Buscar

ABBAGNANO, Nicola História da Filosofia IV

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 41 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 41 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 41 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

HISTORIADA FILOSOFIA 
NICOLA ABBAGNANO 
VOLUME IV 
ALBERTO MAGNO. TOMÁS DE AQUINO. BOÉCIO. LÓGICA 
DO SÉCULO XI I I : RAIMUNDO LÚLIO. POLÉMICA EM TORNO 
DO TOMISMO. FILOSOFIA DA NATUREZA NO SÉCULO XI I I . 
ROGÉRIO BACON, MISTICISMO ALEMÃO 
E D I T O R I A L P R E S E N Ç A 
PELSTER, Kritische Studien zu Leben und zuden Schrif-
ten A. s. d. Gr., 1920. Sobre as relações com Platão: 
GAUL, in «Beiträge», XII, 1, 1913. Sobre as relações 
com Maimónides: JOËL, Das Verhältnis A.s d. Gr. zu 
Moses Maimonides, 1863. 
§ 271 . Sobre a psicologia: SCHNEIDER, in «Bei-
träge», IV, 5-6ß, 1903, 1906. 
comunicado a tradução); o Comentário a Boécio 
e ao De divinis nominibus do Pseudo-Dionísio; e, 
finalmente, as suas obras principais: a Swnma de 
veritate fidei catholicae contra Gentiles (1259-64), o 
segundo Comentário às Sentenças e a Summa theolo-
giae, a sua obra-prima, cujas duas primeiras partes 
foram escritas em 1265-71, enquanto a terceira, até 
à questão 90, foi composta entre 1271 e 1273. 
A morte impediu-o de completar esta obra, cujo 
Suplemento foi acrescentado por Reginaldo de 
Piperno. 
Acrescentem-se ainda as Quaestiones disputatae 
e quodlibetales, que reflectem especialmente a acti-
vidade polémica de S. Tomás contra os averroístas 
e os teólogos agustinianos. Dos numerosos opúsculos, 
os mais famosos são o De unitate intellectus contra 
Averroístas & o De regimine principum. O primeiro, 
escrito durante a sua segunda estada em Paris (por 
volta de 1270) é dirigido contra os averroístas latinos 
(§ 283). Do segundo, só podem ser-lhe atribuídos 
o livro I e os 4 primeiros capítulos do livro II: p 
restante é obra de Bartolomeu de Lucca. 
§ 274. RAZÃO E FÉ 
O sistema tomista baseia-se na determinação 
rigorosa das relações entre a razão e a revelação. 
Ao homem, cujo fim último é Deus, o qual excede 
a compreensão da razão, não basta a investigação 
filosófica baseada na razão. Mesmo aquelas verdades 
que a razão pode alcançar sozinha, não é dado a 
todos alcançá-las, e não está liberto de erros o 
caminho que a elas conduz. Foi portanto necessário 
que o homem fosse instruído convenientemente e com 
mais certeza pela revelação divina. Mas a revelação 
nem anula nem torna inútil a razão: «a graça não 
elimina a natureza, antes a aperfeiçoa». A razão 
natural subordina-se à fé, tal como no campo prático 
as inclinações naturais se subordinam à caridade. 
É evidente que a razão não pode demonstrar o que 
pertence ao âmbito da fé, porque então a fé perderia 
todo o mérito. Mas pode servir a fé de três modos 
diferentes. Em primeiro lugar, demonstrando os 
preâmbulos da fé, ou seja aquelas verdades cuja 
demonstração é necessária à própria fé. Não se pode 
crer naquilo que Deus revelou, se não se sabe que 
Deus existe. A razão natural demonstra que Deus 
existe, que é uno, que tem as características e os 
atributos que podem inferir-se da consideração das 
coisas por ele criadas. Em segundo lugar, a filosofia 
pode ser utilizada para aclarar as verdades da fé 
mediante comparações. Em terceiro lugar, pode reba-
ter as objecções contra a fé, demonstrando que são 
falsas ou, pelo menos, que não têm força demons-
trativa (In Boet. De trinit., a. 3). 
Por outro lado, porém, a razão tem a sua própria 
verdade. Os princípios que lhe são intrínsecos e que 
são certíssimos sendo impossível pensar que são 
falsos, foram infundidos pelo próprio Deus, que é 
o autor da natureza humana. Estes princípios derivam 
portanto da Sapiência divina e fazem parte dela. 
A verdade de razão nunca pode ser contrária à 
verdade revelada: a verdade não pode contradizer 
a verdade. Quando surge uma contradição, é sinal 
de que não se trata de uma verdade racional, mas 
de conclusões falsas ou, pelo menos, não necessárias: 
a fé é a regra do recto proceder da razão (Contra 
Gent., I, 7). 
O princípio aristotélico segundo o qual «todo 
o conhecimento começa pelos sentidos» é utilizado 
por S. Tomás para limitar a capacidade e as pre-
tensões da razão. A razão humana pode, é certo, 
elevar-se até Deus, mas sòmente, partindo das coisas 
sensíveis. «Mediante a razão natural, o homem não 
pode alcançar o conhecimento de Deus senão através 
• l i . criaturas. As criaturas conduzem ao conheci-
inrnlo de Deus, como o efeito conduz à sua causa, 
rui lunto, com a razão natural só se pode conhecer 
ili Deus aquilo que necessàriamente lhe compete 
enquanto é o princípio de todas as coisas existentes» 
(V Ih., I, q. 32, a. 1). Das duas demonstrações 
possíveis à razão, a a priori ou propíer quid, que 
Imi te da essência de uma causa para descer aos seus 
eleitos, e a posteriori ou quia, que parte do efeito 
I IH i a remontar à causa, só a segunda pode ser 
utilizada para o conhecimento de Deus (lh., 1, q. 2, 
•i .!). Mas essa, se leva a reconhecer com necessidade 
ii existência de Deus como causa primeira, nada diz 
acerca da essência de Deus. Portanto, a força da 
m/fio não consegue demonstrar a Trindade e a 
I ncarnação, nem todos os mistérios que com esses 
se relacionam. Tais mistérios constituem os verda-
deiros «artigos de fé» que a razão pode dilucidar 
o defender, mas não demonstrar; enquanto que a 
existência de Deus, e tudo o que acerca de Deus 
n força da razão consegue alcançar e demonstrar, 
constitui os preâmbulos da fé. 
Esclarecidos assim os respectivos domínios da fé 
o da razão, S. Tomás passa a esclarecer os cor-
respondentes actos. Aceitando uma definição de 
Santo Agostinho (De praedest. Sanctorum, 2), S. 
Tomás define o acto da fé, o crer, como um «pensar 
com anuência» (cogitare cum assensu) entendendo 
por «pensar» a «consideração indagadora do inte-
lecto e o consentimento da vontade». O pensar que 
é próprio da fé é um acto intelectual que continua 
a indagar porque não chegou ainda à perfeição da 
visão certa. Ora, a anuência não acompanha todos 
os actos intelectuais desta espécie: o duvidar consiste 
no não nos inclinarmos nem para o sim nem para 
o não; o suspeitar consiste em nos inclinarmos para 
um lado, mas sendo tentados ou movidos por todos 
os pequenos sinais da outra parte; o opinar na 
aderência a uma coisa, com receio que a contrária 
seja verdadeira. «Mas este acto que é o crer, diz 
S. Tomás (S. th., II, 2, q. 2, a. 1), inclui a adesão 
firme a uma das partes; no que o crente se assemelha 
ao que tem ciência ou inteligência; o seu conheci-
mento, todavia, não é perfeito como o do que tem 
uma visão evidente; no que ele se assemelha ao que 
duvida, suspeita ou opina. E assim, é próprio do 
crente pensar com anuência». O assentimento implí-
cito na fé, se é semelhante pela sua firmeza ao que 
é implícito na inteligência e na ciência, é diferente 
pelo seu móbil: dado que não é produzido pelo 
objecto, mas por uma escolha voluntária que inclina 
o homem para um lado e não para o outro. Com 
efeito, o objecto da fé não é «visto» nem pelos 
sentidos nem pela inteligência, dado que a fé, como 
disse S. Paulo (Ebrei, XI, 1), é «a prova das coisas 
que se não vêem» (S. th., II, 2, q. 7, a. 4). Deste 
modo S. Tomás, embora reconhecendo à fé uma 
certeza superior à do saber científico, funda essa 
certeza na vontade, reservando sòmente à ciência a 
certeza objectiva. 
§ 275. TEORIA DO CONHECIMENTO 
A teoria tomísta do conhecimento é decalcada 
sobre a aristotélica. A sua característica mais original 
é o relevo que nela toma o carácter abstractivo do 
processo do conhecimento e, consequentemente, a 
teoria da abstracção. Comentando a passagem do 
De anima (III, 8, 431b) onde se afirma que «a alma 
é, de certo modo, todas as coisas» (porque as 
conhece todas), diz S. Tomás: «Se a alma é todas 
as coisas, é necessário que ela ou seja as próprias 
coisas, sensíveis ou inteligíveis — no sentido em que 
Empédocles afirmou que nós conhecemos a terra 
com a terra, a água com a água, etc. — ou então 
seja as espécies das próprias coisas. Porém a alma 
não é as coisas, porque, por exemplo, na alma não 
está a pedra mas a espécie da pedra». Ora a espécie 
(eidos) é a jorina da coisa.Por conseguinte, «o 
intelecto é uma potência receptora de todas as 
formas inteligíveis e o sentido é uma potência 
receptora de todas as formas sensíveis». Deste modo, 
o princípio geral do conhecimento é «cognitum est 
in cognoscente per modum cognoscentis» (o objecto 
conhecido está no sujeito cognoscente em conformi-
dade com a natureza do sujeito cognoscente). 
