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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI EDUCAÇÃO DO CAMPO GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ......................... 3 1.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade brasileira.6 2 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO .............................. 9 2.1 Educação para uma minoria ................................................................... 11 3 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO. .................................................... 15 4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA. ...... 17 4.1 Educação do campo: Um conceito em construção ................................. 17 4.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho ...................... 20 5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS ................... 25 6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL............................................................ 35 6.1 As diferentes concepções de desenvolvimento ...................................... 38 6.2 O papel dos movimentos sociais na construção das políticas de desenvolvimento sustentável ........................................................................ 43 6.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento sustentável .................................................................................................... 46 7 POLÍTICA E CIDADANIA NO CAMPO ......................................................... 53 7.1 Balanço histórico das políticas “públicas” de educação do campo no Brasil .................................................................................................................54 7.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos sociais ........................................................................................................... 58 7.3 A educação do campo enquanto política pública: de FHC à Lula .......... 61 7.4 Pronera: a política de FHC continuada por Lula ..................................... 62 7.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula ....................... 64 7.6 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – Procampo ................................................................................. 66 8 IGUALDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO ..................... 70 9 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO................................ 76 9.1 A educação no Brasil e a sua relação com a questão agrária ................ 80 10 BIBLIOGRAFIA BÁSICA ............................................................................... 89 3 1 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO Inúmeros são os desafios encontrados para a efetivação de uma educação que pensasse as especificidades múltiplas que existem no espaço do campo brasileiro, e nesse contexto, temos a Educação do Campo que nasce junto às lutas sociais por políticas educacionais que atendam os povos do campo. Fonte: andes.org.br A educação tem se constituído como um instrumento relevante na sociedade brasileira e às vezes tem sido definida por concepções de educação que no processo histórico tem enviesado para caminhos de natureza cartesiana, pragmática, reprodutivista, crítica-reprodutivista, ou simplesmente crítica, libertadora, liberal, neoliberal, pós-moderna, enfim; uma educação que se desenvolveu acompanhando a trajetória histórica e trouxe avanços à sociedade brasileira principalmente na área da pesquisa, responsável pela inovação tecnológica também para a zona rural. No campo inovaram: no maquinário, no aumento da produção de grão, nos agrotóxicos, alteração dos genes das sementes para exportação em larga escala. Mas os que têm usufruído desses avanços são pequenos grupos de latifundiários, empresários, banqueiros e políticos nacionais e 4 internacionais. Enquanto a outros é negado o acesso à terra para sobreviver e garantir o sustento de outros brasileiros. Em relação à educação do campo, é pertinente ressaltar que a concepção de educação que vem sendo empregada pela cultura dominante e elitista, não tem favorecido satisfatoriamente para combater o analfabetismo, elevar a escolaridade dos sujeitos, sua cultura e seu padrão de vida. Há ainda insatisfação, ocasionada pelo acesso tardio a escola que na maioria das vezes, nas regiões mais pobres do Brasil, são oferecidas sem condições de oportunizar saberes para a criança, o adolescente, os jovens e adultos devido à precariedade de investimentos dessa política pública. Isso representa, sem dúvida, uma das maiores dívidas históricas para com as populações do campo. Enquanto Arroyo critica a sociedade brasileira por não oportunizar políticas públicas de educação para as populações do campo, Durkheim (1998) com uma concepção de sociedade elitista e classista, se refere a uma educação que deveria ser diferente para as classes sociais. “A educação urbana não é a do campo, e a do burguês não é a do operário”. (p. 39). Isso caracteriza, evidentemente, uma postura alienadora que reforça uma educação para privilegiados. Marx também se reporta aos aspectos das desigualdades remetendo essa situação a partir de uma ordem social que submete o mundo ao poderio do capital. Relata que o trabalho humano nunca produziu tantos objetos em toda história humana. A condição de poder da burguesia é o crescimento do capital que submete o homem ao trabalho assalariado, gerando uma base de competitividade e desigualdade entre os trabalhadores. Isso canaliza para um índice absurdo de “pobreza que cresce mais rápido do que a população e a riqueza”. (1998; p.28). O paradigma de produção capitalista permite maior exploração entre as pessoas, causa a marginalização do trabalhador do campo e, a mão de obra humana na fábrica ou no latifúndio, transforma-se numa mercadoria a serviço da burguesia, do capitalismo que também se articula pelo processo educativo. Pensando nesta situação de exploração do trabalhador e nas condições que oportunizam uma educação conscientizadora, Paulo Freire (2007) nos possibilita observar o sistema educacional da sociedade brasileira, dentro do processo de mudança, quando identifica a educação como elemento fundamental para o sujeito do campo ou da cidade. E considera como 5 necessidade primordial dessa mudança, a leitura de mundo com o sujeito que aprende, mas que também ensina. Ele desenvolveu uma metodologia de ensino para a alfabetização e conscientização do trabalhador do campo que partia dessa leitura de mundo. Uma iniciativa surgida na década de 50, que continua presente na ação educativa de muitos professores do campo e da cidade. Fonte: al.undime.org.br O camponês, o ribeirinho, o povo da floresta da Amazônia Paraense também tem demonstrado que domina saberes. Conhecem as marés do rio que enche e vaza, do tempo da piracema, sabem que grande área de floresta no chão torna o solo da Amazônia infértil, do período da coleta dos frutos na floresta, entendem a geografia do rio, da mata; trazem consigo a cultura de seus antepassados impregnada em suas cantigas, danças e lendas em seu jeito de ser homem, mulher caboclo sujeito de saberes amazônicas. Mas a incorporação de sua cultura nos currículos escolares se processa por aspectos que envolvem desde políticas públicas para a educação como também, a aproximação do professor com o aluno e sua realidade por meio de situações problematizadoras. Quando os saberes selecionados por especialista de currículo que representam os interesses da cultura dominante, são questionados na escola se evidencia que, o ato de ensinar está relacionado ao outro, como um ser ignorante. 6 Um sujeito que não sabe, precisa saber conhecer, para deixarde ser. Algumas vezes não se compreende o sujeito que aprende como portador de uma outra cultura que domina saberes tão relevantes quanto os saberes do professor. Não se identifica a base do processo educativo como formação da consciência e no estabelecimento da relação dialógica com o sujeito que aprende, interligando a dialética dos seus conhecimentos aos da sociedade que conserva, mas também se modifica. Para Freire (2007) não existe nenhuma estrutura exclusivamente estática, assim como, não há uma, absolutamente dinâmica. Isso vale para a estrutura construída pelas sociedades e também para a educação. Desde a Antiguidade até a contemporaneidade, as concepções de educação sofrem alterações, modificações ou surgem novas. 1.