qual os raios X são espalhados. A presença do comprimento de onda λ’ não pode ser compreendida se os raios X incidentes forem encarados como uma onda eletromagnética clássica. No modelo clássico o campo elétrico oscilante com frequência v da onda incidente age sobre os elétrons livres do alvo fazendo-os oscilar com a mesma frequência. Esses elétrons, como cargas oscilando em uma pequena antena de rádio, irradiam ondas eletromagnéticas com a mesma frequência v. Portanto, no modelo clássico a onda espalhada deveria ter a mesma frequência v e o mesmo comprimento de onda λ da onda incidente. INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS Compton interpretou seus resultados experimentais postulando que o feixe de raios X incidente não era uma onda de frequência v, mas um conjunto de fótons, cada um com energia 𝐸 = ℎ𝑣, e que esses fótons colidiam com os elétrons livres do alvo da mesma forma que colidem duas bolas de bilhar. Nessa perspectiva, a radiação espalhada é composta por fótons que colidiram com elétrons do alvo. Já que o fóton incidente transfere parte de sua energia para o elétron com o qual colide, o fóton espalhado deve ter uma energia E’ menor; portanto, ele deve ter uma frequência mais baixa 𝑣′ = 𝐸′ ℎ , o que implica um comprimento de onda λ′ = 𝑐 𝑣′ maior. 𝐸 > 𝐸′; 𝐸 = ℎ𝑣 𝑒 𝑐 = 𝑣λ ESTRUTURA DA MATÉRIA I GUILHERME SOUZA COSTA ↓ ↓ 𝐾 𝑈0 ℎ𝑣 > ℎ𝑣′ → ℎ𝑐 λ = ℎ𝑐 λ′ → λ′ > λ Esse ponto de vista explica qualitativamente a variação de comprimento de onda, ∆λ = λ′ − λ Observe que na interação os fótons são encarados como partículas, e não como ondas, e que, ao contrário de seu comportamento no feito fotoelétrico, eles são espalhados em vez de serem absorvidos. ANÁLISE DA COLISÃO FÓTON-ELÉTRON QUANTITATIVAMENTE Para compreender porque ∆λ depende de 𝜃, precisamos fazer uma análise quantitativa. Assim, para radiação X de frequência v, a energia de um fóton no feixe incidente é 𝐸 = ℎ𝑣 Adotando a ideia de que o fóton é um pacote localizado de energia, vamos considera-lo como sendo uma partícula de energia E e momento p. Tal partícula deve, entretanto, ter certas propriedades bastantes especiais. Consideremos a equação que dá a energia total relativística de uma partícula em termos de massa de repouso m0 e sua velocidade v 𝐸 = 𝑚0𝑐 2 √1 − 𝑣2 𝑐2 Já que a velocidade de um fóton é igual a c e sua energia E é finita, é aparente que a massa de repouso de um fóton deve ser zero. Portanto, podemos considerar que o fóton é uma partícula com massa de repouso nula, e cuja energia relativística total E é inteiramente cinética. O momento de um fóton pode ser calculado da relação geral entre energia relativística total E, o momento p, e a massa de repouso m0. Isto é 𝐸 = 𝑐2𝑝2 + (𝑚0𝑐 2)2 Para um fóton o segundo termo à direita é zero e temos 𝐸 = 𝑐𝑝, como 𝐸 = ℎ𝑣 = ℎ𝑐 λ 𝑐𝑝 = ℎ𝑐 λ → 𝑝 = ℎ λ Encontramos o momento do fóton e seu comprimento de onda λ = 𝑐 v É interessante observar que a teoria clássica de Mawell da radiação eletromagnética também leva a uma equação p = 𝐸 c , onde agora p representa a quantidade de movimento por unidade de volume da radiação e E a sua energia por unidade de volume. Foi observado que a frequência v da radiação espalhada era independente do material que constituía o alvo. Isso implica que o