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_____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 1 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 2 SUMÁRIO Alfabetização e letramento: condições de inclusão social .......................................... 3 FORMAÇÃO ............................................................................................................. 21 ALFABETIZAÇÃO .................................................................................................... 23 PARA REFLETIR ..................................................................................................... 30 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 35 http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 3 Alfabetização e letramento: condições de inclusão social Paulo Freire, um dos mais ilustres educadores da história brasileira, dizia sobre a vontade orientada em “querer bem” em se tratando de uma ação engajada em prol da Educação. A partir dessa expressão – a de querer bem – o seu legado excepcional, cujos apontamentos destacam a “arte de educar” que, segundo ele, não implica uma atitude piegas, mas, ao contrário, um exercício profissional consciente, o qual não abdica desse estado d’alma – o de querer bem – na construção de um objetivo comum, associado às contribuições da ciência, para melhor ensinar a ler e a escrever. Não é fácil cultivar essas qualidades e, sobretudo, conservá-las ao longo da trajetória do trabalho docente. São inúmeros os desafios em se tratando da tarefa meticulosa e delicada que é a da educação. Mas, sem nenhuma dúvida, é mais difícil - sem essas qualidades - prosseguir num exercício contínuo de consciência profissional. É trágico e desumano quando reconhecemos (em nós mesmos ou em nossos colegas) condutas de cinismo e de hipocrisia que contribuem mais para a alienação do que, propriamente, para o desenvolvimento pessoal e profissional. Tendo em vista os múltiplos olhares e perspectivas que esse tema abrange nos campos da Linguagem e da Cultura e, por consequência, nas áreas da http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 4 Educação, da Sociologia, da Literatura, da Política e da História , então, a construção de um estudo que assume uma redefinição temática, necessária em favor de um caminho epistemológico mais objetivo, específico e ajustado ao tratamento da leitura e da escrita, ambas, no âmbito escolar e social, portanto, inseparáveis, enquanto duas modalidades fundamentais – ler e escrever – para uma perspectiva de progressão e inclusão social e cultural. Isto porque os atos, as práticas, as modalidades e as circunstâncias de leitura e de escrita não estão veiculados (apenas) às instituições escolares e aos seus processos pedagógicos, mas seus usos e às suas práticas, tais como exigem as diversas dinâmicas, circunstâncias e os mais diferentes contextos do mundo social e cultural. Vamos destacar, desse modo, alguns elementos que determinaram a alteração do título inicial, pois obviamente não se trata de uma mera reformulação no tratamento do tema, o qual privilegia a dimensão da leitura como condição de inclusão social. A substituição do termo leitura em favor do duplo emprego - alfabetização e letramento - deve-se, entre outras razões, à relação e dependência das nomenclaturas “leitura” e “escrita” aos processos sociais e culturais, portanto, frequentemente associadas apenas à alfabetização e ao letramento escolar, embora um indivíduo alfabetizado e letrado possa ter frequentado, ou não, uma instituição de ensino. Sabemos que as estruturas de ensino orientam certas aprendizagens e certos usos da leitura e da escrita. Nesse sentido o título adotado abrange não apenas a leitura, como também a escrita, afim de alargarmos nossa discussão e concepção sobre essas duas modalidades da linguagem, dentro e fora do contexto escolar e, portanto, em contraponto com uma questão de fundo importante, qual seja, o problema da inclusão social no Brasil. O papel fundamental das escolas e das estruturas sociais e culturais em favor dessa mesma inclusão. Desse modo a centralidade dada à alfabetização e ao letramento ressignifica a dimensão multifacetada desses dois processos (combinados) em favor não apenas da aprendizagem da leitura, mas também dos usos da escrita, os quais representam http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 5 nas sociedades atuais duas modalidades de comunicação indispensáveis e indissociáveis à questão da inclusão social e cultural de um indivíduo ou de um grupo. Assim, o título atribuído – Alfabetização e Letramento: condições de inclusão social(?) – pretende, aqui, reinaugurar o debate em torno de uma reflexão que não desconsidere o peso escolar, portanto, o papel da função metodológica, processual, cumulativa e organizada necessária à especificidade do ensino e da aprendizagem do sistema alfabético e ortográfico, ambos, ligado à aquisição da tecnologia da leitura e da escrita. Sobre essa apropriação é que se faz possível a construção de competências indispensáveis aos diferentes usos, funções e práticas sociais ligadas à cultura letrada. Dito de outro modo a alfabetização e o letramento se objetivados como condições de inclusão social permitem, então, redimensionar e ressignificar a importância da aprendizagem da leitura e da escrita em um amplo contexto de letramento, ou seja, num contexto em que a alfabetização – ponto de partida ao acesso da leitura e da escrita – ocorra sob circunstâncias, situações, processos e condições que permitam o desenvolvimento de habilidades, atitudes, competências e modalidades que avançam para além das primeiras exigências no uso da língua escrita. Além disso, o fio condutor que perpassa esse segundo título redimensiona para além do espaço escolar, as relações de ordem social, política e cultural na sociedade, pois a alfabetização e o letramento, no Brasil e no mundo, são processos que ultrapassam a esfera estritamente escolar e institucional. É verdade que no caso brasileiro a escola assume um lugar central, quase, exclusivo quanto ao acesso e à promoção da aprendizagem da leitura e da escrita. Essa constatação espelha, evidentemente, as condições das estruturas políticas, sociais e culturais em nosso país, embora em diferentes sociedades do mundo a estrutura escolar continua a ser esse espaço essencial às condições de acesso e de inclusão social, principalmente, no mundo do trabalho. A frase sob a forma interrogativa – Alfabetização e letramento: condições de inclusão social (?) – quer, finalmente, problematizar e reiterar a mudança de foco na abordagem da leitura e da escrita ocorrida, principalmente, nas últimas décadas do século XX, tanto no Brasil, quanto na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, em Portugal e outros países (considerados)ocidentais. Nesse mesmo período a ênfase ideológica, presente nos discursos políticos e sociais, quanto à tributação (e relação) http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 6 de uma (forte) dependência entre a condição de cidadania de um indivíduo (ou de um grupo) e as suas competências como sujeito alfabetizado e letrado. É curioso que tenha ocorrido em um mesmo momento histórico, em sociedades distanciadas tanto geograficamente quanto socioeconomicamente e culturalmente, a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita. Assim, é em meados dos anos 80 que se dá, simultaneamente, a invenção do letramento no Brasil, do illettrisme, na França, da literacia, em Portugal, para nomear fenômenos distintos daquele denominado alfabetização, alphabétisation. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, embora a palavra literacy já estivesse dicionarizada desde o final do século XIX, foi também nos anos 80 que o fenômeno que ela nomeia, distinto daquele que em língua inglesa se conhece como reading instruction, beginning literacy, tornou-se foco de atenção e de discussão nas áreas da educação e da linguagem, o que se evidencia no grande número de artigos e livros voltados para o tema, publicados, a partir desse momento, nesses países, e se operacionalizou nos vários programas, neles desenvolvidos, de avaliação do nível de competências de leitura e de escrita da população – segundo Barton (1994, p. 6), foi nos anos 80 que the new field of literacy studies has come into existence. (...). Entretanto, se há coincidência quanto ao momento histórico em que as práticas sociais de leitura e de escrita emergem como questão fundamental, em sociedades distanciadas geograficamente, socioeconomicamente e culturalmente, o contexto e as causas dessa emersão são essencialmente diferentes, em países em desenvolvimento, como o Brasil, e em países desenvolvidos, como a França, os Estados Unidos, a Inglaterra. Sem pretender uma discussão mais extensa dessas diferenças, o que ultrapassaria os objetivos e possibilidades deste texto, destaco a diferença fundamental, que está no grau de ênfase posta nas relações entre as práticas sociais de leitura e de escrita e a aprendizagem do sistema de escrita, ou seja, entre o conceito de letramento (illettrisme, literacy), e o conceito de alfabetização (alphabétisation, reading instruction, beginning literacy). Nos países desenvolvidos, ou do Primeiro Mundo, as práticas sociais de leitura e de escrita assumem a natureza de problema relevante no contexto da constatação de que a população, embora alfabetizada, não dominava as habilidades de leitura e de escrita necessárias para uma participação efetiva e competente nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita. Assim, http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 7 na França e nos Estados Unidos, para limitar a análise a esses dois países, os problemas de illettrisme, de literacy/illiteracy surgem de forma independente da questão da aprendizagem básica da escrita. A proposição interrogativa - Alfabetização e letramento: condições de inclusão social (?) – é, pois, uma outra forma de enunciação (e de provocação) acerca da (suposta) relação direta, regular ou automática entre esses dois conceitos fundamentais - alfabetização e letramento - e a condição de cidadania ou, se preferirem, de inclusão social e cultural de cada indivíduo. Essa correlação simétrica parece-me abusiva se consideramos os problemas relativos à alfabetização no curso da história da educação brasileira e os problemas conceituais entre alfabetização e letramento, ora confundidos, ora dicotomizados, ora sobrepostos, ora diferenciados como processos consecutivos, o primeiro, o de alfabetizar e, o segundo, por neologismo, o de letrar, os quais, na perspectiva deste texto, merecem ser, re-interrogados como “condições-chaves” à inclusão social. Nesse sentido se pretendemos atribuir à alfabetização e ao letramento um papel relevante ou decisivo à conquista da cidadania faz-se necessário, pois, uma segunda pergunta: sob quais critérios de inclusão social associamos a alfabetização e o letramento? Trata-se, nessa perspectiva, de desmistificar o valor da escrita e, por conseguinte, da leitura como condições absolutas ou únicas à inclusão social, embora nos discursos oficiais, escolares, universitários e mediáticos o letramento tem se afirmado como a condição (de excelência) para a progressão da inclusão cultural, social e econômica. Assim, desse modo, segredamos os grupos sociais, de um lado, os letrados e, do outro, os “não letrados” ou “ os menos letrados”; os “incluídos” e os “excluídos”. De alguma forma acabamos, pois, por reproduzir séculos de appartheid social e cultural, por intermédio dos conceitos, dos usos e das apropriações em torno da leitura e da escrita. A escola é nesse faroeste (nesse jogo de forças e relações de poder) a vilã da história, quando, de fato, as responsabilidades e as falências sociais e culturais dizem respeito aos efeitos e consequências do sistema econômico capitalista. No entanto, não se trata de promover nas diversas instituições educacionais uma espécie de “lavagem de mãos”. Todos temos nossa parcela de responsabilidade e além do enorme esforço por parte das estruturas de ensino cabe, igualmente, o http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 8 compromisso engajado de associações, empresas, empresários, políticos, bem como de outros agentes e setores da esfera pública e privada, em prol da diminuição das diferenças sociais, econômicas e culturais que são escandalosas no Brasil. Um segundo risco decorrente da correlação direta e automática entre letramento e cidadania tem sido a visão distorcida sobre o processo de alfabetização. Assim, no campo educacional, assistimos ao retorno de velhas concepções (redutoras) sobre a alfabetização. Ela é considerada, ora como o resultado de um processo meramente mecânico ligado à aprendizagem da escrita, ora o resultado da escolha metodológica acerca do método (um ou outro) voltado para o ensino da leitura. O equívoco tradicional, senão histórico, é o de reafirmar que a escolha pelo método sintético ou analítico (palavração, sentenciarão, global, fônico ou silábico) constitui o ponto central ou determinante sobre o sucesso ou fracasso dos processos de ensino-aprendizado. As estratégias de aprendizagem ligadas: à linguagem oral, à linguagem escrita, à gama de conhecimentos linguísticos concernentes às relações fonema grafema, à apropriação do código alfabético e ortográfico, além das complexas aprendizagens relativas à construção da textualidade e da enunciação entre pensamento e linguagem estes, sim, são os aspectos - em sua complexidade e interdependência psico e sociolinguística - que incidem sobre a qualidade da trabalho pedagógico do alfabetizador e, portanto, da qualidade das competências de um sujeito alfabetizado. Este indivíduo antes, ao longo e depois de toda a sua vida escolar, ou seja, em suas experiências pessoais, familiares, sociais, profissionais e culturais, ele vaivivenciar circunstâncias e situações que favorecem, concomitantemente, os seus níveis de letramento e suas condições como sujeito letrado. Como adverte Magda Soares, a alfabetização encontra-se ameaçada em sua especificidade, ou seja, como um objeto de conhecimento a ser ensinado em direção à construção do sistema de escrita e de uso da linguagem. A perda da natureza específica desse objeto de conhecimento linguístico implica, segundo a autora, quer se considere o sistema alfabético, quer o sistema ortográfico num risco de apagamento ou de “desinvenção da alfabetização” em favor da predominância de http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 9 um conceito parcial (senão destorcido) sobre o letramento - sua compreensão e apropriação, em particular, no âmbito escolar. Magda Soares afirma ainda que: a convivência com a cultura escrita e com objetos escritos não pode assegurar (por si só) a aprendizagem, a construção e a apropriação de tantas habilidades e múltiplas competências linguísticas específicas à tecnologia da leitura e da escrita. Desse modo, a reflexão sobre a alfabetização e o letramento como condições mediadoras à inclusão social e cultural sustenta-se, aqui, numa escolha conceitual mais ampla e necessária à compreensão sobre o papel da leitura e da escrita, tanto no interior do trabalho escolar, quanto na vida social e cultural. Assim, parece importante sublinhar que o termo leitura está quase sempre associado aos diferentes e múltiplos materiais, objetos e suportes textuais editados, difundidos e distribuídos. Além disso, essas diferentes leituras ou esses textos