Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Esta obra aborda os aspectos que envolvem a violência, a segurança pública e a criminalidade. Diretamente relacionado à violência, o narcotráfico representa um grave problema nas áreas de saúde e segurança, prejudicando o desenvolvimento econômico do país. O terrorismo é outro grave problema mundial. São abordados conceitos, histórico, tipos e formas de combate, além de uma discussão sobre as armas de destruição em massa, com potencial de aniquilação de milhares de vidas. A fim de propiciar uma visão abrangente e moderna da violência e do fenômeno criminológico, são analisados os riscos e as ameaças globais à segurança. Dentre os crimes modernos, estão os crimes digitais, também conhecidos como virtuais ou cibernéticos. Mergulhando no submundo da internet – a Deep Web e a Dark Web – é feita uma análise dos criminosos digitais, suas características e formas de atuação. Fruto de intensa pesquisa científica, em fontes nacionais e internacionais, devidamente temperada pela experiência profissional do autor (no Brasil e no exterior), esta obra traz um conteúdo interessante, atual e de fácil entendimento. Código Logístico 59231 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6595-0 9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 9 5 0 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Claudionor Agibert IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Fer Gregory/igorstevanovic/Torin55/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A213t Agibert, Claudionor Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais / Claudionor Agibert. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 106 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6595-0 1. Criminologia. 2. Segurança pública. 3. Violência - Aspectos sociais. 4. Crime - Aspectos sociais. I. Título. 20-62213 CDD: 364 CDU: 343.9 Claudionor Agibert Especialista em Administração Pública pela Faculdade Educacional Araucária (Facear); em Direito Administrativo Disciplinar pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP); em Aperfeiçoamento de Oficiais Policiais Militares; em Polícia Judiciária Militar e em Instrução de Armas de Fogo pela Academia Policial Militar do Guatupê (APMG) e em Proteção de Dignitários pelo Instituto de Tática Defensiva ISIS. Bacharel em Direito pela UTP e graduado no Curso de Formação de Oficiais Policiais Militares da APMG. Membro da Academia de Letras dos Militares Estaduais do Paraná (Almepar). Professor de graduação e pós-graduação em instituições de ensino superior. Capitão da reserva remunerada e instrutor de armas de fogo da Polícia Militar do Paraná. Advogado, consultor e parecerista, é membro da Comissão de Direito Militar da OAB/PR e da Associação Internacional de Chefes de Polícia e autor de livro sobre segurança executiva e de autoridades. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 Criminalidade, violência e segurança pública 9 1.1 Criminalidade e violência no mundo 9 1.2 Criminalidade e violência no Brasil 15 1.3 Organizações criminosas e grupos terroristas 19 2 Narcotráfico e suas implicações 27 2.1 Histórico do narcotráfico 27 2.2 Narcotráfico: conceitos, classificação e legislação 34 2.3 O problema das drogas e suas consequências 41 3 Terrorismo e destruição em massa 45 3.1 Conceito e histórico do terrorismo 45 3.2 A tipologia e os aspectos do terrorismo 47 3.3 Armas de destruição em massa 53 4 Segurança e globalização 68 4.1 Os riscos e as ameaças globais à segurança 68 4.2 A criminalidade e a violência modernas 73 4.3 Os novos desafios de segurança na globalização 77 5 Crimes digitais e o submundo da internet 86 5.1 Histórico dos crimes digitais 86 5.2 Conceitos, legislação e dificuldades de investigação 91 5.3 O submundo da internet 97 Esta obra aborda os aspectos que envolvem a violência, a segurança pública e a criminalidade, por meio de uma discussão sobre o terrorismo, as organizações criminosas, o narcotráfico e os crimes digitais. No primeiro capítulo, discorremos sobre as questões da violência, da criminalidade e da segurança pública, nos níveis mundial e nacional. A violência tem como expressão máxima o crime de homicídio, cujos dados – mais de 450 mil por ano – indicam a gravidade do problema, fortemente impactado pelo tráfico de drogas. No segundo capítulo, tratamos do narcotráfico, ilustrado, nesta obra, por meio de quadros, estatísticas e relatórios. Discutimos acerca de seu histórico (no mundo, na América Latina e no Brasil), perpassando conceitos e classificações, e fazemos uma análise de toda a legislação aplicável. Ao final, apresentamos um estudo sobre o grave problema que as drogas representam, bem como suas consequências nas áreas da saúde e segurança e para o desenvolvimento econômico do país. No terceiro capítulo, abordamos o conceito e o histórico do terrorismo, seus tipos e formas de combate, além de elencarmos os Estados considerados patrocinadores do terrorismo no mundo. Por fim, estudamos as armas de destruição em massa (químicas, biológicas, radiológicas e nucleares), com potencial de aniquilação de milhares de vidas em um único evento, e o debate sobre a sua proliferação, sob o manto dos diversos tratados internacionais existentes sobre o tema. A fim de propiciar uma visão abrangente e moderna da violência e do fenômeno criminológico, no quarto capítulo, analisamos os riscos e as ameaças globais à segurança, com foco na criminalidade e na violência modernas, e os desafios dos órgãos de segurança (pública e nacional) em um cenário permeado pela globalização. No quinto capítulo, tratamos dos crimes digitais – também conhecidos como virtuais ou cibernéticos –, incluindo seu histórico, conceitos e a legislação brasileira atualmente vigente sobre o assunto, além das dificuldades de investigação. Em seguida, apresentamos o submundo da internet – a Deep Web e a Dark Web – e fazemos uma análise dos criminosos digitais, suas características e formas de atuação. APRESENTAÇÃO Fruto de intensa pesquisa científica, em fontes nacionais e internacionais, devidamente temperada pela experiência profissional (no Brasil e no exterior), esta obra pretende trazer um conteúdo interessante, atual e de fácil entendimento. Bons estudos! Criminalidade, violência e segurança pública 9 Os temas criminalidade, violência e segurança pública são ex- tremamente importantes e atuais, seja por causa de certa conexão existente entre eles, seja pelos impactos causados à sociedade. Nesse sentido, estudá-los e compreendê-los servirá como ca- talisador de uma postura tendente a mitigar as mazelas causadas pelas atividades ilícitas às comunidades. Neste capítulo, serão abordadas as questões da violência, da criminalidade e da segurança pública, tanto sob uma perspectiva mundial quanto sob um prisma brasileiro, passando pelas origens, pela natureza humana inclinada à violência, entre outros fatores. Ao final, serão discutidos os aspectos das organizações criminosas e dos grupos terroristas, incluindo a legislação aplicável. Criminalidade, violência e segurança pública 1 1.1 Criminalidade e violência no mundo Vídeo Antes de entrarmos no tema propriamente dito, é importante co-nhecer o conceito de violência. E, sem sombra de dúvidas, a definição mais adequada e compatível com as nuances do tema pode ser encon- trada no World Report on Violence and Health: O uso intencional de força física ou poder, de forma atual ou iminente, contra si mesmo(a), outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que tanto pode resultar ou tenha grande pro- babilidade de resultar em ferimentos, morte, dano psicológico, desenvolvimento deficitário ou privação. (WORLD..., 2002, p. 5, tradução nossa) É importante notar que a violência, por conseguinte, implica inten- ção de usar força física ou poder, inclusive contra si mesmo, podendo ou tendendo a resultar em danos, mortes, entre outros. Pela análise do 10 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais conceito, podemos verificar, ainda, que até o comportamento suicida, além dos conflitos armados e da agressão interpessoal, caracteriza-se como violência. Dessa maneira, a violência incorpora não apenas atos que possam afetar a integridade física ou a vida de uma pessoa, mas também seu bem-estar psicológico, bem como o estado de desenvolvimento e de sustentabilidade de uma sociedade ou grupo. A origem da criminalidade perpassa, necessariamente, a análise da natureza humana. Seria o ser humano por natureza inclinado à violên- cia? Para responder a essa questão, recorremos ao texto de introdução à Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity, no qual verifi- ca-se que: Os seres humanos cometeram atrocidades uns contra os outros, demonstraram compaixão e altruísmo, e perpetraram e com- bateram a opressão por pelo menos tanto tempo quanto se têm registro. O arquivo arqueológico bem como provas foren- ses modernas revelam o incêndio de cidades, massacres, a es- cravização e torturas infligidas nos dominados. O preâmbulo da Convenção contra o Genocídio de 1948 assinala que “em todos os períodos da história o genocídio infligiu grandes perdas à hu- manidade”. É igualmente verdadeiro para crimes contra a huma- nidade. Ao mesmo tempo, textos religiosos e filosóficos de todas as partes do mundo contêm variações na “Regra de Ouro”: trate os outros como você gostaria de ser tratado. Talvez seja impossí- vel entender ou chegar a conclusões sobre essas “teses” antagô- nicas da história humana para determinar se a natureza humana