O processo através do qual o sujeito cognoscente 
recebe o objecto é a abstracção. 
O intelecto humano ocupa uma posição interme-
diária entre os sentidos corpóreos, que conhecem a 
forma unida à matéria das coisas particulares, e os 
intelectos angélicos, que conhecem a forma separada 
da matéria. Isto é uma virtude da alma que é forma 
do corpo: portanto, pode conhecer as formas das 
coisas só enquanto estão unidas aos corpos e não 
(como queria Platão) enquanto estão separadas deles. 
Mas no acto de conhecer, abstrai-as dos corpos; o 
conhecer é portanto um abstrair a forma da matéria 
individual, e, assim, extrair o universal do particular, 
a espécie inteligível das imagens singulares (fan-
tasmas). Do mesmo modo que podemos considerar 
a cor dum fruto, prescindindo do fruto, sem que por 
tal afirmemos que exista separada do fruto; também 
podemos conhecer as formas ou espécies universais 
do homem, do cavalo, da pedra, prescindindo dos 
princípios individuais a que estão unidas; mas sem 
pretender que elas existam separadas destes. Por-
tanto, a abstracção não falsifica a realidade. Ela 
não afirma a separação real da forma em relação 
à matéria individual: permite Cinicamente a consi-
deração separada da forma; e tal consideração é o 
conhecimento intelectual humano. É de notar que 
esta consideração separa a forma não da matéria 
t 
em geral mas da matéria individual; pois, de con-
trário, não poderíamos entender que o homem, a 
pedra ou o cavalo também são constituídos por 
matéria. «A matéria é dúplice, diz S. Tomás (S. th., 
I q. 85, a. 1), isto é, comum e signata ou individual; 
comum, como a carne e os ossos, signata como esta 
carne e estes ossos. O intelecto abstrai a espécie da 
coisa natural da matéria sensível individual, mas não 
da matéria sensível comum. Por exemplo, abstrai a 
espécie do homem desta carne e destes ossos que 
não pertencem à natureza da espécie mas fazem 
parte do indivíduo, e das quais, portanto, podemos 
prescindir. Mas a espécie do homem não pode ser 
abstraída pelo intelecto, da carne e dos ossos em 
geral». 
Donde resulta que, para S. Tomás, o principium 
individuationis, o que determina a natureza própria 
de cada indivíduo e portanto o que o diferencia dos 
outros, não é a matéria comum (e de facto todos 
os homens têm carne e ossos, não se diferenciando 
portanto nesta medida); mas sim a matéria signata 
ou, como ele também diz (De ente et essentia, 2), a 
«matéria considerada sobre determinadas dimensões». 
Assim, um homem é distinto de outro não porque 
está unido a um determinado corpo, distinto do dos 
outros homens por dimensões, isto é, pela sua situa-
ção no espaço e no tempo. Resulta ainda desta 
doutrina que o universal não subsiste fora das coisas 
individuais, mas sòmente nelas é real (Contra Gent., 
I, 65). De modo que ele é in re (como forma das 
coisas) e post rem (no intelecto); ante rem, só na 
mente divina, como princípio ou modelo (ideia) das 
coisas criadas (In Sent., II, dist. III, q. 2, a. 2). 
O universal é objecto próprio e directo do inte-
lecto. Pelo seu próprio funcionamento, o intelecto 
humano não pode conhecer directamente as coisas 
individuais. Com efeito, ele procede abstraindo da 
matéria individual a espécie inteligível; e a espécie, 
i)iir c o produto de tal abstracção, é o próprio uni-
VIMMII. A coisa individual não pode portanto ser 
i iiiiluvida pelo intelecto senão indirectamente, por 
mim espécie de reflexão. Dado que o intelecto 
•il' liai o universal das imagens particulares e nada 
I im lo entender senão voltando-se para as próprias 
liiiiil-ons Cconvertendo se ad phantasmata), ele também 
directamente conhece as coisas particulares, às 
i|imÍN as imagens pertencem (S. th., I, q. 86, a. 1). 
<) intelecto que abstrai as formas da matéria 
individual é o intelecto agente. O intelecto humano 
A um intelecto finito, que, ao contrário do intelecto 
Hiirlico, não conhece em acto todos os inteligíveis, 
mi r. tem sòmente a potência (ou possibilidade) de os 
iiuihecer; é, portanto, um intelecto possível. Mas 
iiiiuo «nada passa da potência ao acto senão por 
• •Ina do que já está em acto», a possibilidade de 
i iiiihccer, próprio do nosso intelecto, torna-se conhe-
i Inicnto efectivo por acção dum intelecto agente, 
ii qual faz com que os inteligíveis passem a acto, 
nlisiraindo-os das condições materiais, e actuando 
|'.fjundo a comparação aristotélica) como a luz 
nobre as cores (Ih., I, q. 79, especialmente a. 3). 
i unira Averróis e seus seguidores, S. Tomás afirma 
• »licitamente a unidade deste intelecto com a alma 
humana. Se o intelecto agente estivesse separado do 
In unem, não seria o homem a entender, mas sim o 
I«I« tenso intelecto separado a entender o homem e 
ir. imagens que estão nele: o intelecto deve, portanto, 
I a/cr parte essencial da alma humana (Ih., I, q. 76, 
a I; Contra Gent., II, 76). Por isso também o inte-
lei lo activo não é um só, mas há tantos intelectos 
netlvos quantas as almas humanas: contra a tese 
da unicidade do intelecto, a qual era sustentada pelos 
iivorroístas, é dirigido o opúsculo famoso de S. Tomás, 
/»c unitate intellectus contra Averroístas (§ 284). 
O procedimento abstractivo do intelecto garante 
•i verdade do conhecimento intelectual, porque 
garante que a espécie existente no intelecto 6 a 
própria forma da coisa. Retomando a definição danln 
por Isaac (§ 245) no seu Liber de defimtionibui, 
S. Tomás define a verdade como «a adequação do 
intelecto e da coisa» (5. th., I, q. 16, a. 2; Contra 
Gent., I, 59; De ver., q. 1, a 1). As coisas naturais, í 
das quais o nosso intelecto recebe o saber, são a 
sua medida: já que ele possui a verdade só enquanto 
se conforma às coisas. Estas são, por sua vez, 
medidas pelo intelecto divino, no qual subsistem 
as suas formas do mesmo modo que as formas das 
coisas artificiais subsistem no intelecto do artífice. 
«O intelecto divino é medidor, mas não medido; 
a coisa natural é medidora (em relação ao homem) 
e medida (em relação a Deus); o nosso intelecto 
é medido, e não mede as coisas naturais mas 
sòmente as artificiais» (De ver., q. 1, a. 1). Portanto, 
Deus é a verdade suprema, enquanto o seu entender 
é a medida do todo que existe e de qualquer outro 
entender (S. th., I, q. 16, a. 5). Por isso, a ciência 
que ele tem das coisas é a causa delas, do mesmo 
modo que a ciência que o artífice tem a coisa 
artificial é causa dessa coisa. Em Deus, o ser e o 
entender coincidem: entender as coisas singnifica, 
em Deus, comunicar-lhes o ser, desde que ao enten-
der se una a vontade criadora (1b„ I, q. 14, a. 9). 