impressos que circulam na sociedade exigem (em contrapartida) leitores e usuários da escrita cada vez mais habilitados, qualificados, heterogêneos e competentes. Sob esse aspecto não parece existir dúvida sobre a especificidade e a importância de um processo por meio do qual são construídas e desenvolvidas um conjunto de competências, conhecimentos, habilidades e atitudes relativos à leitura e à escrita, bem como os usos efetivos da língua escrita. Trata-se, indiscutivelmente, da alfabetização. No entanto, quando nos referimos aos usos complexos, diversificados, cumulativos e qualificados da leitura e da escrita, por meio de práticas sociais que envolvem a linguagem oral e a competência com a linguagem escrita a isso, então, chamamos letramento. Essa distinção, senão conceitual, é absolutamente necessária para a organização do trabalho escolar e para o sucesso dos sujeitos alfabetizados e letrados, principalmente, aqueles inseridos numa instituição de ensino. Como afirmou Magda Soares no artigo Letramento e Escolarização, publicado em 2003, na coletânea sobre o “Letramento no Brasil”: Alfabetização e letramento são, pois, processos distintos, de natureza essencialmente diferente; entretanto, são interdependentes e mesmo indissociáveis. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 10 A alfabetização – a aquisição da tecnologia da escrita – não precede nem é pré- requisito para o letramento, isto é, para a participação em práticas sociais de escrita, tanto assim que analfabetos podem ter um certo nível de letramento: não tendo adquirido a tecnologia da escrita, utilizam-se de quem a tem para fazer uso da leitura e da escrita; além disso, na concepção psicogenética de alfabetização que vigora atualmente, a tecnologia da escrita é aprendida não, como em concepções anteriores, com textos construídos artificialmente para a aquisição das “técnicas” de leitura e de escrita, mas através de atividades de letramento, isto é, de leitura e produção de textos reais, de práticas sociais de leitura e de escrita. Nesse sentido, no mesmo artigo, a autora reitera aspectos relevantes sobre esses dois processos distintos, porém, recorrentemente imbricados como se a compreensão de um equivalesse ao segundo e vice-versa. Disso, talvez, a concepção equivocada, amplamente difundida, a qual pressupõe que o letramento é uma consequência direta da alfabetização, logo, se existem problemas ligados ao letramento eles são atribuídos às deficiências do processo escolar ligados à alfabetização ou, ainda, à falta dessa escolarização na trajetória de uma criança, de um jovem ou adulto. No que se refere, particularmente, ao letramento sua discussão - dentro e fora da escola - implica outros fatores, nem sempre consensuais, seja por parte das declarações divulgadas pela mídia, seja nos discursos entre os próprios profissionais da educação. No caso da alfabetização e do letramento, ambos, apoiam-se em processos linguísticos cujos conhecimentos e habilidades são sempre cumulativos; até esse ponto nenhum problema ou dúvida. No entanto, se o processo de alfabetização pode ser objetivado, a partir de definição temporal, isto é, de um percurso estabelecido entre um ponto de começo e outro de conclusão, a mesma correlação temporal não pode ser regularizada quando se trata do letramento. Segundo diferentes países e seus modelos sociais e escolares, certas convenções ou critérios estimam o percurso escolar para a alfabetização entre o período de 2, 3, 4 ou 5 anos de escolaridade, ou seja, a partir da faixa etária de crianças entre 4, 5, 6 ou 7 anos de idade. O processo de alfabetização pode ser ainda controlado e verificado por recursos ou estratégias de acompanhamento e de avaliação objetivos e concretos. Desse modo é sempre possível determinar o estado de alfabetismo ou de analfabetismo de uma pessoa ou de um grupo social. Contudo, a mesma equação http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 11 não pode ser categoricamente estabelecida ou pré-fixada ao se tratar do letramento. Basta considerar as práticas, os usos, as modalidades, os comportamentos e os hábitos de leitura e de escrita em suas variações históricas e culturais em cada tempo, espaço e contexto, seja num mesmo país, seja entre diferentes países. Como afirmou Magda Soares: Alfabetizado-analfabeto podem ser considerados termos dicotômicos, não sendo impossível classificar as pessoas em um ou outro desses dois grupos excludentes, mas entre letrado-iletrado não há dicotomia, os dois termos não constituem categorias distintas e opostas. Alfabetização é um contínuo, mas um contínuo de certa forma linear, com limites claros e pontos de progressão cumulativa que podem ser definidos objetivamente; letramento é também um contínuo, mas um contínuo não linear, multidimensional, ilimitado, englobando múltiplas práticas com múltiplas funções, com múltiplos objetivos, condicionadas por e dependentes de múltiplas situações e múltiplos contextos, em que, consequentemente, são múltiplas e muito variadas as habilidades, conhecimentos, atitudes de leitura e de escrita demandadas, não havendo gradação nem progressão que permita fixar um critério objetivo para que se determine que ponto, no contínuo, separa letrados de iletrados. Do processo de alfabetização pode-se esperar que resulte, ao fim de determinada tempo de aprendizagem, em geral pré-fixado, um “produto” que se pode reconhecer, cuja aquisição, ou não, atesta ou nega a eficiência do processo de escolarização; ao contrário, o processo de letramento jamais chega a um “produto” final, é sempree permanentemente um “processo”, e não há como decidir em que ponto do processo o iletrado se torna letrado. Trata-se, então, de refletir sobre diversos níveis de letramento, principalmente, se compararmos diferentes leitores, usuários da escrita e produtores de texto ou, ainda, quando analisamos as inúmeras situações de uso da leitura e da escrita que demandam de todos nós - crianças, adolescentes, jovens, adultos ou idosos - uma performance, cada vez mais, sofisticada e diversificada como pessoas “letradas”. No caso do letramento ele ultrapassa as convenções temporais ou pedagógicas, prescritas em currículos escolares herméticos ou em processos letivos: semestrais ou anuais. Estamos todos envolvidos em dinâmicas sociais, culturais, intelectuais e históricas que solicitam, cotidianamente, diferentes habilidades e competências para lidarmos com os inúmeros eventos de letramento. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 12 Precisamos, pois, considerar a “leitura”, a “escrita”, a “alfabetização” e o “letramento” sempre numa perspectiva plural. Nese sentido uma consequência direta - para os alfabetizadores, os professores, os mediadores da leitura, os formadores culturais, os coordenadores pedagógicos, os agentes sociais e comunitários, os educadores de creche e todos os envolvidos em projetos educativos - diz respeito ao papel escolar e, portanto, à necessidade de serem criadas e recriadas condições e circunstâncias de ensino-aprendizado ajustadas às novas dinâmicas sociais, culturais, econômicas e tecnológicas ligadas ao mundo do trabalho e aos seus desafios quanto aos múltiplos usos da cultura escrita. Assim, nossa reflexão sobre a Alfabetização e Letramento como condições à inclusão social requer uma atenção não apenas sobre a necessidade criteriosa em relação à seleção das leituras, dos objetos e suportes textuais dados a ler e a escrever. Nossa atitude atual, como educadores e cidadãos, exige cuidado na organização de relações escolares em favor de usos diversificados da leitura e da escrita se queremos qualificar, continuamente, as práticas de alfabetização e de letramento dos alunos. Uma atitude que implica, evidentemente, a