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade brasileira A partir de 1930, a concepção de educação do campo se configura em um conjunto de políticas com definições elaboradas para este atendimento. No histórico da legalidade educacional, um dos primeiros tratamentos de maior abrangência ocorreu na Constituição de 1934, quando os Pioneiros da Escola Nova que representaram uma nova relação de forças oriundas pelo conjunto de insatisfações de setores intelectuais, cafeicultores, classe média e até massas populares urbanas se instalaram na sociedade solicitando reformas educacionais. A Constituição de 1934 sinaliza para importância de uma concepção de educação profissional voltada para o contexto industrial, e quanto à educação rural artigo 156: Parágrafo único determina: “Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das quotas destinadas a educação no respectivo orçamento anual. ” (POLETTE; 2001, p.169) um relevante acontecimento, mas, omitem outras proposições para educação do campo. Em 1947 a nova Constituição Brasileira propõe que a educação rural seja transferida para responsabilidade de empresas privadas (industriais, comerciais e agrícolas) a obrigatoriedade pelo financiamento como expressa o Capítulo II da educação e cultura, Artigo 166; inciso III: “as empresas industriais, comerciais e 7 agrícolas, em que trabalham mais de cem pessoas, são obrigadas a manter o ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes”; (BALEEIRO E SOBRIDINHO; 2001; p. 108). Quanto à obrigatoriedade do ensino, responsabiliza as empresas industriais e comerciais em ministrarem a aprendizagem de trabalhadores menores em forma de cooperação e exime desta responsabilidade as empresas agrícolas. A partir de 1940 a educação brasileira incorporou a matriz curricular urbanizada e industrializada. Caracterizou interesses sociais, culturais e educacionais das elites brasileiras como fundamentalmente a mais relevante para todo povo do Brasil. Com a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, permanece a obrigatoriedade das empresas agrícolas e industriais com o ensino primário gratuito para empregados e os filhos menores de 14 anos. Isso explica, porque o Brasil até 1970 esteve com uma educação do campo, sob o gerenciamento das iniciativas privadas da produção do campo, com a formação profissional próprios para esta realidade e devidamente qualificada. Ocorre que, sucessivamente os governos brasileiros têm implantado uma educação que não atende e não respeita às especificidades de cada realidade regional e muito menos a diferenciação (geográfica, cultural, histórica, social, etc.) do campo. Neste caso, a oferta de educação para o campo em alguns lugares da Amazônia Paraense não tem garantido as alterações propostas pela Constituição de 1988, ou pelos documentos supracitados, uma vez que se recorre a um padrão de educação urbano Centrica. Esse paradigma é marcado por contradições que de certa forma, vem interferindo na implementação de políticas públicas de afirmação para as populações que vivem e trabalham no campo. Segundo Elaine Furtado (2006), para compreender como a sociedade brasileira produziu e reproduziu as desigualdades no campo, precisamos entender três elementos: “O latifúndio, a industrialização e a financeirização da economia”. Ao expor sobre a discussão, retrata Furtado (2006) de que o Brasil desenvolveu uma estrutura fundiária baseada na grande propriedade rural que ainda se configura, mas, se solidificou graças às contingências do mercado mundial favorável a monocultura e também pela 8 exploração da mão de obra escrava. Durando três séculos “produziu-se concentração da terra, exclusão dos trabalhadores do campo, do acesso às condições mínimas de sobrevivência, mesmo depois do término formal da escravidão”. Com o processo da industrialização as necessidades da população do campo foram mais uma vez renegadas, prevalecendo à produção em larga escala de grãos para exportação e consumo, gerando concentração de renda nas mãos de poucos, em relação à maioria. Acrescenta Furtado (2006), como elemento recente a financeirização da economia, que marca essa construção história “somados as desigualdades produzidas pela globalização, o avanço tecnológico e a abertura dos mercados com a financeirização da economia, fundada em taxas de juros mais altas do mundo, fez com que voltasse a exclusão dos trabalhadores” (Ibidem; p. 48). Esses elementos determinaram uma construção história resguardada pela exploração dos trabalhadores e durante séculos fortaleceu a classe dominante do país favorecendo a apropriação e o empoderamento de bens e de riquezas, bem como, o domínio de conhecimentos tecnológicos, culturais, no qual a educação, na maioria das vezes, esteve a serviço dessa estrutura de dominação. A principal preocupação desse período era a formação de mão de obra qualificada que contemplasse os interesses e necessidades do espaço urbano para aceleração do crescimento econômico industrial que gradativamente se fortalecia após Segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, instalou-se uma concepção de mercado que procurava ampliar o número de consumidores, e aos Estados Unidos interessava consolidar essa hegemonia. Por conta dessa disputa entre as potências mundiais (Estados Unidos e União Soviética) que muitos países foram aderindo a uma das posições políticas e junto com a adesão vinha o pacote de proposições educacionais para serem implementadas em cada país. No caso do Brasil, optou-se por uma educação com currículos e metodologias fundamentados no ideário norte-americano, numa perspectiva de afirmação de uma escola essencialmente urbana. Então, a partir dos anos 30, a escolarização para o trabalhador do campo, foi inserido também, com o intuito de conter o êxodo rural, provocado pelo processo de industrialização do país, responsável pela grande 9 massa de migrações rurais de quase todas as regiões do país durante décadas subsequentes. Cláudia Passador (2006) expressa que para os camponeses, a escola não tinha tanto significado, uma vez que, o aprendizado da profissão tinha sido adquirido com os pais e não pela escola. De forma geral, a escola era compreendida como lugar da “contra educação rural”, pautada em apenas instruir o homem do campo, para ler, escrever e contar. Essa ideia de instrução do trabalhador nos remete a uma ideologia de que o sujeito da roça não precisa estudar, pois, trabalhar com a enxada, por exemplo, requer apenas esforço físico, não precisaria raciocinar refletir, questionar e sim, somente manusear os instrumentos e saber utilizar a terra adequadamente.1 2 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO Para que se possa refletir sobre o direito a educação aos homens e mulheres do campo é necessário considerar o conjunto de forças sociais, políticas, econômicas e culturais que foram se engendrando no decorrer da história do Brasil, sob os interesses do capital, e que influenciaram sobre maneira a oferta de educação pública a esses sujeitos. No Brasil,esse contexto é marcado pela educação dos jesuítas que aqui chegaram chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega, com a missão de “educar” a nova colônia portuguesa, instituindo a fase jesuítica da educação colonial, ligada estritamente à política colonizadora europeia a favorecer o capitalismo de acumulação primitiva. O processo de colonização do Brasil tem como marco importante as Capitanias Hereditárias, cujo elemento fundamental é a posse da terra, sustentada pela lógica produtiva das relações sociais sob o tripé latifúndio, religião e escravidão. Em síntese, a educação ou sua negação ao povo, no período supracitado, inscreve-se no objetivo da colonização: lucro, acumulação de riquezas, expropriação e exploração das novas terras 1 Texto Extraído de http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2007/289.pdf 10 descobertas, traçando as marcas históricas daquilo que CHAUÍ (2000) chamou de mito fundador (descobridor) que tem permanecido além daquela época. Diferentemente da formação, a fundação se refere a um momento passado imaginário, tido como instante originário que se mantém vivo e presente no curso do tempo, isto é, a fundação visa a algo tido como perene (quase eterno) que traveja e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido. A fundação pretende situar-se além do tempo, fora da história, num presente que não cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou aspectos que pode tomar (CHAUÍ, 2000, p. 9). O fenômeno colonização é igual a exploração, associada ao submetimento dos povos indígenas e negros às mais cruéis formas de relações sociais, o que trouxe implicações para o modelo de educação a ser ofertado, distintamente, a cada classe social. A educação brasileira passa a existir nesse contexto e dela não se aparta a educação proposta ao trabalhador (a) rural. No Brasil colônia, não se pode falar de educação propriamente, porque “até 1808, época em que aqui chegou a Família Real portuguesa eram proibidos no Brasil: escolas, jornais, circulação de livros, associações, discussão de ideias bibliotecas, fábricas, agremiações políticas e qualquer outra forma de movimento cultural” (LIMA, 1968, p.19), ou seja, 308 anos como porto, fonte de matéria-prima, controlado por feitorias e fortes. Propositalmente, Portugal mantinha a colônia ignorante e analfabeta, condição necessária para manter o avanço do capitalismo nesse país, porém, tendência seguida pelos governantes posteriores, que permitiram constatar-se no final do século XX o baixo padrão de desenvolvimento da educação aos povos do campo. O latifúndio cresceu nesse país fundado nos cem anos de escravidão e extermínio dos povos indígenas e do século XVII ao século XIX (1888) com base na escravidão do negro africano. Portanto, o Brasil podia isentar-se de oferecer educação. Esta não era necessária ao modelo de acumulação de riquezas, apesar das revoltas dos povos indígenas e da luta do povo negro, cuja expressão maior está nos quilombos. Em termos políticos o Brasil “saiu” da condição de colônia, constituiu-se império, fez-se “independente” e proclamou-se república. Tais contextos levaram, por sua própria contradição, à reivindicação da educação, sob a responsabilidade do Estado. Mas, demoraria muito a se configurar uma política de 11 educação efetiva, pois da parte das elites brasileiras, sempre houve um grande receio quanto aos ideais políticos de liberdade e de direitos sociais que poderiam ser estimulados caso fosse ofertada aos trabalhadores. Verifica-se que a educação pública brasileira, até os anos 30 do século XX, não consegue sair do papel, constituindo-se de um leque muito amplo de leis anunciadas e não materializadas como direito. O não assumir da educação como obrigação exclusiva do Estado abriu historicamente o caminho à iniciativa privada, deixando mais distante o acesso à educação, pelo povo. Assim, é que se chega ao século XXI e, ainda, o acesso à educação configura-se como um problema nacional, sem que esta fosse garantida à maioria da população brasileira em seus diversos níveis e modalidades, particularmente à força de trabalho camponesa. É nesse sentido que se ressalta que a luta pela educação do campo ocorre no palco dos conflitos decorrentes da luta pela terra, fato verificado desde a aprovação da lei de terras, em 1850. A referida Lei restringia o direito à terra aos ex escravos, aos brasileiros pobres, posseiros e imigrantes, mas permitia que estes se tornassem mão de obra barata para o latifúndio até os nossos dias quando se aprova o II Plano Nacional de Reforma Agrária, no governo Lula. Casa-se, assim, o capitalismo com a propriedade da terra e, com esse laço de união esta é transformada em uma mercadoria controlada por quem tem dinheiro e poder político. É como se essas leis pudessem ser chamadas de a primeira cerca de arame farpado ou a primeira semente concreta para a constituição do campesinato sem-terra e sem acesso às políticas públicas, entre as quais a política educacional. 