é inatamente boa ou intrinsecamente direcionada à violência e ao poder. (SHELTON, 2005, p. 11, grifos nossos, tradução nossa) É interessante observar que, de acordo com a enciclopédia, existem muitos exemplos da “bondade” ou da “maldade” humana, de tal sorte que seria um tanto difícil definir exatamente a natureza do ser huma- no, ou seja, se agressivo ou pacífico, se violento ou sereno. Um outro tema relativo – porém não diretamente essencial – é a questão da violência humana e da guerra. Muitos estudos objetivaram compreender a lógica e a racionalidade da guerra. Em outros tempos, a guerra estava relacionada a território, poder e glória. Para Keegan (2006), a guerra está ligada à economia, à diplomacia e à política, em- bora essa ligação não queira dizer que sejam semelhantes; afinal, a guerra é completamente diferente da diplomacia e da política, por ser Atividade 1 Descreva o conceito de violência, indicando se atos suicidas podem também ser enquadrados nesse conceito. Criminalidade, violência e segurança pública 11 travada por aqueles que não possuem as mesmas habilidades de po- líticos e diplomatas. “São valores de um mundo à parte, um mundo muito antigo, que existe paralelamente ao mundo do cotidiano, mas não pertence a ele” (KEEGAN, 2006, p. 16). A explicação de Keegan revela que os participantes diretos de uma guerra possuem valores, critérios e características próprias, já que, em um cenário de guerra, alguns comportamentos considerados absurdos podem ser admitidos. É interessante notar que o mesmo autor, ao ini- ciar seu conceito de guerra, explica que “a guerra não é a continuação da política por outros meios”. O mundo seria mais fácil de compreender se essa frase de Clausewitz fosse verdade. [...] Nas duas formas, no entanto, o pensamento de Clausewitz, está incompleto. Ele implica a exis- tência de Estado, de interesses de Estado e de cálculos racionais sobre como eles podem ser atingidos. Contudo, a guerra prece- de o Estado, a diplomacia e a estratégia por vários milênios. A guerra é quase tão antiga quanto o próprio homem e atinge os lugares mais secretos do coração humano, lugares em que o ego dissolve os propósitos racionais, onde reina o orgulho, onde a emoção é suprema, onde o instinto é rei. (KEEGAN, 2006, p. 18) Ao contra-argumentar Clausewitz, Keegan reforça o pensamento anterior, para acrescentar que os sentimentos, os sentidos e até a pró- pria racionalidade na guerra não seguem uma lógica tradicional, pois parece ser inato no ser humano uma certa agressividade, uma tendên- cia à guerra e ao conflito. Seguindo essa linha de raciocínio, Grotius (2004, p. 101) entende que “entre os princípios naturais primitivos não há um sequer que seja contrário à guerra”. Seguindo esse raciocínio, muito antes de Keegan, Grotius igualmente aborda essa tendência natural do ser humano para a guerra, ou seja, para atos de violência. Nessa esteira, talvez o ser hu- mano seja propenso à agressividade, mas essa possível natureza não implica, por si só, em criminalidade. Muito se discute sobre a origem da criminalidade. Quais causas a explicam? Quais razões levam o homem a cometer delitos? Quais moti- vações impulsionam tais atos? O que ocorre em uma sociedade em que algumas pessoas obedecem às normas e outras não? Vemos que as teorias modernas sobre a criminalidade são ine- ficazes em conseguir determinar uma única causa ou a origem do 12 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais comportamento criminoso. Torna-se plausível, por conseguinte, conceber que existem inúmeras variáveis que contribuem para a criminalidade. Dentre elas, segundo Soares (apud VERGARA, 2002), pode-se mencionar o indivíduo, a sociedade, os controles, a cultura e até questões econômicas. Existem, de fato, peculiaridades dos indivíduos (personalidade, educação, criação etc.), peculiaridades da sociedade (casa, escola, am- bientes sociais), mecanismos de controle (autocontrole e controle ex- terno), mecanismos culturais (tais como as regras de convivência de um determinado grupo ou comunidade) e mecanismos econômicos que concorrem – em maior ou menor intensidade – para o cometimen- to de delitos. Nessa perspectiva, o World Report on Violence and Health dispõe que: Nenhum fato isolado explica porque uma pessoa e não outra age de maneira violenta. Nessa análise, o World Report on Violence and Health usa um modelo ecológico que leva em conta a multiplicida- de dos fatores biológicos, sociais, culturais, econômicos e políticos que influenciam a violência. (WORLD, 2002, p. 12, tradução nossa) O mesmo documento informa que há quatro níveis para o modelo: individual, relacionamentos, comunidade e sociedade. No que diz res- peito ao nível individual, fatores biológicos e pessoais são estudados para tentar determinar a possibilidade de um indivíduo se tornar vítima ou agressor, considerando-se critérios como idade, educação, renda, desordens psicológicas ou de personalidade, abuso de substâncias e histórico de abuso. Com relação ao nível relacionamentos, são estudadas as relações com familiares, amigos, parceiros e colegas e como essas relações po- dem interferir no indivíduo. Também são pesquisadas as característi- cas da comunidade na qual ocorrem as relações sociais, como escolas, igrejas, locais de trabalho e vizinhança, bem como a existência de tráfi- co de drogas e padrões de mobilidade urbana, entre outros. No quarto nível, sociedade, são abordadas as questões relativas às normas existentes e às políticas econômicas, educacionais, sociais e sa- nitárias com o respectivo clima criado por elas, isto é,se inibidores ou estimuladores da violência. Dois exemplos sobre políticas públicas que podem inibir ou não a violência podem ser verificados a seguir: Atividade 2 O ser humano é naturalmente agressivo? Essa possível carac- terística tem relação direta com a prática de delitos violentos? Justifique. Criminalidade, violência e segurança pública 13 • A colocação de árvores com folhagem densa, com copas muito fe- chadas ao longo de uma via, pode causar pontos cegos, com bai- xa luminosidade, o que pode atrair criminosos a praticar delitos. • Muitas vezes, a ineficiência do Estado no fornecimento de itens básicos para a população de uma determinada localidade (como saneamento, energia elétrica, saúde, entre outros) ou o fato de fornecê-los de forma deficitária, pode contribuir para que essas pessoas sejam condescendentes com os criminosos daquela área – e, em casos mais graves, até os apoiem. Geralmente, há muitas discussões sobre como mensurar a violência. Seria unicamente pelos crimes violentos? E, dentro deles, quais tipos de crimes? Dentre os bens jurídicos mais importantes, estão a vida e a integridade física. Assim, quando se estuda a questão da violência, normalmente utiliza-se como parâmetro os dados estatísticos relativos ao crime de homicídio, uma vez que a violência se materializa mais propriamente nesse tipo de delito. Nesse senti- do, compreender o homicídio, suas causas e variáveis auxilia de maneira significativa na análise, reflexão e raciocínio sobre a violência e a criminalidade. Para a Organização das Nações Unidas (ONU, 2019, p. 9), o homicídio intencional é caracterizado pela “morte ilegítima infligida em uma pessoa com a intenção de causar morte ou lesão gra- ve”. Há, portanto, três elementos: o objetivo (somente um ser humano pode praticar homicídio contra outro); o subjetivo (a vontade de matar ou lesionar seriamente a vítima); e o legal (a morte contraria a lei). Observando-se o Global Study on Homicide 2019, da ONU (2019), po- de-se verificar que, em 2017, globalmente houve 6,1 homicídios para cada 100 mil habitantes; nas Américas, 17,2; na África, 13; na Ásia, 2,3; na Europa, 3, e na Oceania, 2,8. Já quando se fala em números absolu- tos, tem-se 173 mil homicídios nas Américas; 163 mil na África; 104 mil na Ásia; 22 mil na Europa; e mil na Oceania. Outro aspecto relevante é que, de acordo com a mesma fonte, 54% (238.804) deles foram causa- dos por arma de fogo 1 . Figura 1 Ruas e becos com ilumina- ção pública insuficiente se tornam um chamariz para criminosos oportunistas Bu rd un Il iya /S hu tte rs to ck Houve registro de 464 mil homicídios em 2017 no mundo todo. No cálculo daqueles causados por arma de fogo, estão excluídos cerca de 23 mil que foram causados por mecanismos desconhecidos. 1 14 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Nessa análise, merece destaque a informação de que a maioria dos homicídios tem relação com o narcotráfico, de onde deriva uma refle- xão: combater o narcotráfico pode contribuir significativamente para a diminuição da violência no mundo? Acredita-se que sim. O combate inteligente, estratégico, jurídico e técnico ao tráfico de drogas terá im- pacto, sem sombra de dúvidas, nas taxas de homicídio. No que diz respeito à posição do Brasil, em comparação com o mun- do, artigo muito esclarecedor de Eugenio Goussinsky, intitulado Em ranking mundial de homicídios, Brasil ocupa 13º lugar, esclarece que, por exemplo, o Brasil ocupa o 13º lugar no mundo, com uma média de 27,8 homicídios a cada 100 mil habitantes e, em números absolutos, cerca de 58 mil homicídios. O Brasil, portanto, encontra-se em uma situação problemática, tendo em vista o elevado número de homicídios, que revela a violência des- medida existente. Inúmeros fatores podem ser determinantes para tal situação, contudo, eles demandam análise específica em outro capítulo. A Tabela 1 2 , a seguir, demonstra os 20 países com maiores taxas de homicídio no mundo. Tabela 1 Violência no Mundo Brasil • 13º lugar em taxa de homicídios • 27,8 por 100 mil habitantes em 2016 País Região Número absoluto Taxa de homicídios (por 100 mil) Ano 1 El Salvador América Latina 3.954 60.0 2017 2 Jamaica América Latina 1.616 56.0 2017 3 Venezuela América Latina 16.046 53.7 2017 4 Honduras América Latina 3.791 42.8 2017 5 S. Cristóvão e Nevis América Latina 23 42.0 2017 6 Lesotho África 897 41.2 2015 7 Belize América Latina 142 37.2 2017 8 Trindade e Tobago América Latina 494 36.0 2017 9 São Vicente e Granadinas América Latina 39 35.5 2016 10 África do Sul África 18.673 34.3 2015 11 Santa Lúcia América Latina 57 34.0 2017 12 Bahamas América Latina 123 31.0 2017 13 Brasil América Latina 57.395 27.8 2016 14 Guatemala América Latina 4.410 26.1 2017 GOUSSINSK, E. Em ranking mundial de homicídios, Brasil ocupa 13º lugar. R7. Disponível em: https://noticias.r7.com/ internacional/em-ranking- -mundial-de-homicidios-bra- sil-ocupa-13-lugar-20072018. Acesso em: 7 nov. 2019. 