qualidade das práticas de letramento dos professores como: falantes, leitores e usuários da língua- escrita. Trabalhar em prol da alfabetização e do letramento implica, pois, na construção de um ambiente democrático, voltado para a construção da cidadania de cada leitor, sua liberdade de expressão, o desenvolvimento criativo de sua linguagem oral, o desenvolvimento de uma consciência fonêmica (relações fonema grafema), fluência nos atos de leitura oral e silenciosa, individual e coletiva, uma educação estética, o aprimoramento do vocabulário, da capacidade de inferência, de compreensão, de interpretação, de verbalização das ideias e a convivência com textos - manuscritos e impressos – e, sobretudo, a convivência direta com livros, com uma boa literatura nacional e estrangeira, os usos dessa literatura e da biblioteca (dentro e fora das salas de aula) e, enfim, o acesso e o uso efetivo, o mais possível, com diferentes suportes materiais e tecnológicos, pois cada um, ao seu modo, é uma linguagem textual. Sem esse esforço – o de querer bem – o de querer e realizar o melhor possível - é difícil promover e consolidar habilidades, competências e experiências cumulativas em favor de um rico capital cultural e linguístico. Ele que é, sem dúvida, uma moeda forte para lidar com as exigências e sofisticações do mercado de http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 13 trabalho, do mercado cultural, do mercado editorial e intelectual. Uma moeda forte em favor de uma perspectiva lúcida e coerente pela inclusão social e a promoção cultural para todos os indivíduos sem distinção de cor, raça, etnia, religião e condição econômica. Infelizmente os modelos sociais e econômicos gerados pelo capitalismo e pelo neo-liberalismo reproduzem uma mesma realidade em diferentes partes do mundo, qual seja, a exclusão de uma maioria social em favor da inclusão, apenas, de alguns grupos sociais. No Brasil, historicamente, o retrato da exclusão social associa dois aspectos principais que se interelacionam: o pertencimento étnico e o pertencimento socioeconômico. A questão da democracia racial comumente difundida, no Brasil e fora do país, tem sido objeto de polêmica e de discussão por diferentes lideranças associativas, universitárias, políticas e mediáticas. Um exemplo contemporâneo sobre a problemática racial no Brasil foi a decisão do governo, através do presidente Lula, quando ele se pronunciou pela criação das cotas universitárias destinadas aos negros e àqueles que assumem tal identidade num Brasil, predominantemente, mestiço, isto é, índio, negro, branco e o que derivou essa mistura na composição de nossas mestiçagens: étnicas, linguísticas, físicas, religiosas e culturais. O cinema brasileiro vem, nos últimos anos, problematizando algumas questões de fundo quanto à identidade brasileira, por exemplo, a necessidade de uma reflexão étnica profunda e, apenas nesse sentido, portanto, sem efeitos nacionalistas de segregação – refletirmos acerca de uma conscientização identitária positiva e sem complexos diante do resto do mundo. Por intermédio de agentes culturais, associações comunitárias e instituições escolares e universitárias contemplamos um ideal pela inclusão sócio-racial no Brasil. O filme Preto e Branco de Carlos Nader, difundido em 2004, retrata as relações raciais entre os habitantes de São Paulo, muitos dos quais, remanescentes de ancestrais africanos, mas em confronto com essa noção generalizada ou, que se pretende generalizante, a da “democracia racial” no país. Um filme anterior, o de 2001, A Negação do Brasil, pelo realizador Joel Zito problematiza o tratamento dos negros. Para tanto, ela aborda as personagens encenadas por alguns artistas negros, mais ou menos, presentes nas novelas brasileiras entre as décadas 50 e 90 e, por isso mesmo, subjugados em papéis que http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 14 camuflam ou desnudam os estereótipos, as representações, os discursos, os preconceitos, as afirmações e as negações das raízes negras. Raízes africanas, árabes, italianas, portuguesas, indígenas, francesas, alemãs, holandesas, enfim, mestiças – parte da nossa herança, tradição, cultura e brasilidade - nessa grande árvore Pau Brasil que é corpo, memória, riqueza e ancestralidade sobre quem somos nesse nome abrangente - Brasa, Brasis, Brasil – país continente, cuja marca de originalidade é a sua multiculturalidade e pluralidade racial e humana. A democracia racial, social, escolar e política no Brasil deve deixar de ser um discurso ou um ideal para assumir a sua dimensão real, necessária e urgente como construção objetiva para todos, afim de ser assegurado o mínimo de estabilidade que permita progressos presentes e futuros do país. O exercício dessa democracia, sua busca, tentativa, luta, ganhos e perdas aparecem desde os movimentos de resistência político-estudantil, ocorridos durante e ao final da ditadura militar no Brasil, em prol da escolarização para todos, a liberdade de expressão, o direitoao trabalho sem discriminação, o lugar das mulheres na sociedade, a integração da população negra, a reforma agrária e tributária, a expressão das ideias, a liberdade partidária, a conquista de certos direitos sociais e trabalhistas e, enfim, outros direitos e deveres civis que integramos, ora com passos de recuo, ora com os de avanço. Desse modo nossa discussão sobre a alfabetização e letramento não pode perder de vista ou negar certos aspectos da vida social e cultural mais ampla como: as lógicas da política econômica, tanto no passado, quanto no presente e, assim, suas graves consequências educacionais em se tratando das condições diferenciais entre ensino privado e ensino público; a cor do analfabetismo brasileiro, enfim, o retrato social por detrás desse analfabetismo e, por consequência, a reprodução das desigualdades sociais, econômicas e culturais no país. A alfabetização numa perspectiva de democracia escolar, racial, social e cultural é, pois, apenas a primeira condição (ou mediação) para uma possível promoção de um indivíduo ou de um grupo. Os dados sobre o letramento, no entanto, vêm sendo frequentemente utilizados como um sinal diferencial, ou seja, como um critério de seleção ou de qualificação. Dados mediatizados como um peso entre dois pratos de uma mesma balança – a da inclusão social – cujos extremos mantêm um modelo insustentável de segregação entre os sujeitos, uns, mais incluídos, outros, os mais excluídos no quadro sociocultural brasileiro. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 15 Assim, o letramento pode, como uma faca de dois gumes, ser utilizado e veiculado pela mídia, pelos especialistas e pelos políticos para justificar as lacunas sócio-econômicas entre indivíduos incluídos e excluídos. Sabemos que em se tratando, por exemplo, de política cultural - nacional e internacional - um público, mais ou menos, letrado terá acesso e poderá usufruir, diferentemente, dos serviços, dos produtos e dos bens materiais e simbólicos que são disponibilizados. Cada parcela desse público - mais letrado ou menos letrado - será objetivada pela mídia e pela indústria do consumo a partir de estratégias diferenciadas. O mercado seleciona e decide os níveis de acesso e de qualidade das ofertas e dos serviços para os que possuem maior letramento e, em oposição, para os que não possuem um alto nível de letramento. Assim, num mesmo país (e comparativamente entre dois países distintos) vemos certos equipamentos sociais, instituições, produtos, bens, suportes e dispositivos culturais, sociais, sanitários, médicos, escolares e intelectuais serem socializados (ou não), serem oferecidos (ou não) segundo, principalmente, dois crivos sociológicos que se sobrepõem e se contrapõem: o perfil