2.1 Educação para uma minoria A introdução da educação rural nas legislações brasileiras data do início do séc. XX, produzindo para o campo políticas de educação que primaram pela contensão. Esse fato expressa a necessidade de acumulação capitalista, naquela época, e uma visão de que para tal modelo de produção não era preciso grandes investimentos em educação, corroborada pela abundância de mão-de-obra. O 12 quadro referente a educação no século anterior já havia indicado que apenas 10% da população em idade escolar se achava matriculada nas escolas primárias e que as primeiras Escolas Normais, visando a formação de educadores, para aquele nível de ensino, só seriam criadas em 1835. As mentalidades dominantes no poder, durante séculos, foram indiferentes à educação popular e feminina. Para eles a educação dos pobres e da mulher devia ser prática e utilitária, daí que ao se chegar a Primeira República (1889), os índices de analfabetismo da população brasileira eram em torno de 85% (RIBEIRO, 2001). Posteriormente, no período pós-guerra (1914/1918) demarcaria o início do surto industrial e a tendência a urbanização do país. Constituiu-se o operariado e aumentaram os movimentos contestatórios: greves, Movimento Tenentista, Coluna Prestes, fundação do Partido Comunista Brasileiro, Semana de Arte Moderna. Contudo, mais da metade da população de quinze anos e mais, em 1920, estava fora da escola. A população do país, em torno de 14.333.915 milhões de habitantes, tinha apenas 250 mil estudantes (RIBEIRO, 2001). A educação, pela primeira vez, passa a ser tratada como uma questão nacional, por meio da edição da Constituição de 1934, que também exigia a elaboração de Diretrizes e Bases para a educação nacional e a elaboração de um Plano Nacional de Educação. Mas, tal anseio não se consolidou em decorrência do Estado Novo de 1937. A Constituição do Estado Novo tomaria a educação rural como fundamento para organizar a juventude no trabalho, promover disciplina moral e adestramento físico “de maneira a prepará-la ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a defesa da Nação”. Essa é a educação para os camponeses porque para os filhos da burguesia agrária e industrial a educação haveria a educação secundária, de caráter propedêutico, que tinha por objetivo educar as futuras elites condutoras. A lei do Ensino primário só seria aprovada em 1946, época em que está no poder o general Eurico Gaspar Dutra. A grande novidade da Lei foi o Artigo n.º 56, Parágrafo Único: Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento anual. Quanto ao ensino agrícola, a estrutura implantada pelo Decreto-Lei 9613/46 foi a de cursos de nível AURORA ano III número 5 - DEZEMBRO DE 2009 ___ISSN: 1982-8004www.marilia.unesp.br/aurora médio http://www.marilia.unesp.br/aurora 13 divididos em cursos de formação e cursos pedagógicos. Os de formação se subdividiam em cursos de 1º e 2º ciclos. O de 1º ciclo, por sua vez, se subdividia em básico (4 anos) e de maestria (2 anos). O de 2º ciclo era constituído dos cursos técnicos (3 anos), tais como: de agricultura, de horticultura, de zootecnia, de práticas veterinárias, de indústrias agrícolas, de laticínios e de mecânica agrícola. Os cursos pedagógicos se subdividiam em cursos de (2 anos) para formar professores nas áreas de educação rural doméstica e em cursos (1 ano) didática do ensino agrícola e administração do ensino agrícola (RIBEIRO, 2001, p. 150) Será que a educação no meio rural passou a ser prioridade? Evidente que não. Porém, interessava ao capitalismo conter e controlar a tensões existentes no campo e a educação rural, assim chamada pelos legisladores, seria um dos instrumentos de correspondência às práticas abusivas de poder. O ano de 1946 demarca a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola para a formação de trabalhadores da agricultura, equiparando esses cursos as outras modalidades, mesmo assim, continuavam as restrições àqueles que faziam opção por cursos profissionalizantes. O período do chamado nacional desenvolvimentismo é marcado por intensas lutas políticas, em que os movimentos sociais (operários e camponeses) passam a exigir reformas de base, econômicas e sociais. Unem-se a eles estudantes, educadores, partidos de esquerda e muitos movimentos populares. Porém, em outro extremo e contrários a estes interesses, os empresários (norte- americanos e brasileiros), militares, latifundiários, partidos de direita (União Democrática Nacional) e diversos segmentos das elites, setores da igreja e da mídia unem-se em contraposição aos ideais socialistas veiculados, às reformas - da reforma agrária à realização da campanha nacional de alfabetização do povo – reivindicadas pelos trabalhadores. A LDB nº. 4.024 foi aprovada em 1961, resultante dessas disputas, num processo conflituoso entre os defensores da escola pública e da escola privada, culminando com o consenso entre os projetos Mariani e Lacerda. Por sua vez, a realidade educacional mostrava que 50% da população em idade escolar estavam fora da escola. Paralelamente, fatos importantes no campo da cultura, da política e da educação popular ocorreram, trazendo um novo significado para a educação rural e popular: os movimentos políticos culturais no início dos anos 60, com 14 destaque para os Centros Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE); o Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco e o Movimento de Educação de Base (MEB), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Esses movimentos promoviam a Alfabetização da população rural e urbana marginalizadas, a partir dos referenciais teóricos constituídos da unidade entre a política das lutas dos movimentos sociais e dos círculos de cultura idealizados por Paulo Freire, os quais culminariam com a proposta da Pedagogia Libertadora, que tem nesse último o seu maior expoente. Várias comunidades rurais adotaram a educação libertadora como filosofia de luta e resistência ao capitalismo e como ferramenta de apoio à luta pela transformação da realidade social produzida pelo mesmo. Esses movimentos foram alvo de repressão e controle ideológico pelos governos militares, após 64, e suas reformas da Educação a partir de 1968: a Reforma Universitária (Lei nº. 5.540/68), a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei nº. 5. 692/71) que estabelecia a profissionalização do Ensino de 2.º grau e definia o ensino de 1.º grau num ciclo de oito séries. Outras medidas de política educacional arrefeceram e deram nova dimensão ao ímpeto de se ofertar a educação rural em contraposição aos movimentos de base democrática. Os mecanismos mais intensos se deram pela criação, em 1970, do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) - à época o Brasil tinha um percentual 33% de analfabetos. Com os governos militares fecha-se mais um ciclo histórico marcado pelas ações autoritárias e articulado do Estado brasileiro, associado ao capital internacional e nacional, que culminou com o desmonte da educação pública, fortaleceu a iniciativa privada, controlou ideologicamente as lutas sociais desmobilizando-as, caçou as liberdades políticas individuais e coletivas, entre outras ações nefastas à construção da educação no campo e na cidade. É nesse período que se publica o Estatuto da Terra, um instrumento para desarticular os conflitos no campo e abri-lo para a empresa capitalista no campo, numa forte aliança entre o capital internacional, a burguesia nacional, militares e intelectuais a seu serviço2. 