espalhamento não envolve átomos inteiros. Compton supôs que o espalhamento era devido a colisões entre os fótons e os elétrons do alvo. Supôs também que os elétrons que participavam do processo de espalhamento estavam livres e inicialmente em repouso. Pode-se encontrar alguma justificativa a princípio para essas suposições se considerarmos que a energia de um fóton de raio X é varias ordens de grandeza maior do que a energia de um fóton de ultravioleta, e de nossa discussão do efeito fotoelétrico ficou claro que a energia de um fóton de ultravioleta é comparável à energia mínima com que o elétron está ligado em um metal. ESTRUTURA DA MATÉRIA I GUILHERME SOUZA COSTA Consideremos, então, a colisão entre um fóton e um elétron livre e estacionário, como visto na figura anteriormente. No diagrama da esquerda, um fóton de energia total relativística E0 e momento p0 incide sobre um elétron estacionário de energia de repouso ou própria m0c2. No diagrama da direita, o fóton é espalhado de um ângulo 𝜃 e se afasta com energia total relativística E1 e momento p1, enquanto que o elétron recua, formando um ângulo 𝜑 com o eixo da colisão, com energia cinética K e momento p. Compton aplicou a conservação do momento e da energia relativística total a esse problema de colisão. Foram usadas as equações relativísticas, uma vez que o fóton sempre se move com velocidades relativísticas, e o elétron com o qual ele se choca na maioria das vezes também o faz. PRINCÍPIO DE CONSERVAÇÃO DO MOMENTO Quando aplicamos a conservação do momento, temos que: 𝐴𝑛𝑡𝑒𝑠 = 𝐷𝑒𝑝𝑜𝑖𝑠 𝑃𝑓ó𝑡𝑜𝑛 + 𝑃𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 = 𝑃′𝑓ó𝑡𝑜𝑛 + 𝑃′𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 𝑥: ℎ λ + 0 = ℎ𝑐𝑜𝑠𝜃 λ′ + 𝑃𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑐𝑜𝑠𝜑 → 𝑥: ℎ λ − ℎ λ 𝑐𝑜𝑠𝜃 = 𝑃𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑐𝑜𝑠𝜑 (1) 𝑦: 0 = ℎ𝑠𝑒𝑛𝜃 λ′ − 𝑃𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑠𝑒𝑛𝜑 → 𝑦: ℎ λ′ 𝑠𝑒𝑛𝜃 = 𝑃𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑠𝑒𝑛𝜑 (2) Elevando ao quadrado (1) e (2) e depois somando, obtemos: → ( ℎ λ − ℎ λ 𝑐𝑜𝑠𝜃)2 = 𝑃2𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑐𝑜𝑠 2𝜑 → ( ℎ λ′ 𝑠𝑒𝑛𝜃)2 = 𝑃2𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛𝑠𝑒𝑛 2𝜑 → ( ℎ λ − ℎ λ 𝑐𝑜𝑠𝜃)2 + ( ℎ λ′ 𝑠𝑒𝑛𝜃) 2 = 𝑃2𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛(𝑐𝑜𝑠 2𝜑 + 𝑠𝑒𝑛2𝜑) → ( ℎ λ )2 − 2ℎ2 λλ′ 𝑐𝑜𝑠𝜃 + ℎ2 λ′2 𝑐𝑜𝑠2𝜃 + ℎ2 λ′2 𝑠𝑒𝑛2𝜃 = 𝑃2𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 → ℎ2 λ2 − 2ℎ2 λλ′ 𝑐𝑜𝑠𝜃 + ℎ2 λ′2 (𝑐𝑜𝑠2𝜃 + 𝑠𝑒𝑛2𝜃) = 𝑃2𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 → ℎ2 λ2 + ℎ2 λ′ 2 − 2ℎ2 λλ′ 𝑐𝑜𝑠𝜃 = 𝑃2𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 (#) Princípio de conservação da energia relativística Ao aplicar o princípio de conservação da energia relativística, encontramos 𝐴𝑛𝑡𝑒𝑠 = 𝐷𝑒𝑝𝑜𝑖𝑠 𝐸𝑓ó𝑡𝑜𝑛 + 𝐸𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 = 𝐸′𝑓ó𝑡𝑜𝑛 + 𝐸′𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 Perceba que: ➢ 𝐸𝑓ó𝑡𝑜𝑛 → só possui energia cinética; ➢ 𝐸𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 → só possui energia potencial; ➢ 𝐸′𝑓ó𝑡𝑜𝑛 → só possui energia cinética; ➢ 𝐸′𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 → possui energia cinética e potencial. Nessa perspectiva, ℎ𝑣 + 𝑚0𝑒𝑐 2 = ℎ𝑣′ + 𝐾𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 + 𝑚0𝑒𝑐 2 ℎ𝑣 − ℎ𝑣′ = 𝐾𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 → ℎ𝑐λ − ℎ𝑐 λ′ = 𝐾𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 (∗) Lembre-se que a energia relativística total é dada por 𝐸 = 𝐾 + 𝑚0𝑐 2 (𝐼) Onde 𝐾 representa a energia cinética relativística e 𝑚0𝑐 2 a energia de repouso. Dessa forma, 𝐸2 = 𝑝2𝑐2 + (𝑚0𝑐 2)2 (𝐼𝐼) Onde 𝐾 foi expresso em termos do momento. ESTRUTURA DA MATÉRIA I GUILHERME SOUZA COSTA Substituindo (𝐼) em (𝐼𝐼), obtemos: (𝐾 + 𝑚0𝑐 2)2 = 𝑝2𝑐2 + (𝑚0𝑐 2)2 𝐾2+2𝐾𝑚0𝑐 2 + (𝑚0𝑐 2)2 = 𝑝2𝑐2 + (𝑚0𝑐 2)2 𝐾2 𝑐2 +2𝐾𝑚0 = 𝑝 2 (𝐼𝐼𝐼) Substituindo (∗) e (#) em (𝐼𝐼𝐼), temos que ( ℎ𝑐 λ − ℎ𝑐 λ′ ) 2 𝑐2 + 2( ℎ𝑐 λ − ℎ𝑐 λ′ )𝑚0 = ℎ2 λ2 + ℎ2 λ′2 − 2ℎ2 λλ′ 𝑐𝑜𝑠𝜃 Rearrumando a expressão: ( ℎ𝑐 λ − ℎ𝑐 λ′ ) 2 𝑐2 𝑐2 + 2 ( ℎ λ − ℎ λ′ ) 𝑐𝑚0 = ℎ2 λ2 + ℎ2 λ′2 − 2ℎ2 λλ′ 𝑐𝑜𝑠𝜃 Simplificando: ℎ2 λ2 − 2 ℎ2 λλ′ + ℎ2 λ′2 + 2𝑚0𝑐 ( ℎ λ − ℎ λ′ ) = ℎ2 λ2 + ℎ2 λ′2 − 2ℎ2 λλ′ 𝑐𝑜𝑠𝜃 2𝑚0𝑐 ( ℎ λ − ℎ λ′ ) = 2 ℎ2 λλ′ − 2 ℎ2 λλ′ 𝑐𝑜𝑠𝜃 𝑚0𝑐 ( ℎ λ − ℎ λ′ ) = ℎ2 λλ′ (1 − 𝑐𝑜𝑠𝜃) 𝑚0𝑐ℎ ( 1 λ − 1 λ′ ) = ℎ2 λλ′ (1 − 𝑐𝑜𝑠𝜃) 𝑚0𝑐 (λ′ − λ) λλ′ = ℎ λλ′ (1 − 𝑐𝑜𝑠𝜃) (λ′ − λ) = ℎ 𝑚0𝑐 (1 − 𝑐𝑜𝑠𝜃) Onde (λ′ − λ) = ∆λ e ℎ 𝑚0𝑐 = λ𝑐. Portanto, encontramos ∆λ = λ𝑐(1 − 𝑐𝑜𝑠𝜃) Vale ressaltar que ∆λ representa o deslocamento Compton e λ𝑐 = ℎ 𝑚0𝑐 = 2,43𝑥10−12𝑚 ≅ 0,0243Å Onde λ𝑐 é chamado de comprimento de onda Compton e 𝑚0 a massa do elétron. Observe que ∆λ, o deslocamento Compton, depende apenas do ângulo de espalhamento 𝜃 e não do comprimento de onda inicial λ. CONSIDERAÇÕES SOBRE O EFEITO COMPTON Apesar de explicar o surgimento de um fóton com menor energia e a dependência λ′ em função do ângulo de espalhamento, o fóton espalhado com a mesma energia do fóton incidente ainda não foi explicado do ponto de vista da teoria corpuscular da luz. Para explicar λ′ supusemos até aqui que o elétron com o qual o fóton colide está livre. Mesmo que o elétron esteja inicialmente ligado, essa suposição é justificada pelo fato da energia cinética adquirida por ele na colisão ser muito maior do que a sua energia de ligação. No entanto, se o elétron estiver muito fortemente ligado a um átomo do alvo, ou a energia do fóton incidente for muito pequena, há uma chance de que o elétron não seja ejetado do átomo. Nesse caso, podemos pensar que a colisão se dá entre o fóton e o átomo inteiro. O átomo ao qual o elétron está ligado recua como um todo após a colisão. Então a massa característica para o processo é a massa M do átomo e ela deve substituir na equação do deslocamento Compton a massa eletrônica 𝑚0. Como 𝑀 ≫ 𝑚0 (por exemplo 𝑀 ≅ 22000𝑚0 para o carbono) vemos que o deslocamento Compton para colisões com elétrons fortemente ligados é extremamente pequeno (um milionésimo de angstrom para o carbono), ESTRUTURA DA MATÉRIA I GUILHERME SOUZA COSTA de modo que o comprimento de onda do fóton espalhado permanece praticamente igual. ∆λ = ℎ 𝑚0𝑐 (1 − 𝑐𝑜𝑠𝜃) = ℎ 𝑀𝑐 (1 − 𝑐𝑜𝑠𝜃) ∆λ = 0 𝑒 λ′ = λ Em resumo, alguns fótons são espalhados por elétrons que são liberados pela colisão; esses fótons tem seu comprimento de onda modificado. Outros fótons são espalhados por elétrons que permanecem ligados após a colisão; esses fótons não tem seu comprimento de onda modificado.
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