2 (Continua) Criminalidade, violência e segurança pública 15 País Região Número absoluto Taxa de homicídios (por 100 mil) Ano 15 Antígua e Barbuda América Latina 20 25.0 2017 16 Colômbia América Latina 10.200 22.0 2017 17 México América Latina 25.339 20.4 2017 18 Porto Rico América Latina 670 19.4 2017 19 Namíbia África 372 17.2 2012 20 República Dominicana América Latina 12 16.7 2013 1.2 Criminalidade e violência no Brasil Vídeo É de fundamental importância compreender o desenvolvimento histórico da violência no Brasil. Sobre o tema, Andrade (2018) discorre que na época do Brasil Colônia, a violência se destaca no extermínio indígena, na violência e no racismo da escravidão e na subjugação das mulheres. Todos Fonte: Goussinsky, 2018. Nota-se que o Brasil, infelizmente, encontra-se entre os países mais violentos do mundo, o que deve chamar à reflexão os administradores públicos e, igualmente, toda a sociedade, com o objetivo de modificar essa condição. Goussinsky, ao tratar da repercussão e das possíveis razões da vio- lência no Brasil, assim conclui: A violência no País está repercutindo no mundo. Artigo do The New York Times, de junho último, ressaltou que, entre 1996 e 2015, o Brasil gastou pelo menos cerca de R$ 450 bilhões, já que o país perde cerca de R$ 550 mil em cada assassinato de jovens entre 16 e 25 anos. Tais números podem ser explicados em parte por causa das dificuldades em se implantar uma política de se- gurança preventiva, com investimentos em educação ainda in- suficientes para reduzir essas taxas em curto e médio prazos. (GOUSSINKSY, 2018) A situação da violência no Brasil é tema de artigos e matérias na imprensa internacional, sem contar os grandes custos que demanda, que sobrecarregam os cofres públicos e que, inversamente, poderiam ser usados em outras áreas, evitando-se os gastos com saúde pública. Com essas informações em mente, faz-se necessário um estudo da criminalidade e violência no Brasil – ainda que de maneira superficial – para um melhor entendimento das variáveis envolvidas. O 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2019, apresenta material rico, condensado, bem re- digido, com rigor científico e ilustrado com inúmeras nuances da violência no Brasil. 13º ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2019. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segu- rança Pública, 2007. Disponível em: http://www.forumseguranca.org. br/wp-content/uploads/2019/10/ Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Site 16 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais esses foram territórios marcados pelas relações de dominação baseadas na violência e que se perpetuam no Império brasilei- ro (1822-1889) a exemplo das revoltas e rebeliões, tais como a Revolta dos balaios, Cabanagem, Sabinada e a Guerra dos Farra- pos. Na República Velha (1889-1930) [...], se consolidaram os co- ronéis, que pautam seu poder na violência contra as populações do campo, a desigualdade sociale a pobreza aumentam a violên- cia nos centros urbanos e a perseguição aos partidos políticos. O Brasil, então, passa por uma fase de surgimento das primeiras comunidades, das quais egressam alguns criminosos que, pela inefi- ciência do poder público, acabam exercendo grande influência sobre os integrantes de algumas delas. Analisando o histórico da violência no Brasil, fica fácil inferir porque ela é tão presente em nossa sociedade atual, no século XXI. Infelizmen- te, deve-se reconhecer até uma certa anestesia social com relação às notícias de diversos crimes praticados. Parece que nada mais agride e nada mais surpreende a sociedade brasileira, de tão acostumada que está a cenas de violência e barbárie. Por isso, não se pode perder a capacidade de se indignar com a vio- lência e dar sua parcela de contribuição para prevenir e/ou reprimir esses episódios. A providência preliminar a tomar é adotar um compor- tamento preventivo, prestando mais atenção ao entrar e sair de casa, não fornecendo informações pessoais por telefone e não transitando com grandes somas de dinheiro em espécie. A tabela a seguir apresenta os seguintes dados sobre homicídios nos Estados brasileiros. Tabela 2 Dados de homicídios por Estado do Brasil Distribuição dos estados brasileiros por faixa de taxas de homicídio/100 mil habitantes (mvi), em 2018 60-70/100.000 Roraima 50-60/100.000 Rio G. do Norte – Alagoas – Ceará – Sergipe – Amapá – Amazonas – Pará – (Acre) 40-50/100.000 Bahia – Pernambuco – Rio de Janeiro 30-40/100.000 Goiás – Mato Grosso – Espírito Santo – Paraíba 20-30/100.000 Paraná – Rondônia – Maranhão – Rio Grande do Sul – Tocantins 10-20/100.000 Mato Grosso do Sul – Piauí – Santa Catarina – Distrito Federal 0-10/100.000 São Paulo Fonte: 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Criminalidade, violência e segurança pública 17 Observamos que São Paulo, mesmo sendo o estado mais populo- so, é o que apresenta o menor número de homicídios a cada 100 mil habitantes, sendo, portanto, o menos violento. Os estados do Sul apre- sentam, em geral, índices de homicídio mais baixos que os estados do Norte e do Nordeste. Outro aspecto muito importante é o custo da violência, ou seja, quanto de dinheiro público é gasto com as variáveis consequentes da criminalidade. Seguindo essa linha, o Atlas da Violência 2019 trata a violência como um grande problema, que afeta, ainda, a economia do país, uma vez que afeta o preço dos bens e serviços, além de inibir a acumulação de capital físico e humano, bem como o desenvolvimento. Há também o gasto do estado para manter o sistema de segurança pública e prisional, além dos recursos destinados ao sistema público de saúde e de assistência social para o pagamento de pensões, licenças médicas e aposentadorias para atender às vítimas de violência. Com tudo isso, estima-se que o custo social da violência no Brasil “seria algo equivalente a 5,9% do PIB” (IPEA, 2019). Os impactos são sentidos em todos os campos, seja na saúde, na economia ou na educação. A seguir, a Tabela 3 ilustra graficamente o cenário do custo da violência. Tabela 3 Custo econômico da violência no Brasil Componente Ano de cálculo Percentual do PIB Bilhões de R$ (PIB 2016) Custos privados (I) 4,2% 262 Custos intangíveis com homicídios* 2012 2,5% 157 Gastos com segurança privada e seguros 2004 1,7% 105 Despesas públicas (II) 1,7% 111 Sistema de saúde 2003 0,1% 9 Segurança pública (polícia) 2015 1,4% 88 Sistema prisional* 2013 0,2% 14 Custo da violência no Brasil (I+II) 5,9% 373 Fonte: Diest/lpea. Trata-se de uma aproximação com base em Cerqueira (2014) e Cerqueira et al. (2007), atualizados com base no PIB corrente de 2016. *Consideramos os valores apurados pela CPI do sistema carcerário brasileiro (2015, p. 67) para os Estados e acrescentamos os gastos diretos da União. O Atlas da Violência 2019 apresenta em detalhes um diagnóstico da cri- minalidade no Brasil, contendo gráficos, esta- tísticas, tabelas, além de textos de grande valia, com fundamentação cien- tífica. IPEA - Instituto de Pesquisa Econô- mica Aplicada. ATLAS DA VIOLÊNCIA 2019. Brasília; Rio de Janeiro; São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasi- leiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em: http://www.ipea. gov.br/atlasviolencia/download/12/ atlas-2019. Saiba mais+ 18 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Verificamos, por conseguinte, que a violência gera desafios enor- mes para o sistema. Inegavelmente, a situação deficitária dos órgãos de segurança pública – o que aumenta a demanda para a segurança privada – associada às mudanças ocorridas nas últimas décadas, seja pela adoção de determinadas políticas públicas, seja pelas mutações da própria criminalidade, traz um panorama de preocupação. Nesse sentido, Manso (2019, p. 32) analisa a situação brasileira con- temporânea da seguinte forma: Nos anos 80 e 90, a violência atingia o país de forma diferente da atual. Os estados do Norte e do Nordeste, por exemplo, ti- nham as menores taxas de homicídios do Brasil. [...] Os seis pri- meiros colocados do ranking de homicídios ficavam no Sudeste e Centro-Oeste [...]