2 Texto Extraído de http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/COUTINHO.pdf 15 3 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO. A educação no meio rural, no Brasil, ainda tem muito a desenvolver. A falta de políticas educacionais voltadas para esse fim caracteriza a desvalorização do homem do campo, estabelecendo uma vida limitada aos seus filhos. São grandes as dificuldades encontradas pelas trilhas por onde passam as crianças e jovens desse meio, que procuram adquirir conhecimentos, mas também um lugar para conviver com pessoas da mesma idade, ampliando suas relações sociais. Pesquisas recentes comprovam que o insucesso nesse meio de educação atinge os 40%, além de ter 70% dos alunos em séries incompatíveis com as idades. As escolas do campo normalmente são compostas de apenas uma sala de aula, tendo que se desenvolver um trabalho de sala multisseriada, com mistura de idades e de conteúdo. Sem contar na estrutura dos prédios, muitos deles ainda de taipa, madeira, alvenaria, sem iluminação e circulação de ar adequadas, faltando carteiras e outros materiais. Falta de estrutura no transporte e nas instalações. Fonte: educador.brasilescola.uol.com.br 16 Além disso, chegar à escola é um grande problema, as distâncias são quilométricas, faça chuva ou faça sol, pondo em risco a integridade física e emocional dos alunos e funcionários, além do cansaço por ter que acordar muito cedo para chegar à escola depois de horas de caminhada. Os currículos geralmente não são interessantes, não atraem os estudantes, pois fogem à realidade de suas vidas e não adianta incutir a cultura da cidade aos mesmos. Pelo contrário, esses devem ser adaptados à realidade local, valorizando aquilo que faz parte da vida dos alunos e de suas famílias. Os calendários também devem ser adaptados, pois o período de férias coincide com a colheita das safras, o que causa o afastamento de muitos alunos, que precisam ajudar seus pais. Nas faculdades, não temos formação específica em salas multisseriadas, gerando outro ponto controverso nas escolas do campo. Os profissionais que atuam dessa forma buscam alternativas por serem apaixonados pelo processo de ensinar e aprender, mas não contam com apoio das secretarias municipais, muitas vezes adquirindo materiais com recursos próprios. Por mais que o governo lance campanhas de qualificação profissional, construção de novas escolas rurais, como as escolas-núcleo, que possuem uma estrutura melhor, essas se localizam em distintas regiões rurais, ocasionando o problema do transporte, além dos ônibus velhos, sem reparos, sem cintos de segurança, e da falta de verba para o seu abastecimento; pois muitas vezes tais problemas não são solucionados pelo governo municipal. Vemos que os investimentos são baixos, carecendo de maior dedicação, olhares mais voltados para as verdadeiras necessidades dessa população. E por tantos problemas, não há como fugir da evasão escolar nos meios rurais. Triste realidade do Brasil!33 Texto Extraído de https://educador.brasilescola.uol.com.br/orientacoes/educacao-no-campo.htm 17 4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA. 4.1 Educação do campo: Um conceito em construção Decorrendo o tempo histórico no Brasil, os movimentos sociais têm sido os sujeitos centrais que vem dialogando com o governo as necessidades sociais básicas. Diante deste fato, podemos entender que muitos destes sujeitos têm colocado na pauta política discussões sobre leis e ações que partem das demandas sociais, a exemplo temos o Movimento dos Trabalhadores Rurais – MST tem buscado, desde a década de 1990, a possibilidade de estudar em seu próprio local de origem e formular sua própria proposta pedagógica. A proposta da Escola do Campo envolve a luta do MST por uma escola com características próprias, que valorize o homem e a mulher que vivem na e da terra. Fonte: catalogo.egpbf.mec.gov.br Essa discussão política entre governo e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem colocado o ser humano no centro do diálogo. A relação do movimento com a educação constitui-se numa relação de origem. A história do 18 MST, para Caldart (2004) é uma grande obra educativa. A prática da educação, no entender do MST, reside na formação humana. Enfim, a transformação dos sujeitos excluídos de tudo, em cidadãos dispostos a lutar por um lugar digno na história, faz a educação ser percebida em cada uma das ações que constituem a formação da identidade do sem-terra do MST. Do ponto de vista de Vendramini (2007), observamos no contexto educacional a continuidade de uma política de fechamento/nucleação envolvendo as escolas rurais. O objetivo desta política é de racionalizar a estrutura, bem como a organização de pequenas escolas, portanto orientando-se pelo Plano Nacional de Educação (projeto de Lei n. 4173/98), com intenção de diminuir, também, o número de classes multisseriadas. Segundo Vendramini (2007, p.2), compreender a escola do campo, significa que: É preciso compreender que a educação do campo não emerge no vazio e nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um movimento social, da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta social. É fruto da organização coletiva dos trabalhadores diante do desemprego, da precarização do trabalho e da ausência de condições materiais de sobrevivência para todos. Fonte: catalogo.egpbf.mec.gov.br 19 O movimento nacional vem provocando a construção de uma escola do campo, e alia uma construção de projeto popular para o Brasil. Este fato é muito significativo, pois, acarretaram mudanças de teoria e prática, referentes à educação rural. É neste sentido que o termo campo carrega consigo o significado histórico do espaço de disputa e conquista pela terra-educação, ou seja, consiste numa negação histórica do termo educação rural, que impulsionou os movimentos sociais a ressignificarem a si mesmos enquanto sujeitos coletivos. Assim, entendemos que, para o Movimento, os conteúdos e as metodologias de ensino estão voltados aos interesses e envolvimento da comunidade, e, assim, direcionam suas atividades escolares em prol da emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras, a partir de valores como cooperação, parceria, solidariedade, autonomia e outros. O contexto que o MST dialoga com o governo, envolve a relação entre educação, escola e a questão agrária em toda sua complexidade histórica, ou seja, a proposta pedagógica da educação do campo trata, dentre outros aspectos, da realidade dos sujeitos de direitos. É neste sentido, que a educação do campo, tem intensificado o diálogo com o governo em prol de melhores condições de vida e trabalho em seu espaço de pertencimento, como resultado da luta em defesa da Educação Pública e de qualidade para todos que ali vivem. Tratando da proposta pedagógica própria da educação do campo: Os trabalhadores têm colocado em evidência a valorização da cultura dos povos do campo, a exemplo das Conferências Nacionais – Por uma Educação Básica do Campo (1998) e Por uma Política Pública de Educação do Campo (2004) −, o que resultou na criação de um grupo permanente de Educação. Concatenando com as pesquisas de Souza (2008, p.1092) entendemos que a educação do campo: Possibilita o debate acerca da prática pedagógica nas escolas do campo, expressando as divergências políticas entre a concepção de educação rural pautada na política pública estatal e a concepção de campo pautada no debate empreendido pelos movimentos sociais de trabalhadores. Com isso, coloca professores, secretarias de educação, diretores, entre outros, em processo de indagação quanto à prática desenvolvida nas escolas do campo. Percebe-se que a educação do campo apresenta heterogeneidade no que tange à prática educativa em sala de aula e à gestão da escola, 20 uma mostra de que a realidade, lentamente, vem sendo modificada pela prática social [...]. Haja vista no Estado do Paraná, desde a década de 2003, a existência de uma coordenação de Educação do Campo junto à Secretaria de Estado da Educação/SEED PR e em 2006 as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo no Estado do Paraná, documento oficial que envolveu todas as Escolas e Núcleos Regionais de Educação do Estado e Segundo Souza (2006) que tem o intuito de fazer ressoar todas as vozes dos professores das Escolas Públicas paranaenses, dentre inúmeras iniciativas, em 2010 a formação do Comitê Estadual da Educação do Campo. Conforme afirma Munarim (2008) o movimento Por uma Educação do Campo, têm por mira as políticas públicas, cuja fonte de inspiração, reside nas experiências pedagógicas concretas, protagonizadas por sujeitos locais na esfera da sociedade civil. É neste contexto que um dos papéis da escola é fundamental: A formação educativa das novas gerações que por meio do conhecimento encontram alternativas de realizar um projeto de vida e de sociedade mais humana. Em respeito ao tema central deste trabalho, vale mencionar que a educação do campo, para os movimentos sociais, busca restabelecer, dentre tantas perdas, os vínculos entre educação e trabalho, na intenção de valorizar aqueles que lutam contra a opressão, a exploração, a dominação e, consequentemente, contra a alienação. Existem contradições e peculiaridades em uma sociedade assentada (envolvendo o capital) enquanto apropriação do trabalho. A expropriação da terra e dos meios de subsistência implica não só as experiências pedagógicas, mas a configuração concebida historicamente e a forma que a nomeamos e organizamos decorrido o tempo. 4.