socio-econômico da população e o nível de escolarização, alfabetização e letramento. O filme - “Os Promesseiros” - realizado por Chico Carneiro e veiculado em 2002, é elucidativo sobre essa questão. Em Belém, existe uma festa profanoreligiona conhecida pelo nome tradicional: Círio de Nazaré. Nela, todos os anos, reúnem-se milhares de peregrinos ou romeiros10. Nesse filme assistimos o percurso de três “pagadores de promessas” que se deslocam pelos afluentes entre as cidades de Boa Vista e Belém. Durante quatro dias, numa trajetória feita em uma pequena canoa, eles distribuem alimentos e roupas às populações dos rios Apeú, Inhamyogi e o Guama. Os ribeirinhos são unânimes em declarar que a falta de escolarização da população infantil e o analfabetismo da população adulta são fatores determinantes da situação de pobreza em que vivem, desde o nascimento, pois sem estudo não tem remédio e o irremediável instala-se e se reproduz. Desse modo, eles denunciam o abandono que sofrem por parte das instituições governamentais locais, segundo eles, presentes somente durante os processos eleitorais. Uma outra interpretação possível ao título do filme - “Os Promesseiros”- não é o circuito da fé, através dos gestos devotados, dos feitos sobre-humanos dos “recebedores de graças” e das peregrinações de três “pagadores de promessa”, os quais navegam em águas incertas levados pela solidariedade humana esta, sim, a http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 16 expressão mais legítima da “profissão de fé” ou “procissão pela fé” abordada pelo filme. A interpretação implícita, quase, a moral da história no segredo das vozes e no silêncio das imagens, diz respeito aos políticos que se fazem passar por “promesseiros”, ou seja, por gente de boa-fé quando, na verdade, não pagam suas promessas de campanha contra o problema da precarização escolar dessa zonas e a baixa acentuada de preços na compra-e-venda dos frutos locais pelos intermediários. Este, sim, um agravante para a situação de empobrecimento dessa população que é dependente de uma economia familiar e local. As mulheres ribeirinhas choram as lágrimas do analfabetismo e tudo que ele teceu, urdiu, tramou e alinhavou em suas vidas e a de seus pais. Segundo elas: o subemprego, os castigos corporais, as migrações urbanas, o alcoolismo, os problemas de saúde e a perda da dignidade diante do ciclo da pobreza, da desinvenção da alfabetização com cada sala-de-aula fechada, em cada município da localidade e, enfim, a desescolarização reproduzida da geração dos pais para a dos filhos e, assim, para a dos netos. Desse modo a escolha parece evidente. O engajamento em favor da mobilização pela alfabetização, pelo letramento e pela inclusão cultural não parece deixar dúvidas, tendo em vista que a escola ainda é uma instituição social que pode e deve promover o acesso às leituras, gerar competências, participar do direito pela alfabetização e pelo letramento, socializar os usos da leitura, da escrita e da literatura, favorecer a multiplicidade das modalidades e práticas de escrita, desenvolver uma ação criadora e um projeto democrático pela circulação e pelo acesso dos objetos, suportes e materiais textuais que dinamizam as práticas culturais mais atuais. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 17 Com o processo de globalização temos a impressão de uma maior circulação e, portanto, de uma abertura comercial, social, intelectual e cultural quanto aos acessos e à distribuição de certas mercadorias, certos serviços e produtos culturais, bens materiais e imateriais para as populações, notadamente, as dos centros urbanos. Porém, todos nós sabemos que não basta disponibilizar uma oferta sobre um dado serviço, um equipamento tecnológico, suportes textuais ou produtos culturais se não temos condições para o seu acesso e, principalmente, se não estamos aptos para usá-los, apreendê-los, usufruí-los e integrá-los em nosso dia-a-dia. A suposta “abertura” possibilitada pelo mercado globalizado está condicionada ao poder de capital de cada indivíduo ou grupo social e, no que se refere ao consumo e usufruto das ofertas propostas, esse novo mercado de consumo é seletivo, tanto e quanto são as normas e conjecturas internacionais. O acesso, portanto, dependente de recursos e investimentos financeiros, como por exemplo, para a aquisição de livros, a frequentação ao cinema, ao teatro, à ópera, aos espetáculos musicais,à realização de um curso, à aquisição de certos bens e objetos materiais para, inclusive, sonhar com uma viagem e efetivamente poder realizá-la. Contudo, se há falta de dinheiro para a alimentação, a educação pessoal e dos filhos, para o uso dos transportes, para uma consulta e receita médicas, logo, de consumidores “ativos” passamos à posição de consumidos “passivos”. Reitera-se, então o fosso entre urbanos e suburbanos, entre letrados e iletrados, entre os que vivem e os que sobrevivem, entre alfabetizados e analfabetos funcionais, enfim, uma lacuna cuja distância é marcada essencialmente pela relação de desigualdade, de assimetria, de irregularidade e de exclusão social entre: aqueles que participam da produção de bens e serviços, aqueles que consomem, usufruem, integram e aproveitam os bens matérias e simbólicos da cultura e, finalmente, aqueles que vivem à margem desses processos e de seus benefícios. Nesse sentido o trabalho da escola, da universidade brasileira, em particular, da pública, bem como a atuação de outras instituições sociais, associativas e culturais requer um esforço coletivo. Um trabalho organizado em favor da alfabetização e do letramento de crianças, jovens e adultos perdura fundamental. Esses espaços legitimados pela sociedade são, igualmente, espaços potenciais ao desenvolvimento de ações, atividades e eventos de leitura e escrita relacionados não http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 18 apenas às demandas pedagógicas e escolares, mas sobretudo às necessidades concretas da realidade social e cultural mais ampla. Assim, é na escola, como também no seio da família, dos programas culturais (municipais, estaduais, regionais e nacionais) e das ações privadas e públicas pela promoção da vida social, da cultura e do lazer que certos objetos, equipamentos, comportamentos, práticas e eventos de letramento precisam ser mais amplamente divulgados, socializados e facilitados para a população. Desse modo, essa população infantil, jovem e adulta poderá efetivamente contar com as condições necessárias à apropriação, ao desenvolvimento e à acumulação de experiências com a cultura escrita. Tornar-se um cidadão, o qual é capaz de reivindicar, adquirir e lutar pela permanência de direitos fundamentais, bens, valores e equipamentos ligados à inclusão social e à progressão de seu capital cultural. Portanto, a bandeira de luta é a mesma do passado, do tempo de Freire e outros. Uma luta, talvez, com outras facetas e nuances, as quais apelam pelo compromisso de cada um nesse projeto comum que é o da alfabetização e do letramento escolar, social e cultural das populações. Paulo Freire, de um outro modo e com outras palavras, apontava para os anos 80 a necessidade de reencontrarmos ou de reconstruirmos um projeto pedagógico comum, uma bandeira de luta nacional ou um ideal ativo em favor do engajamento que nos leve às ruas, quando a luta pertencer às ruas. Um objetivo que nos posicione como multiplicadores da leitura e da escrita, pois as nossas armas são/estão mediadas pela leitura, pela escrita, pela literatura e pelo acesso à cultura letrada, bem entendido, muito além da banalização da cultura oferecida pela maioria dos canais de televisão. Freire denunciou, à sua maneira, a nossa inércia, a nossa desmobilização, a nossa neutralidade, anestesia, passividade, quase, insensibilidade: a de convivermos com o “iletrismo”, o analfabetismo ou o semi-analfabetismo e encontrar nessa mesma realidade o nosso lugar no mundo, como se tal discriminação ou exclusão social fosse naturalmente constitutiva à realidade social. Dito de um outro modo, quando caímos na armadilha do capitalismo selvagem, cujo cinismo sugere a todos a conformidade social, a progressão do individualismo, como se a vida “naturalmente” separasse vencidos e vencedores. Paulo Freire certamente encontraria palavras e interveria contra esse quadro preocupante, tantas vezes, caótico acerca da realidade brasileira e mundial. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 19 Acreditamos sempre em um mundo melhor, nos milagres brasileiros ou numa espécie de jeitinho, no final, tudo dá certo! Se não é verdade, o discurso difunde esse comportamento, dito, autenticamente brasileiro. Assim, sustentados pela nossa difundida alegria e infalível esperança, espalhamos aos quatro cantos que Deus é brasileiro. Agarrados (ou não) à Ele, temos uma sorte de convicção ou de confiança contra as crises sucessivas. O que, de alguma forma, parece ter propiciado a nossa forma de resistência; uma resistência sem rostos sisudos. No entanto, algumas vezes, sem percebermos ou, ao contrário, muitas vezes conscientes, reconhecemos que não se trata de ter ou não ter fé, um credo ou uma religião. Trata-se de algo que os discursos políticos, nacionais e estrangeiros, exploram num tom messiânico, profético e alienante na tentativa de camuflar a realidade, embaçar a objetividade e jogar com um “sentimentalismo nacional” que falseia não, apenas, as escolhas políticas neoliberais, mas anestesia nossa ação escolar e comunitária, social, popular, participativa, solidária e consciente pela mudança em prol da inclusão. Paulo Freire, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, outros resistentes da ditadura e militantes contra a conservação das estruturas de desigualdade chamaram a nossa atenção para o cuidado, após um longo processo de censura e de repressão, para o risco de desmobilização social e de apagamento da memória contra os mecanismos de exclusão da ordem social hegemônica. Esses militantes, de ontem, de alguma forma anteciparam e advertiram quantas às inúmeras dificuldades para a implantação de uma verdadeira democracia no Brasil em favor da inclusão social, racial, escolar, cultural e política. A linguagem, porta esse ideal de comunicação e de condição humana porque ela não estabelece, à priori, fronteiras de cor, de etnia, de grupo social, de religião ou qualquer outra. A linguagem e, por extensão, a alfabetização e o letramento podem constituir esse projeto comum, ou seja, o núcleo de uma ação organizada, cujos objetivos e projetos escolares, literários, universitários e sociais apelam pela inclusão e, portanto, por uma democracia nacional pelo direito social ao letramento cultural, durante e após a escolarização de crianças, jovens e adultos. Para tanto, a escola precisa continuar sendo um espaço laico, preferencialmente, público e um lugar de integração social, independentemente, das correntes, seitas, religiões ou preferências de fé. Um espaço laico, tanto no setor público, quanto no privado, cuja formação consciente encontra-se engajada para não http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 20 reproduzir as desigualdades no seio da sociedade e para não contribuir para novos apartheids. Ela coloca em questão a ideia muito generalizada de que existe uma forte correspondência entre saber ler e escrever e a questão da inclusão social. Quantos não defenderiam tal relação de reciprocidade? Quantos entre nós sustentariam a correlação entre alfabetização, letramento e inclusão social e cultural? No entanto, o valor da alfabetização e do letramento pode ser relativizado se contraposto por fatoressociológicos, ou seja, se comparados o letramento das populações alfabetizadas num mesmo país ou entre dois países e duas culturas diferentes. Quantos entre nós, considerados em sua comunidade ou país como pessoas “letradas” ou “mais letradas” que esse ou aquele e, apesar disso, encontram-se em situação de exclusão, seja social, seja intelectual, seja política ou econômica. Quantas pessoas menos “letradas”, no mundo inteiro, encontram-se favorecidas por uma situação de inclusão política, social ou econômica? Ou, finalmente, quantos entre nós sabem ler e escrever, mas não podem ou não sabem usufruir dos bens culturais e imateriais de nossa cultura escrita, artística, literária, nacional e mundial. O letramento não pode ser mensurado e traduzido por um valor estável e absoluto. Da mesma forma ele não pode ser aferido em número estatístico sem uma ampla combinação de elementos. Ele não deve ser estabelecido em uma lista de critérios e condições a serem seguidos, etapa por etapa, como uma bula de remédio que prescreve dosagem e horário para o tratamento contra uma determinada doença: o iletrismo. O mundo fez-se grafocêntrico. Em qualquer buraco da terra a palavra escrita faz sua (s) aparição (ões) e tem, por isso, seus efeitos. É impossível, no Brasil ou alhures, falarmos de iletrismo. Mesmo o mais analfabeto dos homens (se é que essa categoria existe) é capaz de relacionar-se com a sociedade letrada, como também os mais letrados (políticos, empresários, intelectuais e outros) têm ou mantêm relações com a sociedade letrada tão insólitas, quão contraditórias. Em se tratando da alfabetização e do letramento, no âmbito escolar, se necessária uma certa organização pedagógica quanto aos níveis e processos de ensino e de aprendizagem da língua-escrita, ela deve garantir - ao longo e ao final da trajetória educativa - a construção de competências apoiadas em práticas culturais e sociais que favoreçam os usos da leitura e da escrita na escola e fora dela. Cada http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 21 contexto histórico solicita dos leitores e dos usuários da escrita um saber ler e um saber escrever específico: ao seu tempo, lugar e às múltiplas situações de comunicação associadas ao letramento. Assim, cada escola precisa estar, suficientemente, aberta e flexível às mutações do mundo social e cultural, bem como aos desafios, demandas, possibilidades e contradições da vida atual. FORMAÇÃO A necessidade de formação (contínua) da equipe pedagógica faz parte dessa demanda e representa uma das estratégias fundamentais para a democratização do letramento cultural - de alunos e professores -, pois, ao contrário, ela formará uma população alfabetizada, mas pouco letrada quanto ao universo linguístico e cultural global. A escola pode e deve promover leitores que serão capazes à realização de atividades puramente escolares, o que não significa necessariamente, que ela formará leitores qualificados às diversas exigências do letramento social e cultural, no dia-a-dia, no mundo do trabalho, no campo da economia ativa, nas esferas culturais, nos ciclos intelectuais e nas rodas de sociabilidade fora da escola e da família. Não vamos afirmar com isso que toda demanda do mundo social e do trabalho é, necessariamente, legítima, coerente e adequada à todos. A escola pode e deve transcender certos limites e contradições sociais, através do investimento na iniciativa criadora, no desenvolvimento do espírito crítico e político, na construção coerente das leituras e interpretações do mundo social, na construção do gosto http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 22 estético: apurado, refinado, observador e sensível às artes, à literatura e à cultura geral. A escola deve, inclusive, discutir com seus alunos certas práticas, certos usos e “desusos” como, por exemplo, nossa pressa desenfreada, nosso fervor atual pelos