Isto estabelece uma diferença radical entre o 
intelecto divino e o humano, entre a ciência divina 
e a humana. Deus entende todas as coisas mediante 
a simples inteligência da própria coisa: com um 
só acto Deus capta (e, querendo, cria) a essência 
total e completa da coisa, ou antes, de todas as 
coisas na sua totalidade e plenitude. Pelo contrário, 
o nosso intelecto não consegue com um só acto o 
conhecimento perfeito de uma coisa; mas primeiro 
aipreende-Jihe um qualquer, dos seus elementos, por 
exemplo, a essência, que é o objecto primeiro e 
próprio do intelecto, e depois passa a entender a 
propriedade, os acidentes e todas as disposições ou. 
comportamentos que são próprios da coisa. Daqui 
deriva que o conhecimento intelectual humano se 
desdobra em actos sucessivos, segundo uma sequên-
cia temporal; actos de composição ou de divisão, 
isto é, afirmações ou negações, que exprimem 
mediante proposições aquilo que o intelecto vai 
sucessivamente conhecendo da própria coisa. O 
proceder do intelecto, de uma composição ou 
divisãoa outras sucessivas composições ou divi-
sões, isto é, de uma proposição a outra, é o 
raciocínio; e a ciência que assim se vai consti-
tuindo por sucessivos e conexos actos de afirmação 
ou de negação é a ciência discursiva. O conheci-
mento humano é, portanto, conhecimento racional, 
e a ciência humana, oiênoia discursiva: características 
que não se podem atribuir ao conhecimento e à 
ciência de Deus, o qual entende tudo e simultanea-
mente em si próprio, mediante um acto simples e 
perfeito de inteligência (Ib., I, q. 14, a. 7, 8, 14; 
q. 85, a. 5; Contra Geni., I, 57-58). Isto estabelece 
também uma diferença radical entre a autocons-
ciência divina e a humana. Deus não só se conhece 
a si próprio, mas também a todas as coisas, através 
da sua essência que é acto puro e perfeito, e por-
tanto, perfeitamente inteligível por si mesmo. O 
anjo, cuja essência é acto, mas não acto puro 
porque é essência criada, conhece-se a si mesmo 
por essência, mas não conhece as outras coisas 
senão através das suas semelhanças. O intelecto 
humano, pelo contrário, não é acto mas sim potên-
cia; só passa a acto através das espécies abstraídas 
das coisas sensíveis em virtude do intelecto agente: 
não pode, portanto, conhecer-se senão no acto de 
fazer esta abstracção. Este conhecimento pode veri-
ficar-se de dois modos: singularmente, como quando 
Sócrates ou Platão têm consciência (percipit) do 
ter uma alma intelectiva pelo facto de terem cons-
ciência de entender; geralmente, como quando con-
sideramos a natureza da mente humana com baso 
na actividade do intelecto. Este segundo conheci» 
mento depende da luz que o noso intelecto recebe 
da verdade divina, na qual residem as razões dc 
todas as coisas; e exige uma investigação diligente 
e subtil, enquanto que o primeiro é imediato (5. th., 
I, q. 87, a. 1). 
A possibilidade do erro está no carácter ratio-
cinador do conhecimento humano. O sentido não se 
engana acerca do objecto que lhe é próprio (por 
exemplo, a vista acerca das cores), a menos que 
haja uma perturbação acidental do órgão. O inte-
lecto também não pode enganar-se acerca do objecto 
que lhe é próprio. Ora o objecto próprio do inte-
lecto é a essência ou quididade da coisa; não se 
engana, portanto, acerca da essência, mas pode 
enganar-se acerca das particularidades que acom-
panham a essência e que ele consegue conhecer 
compondo e dividindo (ou seja) mediante o juízo) 
ou através do raciocínio. O intelecto pode também 
incorrer em erro acerca da essência das coisas 
compostas, ao formular a definição que deve resul-
tar de diferentes elementos: isto ocorre quando 
refere a uma coisa a definição (em si mesma ver-
dadeira) de uma outra coisa, por exemplo, a do 
círculo ao triângulo; ou quando reúne elementos 
opostos, numa definição que por isso resulta ser 
falsa, por exemplo, se define o homem como «ani-
mal racional alado». No que se refere às coisas 
simples, em cuja definição não intervém nenhuma 
composição, o intelecto não pode enganar-se; só 
pode ser imperfeito, permanecendo na ignorância 
da sua definição (lb„ I, q. 85, a. 6). 
§ 276. METAFÍSICA 
No De ente et assentia, que é a sua primeira 
obra e como que o seu Discuso do método, S. Tomás 
estabelece o princípio fundamental que, reformando 
.1 metafísica aristotélica, a adapta às exigências do 
dogma cristão: a distinção real entre essência e exis-
lOncia. Este princípio, de que mostrámos a progres-
siva afirmação na filosofia medieval, é aceite por 
S, Tomás na forma que recebera de Avicena \ 
Mas este princípio, servira a Avicena para fixar na 
forma mais rigorosa a necessidade do ser, de todo 
o ser, inclusivé do ser finito. Com efeito, a dife-
rença entre o ser cuja essência implica a existência 
(l)eus) e o ser cuja essência não implica a existência 
(o ser finito) consiste, segundo Avicena, em que o 
primeiro é necessário por si, o segundo é necessá-
rio por outro, e, portanto, deriva desse outro (do 
ser necessário) quanto à sua existência actual. Na 
interpretação de Avicena, o princípio exclui a cria-
ção, implicando somente a derivação causal e 
necessária das coisas finitas em relação a Deus. 
Na doutrina tomista, pelo contrário, tem a função 
de levar a exigência da criação à própria consti-
tuição das coisas finitas, e é por isso o princípio 
reformador que S. Tomás utiliza para adaptar ple-
namente o aristotelismo à tarefa da interpretação 
dogmática. 
O primeiro resultado deste princípio na doutrina 
tomista é de separar a distinção entre potência e 
acto da distinção entre-matéria e forma, conver-
T- Met., II, tract. V, 1. De Avicena o principio 
passou a Maimónides, que o modificou, reduzindo a 
existência a um simples acidente da essência (Guide 
des égarés, tradução Munk, p. 230-233). S .Tomás 
nega que a existência seja um acidente (Quodl., q. 12, 
a. 5) e retoma o princípio tal como o havia enuciado 
Avicena. 
tendo-a numa distinção à parte. Para Aristóteles, 
potência e acto identificam-se, respectivamente, com 
matéria e forma: não há potência que não seja 
matéria, nem acto que não seja forma, e recipro-
camente. S. Tomás considera que não só a matéria 
e a forma, mas também a essência e a existência 
estão entre si na relação de potência e acto. A essên-
cia, que ele também denomina quididade ou natu-
reza, compreende não só a forma mas também a 
matéria das coisas compostas; dado que compreende 
tudo o que é expresso na definição da coisa. Por 
exemplo, a essência do homem, que é definido 
como «animal racional», compreende não sô a 
«racionalidade» (forma) mas também a «animali-
dade» (matéria). A essência, assim entendida, dis-
tingue-se do ser ou existência das próprias coisas; 
podemos entender, por exemplo, o que (quid) é o 
homem ou a fénix (essência), sem saber se o homem 
ou a fénix existem (esse) (De e. et ess., 3). Portanto, 
substâncias como o homem e a fénix estão com-
postas por essência (matéria e forma) e existên-
cia, separáveis entre si: nelas, a essência e a 
existência estão entre si como a potência e o acto; 
a essência está em potência em relação à existência, 
a existência é o acto da essência; e a união da 
essência com a existência, isto é, a passagem de 
potência a acto, requer a intervenção criadora de 
Deus. Ora, nas substâncias que são forma pura sem 
matéria (os anjos, como inteligências puras) falta 
evidentemente a composição de matéria e forma, 
mas não falta a de essência e existência: também 
neles, com efeito, a essência é sòmente potência 
em relação à existência e também a sua existência 
requer, por isso, o acto criador de Deus. Só em 
Deus a essência é a própria existência, porque Deus 
é por essência e, portanto, por definição; portanto, 
em Deus não há uma essência que seja potência; 
ele é acto puro (S. th., I, q. 50, a. 2). Por conse-
guinte, a essência pode estar na substância, de três 
modos diferentes. 1.° Na última substância divina 
a essência é idêntica à existência: por isso Deus é 
necessário e eterno. 2.° Nas substâncias angélicas, 
privadas de matéria, a existência é diferente da 
essência: o seu ser não é, portanto, absoluto, mas 
sim oriado e finito. 3." Nas substâncias compostas 
de matéria e forma o ser é-lhes acrescentado do 
exterior e é, portanto, criado e finito. Estas últimas 
substâncias, dado que incluem matéria que é o prin-
cípio de individuação, multiplicam-se em vários 
indivíduos: o que não acontece nas substâncias 
angélicas, as quais carecem de matéria. 
Com esta reforma radical da metafísica aristo-
télica, S. Tomás faz com que a própria constituição 
das substâncias finitas exija a criação divina. 
Aristóteles, identificando com a forma a existência 
cm acto, estabelece que onde há forma há reali-
dade em acto, e que por isso a forma é por si 
mesma indestrutível e incriável, portanto, necessá-
ria e eterna como Deus. Garante assim a eternidade 
da estrutura formal do universo (géneros, espécies, 
formas e, duma maneira geral, substâncias). Do seu 
universo é excluída a criação, assim como toda a 
intervençãoactiva de Deus na constituição das coi-
sas. E precisamente por isto, o seu sistema parecia 
(e era) irredutlvelmente contrário ao cristianismo, e 
pouco adequado para lhe exprimir as verdades fun-
damentais. A reforma tomista altera radicalmente 
a metafísica aristotélica, transformando-a de estudo 
do ser necessário em estudo do ser criado. 
