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EDUCAÇÃO DO CAMPO: AS INTERFACES ENTRE DIFERENTES CONTEXTOS, SUJEITOS E TERRITÓRIOS EDUCAÇÃO DO CAMPO: AS INTERFACES ENTRE DIFERENTES CONTEXTOS, SUJEITOS E TERRITÓRIOS Elmo de Souza Lima Keylla Rejane Almeida Melo Organização 2020 Conselho Editorial Dr. Clívio Pimentel Júnior - UFOB (BA) Dra. Edméa Santos - UFRRJ (RJ) Dr. Valdriano Ferreira do Nascimento - UECE (CE) Drª. Ana Lúcia Gomes da Silva - UNEB (BA) Drª. Eliana de Souza Alencar Marques - UFPI (PI) Dr. Francisco Antonio Machado Araujo – UFDPar (PI) Drª. Marta Gouveia de Oliveira Rovai – UNIFAL (MG) Dr. Raimundo Dutra de Araujo – UESPI (PI) Dr. Raimundo Nonato Moura Oliveira - UEMA (MA) Dra. Antonia Almeida Silva - UEFS (BA) EDUCAÇÃO DO CAMPO: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios © Elmo de Souza Lima - Keylla Rejane Almeida Melo 1ª edição: 2020 DOI: 10.29327/522732 Link de acesso: https://doi.org/10.29327/522732 Editoração Acadêmica Editorial Diagramação Danilo Silva Capa Acadêmica Editorial Reprodução e Distribuição CAJU: Educação, Tecnologia e Editora Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no Código de Catalogação Anglo – Americano (AACR2) Bibliotecária Responsável: Nayla Kedma de Carvalho Santos – CRB 3ª Região/1188 Educação do campo: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios / Elmo de Souza Lima, Keylla Rejane Almeida Melo, organizadores. – Parnaíba, PI: Acadêmica Editorial, 2020. E-book. ISBN: 978-65-88307-22-9 1. Educação. 2. Educação do campo. 3. Práticas educativas. I. Lima, Elmo de Souza (Org.). II. Melo, Keylla Rejane Almeida (Org.). III. Título. CDD: 371.04 E21 https://doi.org/10.29327/522732 SUMÁRIOSUMÁRIO APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO .............................................................. .............................................................. 99 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEISDIÁLOGOS POSSÍVEIS ..................................................... ..................................................... 1717 Elson Silva Sousa Elmo de Souza Lima EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: ALTERNATIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS QUE ALTERNATIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS QUE PERMEIAM A PRÁTICA EDUCATIVA DA ECOESCOLA PERMEIAM A PRÁTICA EDUCATIVA DA ECOESCOLA THOMAS A KEMPISTHOMAS A KEMPIS ........................................................ ........................................................ 4949 Patrícia da Conceição Lima Torres Elmo de Souza Lima PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS ESCOLAS DO CAMPO: FOMENTANDO O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA FOMENTANDO O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/ASIDENTIDADE CAMPONESA DOS/AS EDUCANDOS/AS .... ....7575 Maria Sueleuda Pereira da Silva OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS OS PRINCÍPIOS POLÍTICOS E PEDAGÓGICOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS QUE NORTEIAM AS PRÁTICAS EDUCATIVAS NOS ASSENTAMENTOS DO MSTASSENTAMENTOS DO MST ............................................ ............................................ 9999 Lorena Raquel de Alencar Sales de Morais Elmo de Souza Lima PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ADAPTAÇÕES CURRICULARES PARA ALUNOS COM TRANSTORNO CURRICULARES PARA ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO DO ESPECTRO AUTISTA EM ESCOLAS DO CAMPO DO PIAUÍPIAUÍ .............................................................................. .............................................................................. 129129 Keyla Cristina da Silva Machado DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO DIÁLOGOS COM CRIANÇAS DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL ENSINO FUNDAMENTAL SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL EM ESCOLA DO/NO CAMPOEM ESCOLA DO/NO CAMPO ........................................... ........................................... 153153 Keylla Rejane Almeida Melo Iara Vieira Guimarães PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS SABERES DO COTIDIANO DO CAMPOCOTIDIANO DO CAMPO ................................................ ................................................ 183183 Maria Raquel Barros Lima Carmen Lúcia de Oliveira Cabral Luana Vieira de Sousa RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS RESSIGNIFICAÇÃO DE SABERES E PRÁTICAS EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR A PARTIR DA EDUCATIVAS NO SEMIÁRIDO POTIGUAR A PARTIR DA LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO LICENCIATURA INTERDISCIPLINAR EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFERSA CAMPO DA UFERSA ....................................................... .......................................................203203 Linconly Jesus Alencar Pereira Maria do Socorro Xavier Batista Luciélio Marinho da Costa OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO EM UMA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EM EDUCAÇÃO DO CAMPO: A AVALIAÇÃO DOS EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS FAMÍLIA EDUCANDOS, MONITORES DE ESCOLAS FAMÍLIA AGRÍCOLAAGRÍCOLA ..................................................................... ..................................................................... 235235 Diego Gonzaga Duarte da Silva Lourdes Helena da Silva Élida Lopes Miranda O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A O PRONERA NO ESTADO DO PIAUÍ: UMA ANÁLISE A PARTIR DA II PESQUISA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA PARTIR DA II PESQUISA NACIONAL DE EDUCAÇÃO NA REFORMA AGRÁRIA (PNERA)REFORMA AGRÁRIA (PNERA) ....................................... ....................................... 257257 Jullyane Frazão Santana Maria Clara de Sousa Costa Marli Clementino Gonçalves SOBRE O(A)S AUTORE(A)SSOBRE O(A)S AUTORE(A)S ............................................. ............................................. 277277 ÍNDICE REMISSIVOÍNDICE REMISSIVO ....................................................... .......................................................287287 8 APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO APRESENTAÇÃO “...porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada” Guimaraes Rosa Caro leitor e cara leitora, Com alegria, temos o prazer de apresentar o livro Educação do Campo: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios, organizado pelos professores Elmo de Souza Lima e Keylla Rejane Almeida Melo, como resultado das pesquisas de mestrandos/ as e doutorandos/as de Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo (Nupecampo) da UFPI, num diálogo com pesquisadoras e pesquisadores de outras Instituições de Ensino Superior vinculados aos estudos, pesquisa e militância na Educação do Campo e Educação Contextualizada. Em tempos de ataques à Educação Pública e aos sujeitos e territórios campesinos, indígenas e quilombolas, as várias formas de ação educativa e política não podem prescindir do conhecimento crítico que contribui para visibilizar o que foi escondido e negado durante décadas – o direito destes sujeitos a uma 9 EDUCAÇÃO DO CAMPO: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios educação contextualizada na sua vida, no seu trabalho, na sua cultura – e, principalmente, como nos diz Paulo Freire,uma formação humana e emancipadora. Os artigos reunidos nesta publicação provêm de uma variedade de práticas sociais e educativas que colocaram em diálogo o ensino superior e a educação básica, a partir do olhar investigador de sujeitos comprometidos e vinculados às lutas, organizações e práticas educativas que geraram questionamentos, curiosidades e saberes de um fazer político e educacional que foi “sendo aprendido no caminho”, na interação com os diversos sujeitos da Educação do Campo e das contradições existentes nos seus contextos sociais, econômicos e políticos. Principalmente, no momento atual no qual o sistema capital se torna tão violento no aniquilamento de direitos e expropriação do trabalho humano, dentre estes o trabalho docente. Estes são alguns dos embates teóricos e políticos que estão postos para a produção do conhecimento em Educação do Campo. Neste caso, a identificação e o compromisso com o Movimento da Educação do Campo, dos autores e autoras, somente contribuiu para uma construção teórica, que buscou situar no tempo e no espaço, os diversos objetos estudados, que foram apresentando as singularidades de cada experiência educativa a partir do contexto da convivência com o semiárido, da educação na reforma agrária, na vivência da alternância e nas questões postas com a chegada das camponesas e camponeses na Universidade. 