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dM Gastro&Hepato RodrigoFC DOENÇA DIVERTICULAR DOS CÓLONS É importante compreender alguns conceitos envolvendo essa entidade: • Diverticulose: anormalidade estrutural do cólon assintomática. • Doença diverticular dos cólons (DDC): diverticulose com sintomas. • Diverticulite aguda: condição inflamatória dos divertículos, geralmente acompanhada de micro ou macroperfurações; causa mais comum de dor no quadrante inferior esquerdo em adultos. • Diverticulite complicada: abscesso, macroperfurações, estenoses, fistulas, sangramentos, obstruções, entre outras. A doença diverticular dos cólons (DDC) é consequência da herniação da mucosa do intestino grosso por entre as fibras musculares da parede intestinal. O termo que define a doença é derivado do latim divertere, ou seja, um pequeno desvio, nesse caso, um pequeno desvio no trânsito intestinal. Os divertículos colônicos podem ser congênitos ou adquiridos. EPIDEMIOLOGIA A incidência da diverticulose varia entre 33 e 66%, acometendo até 30% dos indivíduos na quinta década de vida e 50 e 70% nos maiores de 80 anos. Embora a doença ainda seja mais comum em idosos, estudos comprovam o acometimento cada vez maior de indivíduos jovens (principalmente entre os 40 e 50 anos) inclusive quando se trata de episódios de diverticulite, com incidência variando de 18 a 34%. Quando presente nesses indivíduos, alguns autores sugerem descartar doenças que afetam o tecido conjuntivo, como síndromes de Marfan e Ehlers-Danlos, fibrose cística e a doença renal policística, embora o mecanismo principal de acometimento de jovens ainda esteja relacionado ao perfil epidemiológico ocidental e obesidade. De prevalência crescente, a doença acomete principalmente indivíduos de países industrializados e desenvolvidos, e está especialmente relacionada ao perfil dietético que envolve baixo consumo de fibras, alto teor de gordura, açúcar e carne vermelha. Isso pode ser demonstrado pela menor prevalência da doença em vegetarianos, por exemplo. Desde o início do século passado, o número de casos relatados de DDC e suas complicações têm aumentado sistematicamente, a ponto de ter sido descrita como um fenômeno do século XX. Todavia, o aumento não pode ser creditado exclusivamente ao Divergência de literatura quanto o sexo Indicam maior prevalência de DDC para o sexo feminino (Tratado de Zaterka – Maioria das literaturas concordam que o sexo feminino tem maior prevalência). Não há diferença entre os sexos, todavia, quando presente em mulheres, confere maior mortalidade (CM USP). dM Gastro&Hepato RodrigoFC diagnóstico mais preciso, beneficiado pelo advento do exame contrastado do intestino grosso (Envelhecimento da população + mudança de hábitos de vida). Outros fatores estão relacionados a possíveis complicações da doença diverticular, aumentando o risco de sangramento, abscesso e/ou perfuração, como obesidade, sedentarismo, tabagismo, uso de corticosteroide e uso de ácido acetilsalicílico. As estimativas populacionais de prevalência e incidência de diverticulose são provavelmente subestimadas, uma vez que a maioria dos pacientes permanece assintomática, e nos exames de autopsia pequenos divertículos podem passar despercebidos. Sabe-se, entretanto, que a incidência da diverticulose aumenta com a idade. Dados estatísticos apontam para uma incidência aproximada variando de 0,9 a 2 pessoas adultas para cada 1.000 da população. A DDC representa a quinta mais importante doença gastrointestinal nos países ocidentais. ETIOPATOGÊNIA Mesmo sendo uma doença com grande impacto, somente nas últimas décadas começou-se a desvendar os mecanismos de desenvolvimento ou de causalidade da diverticulose colônica (DC) e DDC. No entanto, há vários elementos reunidos e vários fatores de risco para explicar a gênese da DC e da DDC, o que reflete a dificuldade de encontrar um único fator que possa justificar satisfatoriamente sua etiologia. Estudos recentes mencionam como fatores de risco ligados a etiopatogênese da DC e da DDC a dieta pobre em fibras, as alterações da parede intestinal, a motilidade colônica e os fatores genéticos. 