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FARMACOLOGIA I ANALGÉSICOS OPIÓIDES Os opióides são utilizados há muitos anos no tratamento da dor aguda e crônica. Os primeiros analgésicos opióides eram derivados do ópio, obtido da papoula (Papaver somniferum e P. album). Após incisão, a casca da semente da papoula libera uma substância branca (exsudato), que se transforma em uma goma marrom, que é o ópio na sua forma bruta. Um dos principais constituintes do ópio, a morfina, recebeu esse nome em homenagem a Morfeu, deus grego dos sonhos. Substâncias diretamente derivadas do ópio, como a morfina e papaverina, são denominadas opiáceos. São considerados opióides todas as drogas naturais e sintéticas semelhantes às da morfina, incluindo peptídeos endógenos. DOR A dor é uma experiência sensorial e emocional, de caráter desagradável, associada a dano potencial ou real. Ocorre em resposta a um estímulo intenso ou nocivo, e ajuda a evitar uma possível lesão, atuando como alerta. Entretanto, para alguns pacientes, constitui mias uma patologia que um mecanismo de defesa biológico, pois pode chegar a ser incapacitante. A dor aguda é caracterizada por um aparecimentos súbito e duração transitória, onde o local da dor é bem identificável. Já a dor crônica é mais prolongada, durando por meses. TRANSMISSÃO DA DOR (NOCICEPÇÃO) A nocicepção é definida como a detecção do estímulo nocivo e consequente transmissão das informações detectadas para os centros nervosos superiores. Estímulos nocivos externos e intensos despolarizam as terminações nervosas periféricas de neurônios sensoriais primários denominados nociceptores. Essas terminações nervosas estão localizadas em toda pele, músculos, articulações e parede dos órgãos e precisam de um forte estímulo capaz de lesar potencialmente o tecido para que ocorra a despolarização de suas terminações nervosas. Além de estímulos mecânicos, nociceptores também podem ser ativados por agentes térmicos, químicos ou por mediadores inflamatórios liberados no local. As fibras aferentes primárias são nervos sensoriais de pequeno calibre que podem ser mielinizadas (fibras Aδ) ou não (fibras C). Os potenciais de ação resultantes aos estímulos nocivos são conduzidos ao SNC por essas fibras aferentes primárias, seguindo seu trajeto inicialmente nos nervos periféricos e, a seguir, nas raízes dorsais que, em seguida fazem sinapse em neurônios no corno dorsal da medula espinal. A partir daí, outros neurônios fazem a transmissão da informação ao tronco encefálico e ao tálamo, que transmitem sinais ao córtex, hipotálamo e sistema límbico. OPIÓIDES ENDÓGENOS E RECEPTORES Analgésicos opióides são agonistas dos receptores opióides. Tais receptores existem devido à substâncias endógenas que o corpo humano produz para diminuir a resposta aos estímulos da dor. Tais substâncias são polipeptídios conhecidos como opióides endógenos. São classificados em endorfinas, encefalinas e dinorfinas. Foram descobertos pelo menos quatro tipos de receptores opióides. Esses receptores são acoplados à proteína G, ligados à adenilato ciclase e canais de potássio. A adenilato ciclase controla os níveis de AMP cíclico (cAMP). A ativação dos receptores opióides inibe a adenilato ciclase, reduzindo os níveis intracelulares de cAMP, e promove efluxo de potássio, resultando em hiperpolarização da membrana. Esses efeitos reduzem a excitabilidade neuronal e, consequentemente, reduzem o processamento da dor. RECEPTOR LOCAL EFEITO δ (delta) Sistema límbico Mudanças de comportamento, alucinações ε (épsilon) Amigdala e hipocampo Disforia e efeitos psicóticos (kapa) Hipotálamo Analgesia, sedação, hipotermia μ (mi) Corno dorsal, medula espinhal, tálamo Analgesia, euforia, depressão respiratória Os receptores μ são os principais receptores de opióides analgésicos e o mais importante na modulação da dor. A presença de receptores no sistema límbico do cérebro (parte responsável pelas emoções) é o que produz o efeito eufórico de muitos opióides. A euforia pode ter benefício