10 APRESENTAÇÃO Elmo de Souza Lima e Elson Silva Sousa abrem a coletânea com um artigo no qual argumentam sobre os possíveis diálogos entre a Pedagogia da Alternância e a Educação Popular, com o acesso dos camponeses à educação. Para isto, remontam a história da Educação Rural e da Educação do Campo, utilizando a belíssima metáfora “o joio e o trigo” para caracterizar cada paradigma. Ao situarem o surgimento da Pedagogia da Alternância, na França, e sua chegada ao Brasil, na década de 1960, período histórico que também se constituía a Educação Popular, evidenciam como esta trouxe mudanças na prática da alternância, e como estas duas matrizes vão contribuir para década de 1990 se constituir o Movimento da Educação do Campo, com sua ênfase numa práxis que articule tempos, espaços e saberes populares e escolares de forma crítica e emancipadora. Patrícia da Conceição e Elmo de Sousa Lima nos apresentam no artigo seguinte, uma pesquisa realizada com professores/as, estudantes e gestores da Ecoescola Thomas a Kempis, localizada no Município de Pedro II, no Piauí. E de como os fundamentos da Convivência com o Semiárido e da Agroecologia têm possibilitado formulações teóricas e metodológicas, que tomam as vivências campesinas para organização de um trabalho pedagógico interdisciplinar e crítico entre docentes, discentes e comunidade, fortalecendo a auto- organização e o trabalho coletivo na escola. Maria Sueleuda Pereira da Silva convida-nos a refletir sobre como os territórios camponeses, com seus símbolos, saberes e lutas, podem fomentar nas 11 EDUCAÇÃO DO CAMPO: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios práticas educativas processos de afirmação identitária desta população e, consequentemente, contribuir para a formação dos/as educadores/as do campo e para que os/as educandos/as possam internalizar as especificidades e singularidades dos seus contextos, valores e as contradições sociais e econômicas, bem como compreender as mudanças e permanências que simultaneamente acontecem no campo. A pesquisa de Mestrado em Educação realizada por Raquel de Alencar Sales de Morais e Elmo de Souza Lima buscou refletir sobre as contradições enfrentadas pelos/as educadores/as e movimentos sociais para materialização dos princípios políticos e pedagógicos defendidos para a educação nos assentamentos da reforma agrária, pelo Movimento dos Trabalhadores/as Sem Terra. A construção de um novo projeto social exige muita luta e resistência contra as forças conservadoras propagadas pelo capitalismo, visto que os contextos, as demandas e as lutas sociais vivenciadas nos assentamentos tornam-se referências importantes para a organização do trabalho pedagógico na escola, o que impõe uma permanente luta e resistência para assegurar este direito e a sua proposta político-pedagógica. A pesquisa documental e bibliográfica realizada por Keyla Cristina da Silva Machado colocou-nos o desafio de pensar a escola do campo a partir das singularidades dos sujeitos sociais e dos direitos da educação inclusiva conquistados na legislação. Dentre a diversidade das deficiências, a autora destaca os alunos com transtorno do espectro autista, os desafios que colocam para as práticas pedagógicas e adaptações curriculares, 12 APRESENTAÇÃO considerando a infraestrutura das escolas existentes no campo, a precarização dos seus equipamentos, mobiliários e materiais didáticos, bem como a formação inicial e continuada dos docentes para uma prática educativa com estes sujeitos. Keylla Rejane Almeida Melo e Iara Vieira Guimarães mostram-nos um diálogo construído com crianças dos anos iniciais do ensino fundamental sobre a oferta da educação infantil em escola no/do campo, amparadas por uma análise documental da legislação brasileira que trata dos direitos das crianças pequenas à Educação Infantil. Esta pesquisa, que parte de um trabalho de doutoramento, realizou-se com diferentes procedimentos: grupos focais, fotografias, desenhos produzidos por 20 crianças com idades que entre 08 e 10 anos, escuta de suas narrativas com o objetivo de compreender a necessidade de (re) organização dos espaços/tempos educativos de escolas do campo para o atendimento às crianças pequenas. A fragilidade no que se refere às três dimensões do cotidiano escolar – espaços, materiais e tempos – é enfatizada nas narrativas como fundamentais para dificultar este acesso e permanência. O artigo de Maria Raquel Barros de Lima, Carmem Lucia de Oliveira Cabral e Luana Vieira de Sousa é resultado de uma pesquisa bibliográfica sobre como a Pedagogia da Alternância incorpora os saberes do cotidiano do campo como um dos fundamentos de sua proposta pedagógica. O protagonismo das famílias nas escolas famílias agrícolas, os diferentes instrumentos pedagógicos utilizados para assegurar a articulação entre teoria e prática, escola e comunidade são fundamentais 13 EDUCAÇÃO DO CAMPO: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios para que os conhecimentos, sabedorias e experiências produzidas no cotidiano circule na escola e seja refletido a partir das áreas de conhecimento, construindo novos saberes e relações com as comunidades. Linconly Jesus Alencar Pereira, Maria do Socorro Xavier e Lucielio Marinho da Costa trazem no seu artigo o contexto do surgimento da Licenciatura em Educação do Campo- Ledoc, na Universidade Federal Rural do Semiárido – Ufersa, e como esta formação tem contribuído para a ressignificação de saberes e práticas educativas no semiárido Potiguar. A partir da concepção dos estudantes da Licenciatura e de agriculturores/ as deste território, destacam como os fundamentos da Educação Contextualizada têm contribuído para o fortalecimento das ações coletivas nas comunidades, enfatizando o trabalho do movimento das mulheres com práticas de economia solidária, soberania alimentar e a discussão sobre as relações sociais de gênero. Diego Gonzaga Duarte da Silva, Lourdes Helena da Silva e Elida Lopes de Miranda trazem também no seu artigo uma pesquisa sobre as contribuições da Licenciatura em Educação do Campo – Licena, da Universidade Federal de Viçosa, na formação de monitores de Escolas Famílias Agrícola. Estas práticas da Pedagogia da Alternância, na região mineira, possuíam um número de monitores- educadores sem formação superior. O estudo evidencia que, além de assegurar o direito destes profissionais à sua formação inicial, a práticapossibilitou também uma reflexão crítica sobre a articulação entre os diferentes saberes – profissionais, curriculares e disciplinares – que 14 APRESENTAÇÃO compõem a prática docente e como estes se referenciam na vida, no trabalho e nas expressões culturais das comunidades campesinas. Jullyane Frazão Santana, Maria Clara de Sousa Costa e Marli Clementino Gonçalves resgatam, no último artigo do livro, como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera se efetivou no Piauí, como resultado do diagnóstico de exclusão da escolarização dos assentados/as e acampados/as e das lutas empreendidas pelos movimentos sociais e sindicais, a partir da década de 1980, na região. Destacam a parceria construída entre a Universidade, os movimentos sociais e sindicais na construção e gestão desta prática educativa nos assentamentos e acampamentos, para efetivação de uma interlocução com o mundo acadêmico e para desencadear outras lutas pelo direito à Educação do Campo no Brasil. De modo específico, este conjunto de textos nos evidencia um tensionamento na materialização das diferentes políticas educacionais para as populações campesinas, para o contexto do semiárido, que é do eixo da ação consentida, posta pelos governos, para a arena da disputa do direito, posta pelos sujeitos sociais e suas necessidades, o que gera novas práticas, reflexões e indagações nas comunidades rurais, no poder público e na Universidade. A criação de novas práticas educativas, a entrada de sujeitos diversos na escola e na Universidade enfrentam uma arraigada cultura política elitista e urbanocêntrica que não se transforma da noite para o dia, portanto, desafia ainda mais a função social 15 EDUCAÇÃO DO CAMPO: as interfaces entre diferentes contextos, sujeitos e territórios da Universidade, a autonomia e a organização dos movimentos sociais e sindicais para intervirem em contextos tão adversos, como o que vivemos atualmente. Para intervir, é necessário conhecer. Conforme nos coloca Paulo Freire, para construir uma educação com e a favor dos esfarrapados do mundo, precisamos compartilhar os aprendizados por uma outra educação possível. Instigar a reflexão, aprofundar o debate e os nossos referenciais analíticos numa perspectiva ético-política e prática. Acredito ser este o convite feito pelas autoras e autores deste livro! Vamos à leitura! Sumé, 19 de setembro de 2020 (99 anos de Paulo Freire!) Profa Dra. Maria do Socorro Silva UFCG/CDSA/NUPEFORP/RESAB 16 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 17 PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEISDIÁLOGOS POSSÍVEIS Elson Silva Sousa Elmo de Souza Lima Introdução Nas discussões sobre o acesso dos camponeses às políticas públicas, entre elas a garantia do direito a educação, é possível identificamos que, ao longo da história do Brasil, os governos trataram a oferta da educação no meio rural como uma pauta de menor valor. Os projetos educacionais propostos pelos governos se limitaram a reforçar a Educação Rural, associada ao modelo de escola tradicional, conservadora e excludente, centrada no ensino de conteúdos desconectados da realidade camponesa. Este modelo de ensino está ligado ao ideário capitalista de modernidade social, voltado ao contexto produtivo da industrialização do meio rural. Contrapondo- se ao modelo de Educação Rural, a partir da década de 1990, os movimentos sociais assumiram o desafio de lutar por outro projeto de educação, associado a uma perspectiva de sociedade mais justa, democrática e popular, em que o trabalhador é sujeito desse processo e não o objeto dele, um projeto pautado nos ideais da Educação Popular. Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima18 A Educação Popular é um fenômeno educativo ligado às pedagogias críticas, um projeto de ações político-educacionais que coloca a educação na perspectiva da emancipação humana, e constitui uma demanda dos movimentos sociais, sujeitos centrais desta construção. Estes levantam a luta do ser humano como sujeito histórico, defendendo um projeto de sociedade contra-hegemônico, e de desenvolvimento econômico alternativo; encontra sua maior expressão na experiência de Paulo Freire, na década de 1960, que ganha força no Brasil tendo como principais elementos teórico-metodológicos o diálogo, a problematização da realidade, a formação crítica, a conscientização e a transformação social. Este artigo tem como objetivo refletir sobre os diálogos possíveis entre a Pedagogia da Alternância e a Educação Popular, suas aproximações e contribuições à produção do conhecimento no contexto da Educação do Campo. O texto está organizado em três partes: na primeira, discutimos sobre “Educação Rural” e “Educação do Campo”, destacando os dois modelos educativos que se contrapõem e representarem projetos sociais e educacionais política e ideologicamente distintos. Em seguida, tratamos das aproximações teóricas e metodológicas da “Pedagogia da Alternância” e da “Educação Popular” no contexto histórico da educação do campo no Brasil. Nas considerações finais, destacamos os diálogos construídos dentro das duas pedagogias em suas esferas de ação, bem como as aproximações entre os princípios teóricos e metodológicos, enfatizando PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 19 suas contribuições para a compreensão dos processos educativos que se desenvolvem a partir dessas concepções. Educação Rural e Educação do Campo: o “joio” e o “trigo” crescem na mesma terra Utilizaremos neste texto as metáforas “joio” e “trigo” para caracterizar dois modelos educacionais – “Educação Rural” e “Educação Campo” – como projetos educativos distintos; o primeiro, como produto governamental, sintetizado e “plantado” no campo pelas instâncias oficiais, legalmente constituídas; e o segundo, como demanda dos movimentos sociais do campo, “cultivado” na resistência à “erva daninha” representada pela Educação Rural. Em se tratando da Educação Rural (o “joio”), esta nunca foi uma proposta democrática, pois sempre esteve aparelhada ideologicamente pelas classes dominantes para consecução eficiente e eficaz da tarefa de escravizar, destruir sujeitos livres e produzir operários alienados. Neste caso, Ao contrário da Educação do Campo, a educação rural sempre foi instituída pelos organismos oficiais e teve como propósito a escolarização como instrumento de adaptação do homem ao produtivismo e à idealização de um mundo de trabalho urbano, tendo sido um elemento que contribuiu ideologicamente para provocar a saída dos sujeitos do campo para se tornarem operários na cidade (OLIVEIRA; CAMPOS, 2012, p. 240). Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima20 A trajetória da Educação Rural no Brasil tem início na década de 1930, no contexto social e econômico pautado pela industrialização e urbanização do país, “terreno” social adequado para sua “germinação”, tendo em vista a demanda pela formação de mão de obra no campo e a contenção do êxodo rural. Neste contexto, a Educação Rural foi oferecida como saída redentora para o problema do atraso econômico e da “ignorância” dos trabalhadores do campo. A proposta de Educação Rural, preservada durante muito tempo nas políticas educacionais do Brasil, ainda mantém suas “raízes” na estrutura educacional de muitos municípios brasileiros, através da Escola Tradicional Rural, uma espécie de escola pautada no modelo da cidade. Em muitos municípios do Nordeste brasileiro, estas escolas são mantidas com infraestrutura precária, transporte escolar sem qualidade e organizadas no formato multisseriado com um único/a professor/a, que absorve também as funções de gestor/a, coordenador/a pedagógico/a, secretário/a escolar, zelador/a e merendeiro/a. Estas escolas são mantidas muitas vezes com as sobrasdos livros e materiais didáticos da cidade, e ainda são subordinadas às ordens de latifundiários, fazendeiros que mantêm aquelas comunidades sob o domínio econômico e político. A Educação Rural se desenvolve nas perspectivas de controle e adaptação das populações rurais ao modo de produção capitalista, atuando mais na precarização do trabalho e proletarização do camponês. Essa educação, subordinada ao modo de produção capitalista e ao projeto de modernização do PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 21 campo, desenvolveu-se pelo processo de Extensão Rural, mediante acordos e parcerias com organismos de cooperação com os Estados Unidos. Esses acordos dispunham para o campo no Brasil os “pacotes” prontos de assistência técnica, que terminaram por criar uma dependência dos trabalhadores do campo aos insumos agrícolas fornecidos. A adoção destes pacotes resultou na destruição dos saberes tradicionais passados de uma geração a outra, conhecimentos sobre o trabalho com a terra e a produção de alimentos, que configura o modo de vida no campo. Num outro polo desta disputa política, econômica e social estão os movimentos sociais, com suas lutas históricas pelo direito a terra, melhores condições de trabalho e pelo direito à educação no campo. Neste contexto, a educação foi ganhando um papel relevante dentro dos movimentos sociais, diante da necessidade de formação política dos camponeses para o enfrentamento nas lutas contra as elites agrárias e os interesses do capital, representado pelo latifúndio e o agronegócio. Neste cenário, as experiências de Educação Popular foram importantes no processo de desenvolvimento da consciência crítica dos trabalhadores, despertando-os para a condição de opressão e exploração que estavam submetidos. Este trabalho despertou os camponeses para a importância da organização comunitária, que resultou no surgimento e fortalecimento dos movimentos sociais do campo. Pensar a Educação do Campo (o “trigo”) é concebê-la dentro de um projeto politico e social mais amplo, associado a um modelo de sociedade forjado Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima22 pelas classes populares. Nesse sentido, a Educação do Campo nasce no “chão” de luta, a partir das experiências de Educação Popular, desenvolvida pelos movimentos sociais no começo da década de 1960, que ganhou força a partir da década de 1980 com o processo de redemocratização do país. A partir das experiências da Educação Popular, os movimentos sociais passaram a questionar o modelo de educação que tinha como interesse maior a adaptação e o ajustamento social das camadas populares. Os projetos de Educação Popular iniciados da década de 1960, contrários à lógica de educação bancária, tornaram- se um marco importante para avanço da educação libertadora concebida a partir dos ideais pedagógicos de Paulo Freire. Naquele momento, a maior parte da população brasileira que vivia no campo era analfabeta e estava impedida de participar das decisões políticas do país, pois não podia exercer o direito de votar. Nesta perspectiva, a educação assumiu um caráter político importante, constituindo-se num ato político e instrumento de força na compreensão e na luta pela transformação da estrutura social brasileira, herdeira das decisões no campo da politica e da economia. Sendo assim, a Educação Popular surge com o compromisso de assumir a defesa do trabalhador, numa luta contra qualquer lógica de injustiça e opressão. A Educação Popular ganhou destaque através do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos desenvolvido no município de Angicos, cidade localizada no Sertão do Rio Grande do Norte. Em 1963, Paulo Freire pôs em prática seu método, que tinha como objetivo ler PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 23 e escrever sobre o mundo, preparando os trabalhadores para o contexto político do país. Essa experiência ficou conhecida nacional e internacionalmente como “as quarenta horas de Angicos”, um trabalho que contou com a ajuda de estudantes universitários que realizaram um levantamento prévio do universo vocabular da população local e formaram os Círculos de Cultura, rompendo uma série de “tabus metodológicos” (LYRA, 1996). O Círculo de Cultura, em sua conceituação original, “se constitui assim em um grupo de trabalho e debate” (FREIRE, 1967, p. 7), e tinha o propósito de dialogar sobre a realidade dos sujeitos, buscando fomentar o desenvolvimento da consciência crítica destes sujeitos acerca do mundo. Diante deste contexto, a Educação do Campo foi forjada a partir do acúmulo político, teórico e metodológico obtido pelos movimentos sociais e seus intelectuais orgânicos, por meio das experiências de Educação Popular construídas no seio do movimento camponês. Neste caso, é oportuno destacar que a Educação do Campo e a Educação Popular estabelecem ricos diálogos na construção de um projeto voltado às questões centrais das políticas públicas ofertadas aos povos do campo no Brasil. Esses diálogos e/ou aproximações se dão