1) O papel da dieta pobre em fibras: A alimentação nos países industrializados sofreu consequente transformação dos alimentos e concomitante mudança nos hábitos alimentares, contribuindo, assim, para criar situação favorável ao desenvolvimento dos divertículos. Enquanto a quantidade recomendada de fibra ingerida para adultos é de 25 a 35 g/dia, nos países do Ocidente a ingestão média é de 14 a 15 g/dia. A distribuição geográfica da doença permite traçar um paralelo entre sua incidência e a diminuição do conteúdo de fibras nos alimentos. Os alimentos refinados e a dieta altamente pobre em resíduos podem afetar a pressão intracólica e ser estímulos para uma atividade muscular aumentada, não apenas por causa da ausência de massa, como também por prováveis distúrbios motores preexistentes, promovendo hipertrofia das camadas musculares. Pressão intracólica aumentada e hipertrofia muscular contribuem para aumentar a tensão na parede colônica e, ao mesmo tempo, em decorrência da idade, há uma perda da elasticidade parietal. Na zona compreendida entre a tênia mesentérica e a tênia antimesentérica formam-se zonas de menor resistência na parede cólica. Nesses locais ocorre herniação dM Gastro&Hepato RodrigoFC da mucosa do intestino grosso por entre as fibras musculares da parede intestinal, dando origem aos divertículos de pulsão. 2) Mudanças na parede do cólon: Como resultado do envelhecimento, ocorre diminuição da resistência a tração tanto do colágeno como das fibras musculares da parede do colón. A razão para essa mudança parece estar relacionada com um aumento das fibras de colágeno anormal e a continua deposição de elastina, ao longo da vida, em todas as camadas da parede do colón. A matriz extracelular (MEC) é importante na manutenção da forca e da integridade da parede do colón. Tem sido postulado que danos e quebra de colágeno maduro e a síntese de colágeno imaturo podem ocasionar enfraquecimento da parede do colón e maior dissociação das fibras musculares. A distensão no colón sigmoide e no colón descendente demonstrou ser menor que no transverso e no colón ascendente, explicando, pelo menos em parte, o predomínio do lado esquerdo da diverticulose. As mudanças estruturais na parede do colón também podem ser responsáveis pelo aparecimento de divertículos em idade precoce, e estão relacionadas com distúrbios do tecido conjuntivo, como síndrome de Marfan e de Ehlers-Danlos, e na doença renal policística. A matriz de metaloproteinases (MMP) é um grupo de endopeptidases zinco- dependentes que estão envolvidas na degradação da MEC e na sua remodelação. As MMP são secretadas como precursores inativos por uma variedade de células. A conversão para a enzima ativa geralmente ocorre no espaço pericelular ou extracelular. Inibidores teciduais de metaloproteinases (ITMP) bloqueiam os efeitos da MMP endógena e são produzidos pelas mesmas células que produzem MMPs. Em condições normais, MMPs estão presentes em níveis baixos, geralmente sob a forma inativa, e são responsáveis pela reposição fisiológica tecidual normal. A expressão tecidual de MMPs é regulada por diversos mecanismos; ITMPs controlam a atividade local das MMPs nos tecidos. No entanto, se a produção de MMPs excede o que pode ser regulado pelo ITMPs, ocorrem danos na MEC. Estudos demonstraram alterações na expressão tecidual das MMPs na DDC, relatando diminuição na expressão de MMP-1, em associação a diminuição dos níveis de colágeno maduro tipo 1, em pacientes com diverticulite. Esses estudos sugerem que alterações na expressão da MMP e da ITMP podem contribuir para as mudanças estruturais na parede do colón em pacientes com DDC. 3) A motilidade colônica: Vários estudosindicam que anormalidade motora dos cólons é fator importante na patogênese da DC e da DDC. Os pacientes com diverticulose demonstram motilidade anormal e contratilidade excessiva do colón, sobretudo em segmentos próximos aos divertículos. Estudos em pacientes com DDC tem demonstrado pressão intracolônica normal ou aumentada na fase de repouso, com aumento significativo da pressão intraluminal ou atividade colônica, após uma refeição ou provocação pela prostigmina. 