. A situação começou a mudar principalmente depois dos anos 2000. A transformação mais profunda ocorreu em São Paulo. O estado paulista se tornou o menos violento do ranking brasileiro, mantendo uma queda consistente que dura pelo menos 18 anos. Já os estados do Norte e do Nordeste viram a situação degringolar. As taxas de homicídios explodiram e os estados da região assumiram as dez primeiras posições entre as 27 unidades da federação no Brasil. Portanto, é possível perceber uma transformação da violência no Brasil ao longo das últimas décadas. O mesmo autor faz uma reflexão muito pertinente: As mudanças regionais na violência, o crescimento e a queda atual dos homicídios em 2018, são resultado do processo de transformação na cena criminal que produziu uma nova dinâmi- ca de estratégia e relacionamento dentro e fora das prisões. Essa nova dinâmica foi sendo moldada a partir de políticas públicas implantadas nas últimas décadas, resultado de erros, acertos, omissões e excessos. Policiamento ostensivo, melhoria na ges- tão das polícias, aprisionamentos em flagrante, no final das con- tas, acabaram produzindo efeitos colaterais inesperados, como o aprisionamento massivo e a perda do controle no interior das prisões. Ou melhor: a terceirização do controle para os presos, que precisaram estabelecer um esquema de autogestão para sobreviver naqueles ambientes que o estado não parecia ter competência, dinheiro ou até mesmo interesse de administrar. (MANSO, 2019, p. 33) Criminalidade, violência e segurança pública 19 É importante enfatizar que a cultura e o comportamento coletivo também impactam a questão da violência. Assim, podemos inferir que o aumento nos índices de violência reflete, em primeiro lugar, a crise do estado (CHESNAIS, 1999). Claro que a evolução, o desenvolvimento e o amadurecimento so- ciais são alcançados ao longo do tempo, de maneira que sociedades mais recentes precisam de mais experiência para atingir índices de vio- lência menos preocupantes e mais razoáveis. Com essas considerações, entendemos que, mesmo havendo ainda um longo caminho a trilhar, existe possibilidade de melhoria significati- va da segurança pública brasileira. Para isso, faz-se necessária uma mu- dança efetiva na consciência social do povo brasileiro, de modo a não aceitar atos de violência de qualquer natureza. Além disso, é necessário um esforço intenso das autoridades públicas para a adoção de políticas públicas de segurança que sejam sustentáveis, de médio e longo prazo, dentro de uma compreensão sistêmica do processo criminológico. Deixando de lado uma visão maniqueísta ou simplista do fenôme- no, na próxima seção estudaremos a violência sob uma perspectiva mais ampla e abrangente, isto é, como um fenômeno criminológico vin- culadoa organizações criminosas e a grupos terroristas. 1.3 Organizações criminosas e grupos terroristas Vídeo Indiscutivelmente, a criminalidade, com o tempo, começou a ocor- rer de maneira concatenada, coordenada e integrada. A globalização trouxe inúmeros benefícios, como a rápida conexão entre as pessoas, o acesso relâmpago a todo tipo de informação e a troca de experiência em vários campos profissionais. Todavia, tal fenômeno ocorreu tam- bém no mundo do crime, pois, como aponta Valente (2019), o crime organizado assimilou as transformações e as combinou com as inova- ções tecnológicas advindas da globalização e a especialização cada vez mais intensa de membros especialistas em diversas áreas, como em informática, transações comerciais etc. 20 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais No Brasil, pode-se encontrar o conceito de organização criminosa na Lei Federal n. 12.850, de 2 de agosto de 2013: Art. 1º. Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado. § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (qua- tro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natu- reza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máxi- mas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional. (BRASIL, 2013) Uma observação relevante é que essa lei também é aplicada nos seguintes casos: I – às infrações penais previstas em tratado ou convenção interna- cional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; II – às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (BRASIL, 2013) Dessa maneira, pode-se compreender que as organizações terroris- tas também são consideradas, por extensão, organizações criminosas e, portanto, sujeitas às disposições da legislação vigente. Verificamos, por conseguinte, que as organizações criminosas têm características de organização, como hierarquia em sua estrutura, pla- nejamento, lucros como objetivo, tecnologias avançadas, recrutamen- to de pessoas, divisão das atividades, além de “oferta de prestações sociais, divisão territorial das atividades, alto poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local, regional, nacional ou internacional com outras organizações etc.” (VALENTE, 2019). Assim, constata-se que as organizações criminosas estão cada vez mais se “profissionalizando” com funções executivas, gerenciais e de execução. Além disso, o sistema de recrutamento propicia a participa- ção de diversos personagens, incluindo autoridades públicas. O plane- jamento se assemelha, em muito, ao das grandes multinacionais, com claro objetivo de lucros. Não podemos esquecer que o crime organizado transnacional, como os cartéis de drogas do México e da Colômbia, deve ser conside- Atividade 3 Qual é o conceito de organiza- ções criminosas? Criminalidade, violência e segurança pública 21 rado. Nesse sentido, esclarecendo os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário – e que foram devidamente incorporados ao Direi- to interno –, Anselmo (2017) ensina: Deve-se destacar que o Brasil ratificou diversos instrumentos nos últimos tempos que buscam coibir o crime organizado transnacional, como: a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena), promulgada pelo Decreto 154, de 26 de julho de 1991; a Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulga- da pelo Decreto 5.015, de 12 de março de 2004; e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), promulgada pelo Decreto 6.587, de 31 de janeiro de 2006. Pode-se observar, portanto, que o Brasil está sim preocupado com as associações criminosas, fazendo sua parte no que diz respeito ao ambiente internacional. No que tange aos modelos de organizações criminosas, Clementino (2018) apresenta-nos quatro modelos: organizações criminosas tradi- cionais; rede; empresarial; e endógena. Para o mesmo autor, as organizações criminosas tradicionais: apresentam estrutura hierárquico-piramidal, possuem rituais de inicialização para a investidura de seus membros, impera a omertà (lei do silêncio), são quase sempre baseadas no etno- centrismo, há o controle de dado território por cada família, e os seus integrantes devem obedecer cegamente a algumas re- gras específicas estipuladas quando de sua entrada na organi- zação. (CLEMENTINO, 2018) Cumpre ressaltar que essas corporações tradicionais têm raízes na criminalidade italiana, japonesa, russa e americana. No que diz respei- to ao modelo rede, o autor aponta seu surgimento junto ao processo de globalização, entre os anos 1980 e início do século XXI. Em relação à organização, o modelo rede não apresenta hierarquia bem-definida, rituais ou estrutura permanente. Ao contrário da máfia, são grupos que se organizam temporariamente em decorrência da existência de oportunidades específicas e depois se desfazem. Esse modelo apre- senta maior dificuldade de investigação para os órgãos policiais, uma vez que surge de acordo com situações pontuais e específicas. 22 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Outro modelo importante é o empresarial, que, segundo Clemen- tino (2018), “é constituído nos moldes de uma empresa lícita, porém para a prática de atividades ilegais. Ou seja, atividades legais são de- senvolvidas por meio de lucros obtidos através de negócios escusos”. Dessa forma, existe uma aparência de licitude, mas, na realidade, há raízes na reiterada prática de crimes. E, por fim, há o modelo endógeno, que consiste em organizações criminosas que atuam dentro das instituições públicas, sendo, por- tanto, o modelo mais lesivo ao Estado, pois incorpora integrantes da própria Administração Pública. Atingindo todas as esferas do poder, o modelo endógeno é constituído principalmente de funcionários públi- cos que praticam delitos contra a Administração Pública. Importante notar a origem das organizações criminosas no Brasil. Sobre o tema, Clementino explica que talvez o primeiro exemplo de organização criminosa tenha sido o cangaço, sob a chefia de Lampião, apelido de Virgulino Ferreira da Silva, que comandava uma estrutura hierarquizada e permanente. Para outros, entretanto, a prática do jogo do bicho foi conside- rada a primeira infração penal organizada no país. Ela foi criada no início do século XX pelo Barão de Drumond, que a idealizou com a finalidade de conseguir dinheiro para salvar os bichos do Jardim Zoológico no Rio de Janeiro. [...]