jogos eletrônicos, divertimentos efêmeros que, por vezes, nos distanciam da atenção para com os outros, a comunicação espontânea e a solidariedade como conduta coletiva. Escrever meios não significa escrever pela metade, suprimindo letras ou simplificando palavras como no tempo das antigas mensagens telegráficas que eram contabilizadas letra por letra. Ora, o progresso tecnológico gerou maneiras infinitamente rápidas e eficazes para a comunicação, no entanto, os sociólogos urbanos atestam uma alteração no comportamento social em desfavor da comunicação espontânea, principalmente, nas grandes capitais. Nunca tivemos tantos meios e recursos de comunicação reunidos e disponibilizados em um mesmo século, contudo, a urgência urbana, uma espécie de stress permanente demonstra, principalmente, nos países mais desenvolvidos, o crescimento do sentimento de abandono, de solidão, do individualismo como traço social marcante, assim como o reforço da desconfiança mútua, o crescimento dos índice de suicídio entre jovens de 18 a 25 anos, a incidência da depressão, uso e recurso às drogas pesadas ou farmacêuticas. Os correios podem ser eficazes e eficientes, mas quem mantém o hábito epistolar pelas correspondências familiares, amorosas ou entre amigos? Não se trata de saudosismo, mas de uma reflexão perpendicular em relação aos “usos” e aos “desusos” de práticas antigas em detrimento de novas práticas sociais. A perda de certos hábitos tradicionais, como a leitura em voz alta, os serões de leitura, as rodas de sociabilidade em torno da poesia que, no fio do tempo, se perdem, se transformam, se sobrepõem e se contrastam num mundo onde o valor da escrita está bastante consolidado, mas o valor de certas práticas orais e de leitura têm, progressivamente, sofrido um certo apagamento parcial ou total. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 23 Nesse sentido há letramento e letramentos e não é um jogo de palavras, mas está em discussão a reflexão sobre a importância de alargarmos, o mais possível, nossas ambições quanto aos objetivos educacionais, pedagógicos, sociais e culturais em favor da qualidade e da diversidade dos processos, das aprendizagens, das experiências, das modalidades e das competências no uso e usufruto da linguagem e da comunicação oral e escrita. É preciso lembrar que durante séculos o tratamento da leitura e da escrita foi circunscrito à uma espécie de “condição ideal de alfabetização” voltada para determinados indivíduos. Na Antiguidade e na Idade Média ler ou, apenas, escrever denotava uma capacidade, um privilégio e um atributo objetivo relativo ao status social daqueles poucos indivíduos que sabiam ler ou escrever ou sabiam ler e escrever. A questão da democratização do direito e do acesso à leitura e à escrita parece, aos olhos de muitos, uma conquista assegurada pelas supostas vantagens do mundo eletrônico contemporâneo. Porém, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) nos informa que o Brasil apresenta um dos piores desempenhos na área da leitura, isto, em função da média geral obtida pelos alunos no último exame, além do baixo nível de proficiência obtido por crianças brasileiras em exames nacionais e internacionais. ALFABETIZAÇÃO Se a alfabetização foi, no passado,um indicador social e um conceito historicamente definido quanto ao ensino-aprendizado do sistema alfabético da escrita sabemos, atualmente, que a alfabetização representa um, entre outros, indicadores (diferenciais) sobre inclusão social, embora saber ler e escrever, ou seja, decodificar e codificar sinais fonéticos e gráficos representa, apenas, uma primeira conquista no processo de alfabetização e letramento, de cada indivíduo, durante o processo escolar ou para além dele. O conceito estável de alfabetização - saber ler e escrever e, por extensão, assinar o próprio nome – prevaleceu até o Censo de 1940, baseado nas declarações de cada entrevistado do IBGE. Na década seguinte o conceito alterase: ser capaz de ler e escrever um bilhete simples, o que significa dizer, uma primeira aproximação em função de uma prática de leitura-escrita. A partir da década de 80 verifica-se, http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 24 então, uma progressiva extensão do conceito de alfabetização em direção ao conceito de letramento, ou seja, não apenas saber ler e escrever, mas a apropriação e uso da leitura e da escrita. Assim, o conceito de alfabetização passou, a partir da década de noventa, a ser confrontado, adjetivado e co-habitado por novas terminologias e nomenclaturas oriundas, tanto do impacto causado pelos estudos da Psicogênese e da Sociogênese, bem como as contribuições do paradigma cognitivista e socioconstrutivistas, concomitantes à difusão de novos equipamentos, tecnologias e instituições. Esse remodernismo (sustentado pelas novas tecnologias de comunicação) exigiram (e ainda exigem) novas habilidades e usos com a escrita, os quais ultrapassam a mera decodificação e codificação dos sinais grafofonêmicos. Assistimos, no final dos anos noventa, quase a negação ao tradicional conceito de analfatetismo, uma vez que o emprego do conceito de analfabetismo funcional inclui não apenas os chamados “analfabetos” como todos aqueles que, embora sabendo ler e escrever não estão suficientemente habilitados aos usos da língua escrita. Um filme emblemático sobre os dilemas brasileiros dos anos noventa é Central no Brasil. Obra sensível de Walter Sales sobre a solidariedade, a solidão e a exclusão social, cujo retrato realista acerca do analfabetismo e do analfabetismo funcional foi difundido pela personagem interpretada por Fernanda Montenegro – a escritora de cartas na Estação da Central do Brasil – no Rio de Janeiro. Essa mudança conceitual está relacionada, em primeiro lugar, à proposta da UNESCO, no final da década de setenta, em favor da ampliação do conceito de literate para functionally literate – de alfabetismo para alfabetismo funcional – e, consequentemente, a inclusão nas avaliações internacionais de indicadores sobre o domínio de conhecimentos e competências linguísticas para além do saber ler e escrever (decodificar e codificar sinais gráficos e fonêmicos). Em segundo lugar, também sob a influência da UNESCO, a decisão oficial pelo ano de 1990 como o Ano Internacional da Alfabetização, cuja promoção e difusão internacional favoreceu uma ampla discussão a respeito da ressignificação do termo alfabetização e, por consequência, a renovação das práticas de ensino aprendizagem. Em terceiro lugar quando as Nações Unidas proclamaram a década de 20032012 como a Década da Alfabetização, suscitando a iniciativa de revisão http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 25 conceitual da alfabetização associada aos usos de comunicação, informação, participação e outras aprendizagens durante a vida, isto é, numa aproximação clara com o letramento.16 Na década de oitenta a re-orientação sobre o velho dilema entre analfabetismo e alfabetismo gerou uma espécie de revolução de ideias e de iniciativas, por meio das quais assistimos: à criação de uma série de projetos educacionais, assim como mudanças administrativas e desdobramentos legais em favor da alteração de cursos, currículos e dispositivos de formação pedagógica, seja no nível secundário, seja no superior. Nesse movimento, progressivamente, ocorreu a implementação de novas políticas pela formação continuada de educadores, professores e mediadores educacionais e, finalmente, a criação de instâncias de avaliação do rendimento escolar e os níveis de letramento das populações escolarizadas17. A linguagem ou jargão profissional incorporou a partir dos anos noventa nomenclaturas como: alfabetismo, letramento, alfabetismo funcional e analfabetismo funcional.18 