Por consequência, o termo «ser» aplicado à cria-
tura tem um significado não idêntico, mas só 
semelhante ou correspondente ao ser de Deus. É 
este o princípio da analogicidade do ser que S. To-
más extrai de Aristóteles, mas ao qual dá um valor 
completamente diferente. Evidentemente que Aris-
tóteles havia distinguido vários significados do ser, 
mas só em relação às várias categorias, e os tinha 
referido todos ao único significado fundamental que 
é o de substância (ousia), o ser enquanto ser, o 
objecto da metafísica (§ 72). Por isso, não distin-
guia, nem podia distinguir, entre o ser de Deus 
e o ser das outras coisas; por exemplo, Deus e a 
mente são substâncias precisamente no mesmo sen-
tido (Et. Nic., I, 4, 1096 a). Por sua vez, S. Tomás, 
em virtude da distinção real entre essência e exis-
tência, distinguiria o ser das criaturas, separável da 
essência e, portanto criado, do ser de Deus, idên-
tico à essência e, portanto, necessário. Estes dois 
significados do ser não são unívocos, isto é, idên-
ticos, mas também não são equívocos, isto é, sim-
plesmente diferentes; são análogos, isto é, seme-
lhantes, porém de proporções diferentes. Só Deus 
é ser por essência, as criaturas têm o ser por par-
ticipação; as criaturas enquanto são, são semelhan-
tes a Deus, que é o primeiro princípio universal 
de todo o ser, mas Deus não é semelhante a elas: 
esta relação é a analogia (S. th., I, q. 4, a. 3). A 
relação analógica estende-se a todos os predicados 
que se atribuem ao mesmo tempo a Deus e às 
criaturas; porque é evidente que na Causa agente 
devem subsistir de modo indivisível e simples 
aqueles caracteres que nos efeitos são divididos e 
múltiplos; do mesmo modo que o sol na unidade 
da sua força produz no mundo terreno formas 
múltiplas e diferentes. Por exemplo, o termo 
«sapiente» referido ao homem significa uma per-
feição distinta da essência e da existência, do 
homem, enquanto que referido a Deus significa 
uma perfeição que é idêntica à sua essência e ao 
seu ser. Por isso, referido ao homem, faz com-
preender aquilo que quer significar; referido a Deus, 
deixa fora de si a coisa significada, a qual trans-
cende os limites do entendimento humano (S. th., I, 
q 13, a. 5). A analogicidade do ser torna evidente-
mente impossível uma única ciência do ser, como 
o era a filosofia primeira de Aristóteles. A ciência 
que trata das substâncias criadas e serve de prin-
cípios evidentes à razão humana é a metafísica. 
Mas a ciência que trata do Ser necessário, a teo-
logia, tem uma certeza superior e utiliza princípios 
que procedem directamente da revelação divina; é 
por isso superior em dignidade a todas as outras 
ciências (inclusivé a metafísica) que lhe são subor-
dinadas e servas (lb., I, q. 1, a. 5). 
Dado que o ser de todas as coisas (excepto Deus) 
é sempre um ser criado, a criação, se é verdade 
de fé como início das coisas no tempo, é além disso 
verdade demonstrada como produção das coisas do 
nada e como derivação, de Deus, de todo o ser. 
De facto, e tal como vimos, Deus é o único ser 
que é tal pela sua própria essência, isto é, que 
existe necessàriamente e por si mesmo: as outras 
coisas obtêm dele o seu ser, por participação; tal 
como o ferro se torna ardente pelo fogo. Também 
a matéria-prima é criada. E todas as coisas do 
mundo formam uma hierarquia ordenada segundo 
a sua maior ou menor participação no ser de Deus. 
Deus é o termo e o fim supremo desta hierarquia. 
Nele residem as ideias, ou seja, as formas exempla-
res das coisas criadas, formas que, porém, não 
estão separadas da própria sapiência divina: logo, 
deve dizer-se que Deus é o único exmplar de tudo 
(lb., I, q. 44, aa. 1, 2, 4, 3). 
A separação entre o ser criado e o ser eterno 
de Deus, própria de uma tal metafísica, permite 
que S. Tomás salve a absoluta transcendência de 
Deus em relação ao mundo e torne impossível qual-
quer forma de panteísmo que queira identificar de 
algum modo o ser de Deus com o ser do mundo. 
S. Tomás alude explicitamente, para as refutar, as 
duas formas de panteísmo aparecidas nos finais do 
século XII. A primeira é a de Amalrico de Bene 
(§ 219) o qual considera Deus como «o princípio 
formal de todas as coisas», ou seja, a essência 
ou natureza de todos os seres criados. A segunda 
é a de David de Dinant (§ 219) que identificou 
Deus com a matéria-prima. Contra esta forma de 
panteísmo, assim como contra a de origem estóica 
(mas que S. Tomás conhecia por meio duma tese 
de Terêncio Varrão citada por Santo Agostinho, 
De civ. Dei, VII, 6) segundo a qual Deus é a 
alma do mundo, S. Tomás opõe o princípio de 
que Deus não pode ser de nenhum modo um ele-
mento componente das coisas do mundo. Como 
causa eficiente, Deus não se identifica nem com a 
forma nem com a matéria das coisas de que é 
causa; o seu ser e a sua acção são absolutamente 
primeiros, isto é, transcendentes, em relação a tais 
coisas (S. th., I, q. 3, a. 8). 
§ 277. AS PROVAS DA EXISTÊNCIA 
DE DEUS 
A distinção metodológica feita por Aristóteles 
(An. post., I, 2) entre o que é primeiro «por si» 
ou «por natureza» e o que é primeiro «para nós», 
foi seguida e sempre respeitada por S. Tomás. Ora 
se Deus é primeiro na ordem do ser, não o é na 
ordem dos conhecimentos humanos, os quais come-
çam pelos sentidos. É portanto necessário uma 
demonstração da existência de Deus; e deve partir 
daquilo que é primeiro para nós, isto é, dos efeitos 
sensíveis, e ser a posteriori (demonstratio quia). 
Recusa, portanto, explicitamente a prova ontoló-
gica de Santo Anselmo: ainda que se entenda Deus 
como «aquilo sobre o qual não se pode pensar 
nada de maior», não se segue que ele exista na 
realidade (in rerum natura) e não só no intelecto. 
S. Tomás enumera cinco vias para passar dos 
efeitos sensíveis até à existência de Deus. Estas 
vias já expostas na Summa contra Gentiles (I, 12, 
13) encontram a sua formulação clássica na Summa 
theologiae (I, q. 2, a. 3. 
A primeira via é a prova cosmológica, extraída 
da Física (VIII, 1) e da Metafísica (XII, 7) de 
Aristóteles. Parte do princípio de que «tudo o que 
se move é movido por outro». Ora se o que o 
move também por sua vez se move, é preciso que 
seja movido por outra coisa; e esta por outra. 
Mas é impossível continuar até ao infinito; porque 
então não haveria um primeiro motor nem os outros 
se moveriam, como, por exemplo, o pau não se 
move se não é movido pela mão. Por conseguinte, 
é necessário chegar a um primeiro motor que não 
seja movido por nenhum outro; e todos consideram 
esse motor como sendo Deus. Este argumento tinha 
sido retomado pela primeira vez na escolástica 
latina por Abelardo de Bath (§ 215); depois, insis-
tiram nele Maimónides e Alberto Magno. 
A segunda via é a prova causal. Na série das 
causas eficientes não podemos remontar até ao 
infinito, porque então não haveria uma causa pri-
meira e, portanto, nem uma causa última nem 
causas intermediárias: deve, por conseguinte, haver 
uma causa eficiente primeira, que é Deus. Esta 
prova, extraída de Aristóteles (Met., II, 2) tinha 
recebido de Avicena uma nova exposição. 
A terceira via é extraída da relação entre possí-
vel e necessário. As coisas possíveis existem sòmente 
em virtude das coisas necessárias: mas estas têm 
a causa da sua necessidade ou em si ou em outro. 
As que têm a causa noutro, remetem a esse outro, 
e dado que não é possível continuar até ao infinito, 
é preciso chegar a algo que seja necessário por si 
e seja causa da necessidade daquilo que é necessá-
rio por outro; c isso é Deus. Esta prova é extraída 
de Avicena. 
A quarta via é a dos graus. Encontra-se nas 
coisas mais ou menos de verdade, de bem ede 
todas as outras perfeições: por conseguinte, também 
haverá o máximo grau de tais perfeições e será 
ele a causa dos graus menores, como o fogo, que 
é màximamente quente, é a causa de todas as 
coisas quentes. Ora a causa do ser, da bondade 
e de todas as perfeições é Deus. Esta prova, de 
origem platónica, é extraída de Aristóteles (Met., 
II, 1). 
A quinta via é a que se infere do governo das 
coisas. As coisas naturais, privadas de inteligência, 
estão todavia dirigidas para um fim; e isto não 
seria possível se não fossem governadas por um 
Ser dotado de Inteligência, como a flecha não pode 
dirigir-se ao alvo senão por obra do arqueiro. Por 
conseguinte, há um Ser inteligente que ordena todas 
as coisas naturais para um fim; e este Ser é Deus. 