. Nas palavras de Severino Coelho Viana: [...] a ideia popularizou-se e passou a ser patroci- nada por grupos organizados, os quais monopolizaram o jogo, corrompendo policiais e políticos. Consta que, na década de 80, o jogo do bicho movimentou cerca de R$ 500.000 por dia com as apostas realizadas, sendo que de 4% a 10% deste montante foi destinado aos banqueiros. (CLEMENTINO, 2018) Nota-se que a própria forma das organizações criminosas passou por etapas e modificações. Em complementação, Silva e Costa (2018) ensinam que durante o regime militar, por consequência da Lei de Se- gurança Nacional, opositores do regime foram presos e dividiram es- paço com criminosos comuns, resultando no aprendizado acerca de táticas de guerrilha, formas de organização, hierarquização, comando e clandestinidade repassados a eles pelos presos políticos. “Daí a nomen- clatura de crime organizado e a ciência de porque as organizações mais perigosas no Brasil originaram-se dentro das prisões” (SILVA; COSTA, 2018, p. 6, grifos do original). Criminalidade, violênciae segurança pública 23 Realmente, os estabelecimentos prisionais aglutinaram diferentes tipos de criminosos, acarretando, como consequência, uma “mistura de habilidades”, o que acelerou ainda mais o processo de organização criminosa para os modelos atualmente conhecidos. O crime organizado no Brasil, então, é basicamente centralizado nas atividades de tráfico de drogas, formação de milícias, roubos e até homicídios – tanto entre facções inimigas quanto os decorrentes das decisões dos chamados “tribunais do crime”. No que diz respeito aos grupos terroristas, embora não existam muitos no mundo, eles foram responsáveis por mais de 10.600 mortes em 2017. Sobre eles, Ruic (2018) aponta o Estado Islâmico como res- ponsável por 4.350 mortes, o Talibã por 3.571, o Al Shabaab por 1.457 e o Boko Haram por 1.254. O Estado Islâmico registrou um número muito grande de mortes e, em que pese sua possível extinção, exerceu suas atividades com muita opressão e crueldade. O número de mortes por ataques terroristas ao redor do mundo so- fre uma concentração no Afeganistão, Iraque e Nigéria, como se pode visualizar no Gráfico 1 a seguir. Gráfico 1 Número de mortes por ataques terroristas de 1998-2017 Desde o pico em 2014, o número de mortes por ataques terroristas caiu 44%. 40.000 35.000 30.000 25.000 20.000 15.000 10.000 5.000 0 1998 2002 2006 2010 201620142000 2004 2008 2012 Resto do Mundo AfeganistãoIraque Nigéria Europa e América do Norte Fonte: Institute For Economics And Peace, 2018 24 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Podemos notar que houve um aumento das mortes na Nigéria a par- tir de 2012, seguindo com leve queda a partir de 2014. O Afeganistão, por sua vez, que também responde por grande número de mortes por ata- ques terroristas, ficou em segundo lugar, mantendo essa posição. Depois do pico de mortes em 2014, houve uma queda de 44%, o que sugere a eficiência de algumas medidas tomadas pela comunidade internacional. Dessa maneira, verificamos que os grupos terroristas são extre- mamente perigosos. Exatamente por isso existem diversos estudos e políticas de Estado – principalmente dos Estados Unidos – voltadas ao combate e até à extinção dessas organizações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Foi possível estudar a violência e a criminalidade tanto no espectro mundial quanto no brasileiro. Com efeito, a criminalidade sofre interferên- cia de inúmeros fatores – pessoais, sociais, culturais e econômicos, entre outros –, podendo ainda migrar para outros locais. No Brasil, por um lado, talvez a subcultura de “levar vantagem sem- pre” tenha feito com que muitas pessoas utilizassem a violência como demonstração de poder. Por outro, a sobrecarga para os órgãos de segu- rança pública provocou o aumento da demanda por segurança privada, com o surgimento dos “feudos modernos”, a exemplo dos condomínios residenciais e shopping centers. No Brasil, as organizações criminosas surgiram nas prisões, sendo res- ponsáveis pelo tráfico de drogas, utilizado como uma das fontes de finan- ciamento, que também sustenta grupos terroristas. REFERÊNCIAS ANDRADE, R. F. M. de. A história da violência no Brasil. Revista Senso, 22 mar. 2018. Disponível em: https://revistasenso.com.br/2018/03/22/historia-da-violencia-no-brasil/. Acesso em: 7 nov. 2019. ANSELMO, M. A. O conceito de organização criminosa e crime institucionalizado. Consultor Jurídico, 27 jun. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jun-27/conceito- organizacao-criminosa-crime-institucionalizado. Acesso em: 8 nov. 2019. BRASIL. Lei n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 ago. 2013. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2013/lei/l12850.htm. Acesso em: 7 jan. 2019. 13º ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2019. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/ uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em: 7 nov. 2019. Criminalidade, violência e segurança pública 25 CHESNAIS, J. C. A violência no Brasil: causas e recomendações políticas para a sua prevenção. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 53-69, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81231999000100005&lng= en&nrm=iso. Acesso em: 7 nov. 2019. CLEMENTINO, C. L. Breves considerações sobre as organizações criminosas. Jus Navigandi, Teresina, ano 23, n. 5496, jul. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65909. Acesso em: 8 nov. 2019. GOUSSINSKY, E. Em ranking mundial de homicídios, Brasil ocupa 13º lugar. R7, 15 jul. 2018. Disponível em: https://noticias.r7.com/internacional/em-ranking-mundial-de-homicidios- brasil-ocupa-13-lugar-20072018. Acesso em: 7 nov. 2019. GROTIUS, H. O Direito da Guerra e da Paz. Trad. de Ciro Mioranza. v. I e II. Ijuí: Unijuí, 2004. INSTITUTE FOR ECONOMICS AND PEACE. Global Terrorism Index 2018. Disponível em: http://visionofhumanity.org/app/uploads/2018/12/Global-Terrorism-Index-2018-1.pdf. Acesso em: 8 nov. 2019. IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da violência 2019. Brasília; Rio de Janeiro; São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/ download/12/atlas-2019. Acesso em: 7 nov. 2019. KEEGAN, J. Uma História da Guerra. Trad. de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. MANSO, B. P. A cena criminal brasileira mudou; compreendê-la ajuda entender as novas dinâmicas do homicídio. 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, p. 36-39, 2019. Disponível em: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Anuario- 2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em: 7 nov. 2019. ONU - Organização das Nações Unidas. Office on Drugs and Crime. Global Study on Homicide 2019. Disponível em: https://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/global-study- on-homicide.html. Acesso em: 7 nov. 2019. RUIC, G. Coreia do Norte: as datas-chave do programa nuclear que assustou o planeta. Revista Exame, 9 jun. 2018. Disponível em: https://exame.abril.com.br/mundo/coreia- donorte-as-datas-chave-do-programa-nuclear-que-assustou-o-planeta. Acesso em: 6 jan. 2020. SHELTON, D. L. Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity. USA, 2005. 3 v. SILVA, P. F. F.; COSTA, V. R. da. Organização criminosa: sua origem, evolução e formas de organização. 2018. Disponível em: https://acervodigital.ssp.go.gov.br/pmgo/ bitstream/123456789/1189/1/Pedro%2 0Filho%20Ferreira%20Da%20Silva.pdf. Acesso em: 8 nov. 2019. VALENTE, J. B. S. Crime organizado: uma abordagem a partir do surgimento no mundo e no Brasil. Ministério Público do Estado do Amazonas. Disponível em: https://www.mpam. mp.br/centros-de-apoio-sp-947110907/combate-ao-crime-organizado/doutrina/418- crime-organizado-uma-abordagem-a-partir-do-seu-surgimento-no-mundo-e-no-brasil. Acesso em: 8 nov. 2019. VERGARA, R. A origem da criminalidade. Super Interessante, 31 mar. 2002. Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/a-origem-da-criminalidade/. Acesso em: 7 nov. 2019. WORLD HEALTH ORGANIZATION. World Report on Violence and Health. 2002. Disponível em: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/world_report/en/abstract_ en.pdf. Acesso em: 7 nov. 2019. https://jus.com.br/artigos/65909/breves-consideracoes-sobre-as-organizacoes-criminosas https://jus.com.br/revista/edicoes/2018 https://jus.com.br/revista/edicoes/2018/7/19 https://jus.com.br/revista/edicoes/2018/7 https://jus.com.br/revista/edicoes/2018 26 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais GABARITO 1. Uso de força física, intencional, seja atual ou por ameaça, contra a própria pessoa ou contra outra, contra grupo ou comunidade, que possa causar morte, lesões corporais ou danos psicológicos. Sim, atentar contra a própria vida é considerado violência. 2. Como explica HugoGrotius (2004), existe uma certa agressividade natural no ser humano, um tipo de tendência inata à violência. Todavia, essa condição não pode, por si só, criar uma relação direta com a criminalidade, já que esta deriva da influência de inúmeras variáveis. 