clínico, principalmente para pacientes terminais, mas também é o efeito mais procurado para o abuso da droga. MECANISMO DE AÇÃO Agonistas opióides produzem analgesia através de sua ligação a receptores opióides ligados à proteína G, que se localizam no cérebro, tronco encefálico, medula espinhal e no ponto onde os nervos aferentes que transportam a percepção da dor fazem a primeira sinapse (vias ascendentes e descendentes da transmissão da dor). Afetam a regulação de canais iônicos, modulam o processamento do cálcio intracelular e alteram a fosforilação das proteínas. A atuação dos opióides nos receptores opióides acoplados à proteína G resulta em fechamento dos canais de cálcio regulados por voltagem nas terminações nervosas pré-sinápticas e abertura dos canais de potássio. Ao fechar os canais de cálcio, diminuem liberação de neurotransmissor, e ao abrir canais de potássio, hiperpolarizam e inibem os neurônios (imagem). A maioria dos analgésicos opióides disponíveis atuam primariamente nos receptores μ. A analgesia, euforia, depressão da respiração e dependência física da morfina resultam principalmente de suas ações nesses receptores. A aplicação direta de opióides à medula espinhal, produz efeito analgésico regional e reduz a depressão respiratória, náuseas e sedação indesejáveis que podem ocorrer na administração sistêmica. Na maioria das circunstâncias, são administrados por via sistêmica, atuando simultaneamente em múltiplos locais. Além de inibirem diretamente as vias ascendentes da transmissão da dor, as ações dos opióides podem resultar na ativação dos neurônios inibitórios descendentes (que inibem os neurônios de transmissão da dor). Foi constatado que essa ativação resulta da inibição de neurônios inibitórios em vários locais. CLASSIFICAÇÃO Os opióides podem atuar com diferentes potências, como agonista, agonista parcial ou antagonista em mais de uma classe de receptor. A ativação dos receptores opióides diminui influxo de Ca2+ em resposta a um po- tencial de ação. Isso diminui a liberação de neurotransmis- sores excitatórios A ativação do receptor de opióides aumenta o efluxo de K+ e diminui a res- posta do neurônio pós sináptico. EFEITOS SOBRE O SISTEMA NERVOSO CENTRAL As ações descritas adiantes para a morfina, protótipo dos agonistas opióides, também podem ser observadas com outros agonistas opióides, agonistas parciais e aqueles com efeitos mistos sobre os receptores: 1) ANALGESIA – analgésicos opióides são capazes de reduzir os aspectos sensoriais e emocionais da experiência da dor. Aliviam a dor sem perda de consciência. 2) EUFORIA – pacientes ou usuários de drogas intravenosas que recebem morfina intravenosa experimentam sensação flutuante agradável, com redução da ansiedade e aflição (sensação de contentamento e bem- estar). Mas às vezes pode ocorrer disforia (mal-estar, estado desagradável). 3) SEDAÇÃO – pode ocorrer sonolência e turvação da consciência. Ocorre pouca amnésia. Em associação com sedativos-hipnóticos, pode causar sono profundo. 4) DEPRESSÃO RESPIRATÓRIA – todos opióides podem provocar depressão respiratória significativa ao inibir mecanismos respiratórios do tronco encefálico, e está relacionada com a dose. 5) SUPRESSÃO DA TOSSE - a morfina e codeína possuem propriedades antitussígenas. 6) MIOSE – observa-se constrição das pupilas com praticamente todos os agonistas opióides, devido ao aumento da estimulação parassimpática no olho. 7) NÁUSEAS E VÔMITOS – opióides podem ativar a zona de gatilho quimiorreceptora do tronco encefálico, produzindo náuseas e vômitos. EFEITOS PERIFÉRICOS1) TRATO GASTROINTESTINAL – constipação é um dos efeitos dos opióides, sem desenvolvimento de tolerância. Aumenta tônus do intestino delgado e grosso, retardando a passagem do bolo fecal (alivia a diarréia). No estômago, pode diminuir a motilidade e diminuição na secreção gástrica de HCl. 2) LIBERAÇÃO DE HISTAMINA – a morfina provoca liberação de histamina dos mastócitos, causando urticária, sudoração e vasodilatação. Pacientes asmáticos não devem receber o fármaco pois pode causar broncoconstrição. O prurido induzido pelos opióides aparece mais frequentemente quando analgésicos opióides são administrados por via parenteral. 