Nesta prova que é a mais antiga e venerável de 
todas, a exposição tomista segue, provàvelmente, 
S. João Damasceno e Averróis. 
O primeiro destes argumentos, o cosmológico, 
linha sido utilizado por Aristóteles para demonstrar 
não só a existência de Deus como primeiro motor, 
mas a existência de tantos intelectos motores quan-
tas são as órbitas dos céus (§ 78). Para S. Tomás, 
pelo contrário, o primeiro motor é um só e é Deus; 
e só para Deus é válida a prova. Quanto ao movi-
mento dos céus, parece, com efeito, supor uma 
substância inteligente que o produza, porque, ao 
contrário dos outros movimentos naturais, não tende 
para um só ponto, no qual deva cessar; mas é 
muito possível oue seja produzido directamente por 
Deus. De qualquer modo, sc quisermos admitir, 
como fizeram vários filósofos e santos, inteligên-
cias angélicas como motores dos céus, temos de 
notar que não estão unidas aos céus como as almas 
dos animais e das plantas estão unidas aos corpos 
(que são formas dos próprios corpos): mas estão 
unidas aos céus só com o fim de os mover, para 
lhes transmitir o impulso (per conlactum virtutis 
|,V. th., I, q. 70, a. 3]). S. Tomás chega por isso 
à existência das inteligências angélicas, separadas 
dos corpos, não através da consideração do movi-
mento dos céus (dado que pode ser directamente 
produzido por Deus), mas através da consideração 
da perfeição do mundo, a qual requer a existência 
de algumas criaturas incorpóreas. Efectivamente, 
estas criaturas são, no mundo, as mais semelhantes 
a Deus, que é puro espírito, e através delas o 
mundo, que é efeito de Deus, se assimila màxima-
mente à sua Causa (Ib„ I, q. 50, a. 1). 
§ 278. TEOLOGIA 
Os dogmas fundamentais do cristianismo, a trin-
dade, a encarnação, a criação são, segundo S. To-
más, artigos de fé, não susceptíveis de tratamento 
demonstrativo; perante eles, a tarefa da razão limi-
ta-se, primeiro, a esclarecê-los e depois a resolver 
as objecções. Os esclarecimentos de S. Tomás têm 
uma tal lucidez e elegância dialéctica, que consti-
tuem uma das partes mais importantes de todo o 
seu sistema. 
Acerca do dogma da Trindade, a dificuldade 
consiste em entender de que modo a unidade da 
substância divina se concilia com a trindade das 
pessoas. Para mostrar como se conciliam, S. Tomás 
serve-se do conceito de relação. A relação, por 
um lado, constitui as pessoas divinas na sua distin-
ção; por outro lado, identifica-se com a única 
essência divina. Com efeito, as pessoas divinas são 
constituídas pelas suas relações de origem: o Pai 
pela paternidade, isto é, pela relação com o Filho; 
o Filho pela filiação ou geração, isto é, pela rela-
ção com o Pai; o Espírito Santo pelo amor, isto 
é, pela relação recíproca de Pai e Filho. Ora estas 
relações em Deus não são acidentais (nada pode 
haver de aoidental em Deus) mas reais; subsistem 
realmente na essência divina. Por conseguinte, a 
própria essência divina na sua unidade, implicando 
a relação, implica a diversidade das pessoas (S. th., 
I, q. 27-32, e em especial q. 29, a. 4 c). Segundo 
S. Tomás, basta este esclarecimento para mostrar 
que «o que a fé revela não é impossível». Isto é 
tudo quanto deve fazer-se nestes assuntos; nos quais 
toda a tentativa de demonstração é mais nociva 
que meritória, porque induz os incrédulos a supo-
rem que os cristãos se baseiam, para crer, em 
razões carentes de valor necessário (Ih., I, q. 
32, a. 1). 
Quanto à encarnação a dificuldade consiste em 
poder entender a presença, na única pessoa de 
Cristo, de duas naturezas, a divina e a humana. 
A Igreja condenara já, no século V, duas interpre-
tações opostas deste dogma, interpretação às quais 
S. Tomás reduz todas as outras para as refutar. 
A heresia de Êutiques (§ 154), insistindo sobre a 
unidade da pessoa de Cristo, reduzia as duas natu-
rezas a uma só: a divina. A heresia de Nestório 
(§ 154), pelo contrário, insistindo sobre a dualidade 
de naturezas, admitia em Cristo duas pessoas sirmrl-
tâneamente coexistentes, sendo a pessoa humana 
como que instrumento ou revestimento da divina. 
A distinção real entre essência e existência nas 
criaturas, e a sua unidade em Deus, fornecem a 
S. Tomás a chave da interpretação. A essência ou 
natureza divina identifica-se com o ser de Deus; 
Portanto, Cristo, que tem uma natureza divina, é 
Deus, subsiste como Deus, isto é, como pessoa 
divina; é, portanto, uma só pessoa, a divina. Por 
outro lado, dado que a natureza humana é sepa-
rável da existência, ele pode perfeitamente assumir 
a natureza humana (que é alma racional e corpo) 
sem ser uma pessoa humana (Contra Gent., IV, 49). 
Assim se compreende como a natureza humana 
pôde ser assumida por Cristo, que, revestindo-se 
dela, a enobreceu, elevou e tornou novamente digna 
da graça divina (S. th., III, q. 2, a. 5-6). 
Quanto à criação, para S. Tomás, ela só é 
artigo de fé no sentido de início no tempo, não 
o sendo no sentido de produção a partir do nada. 
Pode admitir-se, diz ele, que o mundo tenha sido 
produzido do nada e, por conseguinte, falar de cria-
ção sem admitir que ela venha depois do nada; 
assim fez Avicena na sua Metafísica (IX, 4). Pode 
dizer-se que se houvesse um pé impresso no pó da 
eternidade, ninguém duvidaria que a pegada fora 
produzida pelo pé; mas com isso não se admitiria 
um início no tempo da própria pegada (Santo 
Agostinho, De civ. Dei, XI, 4). Do mesmo modo, 
os argumentos que se podem aduzir em favor de 
um início do mundo no tempo não levam a con-
clusões necessárias. Por outro lado, também não 
concluem necessária men te os que pretendem de-
monstrar a eternidade do mundo. Dentre estes últi-
mos, o mais famoso dos aristotélicos, era o que 
baseava na eternidade da matéria-prima. Se o mundo 
começou a existir com a criação, quer dizer que 
antes da criação podia existir, isto é, que era uma 
possibilidade. Mas toda a possibilidade é matéria, 
que depois passa a acto ao receber a forma. Antes 
da criação, existia portanto a matéria do mundo. 
Porém, não pode haver matéria sem forma; e maté-
ria e forma, em conjunto, constituem o mundo; por 
conseguinte, admitindo a criação no tempo, o 
mundo existiria antes de começar a existir, o que 
é impossível. A este argumento responde S. Tomás 
que antes da criação o mundo era possível só 
porque D>us podia criá-lo e porque a sua criação 
não era impossível; não se pode daqui deduzir 
a existência de uma matéria. Aos outros argumen-
tos tambéin tirados de Aristóteles, segundo os quais 
os céus s^o formados por uma substância incriá-
vel e incorruptível e que, portanto, são eternos, 
responde Tomás que a incriabilidade e a incor-
ruptibilida-je dos céus e, portanto, do mundo, se 
entende pbr rnodum naturalem, isto é, em relação 
aos processos naturais de formação das coisas, e 
não em rtjlação à criação. De modo que os argu-
mentos que tendem a demonstrar a eternidade do 
mundo tainbém não têm valor necessário. A con-
clusão é que se não pode demonstrar nem o início 
no tempo nem a eternidade do mundo; e isto 
deixa livrt, 0 caminho para crer na criação no 
tempo: id credere maxime expedit (S. th., I, q. 46, 
a. 1-2). 
§ 279. PSICOLOGIA 
Segunda s. Tomás, a natureza do homem é 
constituída por alma e corpo. O homem não é só 
alma; o cc)rpofaz também parte da sua essência, 
visto que ele além de entender, sente, e o sentir 
não é umít operação da alma sòzinha. A alma é 
(segundo a doutrina de Aristóteles) o acto do corpo: 
é a forma, 0 princpio vital que faz com que o 
homem conheça e se mova: como tal é substân-
cia, isto é, subsiste por sua conta. S .Tomás rejeita 
a doutrina do neoplatonismo judaico-muçulmano 
aceite pelo,s franciscanos, segundo a qual a alma 
é composta por matéria e forma. Não há uma maté-
ria da alniq; se houvesse, estaria fora da aüma que 
é pura foritna. Nem o intelecto poderia conhecer a 
forma pur^ das coisas, se tivesse em si matéria: 
nesse caso, conheceria as coisas na sua materiali-
ilude, isto é, na sua individualidade, e o universal 
i'apar-se-lhe-ia (S. th., I, q. 45, a. 4). 
No homem só subsiste a forma intelectiva da 
ti (ma, a qual desempenha também as funções sen-
ultiva e vegetativa. Duma maneira geral, a forma 
Mi|>crior pode sempre desempenhar as funções das 
formas inferiores; e assim, nos animais, a alma sen-
sitiva desempenha também a função vegetativa, 
enquanto que nas plantas só subsisite a alma vege-
tativa. S. Tomás rejeita deste modo o princípio 
estabelecido por Avicena, e seguido pelo agustinia-
nlimo, segundo o qual num composto permanecem 
us formas dos vários elementos que o compõem; 
o que, por isso, na alma humana subsistem também 
iis outras formas em conjunto com a forma intelec-
tiva. Segundo S. Tomás, formas diversas só podem 
coexistir em diversas partes do espaço; porém, 
assim ficam justapostas, e não fundidas; não cons-
tituem um verdadeiro composto, o qual resulta 
sempre da fusão dos seus elementos. Por conse-
quência há uma única forma na alma humana, a 
forma superior intelectiva que também desempenha 
as funções inferiores. 