4) Fatores genéticos: O fato de essa doença ser extremamente rara entre os jovens e o progressivo aumento da incidência a partir da 5a e 6a décadas da vida fizeram que muitos considerassem pouco provável algum fator genético definindo o aparecimento dos divertículos no colón. Por outro lado, os dados epidemiológicos descritos sugerem componentes ambientais e genéticos na etiologia da DC. A associação dos divertículos com dM Gastro&Hepato RodrigoFC síndrome de Marfan e síndrome Ehlers-Danlos indica o envolvimento de tecido conjuntivo e uma possível predisposição genética para o desenvolvimento da diverticulose. Estudos de casos em irmãos tem sido relatados, mas não existem estudos definitivos avaliação do risco familiar em DC. FISIOPATOLOGIA Recentes observações têm ressaltado a participação da microflora intestinal na patogênese da doença diverticular. A microflora intestinal exerce importante função de barreira contra toxinas ingeridas e bactérias patogênicas. Além disso, pode fornecer, por meio de seus substratos, em especial os ácidos graxos de cadeia curta, mais especificamente o butirato, importante fonte de energia aos enterócitos. A dieta pobre em fibras alteraria a microflora colônica e o equilíbrio do sistema imune intestinal, permitindo a presença de um processo inflamatório crônico de baixa intensidade na mucosa intestinal. Portanto, a patogênese da DDC estaria relacionada com a inflamação crônica da parede intestinal, na forma de microcolite, a qual seria precursora das diversas fases e formas de diverticulite. Dessa maneira, admite-se atualmente um papel importante da inflamação da mucosa na etiopatogenia da diverticulite por um desequilíbrio entre citocinas pró-inflamatórias (IL- 1, TNF) e anti-inflamatórias (IL-1ra, IL-4, IL-10, IL-11) com consequente aumento na secreção intraluminar de oxido nítrico. O oxido nítrico não é encontrado em tecidos não inflamados e é geralmente produzido em resposta a infecção. Após reação com ânions superóxidos, o oxido nítrico forma o peroxinitrito, um poderoso agente oxidante. Durante a infecção, o peroxinitrito pode agir como um potente antimicrobiano. Contudo, o peroxinitrito é capaz de induzir a nitração dos resíduos de tirosina, alterando estrutura e função das proteínas, e poderia, quando não inativado, contribuir substancialmente para lesão tecidual e inflamação. A inflamação da mucosa luminar parece estar presente não somente nos ataques agudos de diverticulite e peridiverticulite, mas também na doença diverticular não complicada. Hipersensibilidade visceral é o termo utilizado para descrever uma percepção excessiva, ou uma resposta neural aferente excessiva, aos estímulos fisiológicos. Sintomas de pacientes com DDC sintomática não complicada podem ser indistinguíveis da síndrome do intestino irritável (SII). Os pacientes com sintomas de DDC não complicada mostraram um aumento na percepção da dor no colón sigmoide em comparação a controles saudáveis, e um aumento da percepção da dor no reto em comparação com pacientes com diverticulose e controles saudáveis. Esses resultados indicam uma hiperpercepção generalizada de estímulos intestinais na DDC sintomática que se assemelha a SII. A causa da hipersensibilidade visceral não é totalmente clara, mas há crescentes evidências de uma interação entre os sistemas imunológico e nervoso entérico. Estudos mostraram também aumento do polipeptídio intestinal vasoativo (VIP), neurotransmissor inibitório nos pacientes com DDC, o que pode explicar as alterações na motilidade colônica. Em conclusão, as causas da diverticulose e da doença diverticular ainda não estão totalmente esclarecidas, mas novas constatações provenientes de estudos mais recentes demonstram que, além das alterações da resistência da parede do colón, dos transtornos da motilidade colônica e de deficiências dietéticas, especialmente de fibras, a inflamação e o principal mecanismo patogenético, presente tanto na diverticulite como na doença diverticular não complicada sintomática. dM Gastro&Hepato RodrigoFC QUADRO CLÍNICO Atualmente, não há nenhuma classificação universal aceita para a DDC. Entretanto, alguns autores sugerem que a DDC pode ser classificada como doença sintomática não complicada, doença sintomática não complicada recorrente e doença complicada. Formas não complicadas 1) Doença diverticular sintomática não complicada Caracterizada por episódios não específicos de dor abdominal, geralmente em abdome inferior, localizada preferencialmente na fossa ilíaca esquerda ou região suprapúbica, sem evidência de sinais inflamatórios. A dor abdominal e geralmente do tipo cólica, mas pode ser constante, e é aliviada frequentemente com a eliminação de flatos ou com a evacuação. A alteração do hábito intestinal é caracterizada por períodos de diarreia intermitente alternada com períodos de obstipação. Quando existir diminuição da luz do colón, a obstipação poderá se tornar mais