3. A “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”, nos termos do parágrafo 1º do artigo 1º da Lei Federal n. 12.850, de 2 de agosto de 2013. Narcotráfico e suas implicações 27 Neste capítulo, serão abordadas as questões sobre o narcotráfico, incluindo histórico, conceitos, classificação e legislação. Por meio da análise a ser empreendida aqui, será possível conhecer com maior profundidade o tema. Ademais, o percurso deste estudo levará em conta o nível mundial, o panorama na América Latina e no Brasil, estudando como o tráfico de drogas se desenvolveu nessas regiões e como está o cenário atualmente. Por fim, você conhecerá as nuances do uso de substâncias entorpecentes, bem como suas consequências. Narcotráfico e suas implicações 2 2.1 Histórico do narcotráfico Vídeo Usualmente, ao ouvirmos a palavra droga, logo a associamos a substâncias que podem causar dependência, tornando seu usuário um viciado. Contudo, é importante ressaltar que existem dois tipos de drogas: as lícitas e as ilícitas. As drogas lícitas são aquelas que podem causar dependência, mas que têm sua produção, comercialização e consumo autorizados por lei, por questões de política de Estado. Os principais exemplos de drogas lícitas são o álcool e o cigarro, além de uma série de medicamentos, como os anabolizantes, os descongestionantes na- sais, os benzodiazepínicos (tranquilizantes), os xaropes e os anorexíge- nos (medicamentos para inibição do apetite), dentre outros. Por outro lado, as drogas ilícitas são aquelas que, também por ques- tões de política de Estado, não têm sua fabricação, produção, comer- cialização e distribuição permitidas. Dentre as drogas ilícitas, temos a cocaína, o crack, o ecstasy etc. 28 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Exatamente pelo fato de que a licitude ou ilicitude de determinada substância é objeto de política de Estado é que existem diversos deba- tes atualmente sobre a legalização de tais drogas, com destaque para a maconha (Cannabis sativa). Sobre esse assunto, a Figura 1 ilustra a situação da legalização da maconha no mundo. Figura 1 Legalização da maconha no mundo Legalizada (uso medicinal e recreativo) Legalizada (uso medicina) Legalização em andamento (uso medicinal) Fonte: Marijuana Stox, 2019. Observando o mapa, notamos que muitos países já tornaram lícita a produção e a comercialização de maconha, como o Uruguai, na Amé- rica do Sul, e o Canadá, na América do Norte, além de vários estados americanos. Nesses locais a maconha pode ser usada para fins recrea- tivos, bem como para uso medicinal. Em outros casos, como no Brasil e na Austrália, a maconha pode ser usada para fins medicinais ou terapêuticos. Ainda há muitos países nos quais o processo de legalização está em andamento, como é o caso da Inglaterra, por exemplo. Não obstante, ainda que se considere que a análise sobre as drogas lícitas seja bem importante, o foco deste estudo é discorrer sobre as drogas ilícitas, em seus múltiplos aspectos, e sobre o narcotráfico, isto é, o comércio de drogas ilícitas. 2.1.1 Narcotráfico no mundo De acordo com o World Drug Report (2018), estima-se que cerca de 275 milhões de pessoas usaram drogas ilícitas em 2016. Segundo da- dos da Global Financial Integrity (2017), o mercado ilegal das drogas ti- Atividade 1 Somente as drogas ilícitas causam dependência? Justifique sua resposta. Narcotráfico e suas implicações 29 nha um valor estimado, em nível mundial, de aproximadamente U$ 426 a 652 bilhões em 2014. Ainda segundo a mesma fonte, a maconha é responsável pela maior parte desse mercado, seguida pela cocaína, pelos opiáceos e estimu- lantes baseados em anfetamina. Mas quando iniciou essa busca por substâncias hoje proibidas? O uso de drogas é bastante antigo. Sobre sua história, Cordeiro (2019) afirma que [o]s primeiros registros de consumo de drogas datam de 4.800 anos atrás: inscrições da Suméria relacionam o ópio aos sím- bolos que significam “alegria”. A maconha também é milenar – acompanha rituais religiosos desde pelo menos o terceiro mi- lênio antes de Cristo, nos atuais Leste Europeu, Oriente Médio, Índia e China. Mais adiante, por volta de 1000 a.C., os antigos egípcios também aderiram. Dessa maneira, verificamos que a questão remete a tempos remo- tos e que o uso nem sempre foi visto como um problema, tal como é hoje. Até que essas substâncias se tornassem ilegais, houve várias convenções internacionais sobre as drogas, como se pode observar no artigo Drogas: Marco Legal, do Office on Drugs and Crime (Escritório sobre Drogas e Crime) da ONU, pelo seu Escritório de Ligação e Par- ceria no Brasil: Convenção Única sobre Entorpecentes, 1961 (emedada em 1972): Esta convenção tem o objetivo de combater o abuso de drogas por meio de ações internacionais coordenadas. Existem duas formas de intervenção e controle que trabalham juntas: a primeira é a limitação da posse, do uso, da troca, da distribuição, da importação, da exportação, da manufatura e da produção de drogas exclusivas para uso médico e científico; a segunda é com- bater o tráfico de drogas por meio da cooperação internacional para deter e desencorajar os traficantes; Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas, 1971: Esta con- venção estabelece um sistema de controle internacional para substâncias psicotrópicas, e é uma reação à expansão e diversifi- cação do espectro do abuso de drogas. A convenção criou ainda formas de controle sobre diversas drogas sintéticas de acordo, por um lado, a seu potencial de criar dependência, e por outro lado, a poder terapêutico; Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Subs- tâncias Psicotrópicas, 1988: Essa convenção fornece medidas Figura 2 Cannabis sativa, planta de origem da maconha Ai rin .d iz ai n/ Sh ut te rs to ck 30 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais abrangentes contra o tráfico de drogas, inclusive métodos contra a lavagem de dinheiro e o fortalecimento do controle de percus- sores químicos. Ela também fornece informações para uma co- operação internacional por meio, por exemplo, da extradição de traficantes de drogas, seu transporte e procedimentos de trans- ferência. (ONU, 2019a) Nesse sentido, notamos o reconhecimento do mal causado pelas drogas à sociedade e um esforço global por parte da comunidade inter- nacional para combater seu uso/abuso, bem como o tráfico. No que se referte à produção, os estimulantes baseados em anfe- tamina e a maconha são produzidos no mundo todo, enquanto a pro- dução de cocaína e opiáceos está concentrada na América do Sul e no Afeganistão. Organizações criminosas, cartéis de drogas e grupos terroristas estão todos envolvidos com o narcotráfico. Agora, merecem atenção especial duas drogas semissintéticas im- portantes: a cocaína e a heroína. A cocaína foi desenvolvida em 1859 pelo químico alemão Albert Niemann. Figura 4 Erythroxylon coca, a planta que contém o alcaloide de cocaína. M ar zo lin o/ Sh ut te rs to ck Atividade 2 Qual é a relação entre o tráfico de drogas e as organizações criminosas e o terrorismo? Figura 3 Papaver somniferum, planta da qual se obtém o ópio. lyn ea /S hu tte rs to ck Narcotráfico e suas implicações 31 Como esclarece Cordeiro (2019), a colombiana Griselda Blanco seria a pioneira no tráfico de cocaína ao se mudar em 1970 para Nova Ior- que, sendo considerada madrinhado Cartel de Medellín, na Colômbia. A heroína é produzida a partir da morfina, que por sua vez deriva do ópio, um tipo de líquido esbranquiçado retirado da cápsula da flor da papoula. Foi sintetizada pela primeira vez em 1874 pelo químico inglês Charles Romley Alder Wright e utilizada pelos químicos alemães Felix Hoffman e Heinrich Dreser no laboratório Bayer (ANDREWS, 2017). Atualmente, a maior parte de sua produção se concentra no Afeganis- tão, no México, em Laos e na Tailândia. Segundo o World Drug Report (2018), o Afeganistão representou 86% da produção global de ópio em 2017. De acordo com a mesma fonte, da quantidade de drogas apreendidas no mundo, destaca-se a maco- nha, com 53% das apreensões, os derivados de anfetamina (16%), os opioides (15%) e a coca/cocaína (10%). Tendo visto o panorama da questão do narcotráfico no mundo, passemos a analisar a América Latina. 2.1.2 Narcotráfico na América Latina De acordo com Moraes (2016), a desigualdade social é um dos prin- cipais motivos pelo qual se formam grupos que praticam atividades criminosas, entre as quais se encontra o narcotráfico. Esses grupos sur- gem “principalmente em populações mais pobres, nas favelas e perife- rias, por falta de oportunidades de vida, sem acesso à educação, trabalho, moradia e segurança” (MORAES, 2016, p. 14). Esse foi um dos fatores que influenciou de modo decisivo a substituição dos cultivos tradicionais pela implantação da coca e da maconha na América Lati- na a partir dos anos 1970, depois da queda dos pre- ços internacionais dos produtos agrícolas tropicais. Nesse período, ocorreu, ainda, o estabelecimento de uma aliança entre traficantes e guerrilheiros, que começaram a demonstrar interesse no mercado norte-americano. O documentário Cocaine Cowboys trata do surgi- mento do narcotráfico em Miami nas décadas de 1970 e 1980. Nele, pode- -se constatar a ligação da importação de cocaína com o crescimento da economia local, impul- sionada pelo dinheiro do comércio ilegal da droga, com o desenvolvimento de negócios legais, inclu- sive de alto padrão, e o crescimento da violência. Diretor: Billy Corben. Produção: Alfred Spellman, Billy Corben e David Cypkin. New York: Magnolia Pictures, 2006. Filme Saiba mais+ Sabe-se que nos Andes as pessoas mascam a folha da coca para enfrentar os efeitos da altitude e melhorar a disposição física há muito tempo. Mas descobertas arqueológicas no Peru mostram que a prática é muito mais antiga do que se imaginava: chegam a datar de 8 mil anos atrás. Folhas de coca La sz lo M at es /S hu tte rs to ck 32 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Acerca da produção de drogas na América Latina, dados do Depar- tamento de Estado dos Estados Unidos (2019) apontam os países que mais produzem ópio: a Colômbia produziu 24 toneladas em 2015; Gua- temala, sete toneladas em 2016; e México, 944 toneladas em 2017. Ainda segundo dados do Departamento, no que se refere à pro- dução de heroína pura, os maiores produtores são: a Colômbia, com três toneladas em 2015; a Guatemala, com uma tonelada em 2016; e o México, com 111 toneladas em 2017. Por fim, os maiores produtores de cocaína pura são: a Colômbia, com 921 toneladas em 2017; o Peru, com 491 toneladas em 2017; e a Bolívia, com 249 toneladas no mesmo ano. Dessa maneira, verifica-se a ligação da desigualdade social e o desenvolvimento do narcotráfico nos países da América Latina, hoje grandes produtores de substâncias entorpecentes, especialmente ma- conha, cocaína e heroína, distribuindo-as ao redor do mundo. 