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho O advento da industrialização e o avanço do capitalismo aumentaram a insatisfação dos trabalhadores rurais, que ao reconhecerem que a subordinação os distanciava do autodesenvolvimento concluíram que esta condição somente servia 21 para produzir a separação entre trabalho manual e intelectual. O trabalho no meio rural significa tecnicamente o envolver-se na labuta diária expostos às intempéries da natureza, perseguir o calendário do plantio e da colheita em conformidade com o conhecimento da terra e carregar em si as marcas de um discurso que há séculos vêm sendo construído aos trabalhadores rurais: gente da roça não precisa estudar. O objetivo deste documento é orientar o currículo para toda a Rede Pública Estadual de Ensino no Paraná, pois expressa um conjunto de esforços de professores, pedagogos, equipes pedagógicas dos Núcleos Regionais de Educação e técnico-pedagógico da Secretaria de Estado da Educação – SEED. Arroyo (2010), o que nos permite reconhecer a emergência de se pensar à escola vinculada aos processos culturais. Fonte: vermelho.org.br O pensamento utilitarista incutido à escola rural, para o povo da roça, tem sido pautado em saberes mínimos, úteis ao trabalho com a enxada;um percurso histórico que vem marcando fortemente muitas escolas localizadas no meio rural. Se a discussão principal das elites governantes é garantir que todas as pessoas tenham acesso a uma educação de qualidade: De que forma a educação serve aos 22 interesses da vida humana e como é envolvida com a valorização do trabalhador? Para Beltrame (2002, p.132), as relações dos professores, com o mundo rural, permitem lhes desenvolver uma prática em várias dimensões: “produtiva, política e educativa” e afirma: ”em seu dia-a-dia, esses homens e mulheres, no trabalho, no contato direto com a natureza, participam intensamente dos ciclos da vida” e, nesta dinâmica, vão organizando conhecimentos e afinidades que os enriquecem como professores. No intuito de justificar a emergência deste trabalho; em dimensão exploratória de pesquisa nos servimos de uma entrevista, desenvolvida junto a uma professora da escola, pois, nos inquietava a seguinte interrogação: Quais atividades agrícolas e artesanais se mantêm na comunidade? A professora em resposta ao nosso questionamento: As atividades agrícolas das comunidades atendidas pela escola são o cultivo de fumo, a avicultura, e a agricultura familiar sendo que nesta são cultivadas, milho, batata salsa, e verduras para o próprio consumo e vendas para a comunidade local. Quanto ao artesanato, algumas poucas famílias aproveitam os barbantes usados para amarrar fumo para fazer crochê como toalhinhas, tapetes e enfeites para casa. (PROFESSORA). Entendemos a transformação da natureza pelo trabalho e a manifestação deste proceder pela invenção da cultura no exercício da prática social, aprendendo- ensinando aprendendo, possibilita que a educação continue no homem e na mulher o trabalho da natureza, fazendo-os evoluir e tornando-os mais humanos, pois, as contradições entre o trabalho e a cultura no contexto de nossa pesquisa são evidentes. O trabalho como meio produtivo de sobrevivência cotidiana, desenvolve- se no meio rural, numa relação moldada por ações repetitivas, pela exposição ao sol e todo tipo de intempérie, um contato direto com a natureza. Subsequente ao questionamento anterior e para análise das relações entre o projeto histórico e o projeto educacional de escolarização em consonância com nossa intenção de pesquisa, outro questionamento faz-se fundamental: De que maneira se relacionam com o trabalho? Para Marx (2004) a tendência histórica da acumulação capitalista funda-se sobre o trabalho pessoal de seu possuidor, ou seja, certamente a maneira de produção encontra-se entre a escravidão, o servilismo e outros estados de dependência. A professora manifesta-se: 23 [...] A relação com trabalho é segundo muitos é sofrida, pois na lavoura de fumo, precisam colher e amarrar durante o dia e cuidar da secagem em estufas durante a noite. O período de trabalho inicia por volta de julho/ agosto e vai até meados de abril a maio. Após o mês de Janeiros muitos acabam saindo e procurando emprego em centros urbanos, visto que o trabalho deixa de ser tão difícil podendo ser realizado pelas próprias famílias (sem a necessidade de contratar um “camarada”, um ajudante). As pessoas que trabalham por contrato (não há registro algum em carteira, ou em cartório), ganham as refeições, e em alguns casos dormem na estufa ou nos paióis junto com o fumo colhido ou seco. (Professora). A consequência necessária e evidente na afirmação da professora está restrita às relações do trabalhador sobre os meios da atividade produtiva, ou seja, as relações sociais do trabalho em sua gênese histórica que se concentram na relação direta com as formas capitalistas de produção, onde os trabalhadores do campo e ou da cidade não estão livres para desenvolver o pensamento sobre suas potencialidades sociais do trabalho, bem como, os meios e os esforços da atividade coletiva. Em continuidade ao nosso questionamento anterior a professora diz: “Estas pessoas trabalham quando é conveniente aos seus patrões e quando acaba a safra procuram novos meios de subsistência em outros locais ou empresa”. (professora). Para Marx (2004) as origens da gênese do capital residem na acumulação e concentração da propriedade, ou seja, a produção individual de muitos e suas propriedades minúsculas, fazendo a propriedade colossal de alguns e ainda, os métodos de acumulação primitiva, abrangendo uma série de processos violentos, dentre eles, a expropriação dos produtores. Frigotto (2010) escreve que reside em nosso país uma tendência dominante de considerar a população do campo como atrasados e ou fora de um projeto de modernidade. Uma tendência que não avança sem contradições, pois, a crise do emprego e a migração campo-cidade refletem as marcas de um projeto de capitalismo que impede o avanço da educação escolar básica, ou seja, a burguesia brasileira nunca teve interesse em colocar para a classe trabalhadora uma educação de qualidade e para todos como preconizava na década de 1980 a nova Lei de Diretrizes da Educação Nacional, um surgimento novo das lutas sociais por um projeto societário e de educação para o Brasil. Após o golpe militar, passa-se a cobrar da instituição escolar e da educação uma individualidade sem limites, ou seja, que o indivíduo passe a lutar por seu lugar a qualquer preço, ou ainda, numa 24 visão do ideário marxista, os ditames do mercado que viam nos indivíduos o mercado e não a sociedade. Prosseguem as décadas e ainda reside na educação a força dos interesses das classes dos centros hegemônicos adjunta à classe burguesa brasileira. Em continuidade ao pensamento de Frigotto (2010) entendemos que nesta escola de nosso estudo (localizada no meio rural) o que está em jogo ainda são as escolas, as propostas educativas que ali acendem e a conexão desta educação com as estratégias do poder que ali residem, ou seja, uma educação no campo, que mantém o sentido extensionista onde o destaque é dado a dimensão do localismo e particularismo. Para Frigotto (2010, p. 35): [...] Trata-se da visão de que as crianças, jovens e adultos do campo estão determinados a uma educação menos, destinada às operações simples de trabalho manual e também com a perspectiva de que permaneceriam para sempre no campo. [...] nega-se, nesta perspectiva uma educação unitária (síntese do diverso) e, portanto, com a universalidade historicamente possível do conhecimento em todas as esferas da vida humana, independentemente de residir no campo ou na cidade. Consensual à realidade posta, entendemos que problematizar a emergência de pesquisas acerca dos aspectos acima mencionados, localizados numa conjuntura político cultural é em grande medida um desafio aos pesquisadores que questionam as práticas pedagógicas e consequentemente, uma educação que tem reafirmado a alienação e a negação da identidade dos sujeitos de direitos. As práticas pedagógicas interdependentes das matrizes pedagógicas e culturais, vinculadas às estratégias de desenvolvimento da escola enquanto instituição educacional, composta por sujeitos de direitos, especificamente para pensar a escola do campo, consiste numa educação voltada para o futuro, ou seja, a valorização de um povo que historicamente tem sido relegado ao descaso.4 4 Texto Extraído de http://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/6456_3956.pdf 25 5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS A educação do campo é construída a partir das demandas e das experiências dos sujeitos que vivem no campo. Ela questiona a ausência de políticas educacionais para os povos do campo, o modelo de uma educação empobrecida, inferiorizada, destituída dos saberes do trabalho, da cultura e do contexto do campo. Pensar a educação do campo dentro de uma política educacional implica reconhecer a identidade da escola do campo. Nas diretrizes operacionais para aeducação básica nas escolas do campo (2002), esta identidade é definida a partir dos sujeitos do campo, do modo como estes organizam seu cotidiano, dos saberes e da cultura que produzem enquanto transformam a terra e o próprio contexto onde estão inseridos, bem como dos conhecimentos e da cultura historicamente acumulados, produzidos na relação dialética entre o campo e a cidade, no modo de trabalho e organização da sociedade. A escola é compreendida como um direito e como um dos espaços educativos em que mulheres e homens se educam. Para Arroyo (1999), a ela cabe conhecer e interpretar os processos educativos que acontecem fora dela, tomando por referência os saberes acumulados pelas experiências vividas pelos povos do campo nos movimentos sociais, nas lutas, no trabalho, na produção, na família, na vivência cotidiana, para organizar este conhecimento e socializar o saber e a cultura historicamente produzidos, viabilizando os instrumentos técnico-científicos para interpretar e intervir na realidade, na produção e na sociedade. 26 Fonte: folhavitoria.com.br Assim, a escola precisa possibilitar que os sujeitos do campo compreendam a realidade em que estão inseridos no seu movimento histórico, nas suas contradições e em relação ao contexto mais amplo, tanto no que se refere à articulação campo-cidade quanto ao processo de desenvolvimento, de globalização, de lutas sociais. Para que a escola do campo possa ter sua identidade reconhecida e assumida no trabalho pedagógico escolar, coloca-se como fundamental reestruturar os currículos e a formação de professores. Fazendo uma análise no currículo escolar revela-se que o trabalho, a cultura e os saberes do campo geralmente são tratados de forma pejorativa, ultrapassada, inferiorizada ou, ainda, estão ausentes no processo pedagógico. O modelo de currículo historicamente adotado busca impor para o campo a cultura urbana e os saberes produzidos nestes espaços como modelo. É neste sentido que a educação do campo, por advir a partir de uma luta dos camponeses, os traz como sujeitos de políticas e não meros consumidores de ações educativas, de modo que suas experiências, seu contexto, sua cultura, seus conhecimentos e suas demandas sejam tomados como referências para a formulação de políticas públicas. 