frequente e prolongada, acompanhada eventualmente de distensão abdominal. Distensão abdominal, flatulência e alteração do hábito intestinal também podem ser encontradas como consequência de supercrescimento bacteriano. Nesses casos, a constipação é mais comum que a diarreia. O paciente com doença diverticular não complicada pode se apresentar sem anormalidades ao exame físico. Ocasionalmente, pode ser identificada uma alça de sigmoide de consistência endurecida, as vezes dolorosa a palpação. Pode ser realizada a seguinte manobra para avaliar as condições do colón sigmoide: com o paciente deitado em decúbito dorsal, palpa-se o colón sigmoide, mantendo-o fixo ao encontro do plano posterior do abdome, posteriormente pede-se ao paciente que eleve o membro inferior esquerdo, de maneira a contrair o assoalho posterior do abdome. Na presença de DDC, o paciente refere dor localizada no local da palpação. Com o desenrolar da enfermidade, as dores podem se tornar mais intensas, a cólica abdominal pode dar lugar a dor localizada na fossa ilíaca esquerda e/ou no hipogástrio de tipo pulsátil e intermitente. Alterações do hábito intestinal, com mais frequência para obstipação e tenesmo podem estar presentes. 2) Doença diverticular não complicada recorrente Caracterizada pela forma intermitente da doença, com remissão e reaparecimento dos sintomas supracitados, geralmente diversas vezes ao ano. 3) Formas complicadas A complicação mais comum da doença diverticular é a diverticulite aguda, que ocorre em 10 a 25% dos pacientes. A hemorragia é também uma complicação frequente da doença diverticular, ocorrendo em 5 a 15% dos pacientes. Outras complicações menos prevalentes incluem abscesso, fleimão, perfuração, obstrução intestinal, peritonite fecal ou purulenta e fistulas. dM Gastro&Hepato RodrigoFC 3.1. Diverticulite aguda Os sintomas clássicos são dor no quadrante inferior esquerdo, febre (na maioria das vezes moderada), náuseas ou vômitos. Geralmente, nesses casos, encontram-se descompressão brusca positiva, no quadrante inferior esquerdo e, eventualmente, resistência a palpação ou massas. Tal forma de apresentação conceituou esse quadro como “apendicite aguda do lado esquerdo”, em virtude da semelhança de sinais e sintomas com a apendicite aguda, que usualmente ocorre na fossa ilíaca direita. A diverticulite em pacientes abaixo de 40 anos parece ser mais grave que no idoso. Divertículossituados no sigmoide respondem por mais de 90% dos casos e, em geral, apenas um divertículo gera complicação. Os divertículos com maior tendencia a perfuração geralmente são os maiores, por irrigação deficiente. O sistema classificado por Hinchey descreve as fases das complicações relacionadas com a doença diverticular perfurada. 3.2. Hemorragia A DDC é responsável pela maioria das enterorragias maciças do colón, podendo, quando em caráter agudo, resultar em choque hipovolêmico. Os divertículos que sangram mais frequentemente situam-se no colón direito, sendo em geral de origem arterial. A maioria dos sangramentos por doença diverticular é autolimitada e deve ser suspeitada em pacientes com hemorragia digestiva baixa volumosa, sem pródromos e indolor. Pode ocorrer em episódio único ou intermitente, e em geral decorre de apenas um divertículo. Na maioria dos casos, a hemorragia cessa espontaneamente, e a recidiva hemorrágica, após o primeiro episódio, ocorre em cerca de 30% dos doentes. Exames complementares O diagnóstico da doença diverticular aguda usualmente é clínico. Em pacientes com apresentação típica de doença diverticular não complicada, sem massas ou irritação peritoneal, o tratamento pode ser iniciado empiricamente, sem necessidade de exames laboratoriais ou de imagem. dM Gastro&Hepato RodrigoFC No caso de suspeita de diverticulite aguda é recomendada a realização de exames laboratoriais e de imagem. O hemograma completo é recomendado em todos os pacientes com suspeita de diverticulite aguda, e a maioria dos pacientes apresenta leucocitose discreta com contagens de leucócitos entre 10.000 e 12.000 céls/mm3. Contagens maiores sugerem quadros de maior gravidade, com complicações como abscessos ou perfuração. O exame de urina 1 pode mostrar leucocitúria e hematúria; fecalúria ocorre em fístulas colovesicais. As provas inflamatórias podem ser úteis em pacientes com suspeita de diverticulite aguda, com a proteína C reativa (PCR) sendo atualmente o exame