2.1.3 Narcotráfico no Brasil Controlar e combater o narcotráfico no Brasil não é uma tarefa fácil, afinal, o nosso país faz fronteira com outros dez países, dos quais três são grandes produtores de cocaína (Bolívia, Peru e Colômbia). Embora o Brasil seja caracterizado como um país consumidor, por sua extensão territorial, acaba por servir de rota para o tráfico e refúgio para trafican- tes em fuga. Além disso, ele é provedor dos materiais químicos para a produção e base para a lavagem de dinheiro. De acordo com Cordeiro (2019), o narcotráfico se desenvolveu no Brasil com o surgimento da Falange Vermelha, que, no início dos anos 1980, por causa da ascensão do tráfico na Bolívia e no Peru, começou a refinar e distribuir drogas para dar sustentação à sua estrutura. Cabe ressaltar que até a década de 1970 o Brasil era basicamente consumidor de drogas. Depois, com o desenvolvimento das organiza- ções criminosas brasileiras – como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC) –, o tráfico se tornou organizado no país. A história do narcotráfico no Brasil é recente – cerca de 50 anos. Sua organização em nosso país se deu a partir da ascensão de organizações criminosas e é responsável pelo financiamento das ações dessas orga- nizações e de grupos terroristas. Esse livro apresenta com detalhes a história da proibição das drogas, o surgimento do narcotrá- fico e o funcionamento da chamada guerra às drogas. Aborda, também, a formação dos grupos narcotraficantes no Brasil, no México, na Colômbia e na Argentina e discute o tema da legalização. RODRIGUES, T. Política e drogas nas Américas: uma genealogia do narcotráfico. São Paulo: Desatino, 2017. Livro Narcotráfico e suas implicações 33 Segundo dados do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad) de 2012, observa-se a relação do consumo de drogas no Brasil entre adolescentes e adultos, conforme tabela a seguir. Tabela 1 Proporção de indivíduos que utilizaram determinada substância alguma vez na vida Substância (Consumo na vida) Adolescentes Adultos % N % N Cocaína 2,3 316.040 3,8 5.131.954 Estimulantes 1,3 182.302 2,7 3.694.737 Ritalina 0,6 87.050 0,4 568.249 Crack 0,8 108.867 1,3 1.766.438 OXI 0,5 66.454 0,3 420.099 Tranquilizantes 2,5 342.209 9,6 12.842.014 Solventes 2 275.460 2,2 2.907.375 Ecstasy 0,5 70.985 0,7 949.804 Morfina 0,1 14.258 0,8 1.105.167 Heroína 0,2 25.854 0,2 208.958 Esteroides 0,8 112.212 0,6 862.833 Alucinógenos 1,4 191.646 0,9 1.208.616 Anestésicos 0,4 52.091 0,5 695.600 Cristal 0,3 40.079 0,3 364.322 Maconha 4,3 597.510 6,8 7.831.476 TOTAL 13.947.197 134.370.019 Fonte: INPAD, 2012. Podemos notar que a maconha é a droga mais consumida no Brasil, seguida de perto pela cocaína, enquanto a heroína é bem pouco con- sumida. Os alucinógenos e os esteroides têm grande adesão entre os adolescentes, por causa dos efeitos experimentados. O Brasil ainda é um país que tem se esforçado para tratar o consu- mo e o tráfico de entorpecentes de maneira satisfatória. Ainda que a Lei Federal n. 11.343/2006 seja relativamente recente, a Política sobre Drogas no Brasil trouxe muitas mudanças no sistema, como um trata- mento diferenciado ao usuário. 34 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Na legislação anterior o usuário estava sujeito a penas privativas de liberdade, enquanto a atual norma prevê tratamento para essa situa- ção. Vejamos o que dispõe a Lei Federal n. 11.343/2006: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autoriza- ção ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à prepara- ção de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (BRASIL, 2006) O tráfico de drogas é uma atividade extremamente prejudicial, tanto para a saúde das pessoas usuárias de drogas como para a estabilidade da sociedade. Assim, a sociedade deve se engajar na conscientização preventiva sobre o abuso de drogas e o tráfico deve ser combatido com rigor pelas autoridadescompetentes. 2.2 Narcotráfico: conceitos, classificação e legislação Vídeo Nesta seção, conheceremos os tipos de drogas ilícitas e sua classifi- cação. Para iniciar, é preciso saber que existem fundamentalmente as drogas naturais, produzidas a partir de plantas – como a maconha –, as drogas chamadas sintéticas, desenvolvidas totalmente em laboratório – como o LSD –, e as ditas semissintéticas, produzidas em laboratório, mas derivadas de plantas – como a heroína e a cocaína. É interessante notar que a dependência química é considerada um problema de saúde, devidamente catalogado na Classificação Inter- nacional de Doenças (CID) na categoria “transtornos mentais de com- portamento”, sendo considerada uma doença crônica e recidivante (o doente tem recaídas), caracterizada pela busca e consumo compulsivo. Analisando o CID-F, serão encontradas as seguintes substâncias que causam dependência: álcool, opiáceos, canabinoides, sedativos e hip- Narcotráfico e suas implicações 35 nóticos, cocaína, outros estimulantes, como a anfetamina e a cafeína, alucinógenos, tabaco e solventes voláteis. São exemplos de substâncias depressoras o álcool, os barbi- túricos (soníferos), os ansiolíticos (tranquilizantes), os sedativos (calmantes), o ópio, a morfina, os xaropes e gotas para tosse, e os inalantes ou solventes (colas, tintas, removedores). Sobre os efeitos das drogas depressoras, Frazão (2019) explica que elas diminuem a capacidade de raciocínio e de concentração, potencializam a sensa- ção de calma e tranquilidade. Há ainda a sensação de relaxamento exagerado e bem-estar, e podem provocar aumento da sonolência, diminuição dos reflexos, maior resistência à dor e dificuldade em fazer movimentos delicados. Esses efeitos se relacionam, ainda, com a diminuição da capa- cidade para dirigir, da capacidade de aprendizagem na escola e da rentabilidade no trabalho. Pode-se notar, portanto, que as dro- gas depressoras tendem a diminuir as tensões e o estresse, dando sensação de bem-estar e de despreocupação. Os principais exemplos de substâncias estimulantes são as an- fetaminas, a nicotina (presente no cigarro) e a cocaína. Sobre os efei- tos das drogas estimulantes, Frazão (2019) comenta que podem ser observadas intensa euforia e sensação de poder, estado de excita- ção, muita atividade e energia, diminuição do sono e perda do ape- tite, além de fala muito rápida, aumento da pressão e da frequência cardíaca, descontrole emocional e perda da noção da realidade. Por outro lado, as drogas estimulantes darão energia para o usuário, fazendo com que ele se sinta um super-humano, que apa- rentemente não precisa dormir, comer ou descansar. Dentre os principais exemplos de substâncias alucinógenas, te- mos a maconha, o ecstasy e o LSD. Sobre os efeitos das drogas per- turbadoras, é comum o usuário relatar alucinações, principalmente visuais como alteração das cores, formas e contornos dos objetos, percepção alterada de tempo e espaço, sensação de enorme prazer ou de medo intenso, suscetibilidade a entrar em pânico ou se exal- tar, delírios relacionados à perseguição. Albert Hofmann (1906-2008) foi o cientista responsável pela sintetização do LSD em 1938, quando trabalhava no isolamento de princípios ativos presentes no fungo ergo, um parasita do centeio. Dr. Albert Hofmann, em 2006, com 100 anos. W ik im ed ia c om m on s Saiba mais+ 36 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Figura 5 Narcóticos e sua interação no sistema nervoso central Depressoras Diminuem a atividade cerebral, deixando o indivíduo “desligado”. Reduzem a tensão emocional, a atenção, a concentração, a memória e a capacidade intelectual. Podem causar sonolência, embriaguez e em casos extremos o coma. Estimulantes Aumentam a atividade do cérebro, fazendo com que a pessoa fique “ligada”, “elétrica”. Podem inibir as sensações de fome, cansaço e sono, podendo produzir estados de excitação e aumento da ansiedade. Perturbadoras Também chamadas de alucinógenas, modificam a qualidade da atividade do cérebro, que passa a funcionar de forma anormal. Alteram a percepção e o pensamento e produzem alucinações e delírios. Narcotráfico e suas implicações 37 As drogas ilícitas mais comuns são a maconha, o ecstasy, o LSD, a heroína, a cocaína e o crack. Vamos conhecer cada uma delas, bem como seus respectivos efeitos. 2.2.1 Maconha Maconha é o nome dado no Brasil à Cannabis sativa. As folhas podem ser fumadas ou ingeridas. Há também o haxixe, pasta semi- sólida obtida por meio de grande pressão nas inflorescências, pre- paração com maiores concentrações de THC (tetra-hidrocanabinol – causadora dos efeitos). Há efeitos físicos e psíquicos (agudos e crônicos) que podem ser observados. Dentre os efeitos psíquicos agudos, é comum relatos de uma sensação de bem-estar acompanhada de calma e relaxamento, angústia, atordoamento, ansiedade e medo de perder o autocontro- le, tremores associados à sudorese, entre outros. Dentre os efeitos psíquicos crônicos, observa-se interferência na capacidade de aprendizagem e memorização e indução a um estado de diminuição da motivação, que pode chegar à síndrome amotiva- cional, caracterizada pela passividade, apatia, isolamento e perda da capacidade de expressar emoção ou entusiasmo com as coisas, falta de cuidado com a aparência, bem como diminuição da capacidade de concentração, atenção e memória. No que se refere aos efeitos físicos agudos, verifica-se a hipere- mia conjuntival (olhos ficam avermelhados), diminuição da produ- ção de saliva (sensação de secura na boca) e taquicardia. No tocante aos efeitos físicos crônicos, problemas respiratórios são comuns, uma vez que a fumaça produzida pela maconha con- tém alto teor de alcatrão (maior que o tabaco) e nele pode existir uma substância chamada benzopireno, conhecido agente cancerí- geno. Ocorre ainda uma diminuição de 50% a 60% na produção de testosterona dos homens, e pode causar infertilidade. A maconha é a droga mais consumida no Brasil, seja pela facili- dade de acesso, seja pela “tolerância” ao uso recreativo devido às manifestações pró-legalização. 