27 O projeto político-pedagógico traduz a concepção e a forma de organização do trabalho pedagógico da escola com vistas ao cumprimento de suas finalidades. As finalidades têm caráter social, implicando na explicitação o tipo de sujeito que se deseja formar, por isso, esse projeto vincula-se a um projeto histórico de sociedade (Freitas, 1995), ou seja, tem relação com a sociedade que se deseja construir, transformar. O projeto político-pedagógico constitui-se em instrumento de ação político pedagógica, na medida em que possibilita a manifestação dos desejos e aspirações da comunidade em termos da educação das crianças e jovens e norteia todo o processo educativo desencadeado pela escola. Nesse sentido, não pode ser visto apenas como produto ou resultado de um trabalho de definição de finalidades e linhas de ação. O projeto político-pedagógico é “processo permanente de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade” (Veiga, 2002, p. 13) e assenta-se numa dimensão de globalidade e totalidade da educação. O projeto político-pedagógico não se resume no documento escrito que formaliza as concepções, objetivos, conteúdos, metodologia de trabalho e sistemática de avaliação de uma escola. Ele é exercício de construção permanente que acompanha e é acompanhado pela prática pedagógica, cotidianamente se fazendo e refazendo. Daí a necessidade de coesão e clareza política, condições nem sempre fáceis de serem obtidas num espaço que congrega sujeitos com as mais diferentes experiências de vida, concepções de educação e expectativas. Contudo, é de fundamental importância a constituição do coletivo escolar, uma vez que projeto político pedagógico se refere sempre a um coletivo, sendo inconcebível sem ele; jamais pode ser fruto de desejos e aspirações individuais. Machado (2003) aponta que o trabalho pedagógico é o modo de organização que a escola assume na tarefa de pensar e produzir as relações de saber entre sujeitos e o mundo concreto, o mundo do trabalho socialmente produtivo. O trabalho pedagógico é norteado por um conjunto de princípios filosóficos, políticos e epistemológicos definidores das normas e ações escolares e se apresenta como condição de sustentação das relações estabelecidas entre os sujeitos que integram o universo escolar. Pensar a organização do trabalho 28 pedagógico implica pensar o que será trabalhado - conteúdos, como - metodologia - e para que - finalidades. Em se tratando das escolas do campo é preciso ter um olhar atento e cuidadoso para o contexto em que estão inseridos, valorizando suas particularidades e singularidades, que são características do seu entorno, bem como levar em conta o diagnóstico da realidade sócio-político-econômica da localidade em que está inserida a escola. A educação do campo nasceu colada ao trabalho e à cultura do campo e não pode perder isso em seu projeto pedagógico. O trabalho forma e produz o ser humano: a educação do campo precisa recuperar uma tradição pedagógica de valorização do trabalho como princípio educativo, do vínculo entre educação e processos produtivos e de discussão sobre as diferentes dimensões e métodos de formação do trabalhador, de educação profissional, cotejando esse acúmulo de teorias e de práticas com a experiência específica de trabalho e de educação dos camponeses. O projeto da educação do campo precisa estar atento para os processos produtivos que conformam o ser trabalhador do campo e participar do debate sobre as alternativas de trabalho e opções de projetos de desenvolvimento locais e regionais que possam devolver dignidade para as famílias e as comunidades camponesas. Isso significa pensar a pedagogia sob um ponto de vista mais amplo, como processo de humanização- desumanização dos sujeitos, e pensar como estes processos podem e devem ser trabalhados nos diferentes espaços educativos do campo. A cultura também forma o ser humano e dá as referências para o modo de educá-lo. São os processos culturais que garantem a própria ação educativa do trabalho, das relações sociais, das lutas sociais: a educação do campo precisa recuperar a tradição pedagógica que nos ajuda a pensar a cultura como matriz formadora e que nos ensina que a educação é uma dimensão da cultura, como uma dimensão do processo histórico, e que processos pedagógicos são constituídos desde uma cultura e participam de sua reprodução e transformação simultaneamente. Quando dizemos que os movimentos sociais são educativos é exatamente compreendendo que estão provocando processos sociais que, ao mesmo tempo, reproduzem e transformam a cultura camponesa, ajudando a conformar um novo jeito de ser humano, um novo modo de vida no campo, uma 29 nova compreensão da história. A educação do campo precisa ser a expressão e o movimento da cultura camponesa transformada pelas lutas sociais do nosso tempo. Pensar a educação vinculada à cultura significa construir uma visão de educação em uma perspectiva de longa duração, ou seja, pensando em termos de formação das gerações. E isto tem a ver, especialmente, com a educação de valores. A educação do campo, além de se preocupar com o cultivo da identidade cultural camponesa, precisa recuperar os veios da educação dos grandes valores humanos e sociais: emancipação, justiça, igualdade, liberdade, respeito à diversidade, bem como reconstruir nas novas gerações o valor da utopia e do engajamento pessoal a causas coletivas e humanas. O vínculo com as matrizes formadoras do trabalhoe da cultura nos remete a pensar em outro traço muito importante para a educação do campo: sua dimensão de projeto coletivo e de concepção mais ampliada do que sejam relações pedagógicas. O trabalho e a cultura são produções e expressões necessariamente coletivas e não individuais. Raiz cultural, que inclui o vínculo com determinados tipos de processos produtivos, significa pertença a um grupo, identificação coletiva. As relações interpessoais são inerentes à concretização do ato educativo, mas se trata de pensá-las não como relação indivíduo, indivíduo para formar indivíduos, mas sim como relações entre pessoas culturalmente enraizadas para formar pessoas que se constituem como sujeitos humanos e sociais. A educação do campo também se identifica pela valorização da tarefa específica dos educadores. Sabemos que em muitos lugares eles têm sido sujeitos importantes da resistência social no campo, especialmente nas escolas, e que têm estado à frente de muitas lutas pelo direito à educação. A educação do campo tem construído um conceito mais alargado de educador. Compreende-se que educadora é aquela pessoa cujo trabalho principal é o de fazer e o de pensar a formação humana, seja ela na escola, na família, na comunidade, no movimento social, seja educando as crianças, os jovens, os adultos ou os idosos. Nesta perspectiva, todos somos de alguma forma educadores, mas isto não tira a especificidade desta tarefa: nem todos temos como trabalho principal educar pessoas e conhecer a complexidade 30 dos processos de aprendizagem e de desenvolvimento do ser humano, em suas diferentes gerações. Para Caldart (2002), construir a educação do campo significa formar educadores para atuação em diferentes espaços educativos. Na medida em que se defende uma formação específica é porque se entende que boa parte deste ideário que se está construindo é algo novo em nossa própria cultura. Há uma nova identidade de educador a ser cultivada, ao mesmo tempo em que há uma tradição pedagógica e um acúmulo de conhecimentos sobre a arte de educar que precisam ser recuperados e trabalhados desde esta intencionalidade educativa da educação do campo. Por isso, ao pensar no projeto político e pedagógico da educação do campo deve-se incluir uma reflexão sobre qual perfil do profissional de educação precisamos e sobre como se faz esta formação. Faz se necessário pensar sobre como os educadores têm se formado nos próprios processos de construção da educação do campo e como isso pode ser potencializado pedagogicamente em programas e políticas de formação específicas. A educação do campo não cabe em uma escola, mas a luta pela escola. A escola terá tanto mais lugar no projeto político e pedagógico da educação do campo se não se fechar nela mesma, vinculando-se com outros espaços educativos, com outras políticas de desenvolvimento do campo, e com a própria dinâmica social em que estão envolvidos os seus sujeitos. Compreender o lugar da escola na educação do campo é ter claro que ser humano ela precisa ajudar a formar e como pode contribuir com a formação dos novos sujeitos sociais que se constituem no campo. A escola precisa cumprir a sua vocação universal de ajudar no processo de humanização, com as tarefas específicas que pode assumir nesta perspectiva. Ao mesmo tempo é chamada a estar atenta à particularidade dos processos sociais do seu tempo histórico e ajudar na formação das novas gerações de trabalhadores e de militantes sociais. Não se trata de propor algum modelo pedagógico para as escolas do campo, mas de construir coletivamente referências para processos pedagógicos a serem desenvolvidos pela escola, que lhe permitam serem obra e identidade dos sujeitos que ajuda a formar, com traços que a identifiquem com o projeto político e pedagógico da educação do campo. 