laboratorial com a maior capacidade de predizer complicações. A maior parte dos pacientes com diverticulite apresenta PCR > 50 mg/dL e valores acima de 150 mg/dL sugerem complicações como perfuração. Outro exame útil para demonstrar inflamação, mas pouco disponível, é a calprotectina fecal. A dosagem de eletrólitos e função renal é recomendada em pacientes que necessitam de internação hospitalar. A radiografia simples de abdome é um exame de baixo rendimento diagnóstico, mas pode mostrar pneumoperitônio, pneumorretroperitônio, enfisema de retroperitônio nos casos de perfuração do cólon e sinais de bloqueio de alça de delgado na fossa ilíaca esquerda. A ultrassonografia (USG) pode ser utilizada como primeiro exame, embora a tomografia computadorizada (TC) seja considerada o exame de escolha para avaliação de pacientes com diverticulite aguda. Durante o exame ultrassonográfico deve-se realizar compressão do ponto considerado mais doloroso pelo paciente. Sinais sugestivos do diagnóstico incluem dor à compressão durante a visualização de um segmento colônico, espessamento hipoecogênico da parede, estreitamento ou obstrução completa da luz, região de hiperecogenicidade envolvendo o processo inflamatório (gordura pericólica e/ou omento), diminuição da motilidade intestinal, hipertrofia da musculatura lisa, aparência de “alvo” no colo transverso, abscesso e sinais de compressão do ureter (hidronefrose unilateral). Pode haver presença de abscesso localizado e/ou pélvico. O exame tem utilidade no seguimento, boa sensibilidade e bom valor preditivo positivo (90 e 96%, respectivamente) e alguns autores usam a TC apenas quando existe dúvida diagnóstica ou suspeita de complicações, mas a maior parte da literatura a considera o exame de escolha. A TC com contraste intravenoso e oral é considerada o exame padrão-ouro para o diagnóstico de diverticulite aguda, com sensibilidade de 98% e especificidade de 99%. Desvantagens do exame são o custo, a exposição à radiação e o aumento do tempo de permanência do paciente no serviço de emergência. Os principais achados tomográficos incluem espessamento da parede colônica > 4 mm e inflamação da gordura pericólica (diverticulite); presença de contraste na vagina e contraste e/ou ar na bexiga ou cavidade abdominal (fístula); presença de massa com sinais inflamatórios ao redor, que pode conter gás (abscesso); íleo paralítico, alterações inflamatórias difusas, líquido livre na cavidade e extravasamento de contraste (peritonite); distensão de cólon e eventualmente de delgado (obstrução colônica); compressão do ureter; trombose séptica da veia porta. O exame pode ainda ser utilizado para drenagem dirigida de abscessos diverticulares. Os exames com enema contrastado com bário não são mais recomendados para o manejo da diverticulite aguda (em algumas regiões do país o exame ainda é, sim, uma opção); também a ressonância magnética não é recomendada para avaliação diagnóstica. A colonoscopia na fase aguda não é recomendada e é potencialmente deletéria; após 4 a 8 semanas pode ser realizada para identificação de possível carcinoma colorretal. dM Gastro&Hepato RodrigoFC Os principais exames diagnósticos em pacientes com doença diverticular aguda são apresentados na tabela abaixo. Diagnóstico do quadro hemorrágico Os exames laboratoriais necessários incluem hemograma completo, coagulograma e tipagem sanguínea. Os estudos de coagulação incluem tempo de protrombina, tempo de tromboplastina parcial e contagem de plaquetas. Esses exames são particularmente apropriados em pacientes que utilizam anticoagulantes ou naqueles com doença hepática subjacente. Além disso, sugere-se a coleta de creatinina e ureia. No sangramento agudo e rápido, o nível inicial de hematócrito pode não refletir a quantidade real de perda de sangue, pois os pacientes apresentam perda de sangue total. Os níveis de hemoglobina e hematócrito costumam se alterar e refletir os valores reais apenas após 24 horas. Leucocitose é frequentemente presente devido ao aumento dos hormônios de estresse. O lactato sérico pode ser elevado em pacientes com choque. A colonoscopia é o melhor método no DE para o diagnóstico de HDB, com acurácia diagnóstica de 70 a 90% dos casos. Em pacientes em que não for possível realizar a colonoscopia inicialmente ou em quem a colonoscopia não foi capaz de identificar a fonte de sangramento, outros exames diagnósticos podem ser