Como forma pura, a alma é imortal. A matéria 
pode corromper-se, porque a forma (que é acto, 
isto é, existência) pode separar-se dela. Mas é impos-
sível que a forma se separe de si própria; e é 
portanto impossível que se corrompa. Neste argu-
mento tamista reaparece a prova platónica do 
Fedon, segundo a qual a alma, tendo em si a 
própria ideia da vida, não pode morrer. Por outro 
lado, segundo S. Tomás, mesmo admitindo a alma 
humana como sendo composta de matéria e forma, 
é também necessário admitir a sua incorruptibili-
dade. De facto, só pode corromper-se o que tenha 
um contrário; ora a alma intelectiva não tem con-
trários, porque o próprio conhecimento dos contrá-
rios constitui na alma humana uma única ciência. 
Finalmente, o próprio desejo que a alma humana 
tem de existir é um índice (signum) de imortalidade. 
O intelecto que conhece o ser absolutamente, deseja 
naturalmente ser sempre; e um desejo natural não 
pode ser vão (S. th., q. 75, a. 6). Mas como é 
possível que a alma conserve, após a separação 
do corpo, a individualidade que lhe vem precisa-
mente do corpo? S. Tomás responde que a alma 
intelectiva está unida ao corpo pelo seu próprio ser 
(esse); destruído o corpo, este ser permanece, pre-
cisamente como era na sua união com o corpo, 
individual e particular (lb., I, q. 76, a. 2 a 2 um). 
A persistência da individualidade na alma separada 
permitirá ainda que, no dia da ressurreição dos 
corpos, todas as almas retomem a matéria nas 
dimensões determinadas que lhes eram próprias 
reconstituindo assim o próprio corpo (De natura 
materiae, 7; Quodl., XI, a. 5). 
§ 280. ÉTICA 
I 
Da quinta prova da existência de Deus resulta 
que Deus ordena todas as coisas para o seu fim 
supremo, que é Ele mesmo, enquanto Sumo Bem. 
O governo divino do mundo que ordena o mundo 
para o seu fim é a providência. Todas as coisas, 
inclusivé o homem, estão sujeitas à providência 
divina. Mas isto não implica que tudo aconteça 
necessàriamente e que o desígnio providencial 
exclua a liberdade do homem. Aquele desígnio não 
só estabelece que as coisas sucedem, mas ainda o 
modo como elas sucedem. Por isso ordena prè-
viamente as causas necessárias para as coisas que 
devem suceder necessàriamente, e as causas con-
tingentes para as coisas que devem suceder con-
tingentemente. Deste modo, a acção livre do homem 
faz parte da providência divina (S. th., I, q. 22, 
a. 4). E a liberdade do homem também não é 
ii ihiliidii pela predestinação à beatitude eterna. Com 
I . suas forças naturais o homem não pode alcan-
i.iii esta beatitude que consiste na visão de Deus, 
o deve ser portanto guiado pelo próprio Deus. Mas 
I I I I I I isto Deus não obriga, com necessidade, o 
homem: porque faz parte da predestinação, que é 
um aspecto da providência, que o homem atinja 
livremente a beatitude para a qual Deus livremente 
ii escolheu (Ib., I, q. 23, a. 6). Providência e pre-
destinação pressupõem a pré-ciência divina, com a 
qual Deus prevê os futuros contingentes, isto é, 
ii.s acções cuja causa é a liberdade humana. A pré-
clência divina é certa e infalível, porque até as 
loisas futuras estão nela presentes; pelo que vê de-
scnvolverem-se em acto aquelas acções livres que, 
não sendo enquanto tais determinadas necessària-
menite pelas suas causas, são imprevisíveis para o 
homem. Em Deus, que é a própria eternidade, todo 
o tempo está presente e estão portanto também pre-
sentes as acções futuras dos homens. Ele vê-as, 
mas ao vê-las não lhes tolhe a liberdade, como não 
lha tolhe o que assiste no momento em que elas 
se cumprem (Ib., I, q. 14, a. 13). 
Por conseguinte, a vontade humana é um livre 
arbítrio que não é eliminado nem diminuído pelo 
ordenamento finalista do mundo nem pela pré-
-ciência divina, nem sequer pela graça que é uma 
ajuda extraordinária de Deus, gratuitamente con-
cedida. «Deus, diz S. Tomás (Ib., I, 2, q. 113, a. 3), 
move todas as coisas no modo que é próprio de 
cada uma delas. Assim, no mundo natural, move 
dum modo os corpos leves, doutro modo os corpos 
pesados, segundo a sua diferente natureza. Por isso 
move o homem para a justiça segundo a condição 
própria da natureza humana. Pela sua própria na-
tureza, o homem tem livre arbítrio. E, enquanto 
tem livre arbítrio, a tendência para a justiça não 
é produzida por Deus independentemente desse livre 
arbítrio: e Deus infunde o dom da graça justificante 
de modo a mover, em conjunto com ele, o livre 
arbítrio a aceitar o dom da graça». 
A presença do mal no mundo deve-se ao livre 
arbítrio do homem. S. Tomás admite a doutrina 
platónico-agustiniana da não-substancialidade do mal: 
o mal não é senão ausência de bem. Ora tudo o 
que existe é bem, e é bem no grau e na medida 
em que existe; mas dado que a ordem do mundo 
requer também a realidade dos graus inferiores 
do ser e do bem, os quais parecem (e são) deficien-
tes e, portanto, maus em relação aos graus supe-
riores, pode dizer-se que a própria ordem do mundo 
requer o mal. O mal é de duas espécies: pena e 
culpa. A pena é deficiência da forma (realidade 
ou acto) ou de uma das suas partes, necessária 
para a integridade de uma coisa: por exemplo, a 
cegueira é a falta de vista. A culpa é a deficiência 
de uma acção, que não foi feita ou não foi feita 
do modo devido. Dado que no mundo tudo está 
sujeito à providência divina, o mal, como ausência 
ou deficiência de integridade, é sempre pena. Mas 
o mal maior é a culpa, que a providência tenta 
eliminar ou corrigir com a pena (Ib., I, q. 48, a. 5-6). 
Ora a culpa (o pecado) é o acto humano de 
escolha deliberada do mal, isto é, a actuação dis-
cordante com a ordem da razão e com a lei divina 
(11, 1, q. 21, a. 1). O homem é dotado da capaci-
dade de distinguir o bem e de tender para ele. 
Com efeito, tal como há nele a disposição (habitus) 
natural para entender os princípios especulativos, 
dos quais dependem todas as ciências, também nele 
existe a disposição (habitus) natural para entender 
princípios práticos, dos quais dependem todas as 
boas acções. Este habitus natural prático é a sin-
dérese, que nos dirige para o bem e nos afasta do 
mal; o acto que deriva desta disposição, e que 
consiste no aplicar os princípios gerais da acção 
ulima acção particular, é a consciência (S. th., I, q. 
79. a. 12-13). 
As virtudes estão baseadas neste habitus geral 
do intelecto prático. A este propósito, S. Tomás 
«clara o carácter de indeterminação e de liberdade 
que são próprios do habitus. As potências (ou fa-
culdades) naturais estão determinadas a agir dum 
único modo: não têm possibilidade de escolha nem 
liberdade, agem dum modo constante e infalível. 
Pelo contrário, as potências racionais, que são pró-
prias do homem, não estão determinadas num só 
.sentido; podem agir em vários sentidos, segundo a 
•sua livre escolha; e por isso a escolha que fazem 
do sentido em que agem produz uma disposição 
constante, mas não necessária nem infalível, que é 
o habitus (II, 1, q. 55, a. 1). Neste sentido, as vir-
tudes são habitus, disposições práticas para viver 
rectamente e para fugir do mal. S. Tomás aceita 
a distinção de Aristóteles entre as virtudes inte-
lectuais e as virtudes morais; destas últimas, as 
principais ou cardeais, a que todas as outras se 
reduzem, são: justiça, temperança prudência e for-
taleza. As virtudes intelectuais e morais são virtu-
des humanas: conduzem à felicidade que o homem 
pode conseguir nesta vida com as suas própria 
forças naturais. Mas estas virtudes não bastam para 
conseguir a beatitude eterna: são necessárias as vir-
tudes teologais, directamente infundidas por Deus 
no Homem: fé, esperança e caridade. 
§ 281. POLÍTICA 
O fundamento da teoria política de S. Tomás 
é a teoria do direito natural, uma das maiores heran-
ças que o estoicismo deixou ao mundo antigo e 
moderno e que, na época de S. Tomás, era con-
siderada como fundamento do próprio direito canó-
nico. Segundo S. Tomás, há uma lei eterna, isto 
é, uma razão que governa todo o universo e que 
existe na mente divina; a lei natural, que existe 
no homem, é um reflexo ou uma «participação» 
dessa lei eterna (S. th., II, 1, q. 91, a. 1-2). Esta 
lei natural concretiza-se em três inclinações fun-
damentais: 1.* — a inclinação para o bem natural, 
que o homem tem em comum com qualquer subs-
tância, a qual, enquanto tal, deseja a sua própria 
conservação; 2." — a inclinação especial para deter-
minados actos, que são os que a natureza ensinou 
a todos os animais, como a união do macho e da 
fêmea, a educação dos filhos e outros semelhantes; 
3.* — a inclinação para o bem segundo a natureza 
racional que é própria do homem, como o é a incli-
nação para conhecer a verdade, a de viver em 
sociedade, etc. (S. th., II ,1, q. 94, a. 2). 