também pelo encontro das pautas dos movimentos sociais do campo na defesa dos direitos políticos e sociais. No centro dessas pautas, a educação é um direito que é o alicerce para organização e luta dos movimentos sociais contra a conjuntura política que se mantinha há décadas negando uma educação centrada no modo de vida do camponês, capaz de produzir as mudanças que os trabalhadores almejavam. Esse cenário Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima24 provocava tensão e insatisfação entre os movimentos sociais e as decisões governamentais em seu campo de interesses. Diante da insatisfação dos movimentos sociais, com relação ao modelo de educação oferecidos aos camponeses, foram organizados eventos para discutir sobre as alternativas viáveis a uma mudança real do projeto educativo em curso no campo. O novo projeto não deveria ser mais produto do governo e sim uma construção dos movimentos sociais, como resultados de seus ideais, caminhada, anseios e lutas. Os debates produzidos pelos movimentos sociais culminaram na realização do I Encontro de Educadores e Educadoras da Reforma Agraria (ENERA), evento organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e primordial para suscitar novas reflexões sobre a educação desenvolvida no meio rural. Em agosto de 1997, ocorreram as discussões de preparação da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo. Com base nas discussões e reivindicações desta I Conferência, em abril de 1998, o governo Federal instituiu o Programa Nacional de Educação na Reforma Agraria (Pronera). Em maio do mesmo ano, concluem–se as discussões que preparam o documento base da I Conferência, trazendo um contraponto entre a nova proposta (Educação do Campo) frente à Educação Rural. A Educação do Campo (o “trigo”), como modelo educativo alicerçado em um projeto popular de sociedade, é fruto das demandas dos movimentos sociais como expressão de luta pela garantia dos direitos historicamente negados aos povos do campo: os direitos PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 25 a terra e à educação. Esta mantém o foco de sua luta no desenvolvimento econômico sustentável, na valorização da agricultura camponesa e no desenvolvimento de uma educação que respeita os saberes e o modo de vida do trabalhador rural, atuando na transformação de sua realidade, pela conscientização política e emancipação dos trabalhadores. Os movimentos sociais protagonizam a constituição de um novo paradigma educacional, fazendo parte do Movimento “Por uma Educação do Campo”, que vai iniciar um novo referencial e fazer surgir um esforço organizado na defesa desse direito negado, e aos poucos vai lançando seus fundamentos. De acordo com o parecer do Conselho Nacional de Educação, n. 36/2001, que aprovou das Diretrizes Operacionais para Educação Básica das Escolas do Campo: A educação do campo,tratada como educação rural na legislação brasileira, tem um significado que incorpora os espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. O campo, nesse sentido, mais do que um perímetro não urbano, é um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana. (BRASIL, 2001, p.1). A concepção de Educação do Campo é reforçada por Caldart (2012) como aquela que se engaja num movimento em busca de uma transformação política e pedagógica mais ampla que perpassa pela luta dos movimentos do campo, contrariando a concepção Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima26 de campo incrustrada na lógica capitalista de desenvolvimento. Uma educação comprometida com o fortalecimento da agricultura camponesa, alinhada à concepção de trabalho voltada ao desenvolvimento humano, à valorização dos sujeitos do campo, seus tempos e espaços de produção de vida e relações sociais democráticas, colaborativas, visando à construção de outro projeto social enraizado nas questões populares, em busca de uma democracia participativa desses sujeitos, na formação de valores, e de uma cultura que produz processos que envolvem crianças e adultos. Nessa perspectiva, compreende-se o campo como um lugar de produção de vida e cultura por seus sujeitos, que são capazes de gestar sua própria pedagogia, ligada ao trabalho por eles desenvolvido na agricultura camponesa, do conhecimento fruto dessas relações, uma formação humana. Em síntese, pode-se entender a educação do campo como aquela em que: [...] nos processos educativos escolares, busca cultivar um conjunto de princípios que devem orientar as práticas educativas que promovem – com a perspectiva de oportunizar a ligação da formação escolar à formação para uma postura na vida, na comunidade – o desenvolvimento do território rural, compreendido este como espaço de vida dos sujeitos camponeses (MOLINA; SÁ, 2012, p.329). Lima e Melo (2016) apontam dois dos principais desafios para sua efetivação como um direito dos camponeses: primeiro, as dificuldades relacionadas ao acesso às escolas, que se acentuou pelo fechamento de instituições, que de certo modo obrigam crianças e PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 27 adolescentes a se deslocarem de suas comunidades de origem para os centros urbanos ou para comunidades polos. Segundo, são as propostas pedagógicas que ignoram o espaço camponês como lugar de construção de conhecimentos, cultura e saberes, não vendo os educandos como sujeitos históricos nem como produtores de saberes relacionados às suas vivências e práticas culturais. Essas barreiras encontradas nas escolas tornam o caminho mais desafiador para efetivação da educação do campo. Neste contexto de luta em defesa da Educação do Campo, inúmeras experiências vêm sendo construídas nas várias regiões do país a partir de diferentes matrizes teóricas e epistemológicas. Dentre estas experiências, os projetos educativos desenvolvidos pelos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs), com base na Pedagogia da Alternância, trazem contribuições importantes, tanto para a formação dos jovens do campo quanto para a construção das alternativas políticas e pedagógicas que fortaleçam os debates em torno da Educação do Campo. Pedagogia da Alternância e Educação Popular: aproximações A Pedagogia da Alternância nasceu na França, em 1935, durante uma grave crise política e econômica que afetava a vida dos camponeses, devido ao processo de reconstrução social e econômica vivenciado no país naquele período entre a Primeira e Segunda Guerra Mundial, situação que afetou vários setores da economia e da vida social. Com uma realidade agrária marcada pelo Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima28 grande número de pequenas propriedades, com base na agricultura familiar, os agricultores viviam em situação de abandono do estado, que se mostrava desinteressado com os problemas do homem do campo e a igreja não apresentava uma saída educacional para o campo (SILVA, 2012). Diante deste contexto, as famílias dos agricultores uniram-se em torno de uma preocupação em comum: conciliar a educação dos filhos com o trabalho na agricultura desenvolvida nas comunidades, atividade de trabalho vital à sobrevivência das famílias no campo. Naquele momento, o modelo de escola em funcionamento não atendia aos anseios das comunidades, pois se pautava num modelo de escola tradicional que ensinava conteúdos desvinculados da vida do campo. Provocado pela insatisfação de seu filho (Yves), o agricultor Jean Pyerat, junto com um pároco da aldeia de Serignac Pebodou (I’abbé Granereau), propuseram uma alternativa que combinava trabalho e educação numa dinâmica que se dividia em dois momentos (Tempo- Escola/TE e Tempo-Comunidade/TC). Essa sistemática foi aperfeiçoada e tornou-se mais tarde um Sistema de Alternância, que culminou na criação da primeira Maison Familiale Rurale – MFR, em Lot-et-Garone, região sudoeste da França (RIBEIRO, 2013). De acordo com Estevam (2003), essa experiência é o marco que inaugura as Maisons Familiales Rurales, embora sua constituição, em termos de referência estrutural, tenha ocorrido após um processo de muitos esforços e luta para tal; sua criação não foi materializada por si só, mas foi ocorrendo em função da necessidade de PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 29 mudar a realidade excludente em termos educacionais. O modelo de escola oferecido aos filhos dos agricultores da França, na década de 1930, apontava para uma organização curricular que mantinha uma “distância” entre os conhecimentos escolares e o trabalho das famílias. Diante da necessidade de aprofundar a relação entre escola e família, educação e trabalho, a alternância pedagógica tornou-se uma alternativa educacional capaz de garantir aos jovens a possibilidade de estudar sem perder o vínculo com o trabalho do campo, sua identidade cultural e as relações sociais em suas comunidades. A Pedagogia da Alternância se firmou como alternativa para o problema do abandono e miséria no campo, bem como da relação dissociada entre trabalho e educação favorecida pela escola rural francesa. Neste caso, “a Pedagogia da Alternância foi um projeto de educação que nasce e se consolida no bojo dos movimentos, em meio às reivindicações e reflexões dos trabalhadores” (JESUS, 2011, p. 53). Esse projeto que começou com a família e a associação dos agricultores e acabou tornando-se uma referência para outras experiências pela Europa e pelo mundo. Conforme Jesus (2011, p. 55), “a partir dos anos 50 esse modelo pedagógico passou a ser propagado a diversos países e continentes: Itália, Espanha, Portugal, continente africano, continente asiático, América do Norte, Canadá”. No Brasil, a Pedagogia da Alternância chagou na década de 1960, com o padre jesuíta Humberto Pietrogrande, sob a influência italiana da Scuole Della Famiglia Rurale, da região de Veneto. Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima30 Na década de 1960, o Brasil enfrentava forte crise econômica e política que intensificava o êxodo rural, pois os camponeses deixavam o campo em busca de melhores condições de vida nas cidades. Os agricultores do Sul do Espírito Santo viviam em situação de abandono e pobreza, com pouco incentivo à agricultura local e a crescente erradicação da monocultura cafeeira. Foi neste contexto que a Pedagogia da Alternância se instalou em solo brasileiro, como uma alternativa à formação dos filhos dos agricultores como uma saída para superação das condições de abandono dos trabalhadores do campo. Ao chegar ao Brasil,a Pedagogia da Alternância sofreu as influências do Movimento de Educação Popular, instituído a partir da década de 1950, com o intuito de forjar um movimento político e educativo voltado à formação crítica e a emancipação dos excluídos. Neste período, as experiências de Educação Popular contaram com o apoio de setores da Igreja Católica ligados à Teologia da Libertação1, principalmente através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que atuavam nas periferias das grandes cidades e no campo, conscientizando a população pobre sobre as condições de exclusão em que viviam e da necessidade de fortalecer a organização social, visando à garantia dos direitos sociais e à dignidade da população marginalizada. 1 A Teologia da Libertação surgiu a partir de 1960 na América Latina, através de padres progressistas ligados aos movimentos sociais que atuavam contra as injustiças sociais e, portanto, buscavam desenvolver um processo de evangelização que fomentasse o desenvolvimento da consciência crítica do povo oprimido acerca dos problemas sociais (LUIZ, 2016). PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 31 Nessa direção, a Pedagogia da Alternância foi inserida no Brasil através da ação de padres progressistas que atuavam inspirados pela Teologia da Libertação, portanto, apostavam num projeto de educação que pudesse contribuir com a luta pela libertação do povo pobre que vivia em condição de injustiça e opressão. A Pedagogia da Alternância é caracterizada por períodos que se alternam em Tempos e Espaços de vivências, estudos e aprendizagens na escola e na família, chamada também de meio socioprofissional, permitindo uma formação mais global que une teoria e prática, numa ação-reflexão-ação permanente e inerente à própria vida. Na formação por alternância, os princípios visam ao desenvolvimento de ações educativas nos períodos de aprendizagem no meio socioprofissional, na família e na escola. Para o desenvolvimento e efetivação dessas ações, a alternância faz uso de instrumentos pedagógicos bem específicos, os mais conhecidos são: o Plano de Estudos (PE), a Colocação em Comum (CC), o Caderno da Realidade (CR), as Visitas e Viagens de Estudo (VVE), o Estágio, as Visitas as Famílias (VF), o Caderno de Acompanhamento (CA), a Tutoria, o Projeto Profissional do Jovem (PPJ), a Atividade de Retorno (AR) e a Avaliação. A Pedagogia da Alternância, como metodologia, trouxe em seus princípios políticos-educacionais concepções teóricas e estratégias metodológicas que se assemelham aos princípios políticos e pedagógicos que fundamentam as práticas de Educação Popular. Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima32 Neste caso, compreendemos que a Educação Popular e a Pedagogia da Alternância são propostas educativas que surgem como alternativas ao modelo educacional em curso nas escolas situadas no campo e, como projetos alternativos, apresentam também em seu bojo um projeto social e político que visa à transformação das estruturas sociais. Dessa forma, a Educação Popular e a Pedagogia da Alternância são propostas educativas contra- hegemônicas que apresentam concepções de homem e de mundo contrárias à lógica capitalista, apresentando alternativas políticas e educativas na perspectiva de outro projeto de sociedade. Dentre as dimensões políticas e pedagógicas comuns aos dois projetos educativos (Pedagogia da Alternância e Educação Popular), podemos destacar: a) a investigação crítica e a problematização da realidade; b) O diálogo entre diferentes saberes e práticas sociais e c) a construção de alternativas de transformação social. a. A investigação crítica e a problematização da realidade A investigação crítica da realidade é uma dimensão pedagógica importante nos projetos educativos críticos, pois possibilita que os educandos desenvolvam uma releitura da realidade vivenciada pelos camponeses, carregada de concepções produzidas nas relações de trabalho construídas no e sobre o campo, provenientes das lidas com a terra, nas experiências de cultivo, criação, produção social e cultural. PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 33 Nesta perspectiva, a investigação constitui-se numa etapa importante do processo formativo associada, inicialmente, ao levantamento de informações prévias realizada pelo educando, na tentativa de compreender a realidade do campo, buscando problematizá-la. Todo esse processo desenvolve no educando uma criticidade e a tomada de consciência acerca dos problemas políticos e sociais vivenciados no campo. A investigação crítica da realidade “é um processo construído por momentos onde se caminha do nível espontâneo e ingênuo, que ocorre quando a pessoa se aproxima da realidade, para uma tomada de consciência” (GOHN, 2013, p. 35). A alternância pedagógica desenvolvida a partir da Pedagogia da Alternância favorece este processo de imersão dos estudantes na realidade, por meio de atividades que fomentem a observação, a investigação e a análise da realidade pelos educandos. Portanto, a investigação crítica da realidade é o ponto de partida na produção do conhecimento em alternância. Da investigação e problematização da realidade, os educandos têm a oportunidade de formularem “novos saberes” que auxiliem nos processos de compreensão e transformadora do meio. Os projetos educativos desenvolvidos nestes diferentes espaços/tempos buscam instigar os educandos a mergulharem na realidade do campo com o propósito de compreendê-la em sua complexidade e contradições. Neste processo, diversas atividades de estudos e pesquisas são desenvolvidas com a intenção Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima34 de auxiliá-los neste percurso de problematização do mundo, com a contribuição dos conhecimentos oriundos das diferentes disciplinas escolares. Na Pedagogia da Alternância, a imersão na realidade ocorre antes mesmo de iniciar as atividades educativas, a partir da pesquisa participante desenvolvida pelos educadores e gestores das escolas, junto com as organizações sociais e as famílias para a definição dos temas geradores que irão nortear os projetos educativos. Os temas geradores se inserem dentro da perspectiva de uma educação problematizadora, formando a base das discussões que contribuem para estruturação dos programas de estudos voltados ao desvelamento da realidade. Nesse processo, os educandos vão desenvolvendo o poder de captação e compreensão do mundo em suas relações com ele, não mais como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação (FREIRE, 2005). Este processo de imersão se intensifica com o desenvolvimento dos Planos de Estudos, concebidos como um instrumento pedagógico que estabelece um diálogo entre os saberes populares e o conhecimento dos conteúdos disciplinares. Para Gimonet (2007, p.82), “é através dele que se decifram as atividades da vida quotidiana, seus saberes, seus problemas e seus questionamentos”. Esses saberes entram em cena no ambiente escolar, não para serem submetidos à validação da ciência, mas para serem aproximados e aprofundados pelas diferentes áreas do conhecimento que compõem o currículo escolar e, posteriormente, retornarem à prática (JESUS, 2011). Através dos Planos de Estudos, abre-se a PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 35 possibilidade de aprofundar as pesquisas e os estudos sobre os temas geradores, com o intuito de expandir o olhar dos educandos sobre a realidade. Com o processo de investigação da realidade, desenvolvido a partir do Plano de Estudos, ocorre a Colocação em Comum, momento em que os educandos socializam as informações obtidas com o trabalho de investigação desenvolvido na comunidade. “A Colocação em Comum representa a atividade de junção entre os dois espaços-tempos do processo de formação” (GIMONET, 2007, p. 65). Neste momento, discute-se coletivamente sobre as informações levantadas pelos educandos sobre a realidadee preparam-se as estratégias de aprofundamento dos estudos nas áreas de conhecimento. Outro instrumento pedagógico importante neste processo de inserção crítica da realidade são as Viagens e Visitas de Estudos desenvolvidas com o objetivo de aprofundar o estudo da realidade. Para Jesus (2011, p. 