realizados, como a angiografia, a cintilografia ou a angiotomografia, dependendo da disponibilidade de recursos do serviço. A angiotomografia com multidetectores tem sensibilidade que varia entre 85 e 100% em diferentes estudos, com especificidade de 92 a 99% para detectar sangramento gastrointestinal ativo ou recente, e cerca de 93% de acurácia na determinação do local da hemorragia. Pode ser uma ferramenta útil antes de tratamento com angiografia convencional. Em pacientes instáveis, a angiotomografia, por não ser invasiva nem necessitar de preparo, é considerada o primeiro exame de escolha. Os pacientes são dM Gastro&Hepato RodrigoFC definidos se apresentarem índice de choque (frequência cardíaca/pressão arterial sistólica) > 1. Nos pacientes estáveis, o exame de escolha é a colonoscopia. A arteriografia pode detectar o local do sangramento, ajudar a orientar o tratamento cirúrgico e permite a realização de terapêuticas, como a embolização arterial percutânea ou a infusão de agentes vasoconstritores. No entanto, o diagnóstico e a terapêutica angiográfica requerem uma taxa de sangramento relativamente alta (pelo menos 0,5 mL/min). A sensibilidade do exame é de 46%, mas sua especificidade chega a 100%. Deve-se lembrar que podem ocorrer complicações significativas com a arteriografia. A cintilografia com hemácias marcadas com tecnécio pode detectar sangramentos tão pequenos quanto 0,1mL/min (apresentando maior sensibilidade do que a arteriografia) e é capaz de fazer o diagnóstico de sangramento intermitente, ocorrido até 24 horas antes, mas não é um bom exame para localização de sangramento. O exame é particularmente superior à arteriografia se o sangramento ocorrer de forma intermitente, mas requer um mínimo de 3 mL de sangue para ser positivo. A enteroscopia e a cápsula endoscópica podem ser consideradas em pacientes sem diagnóstico após os exames anteriores. A tabela abaixo apresenta os principais exames para identificar as causas de HDB com suas vantagens e desvantagens. Diagnóstico diferencial 1. Neoplasia do cólon: A doença diverticular pode simular ou se associar a neoplasia do colón, de tal maneira que, muitas vezes, o diagnostico somente pode ser estabelecido após o estudo da peça cirúrgica. A imagem radiológica pode ser duvidosa, e a colonoscopia, pela impossibilidade de o aparelho enfraquecer a área estenosada, pode não ser útil para o diagnostico diferencial. As duas doenças incidem na mesma faixa etária e tendem a se localizar no mesmo segmento do colón. 2. Colite isquêmica: Incide na mesma faixa etária, com preferência pelo colón esquerdo. O diagnostico diferencial poderá ser estabelecido por meio de exame radiológico e/ou endoscópico. 3. Apendicite aguda: Atinge, em geral, grupos etárias mais jovens. O diagnostico diferencial pode ser estabelecido por intermédio de exames radiológicos. 4. Outras patologias: Doenças do trato urinário, ginecológicas e osteoartrites sacroilíacas podem ser consideradas no diagnostico diferencial, embora raramente causem dificuldades diagnosticas. dM Gastro&Hepato RodrigoFC A maioria das doenças que fazem diagnostico diferencial com a DDC está listada no Quadro abaixo. Tratamento Os pacientes com diverticulose assintomática têm indicação apenas de medidas preventivas, como dieta rica em fibras e pobre em carnes e atividade física regular. Manutenção do peso ideal e evitar o tabagismo também são recomendados. Os pacientes com diverticulite não complicada, que representam 75% dos casos, têm como tratamento padrão o repouso intestinal e o uso de antibióticos. Estudos recentes têm questionado a eficácia da utilização de antibióticos nesses pacientes, mas, apesar de o benefício ser pequeno em relação à melhora dos sintomas, o risco de recorrência diminui. Em pacientes com quadro de choque séptico, cirurgia de emergência é indicada, mas em pacientes estáveis hemodinamicamente é indicada a realização de TC. Os pacientes em uso de anti-inflamatórios não esteroidais, corticosteroides, paracetamol, imunossupressores, opioides ou com insuficiência renal aguda têm maior risco de complicações e devem necessariamente ser tratados com antibióticos. O tempo de tratamento indicado é de 7 dias, mas um estudo recente sugere que o benefício é similar com o uso por apenas 4 dias. Entre as opções pode-se utilizar metronidazol combinado a ciprofloxacina ou amoxacilina com clavulonato. Em pacientes jovens e