3) AÇÕES HORMONAIS – morfina aumenta a liberação de hormônio do crescimento e secreção de prolactina. Também aumenta o hormônio antidiurético, levando à retenção urinária. Esses efeitos hormonais se devem aos efeitos no hipotálamo, que regula esses sistemas. 4) TRATO GENITOURINÁRIO – os opióides μ exercem efeito antidiurético. 5) ÚTERO – analgésicos opióides podem prolongar o trabalho de parto, pois podem reduzir o tônus uterino. 6) EFEITO IMUNOSUPRESSOR– opióides modulam o sistema imune através de efeitos sobre a proliferação dos linfócitos produção de anticorpos e quimiotaxia. USOS CLÍNICOS Para pacientes com dor intensa, a administração de um analgésico opióides é essencial no plano de tratamento. É preciso determinar a via de administração, duração da ação do fármaco, efeito máximo, efeito da terapia e potencial de efeitos adversos. O prescrever opióides para dor crônica, deve-se considerar o desenvolvimento de tolerância e dependência física. AGONISTAS TOTAIS AGONISTAS PARCIAIS AÇÕES MISTAS ANTAGONISTAS Morfina Hidromorfona Oximorfona Alfentanila Fentanila Sufentanila Codeína Propoxifeno Loperamida (Imosec®) Nalbufina (forte agonista dos receptores e antagonista dos μ) Tramadol (bloqueio da recaptação de serotonina, agonista fraco de μ) Buprenorfina Naloxona Naltrexona Nalmefeno (possuem alta afinidade pelos receptores μ) Heroína Meperidina Metadona Tapendatol Levorfanol 1) ANALGESIA – A dor intensa e constante é habitualmente aliviada com analgésicos opióides potentes. A morfina tem efeito na maioria dos tipos de dores agudas e crônicas. Pode ser usada para tratar a dor associada ao câncer e outras doenças terminais. Frequentemente são usados durante trabalho de parto obstétrico, e também para a dor aguda e intensa das cólicas renais e biliar. 2) TOSSE – pode-se obter uma supressão da tosse com doses abaixo das necessárias para produzir analgesia, mas foram substituídos por novos compostos não analgésicos que não causam adicção. 3) DIARRÉIA – a diarréia de quase qualquer etiologia pode ser controlada com analgésicos opióides. A loperamida é utilizada no controle da diarréia e seu potencial de uso abusivo é baixo, pois tem pouco efeito sobre o SNC (pode ser adquirida sem prescrição). 4) MEDICAÇÃO ANESTÉSICA – são utilizados frequentemente como pré-medicação na anestesia e na cirurgia, devido à suas propriedades sedativas, ansiolíticas e analgésicas. Podem também ser usados como adjuvantes de outros agentes anestésicos. São mais comumente utilizados na cirurgia cardiovascular e outros tipos de cirurgia de alto risco. 5) ANALGESIA REGIONAL – podem ser utilizados como analgésicos regionais, administrados nos espaços epidural ou subaracnóide da coluna vertebral. EFEITOS ADVERSOS, TOLERÂNCIA E DEPENDÊNCIA Os efeitos adversos diretos dos opióides representam extensões de sua ação farmacológica aguda, como depressão respiratória, náuseas, vômitos, prisão de ventre e retenção urinária. A administração frequente e repetida de doses terapêuticas de morfina ou seus substitutos, resulta em perda gradual de eficácia, isto é, ocorre tolerância. Para produzir a resposta original, é necessário administrar uma dose mais alta. A tolerância começa com a primeira dose, mas se manifesta clinicamente depois de 2 a 3 semanas de exposição frequente, e se desenvolve principalmente sofre os efeitos analgésicos, sedativos e de depressão respiratória. A tolerância também ocorre aos efeitos antidiuréticos e eméticos, mas não às ações mióticas e constipantes A tolerância cruzada constitui uma característica importante dos opióides, onde pacientes que desenvolvem tolerância à morfina, também apresentam redução da resposta analgésica a outros agonistas opióides. Isso acontece principalmente para fármacos com atividade agonista primariamente nos receptores μ. A tolerância cruzada também ocorre para os