84): é um momento de conhecer, perceber contradições, confirmar hipóteses, estabelecer intercâmbios, superar dúvidas. As visitas e as viagens de estudo estão garantidas pelo plano de formação dos educandos como propostas vivenciais de formação (JESUS, 2011, p. 84). Esse processo “favorece a materialização da teoria com práticas diversas” (CALIARI, 2002, p.84). Essa construção é realizada pelos educandos e acompanhado pelo monitor, que com ajuda de alguns pais deve preparar Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima36 esse momento que, além de ajudar na escolha do local, desenvolve a função de estimular o educando a se apropriar de tudo que pode favorecer sua formação. Nesse sentido, os processos educativos desenvolvidos, tanto na Pedagogia da Alternância quanto a Educação Popular, proporcionam um reencontro do educando com a sua realidade. E o conhecimento que se produz dessa imersão na realidade é primordial para compreensão das estruturas de organização social, politica, econômica e cultural, contribuindo diretamente com processo de construção coletiva do conhecimento, e isso em diferentes prismas vivenciais, em contextos, tempos e espaços diferentes. b. O diálogo entre diferentes saberes e práticas sociais O diálogo é sem dúvida um dispositivo político pedagógico importante nos projetos educativos desenvolvidos na educação do campo. É através do diálogo que se torna possível a mediação entre os diferentes saberes e práticas sociais dos camponeses (as) e que diferentes conhecimentos se encontram e buscam a compreensão dos seus determinantes e possibilidades teóricas e práticas. É no diálogo que os diferentes sujeitos se encontram e estabelecem comunicação entre “mundos”. Neste caso, o diálogo constitui-se num mediador pedagógico que dinamiza o processo de produção do conhecimento dentro das duas pedagogias (Educação Popular e Pedagogia da Alternância). Para Freire (2005, p. 91), o “diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá- lo, não se esgotando na relação eu-tu”. O diálogo é esse PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 37 elemento capaz de estabelecer as linhas de comunicação com o “mundo”, nessas múltiplas relações que envolvem sujeitos, suas linguagens, saberes da cultura popular, do campo, da cidade, da comunidade com o conhecimento científico e, acima de tudo, com respeito ao ser humano, sujeito da sua “vocação de ser mais”. Nessa perspectiva, o diálogo torna-se uma ferramenta importante para que os educadores e educandos estabeleçam a comunicação com a comunidade e as organizações sociais na leitura preliminar da realidade social, política e econômica do campo, bem como no levantamento dos temas geradores que irão orientar o projeto de formação dos jovens, visando a sua inserção crítica no mundo. Esse diálogo também se faz necessário nas trocas de experiências desenvolvidas entre educando e educadores durante a Colocação em Comum. Na Pedagogia da Alternância, a Colocação em Comum constitui-se neste espaço estratégico de diálogo acerca dos conhecimentos dos educandos sobre o mundo, oriundos de sua leitura sobre mundo e sobre a vida. Estas atividades são permeadas por momentos de problematização que permitem o avanço da leitura dos jovens sobre a realidade do campo. Desse modo, compreendemos que há uma semelhança entre o trabalho educativo desenvolvido por meio da Colocação em Comum e os Círculos de Cultura proposto por Freire (1967), no contexto das experiências de Educação Popular. Nestes espaços, os sujeitos têm a oportunidade de estabelecer novas relações e trocas entre as pessoas e a sociedade, buscando construir uma Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima38 educação como um sistema político de conscientização. Nos Círculos de Cultura e na Colocação em Comum se desenvolve uma forma de extrair dos sujeitos sua visão de mundo, buscando, por meio da problematização, um meio de ampliar a visão crítica sobre a realidade. Os serões são outro espaço educativo, instituído no contexto da Pedagogia da Alternância, que oportunizam aos jovens do campo momentos de diálogos acerca da vida camponesa e dos problemas vivenciados neste contexto, como forma de visualizar as possibilidades de transformação social. “Os serões são espaços/tempos de reflexão, integração, atividades artísticas e debates que ocorrem em sessões noturnas e que favorecem a realização de diversas atividades com os alunos” (JESUS, 2011, p. 86). Nos Serões, os educandos e educadores têm a possibilidade de ampliarem o diálogo com os movimentos sociais, as universidades e outros setores da sociedade, através dos convidados externos que fazem a discussão de temáticas específicas relevantes para a formação dos jovens e a compreensão da realidade. As Visitas às Famílias e Comunidades são outra atividade utilizada para ampliação dos diálogos e as trocas de experiência com a comunidade. São espaços/tempos importantes para o reconhecimento e a valorização dos saberes dos camponeses, pois “[...] trata- se de um momento de troca de ideias sobre questões sociais, pedagógicas, agrícolas, ligadas diretamente ao meio familiar e escolar do aluno. Elas possuem ainda um caráter de acompanhamento e de integração do aluno com sua família” (JESUS, 2011, p.86). PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 39 A Tutoria também se constitui num instrumento pedagógico que favorece o diálogo entre educador/ educando acerca dos temas em discussão nos planos de estudos, dentre outros aspectos da realidade dos jovens. Por meio da tutoria, é possível realizar um acompanhamento personalizado do desenvolvimento dos educandos. É nesse momento que “cada monitor tem o papel de incentivar, acompanhar, orientar seus educandos na realização de seus projetos profissionais, vivência em grupo e no engajamento comunitário” (JESUS, 2011, p. 87). c. A construção de alternativas de transformação social Diante do contexto de exclusão em que vive a população do campo no Brasil, situação que vem se agravando ao longo dos anos por causa das políticas governamentais implantadas no meio rural, que valorizam um projeto de desenvolvimento focando na lógica do capitalismo, modelo econômico que se instala no campo através do agronegócio, a educação do campo surge com o propósito de contribuir na geração de alternativas de transformação social, pela produção de um novo projeto educativo, com outra concepção de campo que possibilite a construção de outro projeto de sociedade, mais humano, solidário e democrático. O compromisso da educação do campo é o de contribuir com os diversos sujeitos, através de suas bases teórico-metodológicas, e seus princípios político-educacionais, na produção de alternativas de desenvolvimento, capaz de manter em curso o projeto Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima40 popular da transformação da sociedade brasileira, construindo com os sujeitos do campo projetos de transformação do meio, em cada comunidade. A transformação social perpassa pela educação de crianças, jovens e adultos do campo que problematizam e compreendem as realidades sociais locais e avançam na construção de projetos viáveis de desenvolvimento das comunidades e culmina na transformação global das estruturas sociais opressoras. Essa transformação é construção coletiva, um compromisso de todo o coletivo de oprimidos. No processo de transformação social, um dos pilares da Pedagogia da Alternância que não pode ser esquecido é o desenvolvimento do meio. Ele é um fundamento sustentador do modelo educativo na formação dos jovens, pois se preocupa com as condiçõessociais, humanas, econômicas, culturais e ambientais do lugar onde está situado o CEFFA, e onde os diversos sujeitos do campo moram. O meio é o lugar em que os educandos, educadores, monitores e famílias estão envolvidos na mudança das condições locais. Nesse processo de desenvolvimento “trata-se primeiro de partir dos recursos locais e valorizá-los [...] tomar consciência da situação e agir na busca de soluções” (FORGEARD, 1999, p. 64). Para a construção deste projeto de desenvolvimento ou transformação social, existem alguns fatores que são essenciais. Um deles é manter um bom diálogo com os diferentes sujeitos do campo, associações, instituições parceiras, educadores, educandos, pesquisadores e demais profissionais de PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 41 áreas técnicas que acreditam no projeto. Os diálogos acontecem nos espaços mediados pelos instrumentos pedagógicos. Os diálogos estabelecidos com os movimentos sociais e outros parceiros externos, por meio dos Serões, intervenções externas e das Visitas de Estudos trazem contribuições importantes para que os jovens possam visualizar as possibilidades de transformação social. Além disso, os Estágios desenvolvidos em projetos agrícolas de cunho associativo e/ou cooperativo, bem como em organizações sociais comprometidas com a construção de outro projeto de sociabilidade que se contraponha ao modelo de sociedade injusto e excludente imposto pelo projeto neoliberal, também trazem aprendizados e experiências importantes para a atuação destes jovens na construção das alternativas de transformação de suas comunidades por meio do trabalho coletivo e do fortalecimento da organização social das famílias. A construção dos Projetos Profissionais dos Jovens – PPJ também se configura como uma oportunidade para os jovens se debruçarem sobre as alternativas políticas, econômicas e sociais que contribuem para a construção de projetos de vida como viabilidade para a melhoria da qualidade de vida das famílias. Esse é um trabalho realizado no último ano do Ensino Médio, quando o educando discutirá e escolherá em conjunto com a equipe escolar e com sua família uma alternativa de renda e profissionalização. Essas discussões são o resultado de um processo que se desenvolveu ao longo de sua formação (JESUS, 2011). Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima42 Diante desse contexto, compreendemos que os princípios da Pedagogia da Alternância, em conjunto com os ideais defendidos pela Educação Popular, proporcionam uma mudança de visão sobre o campo, as condições de trabalho e as concepções desenvolvidas no meio rural, bem como sobre as relações educativas dentro desse contexto, o compromisso da educação com a transformação do meio, e da sociedade de modo mais amplo, em outra perspectiva de sociabilidade e o reconhecimento do homem do campo como sujeito histórico e político, autor de sua libertação. A transformação da sociedade será feita pela defesa da agricultura camponesa como modelo de desenvolvimento econômico mais adequado à produção da vida no campo e à luta contra o agronegócio; a construção de projetos integrados às vivências do trabalho como desenvolvimento humano em lugar do trabalho como produção mercadológica e escravização do trabalhador; a promoção de educação de qualidade como direito de todos e a defesa da escola do campo que valoriza as relações entre os conhecimentos científicos e os saberes populares em seu currículo e práticas; a conscientização do trabalhador do campo e sua introdução nas decisões do cenário político. Estas são práticas sociais e alternativas que podem produzir formas mais conscientes de intervir no mundo, atuando na sua transformação social. “Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda” (FREIRE, 2000, p.67). PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 43 Neste projeto de educação reside uma preocupação com a construção de novos conhecimentos e tecnologias sociais e agroecológicos que possibilitem o desenvolvimento de alternativas viáveis à construção de outro projeto de sociedade, de desenvolvimento humano e de participação social, política e econômica de homens e mulheres conscientes como sujeitos históricos, agentes de transformação. Considerações finais As reflexões desenvolvidas ao longo do texto apontam que a Educação Popular e a Pedagogia da Alternância surgiram num contexto de resistência contra a exclusão social e educacional dos povos do campo, portanto, estão vinculadas às lutas sociais em torno de outro projeto de campo e de sociedade. São propostas educativas que se colocam em contraposição aos projetos educacionais hegemônicos que ignoram os sujeitos do campo, seus saberes e fazeres, cultura e identidade. Educação Popular e Pedagogia da Alternância caminham no sentido de pensar outro projeto educativo, no qual os sujeitos do campo são protagonistas. Para isto, buscam construir alternativas políticas e pedagógicas que favoreçam a construção coletiva do conhecimento, pela problematização da realidade, conscientização e formação crítica dos camponeses, assumindo um caráter progressista e transformador. Na construção destes dois projetos educativos fica evidente o protagonismo dos movimentos sociais do campo na garantia do direito à educação dos povos do campo, associada à luta pela democratização da terra, Elson Silva Sousa - Elmo de Souza Lima44 por meio da reforma agrária, no fortalecendo à agricultura camponesa e na construção de um novo paradigma educacional comprometido com a formação crítica, a emancipação social e a construção de um projeto social popular, democrático e mais justo para todos. As reflexões demonstram que há alguns pontos confluentes entre a Pedagogia da Alternância e a Educação Popular; primeiro, são projetos políticos e pedagógicos vinculados aos movimentos sociais que se contrapõem ao modelo de educação ofertado pelo sistema oficial, atrelado aos ideais capitalistas e neoliberais, que ignora as lutas e os anseios dos povos do campo; segundo, há um diálogo entre os princípios que fundamentam os projetos educativos da Pedagogia da Alternância e da Educação Popular na medida em que propõem uma educação para formação da consciência crítica dos educandos, através da construção da autonomia dos sujeitos na problematização da realidade, por meio dos “temas geradores”. Ainda é possível ver nas duas propostas o desejo de gestar outra sociedade, outro modelo de desenvolvimento, que tenha agricultura camponesa agroecológica como alternativa de produção da vida no campo que fomente práticas organizativas pautadas na solidariedade, na cooperação e fraternidade entre os povos, bem como na sustentabilidade socioambiental, econômica e cultural. Nessa perspectiva, compreendemos que tanto a Pedagogia da Alternância quanto a Educação Popular trazem contribuições políticas e pedagógicas importantes para a consolidação do paradigma da PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO POPULAR: DIÁLOGOS POSSÍVEIS 45 educação do campo na medida em que apontam diferentes alternativas pedagógicas e teórico-metodológicos que podem ser trilhados na construção de outro projeto de educação e de escola do campo capaz de estabelecer uma diálogo entre os conhecimentos historicamente construídos pela humanidade com aqueles tecidos nas lutas e experiências dos camponeses. 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As experiências de formação de jovens do campo: alternância ou alternâncias? Curitiba-PR: CRV, 2012 48 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis EDUCAÇÃO DO CAMPO NO EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: ALTERNATIVAS TEÓRICAS ALTERNATIVAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS QUE E METODOLÓGICAS QUE PERMEIAM A PRÁTICA PERMEIAM A PRÁTICA EDUCATIVA DA ECOESCOLA EDUCATIVA DA ECOESCOLA THOMAS A KEMPISTHOMAS A KEMPIS Patrícia da Conceição Lima Torres Elmo de Souza Lima Introdução A educação no meio rural nunca foi prioridade na agenda das políticas públicas brasileiras. Este descaso do Estado com a educação dos povos do campo deixou marcas de precariedade no funcionamento das escolas, como a infraestrutura inadequada, organização curricular descontextualizada, fragilidade na formação inicial e continuada dos/as educadores/as, condições salariais defasadas, dentre outros. Neste contexto, a Educação Rural foi marcada pela subordinação do campo à cidade, em que as práticas educativas e os materiais didáticos valorizavam o espaço urbano e ignoravam a realidade do campo e dos seus sujeitos. Diante deste cenário, os movimentos sociais do campo assumiram o desafio de pensar num projeto de 49 Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima educação construído a partir da realidade do campo, no qual homens e mulheres assumam-se enquanto sujeitos de sua própria história. Com os esforços empreendidos pelos/as educadores/as e movimentos sociais na construção deste novo paradigma educacional vinculado à concepção de Educação do Campo, muitas experiências foram forjadas no sentido de garantir aos povos do campo o direito à educação de qualidade. No Piauí, a Ecoescola Thomas a Kempis, vinculada ao Centro de Formação Mandacaru, no município de Pedro II, foi se constituindo como uma referência no estado devido ao seu trabalho pedagógico voltado à contextualização das práticas educativas com a realidade ambiental, política, social, econômica e cultural do campo. Os projetos educativos desenvolvidos na Ecoescola buscam articular os saberes construídos a partir das vivências dos/as camponeses/as aos conteúdos científicos trabalhados nas diferentes áreas do conhecimento, tendo a agroecologia como foco de produção interdisciplinar do conhecimento e da leitura crítica da realidade (ECOESCOLA, 2016). Neste texto, apresentamos algumas reflexões oriundas da pesquisa desenvolvida no Mestrado em Educação da Universidade Federal do Piauí (2017-2018), que teve como objetivo discutir sobre as contribuições da prática educativa desenvolvida pela Ecoescola para a formação crítica dos/as educandos/as, bem como para o debate em torno da Educação do Campo no Piauí. 