imunocompetentes, a internação hospitalar é desnecessária. São consideradas indicações de internação hospitalar: • Pacientes com complicação identificada no exame de imagem. • Sepse. • Microperfuração. • Imunossupressão. • Febre > 39°C. • Leucocitose significativa. • Idade avançada. • Dor com dificuldade em controlar. • Comorbidades significativas. • Incapacidade de ingestão oral. • Falha no tratamento ambulatorial. A tabela abaixo apresenta o uso dos principais antibióticos na diverticulite aguda. dM Gastro&Hepato RodrigoFC Pacientes com comorbidades significativas, inabilidade para ingesta oral, suporte social deficiente ou impossibilidade de seguimento ambulatorial têm internação recomendada para antibioticoterapia endovenosa. Os pacientes devem receber antiespasmódicos e analgésicos como a hiosciamina ou dipirona se apresentarem dor. Em pacientes sem melhora clínica após 2 dias de tratamento, recomenda-se a internação hospitalar e o uso de antibióticos endovenosos. As opções incluem metronidazol associado a quinolona endovenosa ou a cefalosporina de terceira geração como a ceftriaxona. A tabela abaixo apresenta os principais antibióticos de uso endovenoso no tratamento da diverticulite aguda. Os pacientes com suspeita de peritonite ou de perfuração de divertículo têm indicação de internação hospitalar e devem ser avaliados quanto à necessidade de cirurgia de emergência. Os pacientes com doença complicada têm o tratamento dependente do estádio (classificado por Hinchey) da doença: • Estádio I: – O paciente deverá ser internado e mantido em jejum, com hidratação e antibioticoterapia para cobrir bactérias Gram-negativas e anaeróbias. – Deverá ser internado por 48 a 72 h com reavaliação frequente e, em casos de piora clínica, considerar indicação cirúrgica. Abscessos < 3-4 cm não costumam necessitar de intervenção cirúrgica. – Após 24 h, se o paciente estiver bem, pode ser reiniciada dieta pobre em resíduos. – Não está indicada a passagem de sonda nasogástrica, a não ser que exista obstrução intestinal e o paciente esteja vomitando. • Estádio II: – Nos casos em que há abscesso localizado na região retroperitoneal ou pélvica, a TC pode orientar a drenagem percutânea. Se for bem-sucedida, o paciente pode permanecer em tratamento clínico como no estádio I. – O tratamento cirúrgico será feito após resolução do quadro infeccioso. Quando não for possível a drenagem percutânea ou se o paciente não melhorar clinicamente com ela, a cirurgia estará indicada. – Abscessos < 3-4 cm podem ter abordagem conservadora, mas os pacientes devem ser mantidos em jejum pela possibilidade de intervenção cirúrgica. Abscessos > 4 cm podem ser tratados por drenagem guiada por US ou TC. – A cirurgia preconizada é a ressecção do segmento colônico comprometido e a drenagem do abscesso. Em casos selecionados poderá ser feita anastomose primária com preparo intraoperatório do cólon com ou sem colostomia de proteção, dependendo do quadro clínico do paciente e da experiência do cirurgião. – Pacientes com peritonite generalizada devem ser submetidos a laparoscopia diagnóstica. dM Gastro&Hepato RodrigoFC • Estádios III e IV: – Após a compensação clínica, o paciente é submetido a laparotomia com ressecção do cólon comprometido, colostomia proximal e sepultamento do coto distal (Hartmann) ou exteriorização do coto distal do cólon (fístula mucosa). O procedimento de Hartman é escolha na peritonite purulenta. – Em pacientes com > 2 episódios de diverticulite aguda, pode ser considerada ressecção eletiva do cólon. Tratamento do quadro hemorrágico O foco inicial do tratamento é a ressuscitação hemodinâmica dos pacientes, com obtenção de acessos venosos calibrosos em duas veias periféricas e o objetivo de manter a pressão arterial sistólica acima de 80 mmHg. Monitorização contínua deve ser realizada, e oxigênio suplementar deve ser ofertado pelo menos até a realização da oximetria. Os pacientes que necessitam de reposição volêmica devem iniciá-la com cristaloides. Em nosso serviço a solução de escolha é o Ringer lactato, mas a salina fisiológica é igualmente aceitável. Uma opção é iniciar com 500 mL de volume em 30 minutos com reavaliação posterior. Coagulopatias devem ser corrigidas, em pacientes com INR > 1,5 e plaquetas devem ser transfundidas se < 50.000 mm³. O complexo protrombínico é uma opção, se o INR é alterado por intoxicação cumarínica e o plasma fresco congelado