31 Para construir referências comuns às escolas vinculadas a este projeto de educação do campo, precisa-se antes pensar em alguns aspectos principais do que é o trabalho específico da escola ou quais as funções sociais que assume ou deve assumir, já dialogando com a intencionalidade política e pedagógica do projeto da educação do campo. E pensar ainda em aspectos ou tarefas gerais, que depois precisam ser desdobradas e pensadas pedagogicamente a partir dos diferentes sujeitos que estão em cada escola específica, bem como levar em conta as diferenças de cada ciclo da vida, de cada modalidade de escola. A escola precisa ser vista como um espaço de socialização. A escola costuma ser um dos primeiros lugares em que a criança experimenta, de modo sistemático, relações sociais mais amplas das que vive em família e de uma intencionalidade política e pedagógica nesta dimensão pode depender muitos dos traços de seu caráter, muitos dos valores que venha a assumir. Fonte: blogviniciusdesantana.com Na escola sempre há socialização porque sempre há relações sociais. Mas nem sempre isto integra o projeto pedagógico e a intencionalidade do trabalho dos educadores. Neste aspecto é preciso ter presente que o principal componente 32 curricular da escola é que a experiência cultural de escola é pedagogicamente muito mais significativa do que a tematização da socialização ou apenas a tentativa de transformar determinadas relações sociais em conteúdo discursivo de sala de aula. A escola socializa a partir das práticas que desenvolve, pelo tipo de organização do trabalho pedagógico que seus sujeitos vivenciam, pelas formas de participação que constituem seu cotidiano. São as ações que revelam as referências culturais das pessoas e é trazendo à tona estas referências que elas podem ser coletivamente recriadas e reproduzidas. A educação do campo precisa incluir em seu projeto pedagógico uma reflexão cuidadosa e mais aprofundada sobre como acontecem no cotidiano da escola, os processos de socialização, sua relação com a conservação e a criação de culturas, fazendo também a reflexão específica sobre que traços de socialização são importantes na formação dos sujeitos do campo hoje. Ela também precisa instigar a construção de uma visão de mundo. Muitas vezes a escola trabalha conteúdos fragmentados, ideias soltas, sem relação entre si ou com a vida concreta. São muitos estudos e atividades sem sentido, fora de uma abordagem mais ampla, que deveria ser exatamente a de um projeto de formação humana. Para que a escola cumpra esta tarefa é necessário que a escolha dos conteúdos de estudo e a seleção de aprendizados a serem trabalhados em cada momento não seja aleatória, mas feita dentro de uma estratégia mais ampla de formação humana, bem como se busque coerência entre teoria e prática, entre o que se estuda e o ambiente cultural da escola. Na educação do campo é preciso refletir sobre como se ajuda a construir, desde a infância, uma visão de mundo crítica e histórica, como se aprende e como se ensina nas diferentes fases da vida a olhar para a realidade enxergando seu movimento, sua historicidade e as relações que existem entre uma coisa e outra, como se aprende e como se ensina a tomar posição diante das questões do seu tempo, como se aprendem e como se ensinam utopias sociais e como se educam valores humanistas, como se educa o pensar por conta própria e o dizer a sua palavra e como se respeita uma organização coletiva. Ela precisa não deixar desflorar o cultivo de identidades. Esta também é uma das funções da escola: 33 trabalhar com os processos de percepção e de formação de identidades, no duplo sentido de ajudar a construir a visão que a pessoa tem de si mesma - autoconsciência de quem é e com o que ou com quem se identifica -, e de trabalhar os vínculos das pessoas com identidades coletivas, sociais: identidade de camponês, de trabalhador, de membro de uma comunidade, de participante de um movimento social, identidade de gênero, de cultura,de povo, de Nação. Compreende-se que este é um aprendizado humano essencial: olhar no espelho do que somos e queremos ser, assumir identidades pessoais e sociais, ter orgulho delas, ao mesmo tempo em que se desafiar no movimento de sua permanente construção e reconstrução. Educar é ajudar a construir e a fortalecer identidades, desenhar rostos, formar sujeitos. E isto tem a ver com valores, modo de vida, memória, cultura. As identidades se formam nos processos sociais. O papel da escola será tanto mais significativo se ela estiver em sintonia com os processos sociais vivenciados pelos seus educandos e educadores, e se ela mesma consegue constituir um processo social - cumprindo a tarefa da socialização de que tratamos antes - capaz de ajudar a construir e fortalecer identidades. Pensando desde a intencionalidade política e pedagógica da educação do campo, a escola deveria trabalhar com mais ênfase para ajudar no cultivo de identidades aguçando a autoestima, memória e resistência cultural. A escola tem um papel que não pode ser subestimado na formação da autoestima de seus educandos e também de seus educadores. E isto é muito importante para a educação do campo, já que em muitas comunidades camponesas existe um traço cultural de baixa autoestima acentuado, fruto de processos de dominação e alienação cultural muito fortes, e que precisa ser superado em uma formação emancipatória dos sujeitos do campo. Para que a escola assuma a tarefa de fortalecer a autoestima dos seus educandos, além de todo um trabalho ligado à memória, à cultura, aos valores do grupo, é preciso pensar na postura dos educadores e na transformação das didáticas ou do jeito de conduzir as atividades escolares. A escola precisa ajudar a enraizar as pessoas em sua cultura, que pode ser transformada, recriada a partir da interação com outras culturas, mas que precisa 34 ser conservada, porque não é possível fazer formação humana sem trabalhar com raízes e vínculos. Isto quer dizer que a escola precisa trabalhar com a memória do grupo e com suas raízes culturais e isto quer dizer também que se deve ter uma intencionalidade específica na resistência à imposição de padrões culturais alienígenas e no combate à dominação cultural. Ou seja, a escola pode ajudar os educandos a perderem a vergonha de ser da roça, a aprender a ser camponês, e a ser de movimento social, a aprender a valorizar a história dos seus antepassados, tendo uma visão crítica sobre ela, e a aprender do passado para saber projetar o futuro pela Contação de histórias que tenham a memória do grupo como referência, assim como trabalhar com que expressem a cultura camponesa e a coloquem em diálogo com outras culturas. A educação do campo precisa aprofundar a reflexão sobre como a escola pode ajudar a cultivar utopias, respeitando a cultura camponesa e a própria fase da vida em que se encontram os diferentes educandos. É preciso refletir permanentemente sobre a intencionalidade educativa da escola nesta perspectiva e olhar para os detalhes do seu ambiente educativo e trabalhar com diferentes saberes à qual cabe uma aproximação crítica, nem tanto para tentar trazer estes saberes para o seu interior, o que nem sempre é possível sem trair sua natureza, mas para provocar a inserção dos educandos em processos sociais capazes de produzi-los. Ao mesmo tempo, cabe à escola ajudar na reflexão coletiva sobre esses saberes, relacionando-os entre si e potencializando-os nos processos de socialização dos educandos, de construção de sua visão de mundo e de suas identidades, enfim, em seu processo mais amplo de humanização ou de formação humana. Entende-se que a educação do campo deve incluir em seu debate político e pedagógico a questão de que saberes são mais necessários aos sujeitos do campo e podem contribuir na preservação e na transformação de processos culturais, de relações de trabalho, de relações de gênero, de relações entre gerações no campo e de que saberes podem ajudar a construir novas relações entre campo e cidade. É necessário discutir sobre como e onde estão sendo produzidos esses diferentes saberes, qual a tarefa específica da escola em relação a cada um deles e, também, 35 que saberes especificamente escolares podem ajudar na sua produção e apropriação cultural. Esta é uma reflexão que deve continuar. A educação do campo precisa aprofundar sua reflexão sobre que formato de escola é capaz de dar conta destas tarefas indicadas e, especialmente, dedicar-se ao estudo de didáticas e metodologias que traduzam esta concepção de escola e projeto político e pedagógico em cotidiano escolar.5 6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL. O olhar construído historicamente acerca do campo esteve associado ao subdesenvolvimento, ao atraso e à pobreza, tendo em vista que os ideais capitalistas elegeram o modelo urbano-industrial como padrão de vida ideal para as sociedades modernas. Por conta disso, o mundo rural tornou-se esquecido no âmbito dos projetos políticos da maioria dos gestores públicos, resultando na negação do campo enquanto espaço de produção cultural, social e econômica e, consequentemente, no abandono de milhares de famílias camponesas. Nesse contexto, boa parte das famílias abandonou o campo e migrou para as cidades, desencadeando o processo de favelização das grandes e médias cidades, tendo como principal consequência o aumento da pobreza, da miséria e da violência. Por outro lado, os camponeses que permaneceram no meio rural articularam-se em movimentos sociais e construíram diversas lutas em defesa do direito à terra, à água, ao crédito, à educação entre outros. 