Além desta lei eterna, que é para o homem 
lei natural, existem duas outras espécies de leis: 
a humana, «inventada pelos homens e pela qual 
se dispõem de modo particular as coisas a que a 
lei natural já se refere» (lb„ II, 1, q. 91, a. 3); e a 
divina, que é necessária para dirigir o homem aos 
fins sobrenaturais (lb„ a. 4). S. Tomás afirma, 
de acordo com a teoria do direito natural, que não 
é lei aquela que não é justa, e que, portanto, «da 
lei natural, que é a primeira regra da razão, devem 
ser derivadas todas as leis humanas» (Ib„ q. 95, a. 2). 
Segundo S. Tomás, pertence à colectividade ditar 
as leis. «A lei, diz ele (II, 1, q. 90, a. 3), tem como 
o seu fim primeiro e fundamental o dirigir para o 
bem comum. Ora ordenar algo com vista ao bem 
comum é próprio de toda a colectividade (multi-
tudo) ou de quem faz as vezes de toda a colecti-
vidade. Estabelecer as leis pertence portanto a toda 
a colectividade ou à pessoa pública que cuida de 
toda a colectividade; porque em todas as coisas só 
pode dirigir para um fim aquele a quem pertence 
o próprio fim». Deste modo, S. Tomás afirmou 
explicitamente a origem popular das leis. Todavia 
considera que entre as formas de governo enun-
ciadas por Aristóteles, a melhor é a monarquia: 
como aquela que melhor garante a ordem e a uni-
dade do estado, e a mais parecida com o próprio 
governo divino do mundo (De regimine princ., I, 2). 
Mas embora o estado possa dirigir os homens para 
a virtude, não pode, pelo contrário, dirigi-los para 
a fruição de Deus que é o seu fim último. Um tal 
governo espiritual pertence só àquele rei, que não 
só é homem mas também é Deus, isto é, a Cristo. 
E como o fim menos alto se subordina ao fim mais 
alto e supremo, assim o governo civil se deve 
subordinar ao governo religioso que é próprio de 
Cristo, e que por Cristo foi confiado não aos reis 
terrenos mas ao papa. «A ele, como ao próprio 
Senhor Jesus Cristo, devem estar sujeitos todos os 
reis do povo cristão. Pois àquele a quem pertence 
velar pelo fim último devem estar sujeitos aqueles 
aos quais pertence velar pelos fins subordinados; 
estes devem estar sob o comando daquele» (De reg. 
princ., I, 14). 
§ 282. ESTÉTICA 
Ocasionalmente, S. Tomás expôs também um 
núcleo de doutrinas estéticas, extraídas do Pseudo-
-Dionísio, e também com inspiração neoplatónica. 
O belo, segundo S. Tomás, é um aspecto do bem. 
É idêntico ao bem, enquanto o bem é aquilo que 
todos desejam e, portanto, o fim; também o belo 
é desejado e, portanto, tem valor de fim. Mas o 
que se deseja do belo é a visão (aspectus) ou a 
consciência: ao contrário do bem, o belo está por-
tanto em relação com a faculdade cognoscitiva. Por 
isso a beleza só se refere aos sentidos que têm 
maior valor cognoscitivo, ou seja, a vista e o ou-
vido, que servem a razão; chamamos belas às coisas 
visíveis e aos sons, mas não aos sabores e aos 
odores. O que agrada, na beleza, não é o objecto 
mas a apreensão (appreliensio) do objecto (3. th., I, 
q. 5, a. 4; II, 1, q. 27, a. 1). 
Seguindo o Pseudo-Dionísio (De div. nom., cap. 
4, 7), S. Tomás atribui ao belo três característi-
cas ou condições fundamentais: a integridade ou 
perfeição, porque o que é reduzido ou incompleto 
é feio; a proporção ou congruência das partes; a 
clareza. Estas características encontram-se não só 
nas coisas sensíveis, mas também nas espirituais; 
as quais, portanto, também têm a sua beleza. Se 
chamamos belo a um corpo quando os seus mem-
bros são proporcionados e tem a cor devida, tam-
bém chamamos belo a um discurso ou a uma acção 
que é bem proporcionada e tem a clareza espiri-
tual da razão. E é bela a virtude porque modera, 
com a razão, as acções humanas (S. th., II, 2, q. 
2, a. 1). 
Finalmente, chamamos bela a uma imagem se 
ela representa perfeitamente o seu objecto, mesmo 
que ele seja feio. E neste sentido, S. Tomás,, se-
guindo Santo Agostinho (De trín., VI, 10), vê a 
beleza perfeita no Verbo de Deus que é a imagem 
perfeita do Pai (S. th., I, q. 39, a. 8). 
NOTA BIBLIOGRÁFICA 
§ 273. As antigas biografias de S. Tomás (Pe-
dro Calo, Guilherme de Tocco, Bernardo Guidone) 
foram novamente editadas por PRUMMER, Fontes vitae 
5. Thomae Aquinatis, Toulose, 1911 e ss.; BARTOLOMEO 
DA LUCCA, História ecclesiástica novct, XXII, 20-24, 
39, X X m , 8-15. A edição completa da obra de 
S. Tomás apareceu pela primeira vez em Roma, 
por ordem do papa Pio V, 1570-1571, 18 voJ. in-folio. 
Foram posteriormente publicadas numerosas edições, 
das quais a última, por ordem de Leão XIII, foi edi-
tada em Roma a partir de 1882, D a s obras principais 
são numerosíssimas as edições parciais e as tradu-
ções em todas as l ínguas do mundo. 
Para a bibliografia: MANDONNET-DESTREZ, Biblio-
graphie Thomiste, Kain, 1921; 2.* edição completada 
por Chenu, Paris, 1960; «Bullettln Thomiste», 1924 e ss. 
Sobre a autenticidade das obras de S. Tomás: 
MANDONNET, Les écrits authentiques de St. Thomas, 
Paris, 1922; GRABMANN, in «Beiträge», XXH, 1-2, 1931. 
SERTILLANGES, St. Th. d'A., 3 vol . , Par i s , 1910; 
GILSON, St. Th. d'A., Par i s , 1925; ROUGIER, La scolas-
tique et le thomisme, Paris, 1925; MARITAIN, Le do-
teur angélique, Paris, 1934; GRABMANN, Thomas von 
Aquin, Monaco, 1935; CHENU, Introduction à l'étude 
de St. Th. d'A., M o n t r e a l - P a r i s , 1950; D'ARCY, St. Th. 
d'A., D u b l i n - L o n d r e s , 1953; CRESSON, St. Th. d'A., 
P a r i s , 1 9 5 7 ' . 
§ 274. Sobre a relação entre razão e fé: LABER-
THONNIÈRE, St.Thomas et le rapport entre la science 
et la foi, In «Annales de phll. chrétienne», 1909, p. 
599-621; LEFEBURE, L'acte de foi d'après la doctrine 
de St. Thomas d'A., Paris 1905, 2.' ed., 1924; GILSON, 
Études de phil. médiévale, p. 30 e ss.; CHENU, St. Th. 
d'A., et la théologie, Paris, 1959. 
§ 275. Sobre a teoria do conhecimento: PRANTL, 
Gesch. d. Log., III, p. 107-119; LANNA, La teoria delia 
conoscenza in S. Tommaso, Florença, 1913. Sobre a 
teoria da abstracção: BLANCH, Mélange thomiste, p. 
237-251. EM g e r a l : ROUSSELOT, L'intellectualisme de 
St. Th., Paris, 1908, nova ed. 1924 ; PEIFER, The Concept 
in Thomism, New York, 1952; DUPONCHEL, Hypothèses 
pour l'interprétation de l'axiomatique thomiste, Paris, 
1 9 5 3 . 
§ 276. Sobre a distinção entre essência e existên-
Ictia: DUHEM, Système du monde, V, p. 468 e ss.; 
GRABMANN, Doctrina S. Thomae de distinctione reali 
inter essentiam et esse ex documentis ineditis saec. 
XIII I l lustratur, Roma, 1924; ROUGIER, op. cit. Sobre 
a analoglcidade do seu e a noção de participação: 
BLANCH, In «Revue des Sciences phll. et théol.», 1921, 
p. 169-193, e in « R e v u e d ePhi los .» , 1923, p. 248-271; 
GARRIGOU-LAGRANGE, Dieu, son existence et sa nature, 
4.« ed., Paris, 1924, p. 200 e ss., etc.; LANDRY, in «Revue 
néoscolastique». 1922, p. 257 - 280, 454 - 464; DE 
M U N N Y N K , ib. , 1 9 2 3 , p. 1 2 9 - 1 5 5 ; FABRO, La nozione 
metafísica di partecipazione secondo S. Tommaso 
d'Aquino, Turim, 1950 2; ANDERSON, An Introduction 
to the Metaphysics of S. Th., Chicago, 1953; J^LUBER-
TANS, St. Th. A. on Analogy, Chicago, 1960. 