50 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis A referida pesquisa foi desenvolvida com base na abordagem crítico-dialética, que permite compreender os fenômenos históricos e sociais dentro de um contexto de permanentes mudanças, permeadas por contradições, disputas e dominações ideológicas. Desse modo, os processos educativos foram analisados considerando que os projetos educacionais das instituições de ensino são implicados pelas transformações sociais, políticas e econômicas inerentes ao modelo de sociedade capitalista. A pesquisa contou com a contribuição de 10 participantes (entre professores/as, alunos/as e gestores/as) e os dados foram construídos a partir da pesquisa documental, da observação sistemática e da entrevista semiestruturada. Da Educação Rural à Educação do Campo: uma trajetória de lutas A estrutura de um sistema educacional reflete as condições políticas, econômicas e sociais na qual a sociedade está inserida. Historicamente, a escola brasileira serviu para atender aos interesses da elite, sendo negligenciada aos povos do campo. Embora o Brasil seja um país de origem agrária, a educação destinada às comunidades rurais foi marcada pela precariedade e pelo descaso governamental. A Educação Rural teve caráter de direito social a partir da Constituição de 1934 com a trama ideológica do ruralismo pedagógico1. De 1930 a 1950, os programas 1 O termo ruralismo pedagógico foi cunhado para definir uma proposta de educação do trabalhador rural que tinha como fundamento básico a ideia de fixação do homem do campo por meio 51 Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima de Educação Rural tinham o objetivo de propagar uma escolarização capaz de controlar o movimento migratório rural e elevar a produtividade no campo. A influência do ruralismo pedagógico contribuiu para o debate sobre a educação e deu início a uma série de campanhas educativas nacionais. Porém, estas iniciativas delineavam a subordinação do campo à cidade, uma vez que as práticas educativas e os materiais didáticos valorizavam o espaço urbano e ignoravam os saberes dos sujeitos do campo. Desse modo, uma pequena parcela da população camponesa recebia as sobras da educação da cidade, ou seja, um ensino elementar – de leitura, escrita e matemática básica –, instrumental e descontextualizado, no qual se reverberam os conhecimentos escolares a partir da negação dos saberes construídos pelos povos do campo. Essa falta de investimento na educação camponesa provocou uma situação de precariedade no funcionamento das escolas, evidenciada na estrutura física inadequada, falta de recursos pedagógicos, currículodescontextualizado, professores/as com pouca qualificação, condições salariais defasadas, dentre outros, conforme foi destacado no caderno de subsídios “Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo”, construído pelo Ministério da Educação: da pedagogia. Ou seja, um grupo de intelectuais, pedagogos ou livres pensadores defendiam que deveria haver uma pedagogia que ajudasse a fixar o homem do campo, ou, pelo menos, dificultasse, quando não impedisse, sua saída desse habitat, considerado natural para as populações que o habitaram ao longo de muito tempo (BEZERRA NETO, 2013, p.11). 52 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis Embora os problemas da educação não estejam localizados apenas no meio rural, no campo a situação é mais grave, pois, além de não considerar a realidade socioambiental onde a escola está inserida, esta foi tratada sistematicamente, pelo poder público, com políticas compensatórias, programas e projetos emergenciais e, muitas vezes, ratificou o discurso da cidadania e, portanto, de uma vida digna reduzida aos limites geográficos e culturais da cidade, negando o campo como espaço de vida e de constituição de sujeitos cidadãos (BRASIL, 2004, p.7). O modelo de Educação Rural, ao invés de possibilitar uma compreensão crítica da realidade dos/ as camponeses/as, empreende uma visível hegemonia cultural que, na concepção de Freire (1987, p. 86), “é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão de mundo, enquanto lhes freia a criatividade, ao inibirem sua expansão”. Este projeto de educação inviabiliza o desenvolvimento de uma consciência crítica e da afirmação da identidade camponesa, pois ignora os valores e as práticas culturais presentes no seu contexto. É um modelo de educação que, na concepção de Baptista (2003, p.20-21), Não se faz relação com a vida dos alunos e de sua família, com o trabalho agrícola nem com o meio ambiente em que a escola está inserida. Não se conhece, não se respeita, nem se valoriza a cultura das famílias e da comunidade onde a escola se encontra e aí se excluem os pais do processo educacional e ignoram-se os conhecimentos que as crianças já trazem consigo para a escola. 53 Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima Segundo Fernandes e Molina (2004), a origem da Educação Rural está na base do pensamento latifundista empresarial, do assistencialismo, do controle político sobre a terra e as pessoas que nela vivem; portanto, está associada a uma educação precária, atrasada, com pouca qualidade e poucos recursos. Nessa perspectiva, a Educação Rural é subsidiada pelo paradigma tradicional, hegemônico e elitista que inferioriza o campo, concebendo-o como um espaço arcaico. Diante desse contexto, a partir da década de 1980, os movimentos sociais passaram a questionar as práticas educativas excludentes que se desenvolviam nas escolas do campo. Em virtude disso, o modelo de Educação Rural passou a ser contestado pelos/as camponeses/as, devido a sua vinculação com os objetivos políticos e econômicos das oligarquias rurais, distanciando-se dos interesses e das lutas dos povos do campo. Como consequência, propõe-se um novo modelo de educação construído a partir da realidade do campo, uma educação libertadora na qual homens e mulheres deixam de ser objetos para serem sujeitos da sua própria história. De acordo com Freire (1987), esta educação é entendida como um processo político no qual o diálogo e a problematização da realidade são a essência da ação educativa. A concepção de Educação do Campo emerge das experiências dos movimentos sociais vinculadas ao pensamento marxista e, principalmente, dos projetos de educação popular desenvolvidos pelas organizações sociais, sob a influência do pensamento pedagógico de Paulo Freire (1987), que compreendia a educação popular 54 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis como uma educação feita com o povo oprimido, na produção cooperativa, na ação sindical, na organização comunitária e no desenvolvimento da consciência crítica. Na visão de Paludo (2012, p. 286), A educação popular, em sua origem, indica a necessidade de reconhecer o movimento do povo em busca de direitos como formador, e também de voltar a reconhecer que a vivência organizativa e de luta é formadora. Para a educação popular, o trabalho educativo, tanto na escola quanto nos espaços não formais, visa formar sujeitos que interfiram para transformar a realidade. Ela se constituiu, ao mesmo tempo, como uma ação cultural, um movimento de educação popular e uma teoria da educação. A partir das experiências da educação popular, os movimentos sociais do campo perceberam a importância de construir um projeto de educação comprometido com as lutas dos/as camponeses/as, capaz de superar o paradigma tradicional, hegemônico e elitista que fundamentava o projeto de Educação Rural. A Educação do Campo diferencia-se da Educação Rural em seus pressupostos políticos, epistemológicos e teórico-metodológicos, bem como em relação à compreensão do campo e da atuação dos sujeitos neste território. Para Fernandes e Molina (2004), o paradigma da Educação Rural tem como referência o produtivismo, no qual o campo é visto apenas como lugar da produção de mercadorias e não como espaço de vida. Na contramão deste processo, o paradigma da Educação do Campo caracteriza-se, de acordo com Fernandes e Molina (2004, p.32), como “uma construção 55 Patrícia da Conceição Lima Torres - Elmo de Souza Lima teórica que se consolida na comunidade científica, é incorporada por diferentes instituições e se transforma em um projeto de desenvolvimento territorial”. Em síntese, os movimentos sociais reivindicavam uma educação “no” e “do” campo que, para Caldart (2004, p. 149-150), tem uma significação: “No: o povo tem direito a ser educado onde vive; Do: o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada a sua cultura e às suas necessidades humanas e sociais”. O termo Educação do Campo é recente, surgiu a partir da I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo, em julho de 1998 em Luziânia (GO), promovida pelo MST, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e a Universidade de Brasília (UNB). Tal Conferência foi um momento significativo de discussões acerca questão da educação dos/as camponeses/as, na qual o campo foi reafirmado como um espaço de vida, formação de identidades, cultura e de aprendizagens na interação entre os sujeitos e a natureza. Esse movimento legitimou a luta por políticas educacionais e denunciou as condições precárias da educação desenvolvida no campo, como falta de escolas, de infraestrutura adequada, de financiamento, de formação de professores/as, currículos deslocados, dentre outros. Desse modo, foi um movimento 56 EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CONTEXTO DO SEMIÁRIDO: alternativas teóricas e metodológicas que permeiam a prática educativa da Ecoescola Thomas a Kempis propício para discussão de propostas, socialização de experiências e de afirmação de que outro projeto de educação é possível. Esta nova concepção de escola e de campo, concebida a partir das experiências dos movimentos sociais, contrapõe-se ao modelo de educação dominante e procura articular os conhecimentos científicos com a realidade cultural da população camponesa na intenção de promover uma formação crítica voltada à emancipação política. Nela, os povos do campo tornam-se sujeitos do próprio conhecimento. Nessa direção, Paulo Freire (1983, p. 38) afirma que “o destino do homem deve ser
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