38 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais 2.2.2 Cocaína e crack A cocaína, como já dito em seção anterior, é obtida a partir da folha da coca. Depois de devidamente preparada a folha, são adicionados solventes, como gasolina, e ácido sulfúrico, dando origem à pasta-base da cocaína. Depois dessa fase, a pasta-base da cocaína é tratada com solventes e ácido clorídrico, dando origem à cocaína sob a forma de pó – cloridrato de cocaína –, que pode ser aspirado ou dissolvido em água e injetado. Como subprodutos da última fase, restam a merla e o crack. A merla e o crack podem ser fumados. A cocaína é a segunda droga mais usada no Brasil, perdendo ape- nas para a maconha. O crack é utilizado cerca de três vezes menos que a cocaína. Dentre os efeitos da cocaína, pode-se observar sensação intensa de euforia e poder, estado de excitação, hiperatividade, insônia, falta de apetite e perda da sensação de cansaço. Já o crack causa os seguintes efeitos físicos: perda de apetite, taqui- cardia, aumento da pressão sanguínea e da temperatura corporal, vasos sanguíneos contraídos, aumento do ritmo respiratório e pupilas dilata- das. Dentre os efeitos comportamentais, observa-se padrões de sono perturbados; hiperestimulação da atividade motora; comportamento bi- zarro, errático, algumas vezes violento; alucinações, hiperexcitabilidade, irritabilidade; alucinações tácteis que criam a ilusão de insetos a rastejar debaixo da pele; euforia intensa; ansiedade e paranoia; depressão; ânsia intensa da droga; pânico e psicose. Notamos, portanto, que a cocaína e o crack são extremamente no- civos à saúde, merecendo atenção e preocupação do governo e da sociedade. Tendo verificado quais são as drogas ilícitas mais comuns, agora es- tudaremos um pouco sobre o narcotráfico, isto é, o comérciode drogas ilícitas, processo que se inicia com o cultivo (se aplicável), seguido pela produção e distribuição, finalizando com a venda ao consumidor. É notoriamente conhecida a informação de que o narcotráfico está relacionado ao financiamento de organizações criminosas e até terro- ristas. Consequentemente, ele está ligado ao alto índice de homicídio 1 , uma vez que há, segundo Portella et al. (2016, p. 6, tradução nossa), “uma associação estatisticamente significativa entre o coeficiente do Atividade 3 Qual é o conceito de narcotráfico? O índice de homicídios é considerado parâmetro para aferição do nível de violência de uma determinada localidade por ser o delito que atinge o bem jurídico mais importante (a vida). 1 Narcotráfico e suas implicações 39 homicídio intencional e o tráfico de drogas, o índice de pobreza e a pro- porção entre afro-descentes masculinos entre 15 e 49 anos”. No que se refere à legislação, podemos afirmar que, em termos ge- rais, no mundo todo o narcotráfico é considerado atividade ilícita e, portanto, crime passível de condenação – em alguns países até com a pena de morte. No Brasil, o Sistema Nacional de Políticas Públicas Sobre Drogas (Sis- nad) foi instituído pela Lei Federal n. 11.343, de 23 de agosto de 2006, trou- xe diversas modificações, dando tratamento diferenciado ao usuário e prevendo punições rigorosas para o traficante, entre outras providências. Com relação à proibição em território brasileiro: Art. 2º. Ficam proibidas, em todo o território nacional, as dro- gas, bem como o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produ- zidas drogas, ressalvada a hipótese de autorização legal ou re- gulamentar, bem como o que estabelece a Convenção de Viena, das Nações Unidas, sobre Substâncias Psicotrópicas, de 1971, a respeito de plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. (BRASIL, 2006) Fica bastante claro, por conseguinte, que no Brasil a maioria das drogas é absolutamente proibida, ressalvadas algumas exceções. Nessas exceções entram, por exemplo, o álcool e o tabaco, drogas denominadas lícitas. Também são vedados o plantio, o cultivo, a colheita e a exploração de vegetais dos quais podem ser produzidas drogas. Nessa situação se enquadram a coca, a papoula e a cannabis, com uma excepcionalidade: plantas utilizadas em cultos religiosos. Sob esse enfoque, inclui-se, por exemplo, o ci- pó-mariri (Banisteriopsis caapi), o qual, combinado com outras plantas, resulta na bebida denominada ayahuasca 2 , utilizada nas religiões ayahuasqueiras, como o Santo Daime e a Barquinha, entre outras. A utilização da ayahuasca foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad), por meio da Resolução n. 001/2010, ficando vedados a produção da bebida para fins lucrativos, seu comércio e exploração turística. Figura 6 Banisteriopsis caapi, planta nativa da região amazônica. Fo xy lia m /S hu tte rs to ck O vocábulo ayahuasca pode se referir tanto à bebida quanto à planta. 2 40 Terrorismo, narcotráfico, organizações criminosas e crimes digitais Um outro aspecto relevante da Lei n. 11.343/2006 é a matéria relati- va aos crimes. Pela leitura do artigo 28, observa-se o seguinte: Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autoriza- ção ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. § 1º. Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à prepara- ção de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica. (BRASIL, 2006) Aqui fica muito clara a política brasileira sobre o uso/consumo pes- soal de qualquer droga, no sentido de que o usuário deve ser conside- rado uma pessoa doente e que precisa de tratamento. Um ponto de grande controvérsia, no entanto, é a caracterização do consumidor/ usuário pessoal, uma vez que não existem critérios objetivamente defi- nidos para tanto. Isso quer dizer que, dependendo das circunstâncias, uma pessoa com “grande” quantidade de droga pode ser considerada usuária, ao mesmo tempo que alguém portando uma pequena quantidade de dro- ga pode ser considerada traficante. Assim, nos termos da Lei Federal n. 11.343/2006, o critério quantitati- vo não pode ser determinante isoladamente, mas deve estar agregado a outros critérios, como o local, a conduta do agente e seus antecedentes, entre outros, como se vê no texto do artigo 28, parágrafo 2º: Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreen- dida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos an- tecedentes do agente. (BRASIL, 2006) Em relação ao que a lei considera como crimes previstos, os artigos 33 e 36 assim enunciam: Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, trans- portar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem Para mais informações sobre o ayahuasca, ver ZUBEN, M. V. von. Ayahuasca – bebida sagra- da com potencial farmacológico. Disponível em: http://www. toxicologia.unb.br/?pg=desc- -noticias_foco&id=40. Saiba mais+ Embora a lei de drogas brasileira não seja per- feita, ela tem o mérito de estabelecer um novo sis- tema ao tratar de manei- ra diferenciada usuário, dependente e traficante de drogas. Fundamental para a melhor compreen- são do tema, esse livro se embasa na melhor doutri- na e jurisprudência, com vistas a analisar a Lei n. 11.343, de 23 de agosto de 2006. SILVA, C. D. M. da. Lei de drogas comentada. 2. ed. São Paulo: As- sociação Paulista do Ministério Pú- blico, 2016. Disponível em: http:// www.mpsp.mp.br/portal/page/ portal/Escola_Superior/Biblioteca/ Biblioteca_Virtual/Livros_Digitais/ APMP%203330_Lei_de_dro- gas_Cesar%20Dario.pdf. Livro http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/Biblioteca_Virtual/Livros_Digitais/APMP%203330_Lei_de_drogas_Cesar%20Dario.pdf http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/Biblioteca_Virtual/Livros_Digitais/APMP%203330_Lei_de_drogas_Cesar%20Dario.pdf http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/Biblioteca_Virtual/Livros_Digitais/APMP%203330_Lei_de_drogas_Cesar%20Dario.pdf http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/Biblioteca_Virtual/Livros_Digitais/APMP%203330_Lei_de_drogas_Cesar%20Dario.pdf http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/Biblioteca_Virtual/Livros_Digitais/APMP%203330_Lei_de_drogas_Cesar%20Dario.pdf http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Escola_Superior/Biblioteca/Biblioteca_Virtual/Livros_Digitais/APMP%203330_Lei_de_drogas_Cesar%20Dario.pdf Narcotráfico e suas implicações 41 autorização ou em desacordo com determinação legal ou regu- lamentar: Pena – reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e paga- mento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. [...] Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei: Pena – reclu- são, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa. (BRASIL, 2006) Pela análise dos delitos previstos na referida legislação e as penas a eles aplicáveis, concluímos que no Brasil existe uma política de repres- são intensa ao narcotráfico, com penas relativamente altas, multas pe- sadas e expropriação de bens móveis e imóveis utilizados nos crimes. Na próxima seção, você conhecerá as nuances do uso de substân-
Compartilhar