efeitos euforizantes, sedativos e respiratórios. Juntamente com a tolerância, verifica-se desenvolvimento de dependência física. A dependência física é definida pela ocorrência de síndrome de abstinência característica quando o fármaco é interrompido. Os sintomas da abstinência consistem em lacrimejamento, calafrios, arrepios, hipertermia, midríase, dores musculares, vômitos, diarréia, ansiedade e hostilidade, dependendo do grau de dependência. A euforia, indiferença a estímulos e sedação produzidas pelos analgésicos opióides, particularmente quando injetados pela via intravenosa, podem levar à dependência psicológica, promovendo uso compulsivo. A metadona é usada no tratamento de uso abusivo de opióides. A tolerância e a dependência física desenvolvem-se mais lentamente com a metadona do que com a morfina. Os sinais e sintomas de abstinência após suspensão abrupta são mais leves, embora mais prolongados. Essas propriedades a tornam um fármaco útil na desintoxicação e manutenção do adicto de heroína que sofre recidiva crônica. Os antagonistas opióides (naloxona, naltrexona e nalmefeno) são derivados da morfina, usados no tratamento da superdosagem aguda de opióides. Quando administrado por via intravenosa a um indivíduo tratado com morfina, reverte por completo os efeitos opióides em 1 a 3 minutos. Em indivíduos com superdosagem, normaliza a respiração, nível de consciência, tamanho das pupilas, atividade intestinal e percepção da dor. Em pacientes dependentes, a administração de naloxona precipita quase instantaneamente uma síndrome de abstinência. AGENTES ESPECÍFICOS 1) AGONISTAS POTENTES MORFINA – É um agente analgésico, antitussígeno, adjuvante na anestesia e antidiarreico. Devido à significativa biotransformação de primeira passagem no fígado, geralmente são administrados por vias parenterais. A absorção no TGI é lenta e errática. MEPERIDINA – causa analgesia, mas não é recomendada para uso prolongado, pois seu metabólito ativo tem propriedades neurotóxicas. Não é útil no tratamento da diarreia ou tosse. Atua nos receptores μ e tem propriedades antimuscarínicas. METADONA – opióide sintético com potente efeito analgésico. Causa menos euforia e tem duração de ação pouco maior. É bem absorvida pela via oral. Atua nos receptores μ e também é antagonista do receptor NMDA. É usada como analgésico e também na retirada controlada de dependentes de heroína e morfina, pois causa síndrome de abstinência mais suave. FENTANILA – apresenta potência analgésica maior que a morfina, sendo utilizada na anestesia. É altamente lipofílica e apresenta rápido início de ação, mas curta duração. É administrado por via intravenosa, epidural ou intratecal. É usada por via epidural para induzir anestesia e para analgesia pós-operatória e durante o parto. HEROÍNA – produzida a partir da morfina. Atravessa a barreira hematencefálica mais rapidamente que a morfina, causando euforia mais exagerada quando injetada. 2) AGONISTAS MODERADOS A FRACOS CODEÍNA – é analgésica e antitussígena. É menos potente que a morfina, e apresenta boaatividade antitussígena em doses que não são analgésicas. Apresenta menor potencial para abuso que morfina. Usada em combinação com AAS ou paracetamol (raramente usada como medicação única). LOPERAMIDA – utilizada no controle da diarréia, tem potencial abusivo muito baixo, podendo ser adquirida sem prescrição. 3) AGONISTAS-ANTAGONISTAS E OUTROS PENTAZOCINA – agonista nos receptores kapa e antagonista fraco dos receptores mi e delta. Promove analgesia e é empregada no alívio da dor moderada. Produz menos euforia em relação à morfina. TRAMADOL – analgésico de ação central que se liga ao receptor μ e bloqueia a recaptação de serotonina. Utilizado para dor moderada ou intensa. Tem atividade depressora do sistema respiratório menor que a morfina. QUESTÕES Fontes: Farmacologia ilustrada (Clark); Farmacologia Básica e Clínica (Katzung); Princípios de Farmacologia (Golam); Fundamentals of Pharmacology (Bullock)
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