em outras causas com suspeita de déficit de vários fatores de coagulação. A transfusão de concentrado de hemácias é indicada em pacientes com Hb < 7 g/dL (considerar meta de Hb 9 g/dL se síndrome coronariana aguda). Deve-se lembrar que nos sangramentos agudos os valores de hematócrito podem não representar o status verdadeiro do volume sanguíneo,porque pode demorar várias horas para haver redução do hematócrito. Pacientes com sangramento ativo contínuo e falha na melhora da perfusão e dos sinais vitais após a infusão de 2 L de cristaloides devem receber transfusão. O limiar para transfusão sanguínea deve ser individualizado e usualmente é menor nos pacientes idosos. A passagem de sonda nasogástrica para estabelecimento de local de sangramento não é recomendada de forma rotineira, e provavelmente só é benéfica em pacientes com HDB significativa, com suspeita de HDA, em que se considera intervenção cirúrgica ou endoscópica imediata. Em pacientes instáveis que não podem aguardar o exame endoscópico, uma opção é a angiotomografia computadorizada. A retossigmoidoscopia flexível pode avaliar possíveis fontes distais de sangramento no cólon e no reto, mas não consegue identificar fontes mais proximais de sangramento. Pacientes com sangramentos menores definidos pela classificação de Oakland < 8 podem ser seguidos ambulatorialmente, já em pacientes com escore > 8 as diretrizes recomendam internação para realização de colonoscopia. A colonoscopia pode diagnosticar várias fontes de sangramento digestivo baixo, como diverticulose ou angiodisplasia, e pode permitir a ablação de locais de sangramento com vários métodos de hemostasia endoscópica (escleroterapia por injeção, eletrocoagulação, terapia com sonda de aquecimento, bandagem e clipagem). O tempo para a realização de colonoscopia varia conforme diferentes autores: alguns estudos sugerem que a realização urgente, nas primeiras 12 a 24 horas de internação, é segura e precisa; outros relatam que a colonoscopia tardia é apropriada em pacientes estáveis. A preparação da colonoscopia com polietilenoglicol pode ser realizada em hemorragias significativas, mas não graves, para melhorar a visualização colônica. Pacientes com sangramento contínuo e falha da hemostasia endoscópica podem necessitar de cirurgia de emergência. A proporção relatada de pacientes que necessitam dM Gastro&Hepato RodrigoFC de cirurgia varia de 5 a 25%. A tabela abaixo resume as indicações cirúrgicas nesses pacientes. Pacientes em uso de varfarina devem descontinuar seu uso; caso sangramento com instabilidade, podem ser utilizados complexo protrombínico ou plasma fresco congelado e vitamina K. A medicação pode retornar após 7 dias do quadro hemorrágico. Se o risco trombótico for muito alto (valva mitral metálica, tromboembolismo venoso agudo...), pode-se considerar heparina de baixo peso molecular com 48 horas do quadro hemorrágico. Terapia antitrombótica com AAS para profilaxia primária deve ser descontinuada, mas em casos de profilaxia secundária pode-se reiniciar após atingir hemostasia; terapia dupla antiagregação também pode ser mantida para pacientes com stents coronarianos quando a hemostasia for atingida. Em pacientes em uso dos novos anticoagulantes orais, estes devem ser interrompidos durante a hemorragia aguda e o idarucizumab ou andaxanet são opções em sangramento não controlado. A terapia anticoagulante pode retornar em 7 dias. Indicações de internação, terapia intensiva e seguimento Pacientes jovens, imunocompetentes e sem doença complicada podem ser tratados ambulatorialmente; os outros têm indicação de internação hospitalar. Raramente é necessária internação em UTI, exceto em pacientes com peritonite generalizada. Todos os pacientes irão necessitar de seguimento ambulatorial. Referências • MARTINS, M. A.; CARRILHO, F. J.; ALVES, V. A. F.; CASTILHO, E. A.; CERRI, G. G. Clínica Médica: doença do aparelho digestivo, nutrição e doenças nutricionais. [S.l: s.n.], 2016. • ZATERKA, S.; EISEIG, J.N. Tratado de Gastroenterologia da Graduação à Pós- graduação. 2 ed, São Paulo: Editora Atheneu, 2016. • SCHULTZ, J. K. et. al. European Society of Coloproctology: guidelines for the management of diverticular disease of the colon. Colorectal disease. Mar 2020. • VELASCO, I. T et. al. Medicina de emergência: abordagem prática. 14. ed., Barueri [SP]: Manole, 2020.
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