§ 277. Sobre as provas da existência de Deus e 
as sueis fontes: BAEUMKER, in «Beiträge», m, 2, p. 302 
e ss., 310, 324 e ss., 332-334; GRUNWALD, Geschichte der 
Gottesbeweise in Mittelalters, in «Beiträge», VI, 3, p. 
133-161. Sobre a teoria dos anjos: DUHEM, op. cit., p. 
539 e ss. 
§ 278. Sobre a teologia: GARRIGOU-LAGRANGE, op. 
cit.; SERTILLANGES, in «Revue de Sciences phil. et 
théol.», 1907, p. 239-251; GEYER, in «Philosophisches 
J a h r b u c h » , 1 9 2 4 , p . 3 3 8 - 3 5 9 . 
§ 279. Para a psicologia, os textos fundamentais 
são: Contda Gent., II, 56-90; Quaestio disp. de an. e 
Summa theol., I, q. 75-89, 118-119. DOMET DE VORGES, 
La perception et la psychologie thomiste, Paris, 1892; 
FABRO, Percezione e pensiero, II, Milão, 1941; HART, 
The Thomistic Concept of Mental Faculty, Washington, 
1930. 
§ 280. Sobre a liberdade: VERWEYEN, Das Problem 
der Willensfreiheit in der Scholastik, 1909, p. 692-713; 
GILSON, St. Thomas d'A. («Les moralistes chrétiens. 
Textes et commentaires»), Paris, 1924; LAPORTE, in 
«Revue de Mét. et de Mor.», 1931, 1932, 1934. 
§ 281. Sobre a política: BAUMANN, Die Staatslehre 
d. h. Th. v. Aquino, Leipzig, 1909; ZEILLER, L'idée de 
l'état dans Saint Thomas, Paris, 1910; MICHEL, La 
notion thomiste de bien commum, Paris, 1932; COTTA, 
Il concetto di legge nella «Summa Theologiae» di S. 
Tommaso d'Aquino, Turim, 1955; GILBY, The Political 
Thought of Th. A., Chicago, 1958. 
§ 282. Sobre a estética: DE WULF, in «Revue 
n é o - s c o l a s t i q u e » , 1 8 9 5 , p . 1 8 8 - 2 0 5 , 3 4 1 - 3 5 7 ; 1 8 9 6 , p . 
117-142; recolhidos in Stüdes historiques sur l'esthéti-
que de St. Th. d'A., Lovaina, 1896; VALENSISE, Dell'es-
tetica secondo i principii deli'Angélico Dottore, Roma, 
1903; MARITAIN, in «Revue des Jenues», 1920; DE 
MUNNYNK, in San Tommaso, Milão, 1923, p. 228-246; 
Eco, Il problema estetico in Tommaso d'Aquino, Turim, 
1 9 5 6 . 
O AVERROÍSMO LATINO 
§ 283. CARACTERÍSTICAS 
DO AVERROÍSMO LATINO 
A primeira consequência da introdução do aris-
totelismo na escolástica cristã foi a plena delimitação 
dos campos respectivos da razão e da fé. A razão 
é o domínio das verdades demonstradas, e por isso, 
o das demonstrações necessárias e dos princípios 
evidentes que as fundamentam; a fé é o domínio das 
verdades reveladas, privadas de necessidade demons-
trativa e de evidência imediata. Esta distinção é 
sòlidamente mantida em toda a história posterior 
do aristotelismo escolástico, ou melhor de toda a 
escolástica. Mas a obra de S. Tomás não se tinha 
limitado ao reconhecimento desta distinção: antes 
havia pretendido ultrapassá-la, estabelecendo entre-
tanto a impossibilidade de qualquer oposição entre 
os dois termos. «Pois que só o falso é oposto ao 
verdadeiro, dizia S. Tomás, como é evidente pelas 
suas respectivas definições, é impossível que a ver-
dade da fé seja contrária aos princípios que a razão 
X X I V — O M I S T I C I S M O A L E M A O . . . 
§ 328. Característica do mlBtlolMnn 
aliemão 
§ 329. Mestre Dietrich 
§ 330. Mestre Eckhart 
§ 331. A mística alemã 
Nota bibliográfica 
Este livro acabou de se imprimir 
em Julho de 1978 
para a 
EDITORIAL PRESENÇA, LDA. 
na 
Empresa Oráfica Feirense, Lda 
Vila da Feira 
Tiragem 3 000 exemplares 
Nicola 
HISTÓRIA 
• • í B L l O T E C A j 
HEG. <MQMg>Q I 
O a ï A J o I 
T R A D U Ç Ã O D E : 
JOSÉ GARCIA ABREU 
Abbagnano 
DA FILOSOFIA 
2ª EDIÇÃO 
VOLUME IV 
EDITORIAL PRESENÇA 
HISTORIA DA FILOSOFIA 
Ao apresentar a tradução portuguesa desta HISTORIA DA FILO-
SOFIA do Professor Nicola Abbagnano, da Universidade de Turim, 
teve a EDITORIAL PRESENÇA como propósito prestar um 
contributo cultural, na medida em que esta obra constitui Ine-
gavelmente urri dos panoramas mais vastos e exaustivos da 
história do pensamento humano ao longo dos séculos. O carácter 
eminentemente pedagógico do texto, o seu estilo claro e acessível, 
a ausência de toda a interpretação tendenciosa e a constante 
referência às fontes, fazem com que esta "obra seja tão útil a 
professores como a estudantes e bem assim a todos aqueles que 
se interessam pela cultura. 
1." V O L . : E S C O L A J Ó N I C A , E S C O L A P I T A G Ó R I C A , E S C O L A E L E A T I C A , 
E M P É D O C L E S , A N A X Á G O R A S , O S A T O M I S T A S , A S O F I S T I C A , S Ó C R A T E S , 
P L A T Ã O , A R I S T Ó T E L E S 
2 . ° V O L . : E S C O L A P E R I P A T É T I C A , E S T O I C I S M O , E P I C U R I S M O , C E P T I -
C I S M O , E C L E C T I S M O , N E O P L A T O N I S M O , I P A T R L S T I C A , S . A G O S T I N H O 
3 . " V O L . : F I L O S O F I A E C O L A S T I C A , A N S E L M O D E A O S T A , A B E L A R D O 
E S C O L A D E C H A R T R E S , M I S T I C I S M O , F I L O S O F I A A R A B E E J U D A I C A 
4 . ° V O L . : A L B E R T O M A G N O , T O M A S D E A Q U I N O , A V E R R O Í S M O L A -
T I N O , D U N S E S C O T O , G U I L H E R M E D E O C C A M , M I S T I C I S M O A L E M Ã O 
5 . ° V O L . : R E N A S C I M E N T O E H U M A N I S M O , R E N A S C I M E N T O E P O L I T I C A , 
R E N A S C I M E N T O E R E F O R M A , O R I G E N S D A C I Ê N C I A 
6 . " V O L . : F I L O S O F I A M O D E R N A , D E S C A R T E S , H O B B E S , P A S C A L , E S P I -
N O S A 
7 . ° V O L . : B E R K E L E Y , H U M E , O I L U M I N I S M O I N G L Ê S , - F R A N C Ê S , I T A L I A N O 
E A L E M Ã O , K A N T 
8 . ° V O L . : F I L O S O F I A D O R O M A N T I S M O , F I C H T E , S C H E L L I N G , H E G E L , 
S C H O P E N H A U E R 
9 . " V O L . : F I C H T E , S C H E L L I N G , H E G E L , S C H O P E N H A U E R , A P O L Ê M I C A 
C O N T R A O I D E A L I S M O 
1 0 . " V O L . : K I E R R E G A A R D , M A R X , O R E T O R N O R O M Â N T I C O A T R A D I -
Ç Ã O , O P O S I T I V I S M O S O C I A L 
1 1 . " V O L . : O P O S I T I V I S M O E V O L U C I O N I S T A , N I E T Z S C H E , O E S P I R I T U A -
L I S M O , A F I L O S O F I A D A A C Ç Ã O 
1 2 . " V O L . : B E R G S O N , O I D E A L I S M O A N G L O - A M E R I C A N O E I T A L I A N O , 
O N E O C R I T I C I S M O . O H I S T O R I C I S M O 
1 3 . ° V O L . : P R A G M A T I S M O , R E A L I S M O E N A T U R A L I S M O , A F I L O S O F I A 
D A S C I Ê N C I A S , B E R T R A N D R U S S E L 
1 4 . " V O L . : F E N O M E N O L O G I A , EX I S T E N C I A L I S M O , T E O R I A D A I N F O R K 
Ç Ã O E C I B E R N É T I C A , E S T R U T U R A L I S M O , U T O P I A N E G A T I V A 
E D I T O R I A L P R E S E N Ç i 
R U A A U G U S T O G I L , 3 5 - A — L I S B O A

Continue navegando