5 Texto Extraído de file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/14603-64306-1-PB.pdf 36 Fonte: envolverde.cartacapital.com.br As lutas dos movimentos sociais do campo colocaram em pauta o debate sobre o modelo de desenvolvimento excludente e concentrador desenvolvido no país, centrado no acúmulo de capital, na concentração de terra, na exploração da mão de obra escrava, a destruição do meio ambiente, dentre outros problemas. A partir do debate supracitado, novas políticas públicas passaram a ser gestadas no âmbito nacional (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF; Programa de Aquisição de Alimentos - PAA; Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE; Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA; dentre outros) que apontam para a construção de novos projetos de desenvolvimento sustentável para o país através da valorização da agricultura familiar e da cultura sócio-político-organizativa dos camponeses. Em meio aos debates acerca das políticas públicas para o campo, os movimentos sociais perceberam que a construção de novos projetos de desenvolvimento sustentável passa pela produção de novos saberes no e sobre o campo, que impulsione a agricultura familiar através da produção de novos conhecimentos e tecnologias associadas à produção sustentável. Daí a importância de lutar pela construção de um projeto de educação do campo que possa, não só levar os conhecimentos aos jovens do campo, mas fomentar a produção de saberes 37 específicos inerentes às formas de viver e produzir no campo, envolvendo os aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos. Diante desse contexto, os movimentos sociais vêm lutando por uma educação capaz de reconhecer as diversidades socioculturais do campo, que possibilite a valorização dos saberes e das culturas vivenciadas pelas populações campesinas ao longo dos tempos. Uma educação que partisse dos saberes dos povos do campo, problematizando-os a fim de construir novos olhares críticos acerca daquela realidade e de suas possibilidades de desenvolvimento (LIMA, 2011). Ou seja, “A ideia era reivindicar e simultaneamenteconstruir um modelo de educação sintonizado com as particularidades culturais, os direitos sociais e as necessidades próprias à vida dos camponeses” (BRASIL, 2007, p. 11). Diante dos vários debates, manifestações e ocupações, os movimentos sociais do campo obtiveram inúmeras conquistas, dentre elas, destaca-se a instituição das Diretrizes Operacionais da Educação Básica para as Escolas do Campo, em 2001. Essas diretrizes fazem parte das reivindicações históricas dos movimentos sociais do campo, portanto trazem um conjunto de preocupações relacionadas ao: [...] reconhecimento e valorização da diversidade dos povos do campo, a formação diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes formas de organização da escola, a adequação dos conteúdos às peculiaridades locais, o uso de práticas pedagógicas contextualizadas, a gestão democrática, a consideração dos tempos pedagógicos diferenciados, a promoção, através da escola, do desenvolvimento sustentável e do acesso aos bens econômicos, sociais e culturais (BRASIL, 2007, p. 17). As diretrizes operacionais, além de estabelecer novos princípios políticos e pedagógicos para as escolas do campo que atendam aos interesses e as necessidades dos jovens camponeses, criou um novo marco legal, obrigando, em seu artigo 13, que os sistemas de ensino reconstruam seus projetos de formação para o campo com base nos seguintes componentes: I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças, dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida individual e coletiva, da região, do país e do mundo; II - propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e a fidelidade aos 38 princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas sociedades democráticas (BRASIL, 2003). As diretrizes operacionais rompem com o silêncio das políticas públicas de educação das escolas do campo, resgata a educação como um direito subjetivo e reafirma que não basta ter apenas escolas, é preciso ter escolas com políticas públicas para permanência do homem no campo. Isso significa a necessidade de fortalecer a luta pela efetivação e garantia dessas escolas como espaços de reflexão das práticas desenvolvidas dentro de um contexto de vivências. Desse modo, as diretrizes operacionais são ferramentas que subsidiam o debate sobre a Educação do Campo e impulsionam novas práticas educativas no campo. Além disso, se constitui num instrumento legal que permite a construção de projetos educativos que contrapunha ao modelo de desenvolvimento implantado para atender os interesses do capital, cuja finalidade é a ampliação das riquezas materiais, proporcionando bem-estar a uma restrita parcela da população em detrimento de um povo que sofre as causas e consequências desse processo, principalmente do Nordeste. 6.1 As diferentes concepções de desenvolvimento O debate acerca das políticas de desenvolvimento se intensificou nas últimas décadas em virtude dos graves problemas econômicos e socioambientais causados pelo modelo de desenvolvimento implementado no mundo a partir da expansão descontrolada da produção industrial, resultando na utilização irracional dos recursos naturais, na concentração de renda e na exploração da mão-de-obra. No caso específico do campo, as políticas de desenvolvimento instituída nas últimas décadas voltam-se para o fortalecimento do agronegócio, baseado na produção em larga escala que expulsa os trabalhadores rurais, amplia o desmatamento da vegetação nativa, dissemina o uso de agrotóxicos e reduz significativamente as propriedades dos agricultores familiares responsáveis pela produção dos alimentos nos pequenos e médios municípios. 39 A expansão do agronegócio tem contribuído significativamente para a ampliação da política de concentração de terra e da renda e, consequentemente impulsionou o processo de degradação dos recursos naturais, a geração das desigualdades, a exploração e violência, bem como, a destruição das oportunidades de trabalho e a descaracterização das identidades e diversidades culturais da população do campo. Esses projetos de desenvolvimento associados aos interesses econômicos das grandes empresas multinacionais se utilizam das riquezas naturais com a finalidade de ampliar os lucros, sem a menor preocupação com os danos socioambientais e culturais que poderão ser causados. Ou seja, são constituídos através de práticas perversas de destruição de comunidades tradicionais, com todo um arsenal histórico-cultural na área produtiva, cultural e da preservação do meio ambiente. Neste caso, O predomínio do interesse econômico sobre a conservação do meio ambiente provoca como consequência imediata a degradação ambiental, através da perda da camada de solo agrícola e a redução da população de diversas espécies de plantas e de animais, além dos efeitos indiretos sobre o clima e a população humana (OLÍMPIO; MONTEIRO, 2005, p. 01) Esse processo de modernização do campo através das agroindústrias e do agronegócio vem promovendo a expulsão dos povos do campo, obrigando-os a migrar para as favelas das metrópoles para dar espaços às grandes áreas de produção baseado na monocultura. Além desses problemas, os agricultores familiares convivem também com a destruição de seu patrimônio sociocultural e ambiental construído através de várias gerações. A ideia de “modernização” do campo vem se constituindo num violento processo de destruição da vida de milhares de agricultores familiares uma vez que seus espaços de produção de vida, de cultura, de valores e crenças são transformados em grandes áreas de produção de eucalipto, soja, arroz, mamona e outros. Isto é, a produção familiar construída a partir de laços de cooperação e solidariedade dá lugar ao modelo de produção agrícola artificializado e transformado num ramo da indústria, tendo como consequência estrutural o processo acelerado de marginalização da agricultura camponesa, cada vez mais sem papel nessa lógica de pensar o desenvolvimento (UFBA, 2010, p.47). 40 O atual modelo de desenvolvimento, baseado na acumulação de riqueza nas mãos de poucos, contribuiu para o esvaziamento do campo, a ampliação das periferias das grandes cidades e o aumento da concentração de terras, bem como, favoreceu a troca da adubação orgânica pela química e incentivou a produção voltada para a exportação em detrimento do mercado interno, levando os agricultores/as ao endividamento e à perda de terras e, por que não dizer também, da privatização do saber. No caso mais específico do nordeste brasileiro, vários estudos (FURTADO, 1980; SILVA, 2006; SOUSA, 2005) demonstram que a maioria dos problemas sociais e econômicos é devido à estrutura excludente predominante nessa região baseada na concentração da terra e da água, e na dificuldade de acesso aos meios e recursos necessários à produção agrícola e à pecuária. Para Silva (2006), os principais problemas sociais e econômicos vivenciados pelos nordestinos são decorrentes não só das questões climáticas e ambientais, mas das políticas de desenvolvimento equivocadas, associadas aos processos de exploração da população e da apropriação indevida de suas riquezas naturais. Por outro lado, a grande concentração de terra e água nas mãos de pequenos grupos políticos e econômicos, aspectos que consolidaram o processo de dominação política pautado no autoritarismo e no abuso de poder dos “coronéis”, contribuiu definitivamente à implementação de uma cultura política baseada na submissão, no clientelismo, no paternalismo e no comodismo (SOUSA, 2005). Além disso, as políticas de desenvolvimento para o nordeste
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