Além de termos ressignificados como: iletrismo, iletrado e letrado, pois um novo vocabulário e, por extensão, uma nova semântica foram necessários para nomear e compreender uma realidade escolar e cultural específica. A realidade social contemporânea, as mudanças no mundo do trabalho e os novos apelos culturais geraram demandas e conhecimentos específicos no uso da leitura e da escrita destinados aos usos (presenciais e virtuais) da linguagem, portanto, às inovações geradas pelos recursos tecnológicos de informação e seus sofisticados equipamentos eletroeletrônicos. Os desafios da “segunda” eram eletroeletrônica foram rapidamente percebidos, através de mudanças no mundo urbano e rural e nas relações de trabalho nacionais e internacionais. No caso brasileiro, um importante desafio a ser ultrapassado refere-se à taxa de analfabetismo funcional, atualmente, aferida na ordem de 38% da população alfabetizada, ou seja, uma população escolarizada que lê, mas compreende precariamente uma dada notação escrita. Para o IBGE os índices de analfabetismo funcional consideram todas as frações populacionais com menos de 04 anos de escolaridade. Esse novo critério, aproxima-se do conceito de letramento à medida, segundo Magda Soares, do (...) estabelecimento de uma equivalência entre nível de escolarização e a capacidade de fazer uso efetivo e competente da leitura e da escrita, isto é: a relação entre número de séries escolares concluídas pelos indivíduos, ou seu grau de instrução, e http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 26 nível de letramento. Esse critério fundamenta-se no pressuposto de que, atingido um certo grau de instrução, o indivíduo terá não só adquirido a tecnologia da escrita, isto é, terá se tornado alfabetizado e terá também se apropriado das competências básicas necessárias ao uso das práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, terá se tornado letrado. Para avaliar o letramento pelo critério de grau de instrução, uma alternativa tem sido estabelecer, por inferência, uma equivalência entre determinado grau de escolaridade e um nível de letramento considerado satisfatório – um e outro definidos de forma relativamente arbitrária. É a alternativa que tem predominado na bibliografia brasileira sobre alfabetização, analfabetismo e letramento: tem-se tradicionalmente considerado que à conclusão da quarta série do ensino fundamental corresponderia um nível satisfatório de letramento, provavelmente por influência da antiga organização do ensino, que estabelecia o ensino primário de quatro séries como a etapa obrigatória e suficiente para a formação do cidadão. O percentual de analfabetos no Brasil é uma questão problemática ao longoda história da educação do país. Até a década de 60, por exemplo, o percentual de analfabetos foi superior ao de alfabetizados, embora até 1950 ser considerado alfabetizado significava, essencialmente, saber assinar o próprio nome. Esse critério agravou a situação da época e protelou efeitos e consequências, tendo em vista que 8% da população brasileira, ainda, não sabe ou, sabe precariamente, proceder a assinatura de seu nome. Dito de outro modo, são vítimas de um analfabetismo secular: cultural, econômico, social e, evidentemente, político gerados por programas governamentais que sucedem equívocos e reproduzem desigualdades. Até a década de 70, o Censo oficial apontou um índice superior de 32 milhões de habitantes analfabetos, embora para o ano de 2000 o decréscimo registrado foi da ordem de 17%, isto é, o mesmo percentual aferido pelo IBGE em 1872. Essa realidade desafiadora e complexa implica um quadro interno de desigualdade social e cultural e que se projeta no cenário internacional como uma declaração de handicap. Uma deficiência que em relação aos europeus e norte-americanos sustenta uma mentalidade geradora de preconceitos e discriminações, resquícios de tipo coloniais e a manutenção de preceitos políticos e regras econômicas, desses países, sobre o Brasil. Contudo o dilema permanece entre analfabetismo e alfabetismo funcional, cuja relação diferencial complexa determina, pois, uma mudança radical nos processos escolares voltados para a alfabetização e o letramento. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 27 Para tentar elucidar a questão lançarei mão de algumas informações estatísticas divulgadas no mês de junho de 2005, em função do Ano IberoAmericano da Leitura. O primeiro dado diz respeito à precariedade de espaços de leitura no Brasil. No país a maioria dos 5.561 municípios brasileiros sequer possui uma livraria. Existem ainda mil municípios sem bibliotecas e apenas um pouco mais de duas mil livrarias em todo o território, o que representa uma distribuição de 84.400 habitantes por livraria. Apesar dessa realidade um primeiro contraste diz respeito aos resultados surpreendentes de venda nas últimas Bienais do Livro, no Rio de Janeiro e em São Paulo, sem contar o sucesso sucessivo da “Primavera do Livro”, promovidos entre 2001 e 2004, pela Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), além do crescimento ou do surgimento de outros salões e feiras do livro em diferentes capitais e cidades brasileiras e, finalmente, o investimento do capital estrangeiro na abertura ou manutenção de mega-livrarias e na (mudança) da direção de algumas editoras, tradicionalmente, brasileiras que, hoje, fazem parte de grupos financeiros provenientes da América Latina, da América do Norte e da Europa. Se os editores não abandonam as denúncias de uma crise editorial profunda, paradoxalmente, não param de propalar os sucessos editorais de revistas, cds e livros que soltam aos olhos dos leitores e são estimulados pelas campanhas publicitárias da mídia. A pesar da crise vivida pelo mercado editorial brasileiro nos últimos cinco anos, o setor vive momentos de euforia. A aposta no crescimento se reflete em negócios recentes, como a venda de 7% da Objetiva para o grupo espanhol Prisa-Santillana e a compra de metade da Nova Fronteira pela Ediouro. Anunciadas este mês, as fusões apontam pelo menos duas diretrizes. As empresas apostam na conquista de um número cada vez maior de leitores e para o sucesso dessa empreitada devem travar uma guerra para garantir a criação de catálogos cada vez mais sólidos e diversificados. A entrada de grupos internacionais de peso como o Prisa-Santillana - presente em mais de 20 países e dono, entre outras publicações, do jornal “El Pais” - e da Planeta - sétimo maior grupo editorial do mundo com forte presença inclusive na América Latina - que se instalou no Brasil em 2003, indica que os estrangeiros estão de olho num mercado com enorme potencial para crescer. Por enquanto, são http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 28 apenas 26 milhões de leitores ativos, que leem em média quatro livros por ano num país com 180 milhões de habitantes. A previsão é expandir consideravelmente o número de leitores. Além de movimentar o setor, a presença de editoras multinacionais pode beneficiar, sobretudo, os ávidos por novidades. Editoras como a Planeta, que está presente em diversos países, tem uma facilidade maior em promover o intercâmbio de autores. Novos escritores estrangeiros, que talvez nunca tivessem chance de ser publicados aqui, começam a chegar às livrarias nacionais com uma velocidade nunca vista. “Existe uma sintonia com as outras casas da Planeta para fazer com que a circulação da informação aconteça de maneira ágil”, diz Pascoal Soto, diretor editorial da editora. Graças a essa troca os brasileiros podem conhecer, por exemplo, a obra de Efraim Medina Reyes, um dos destaques da literatura colombiana contemporânea. (Jornal Mercantil do Brasil, em 01 de julho de 2005) Se a leitura é um bem imaterial, ao contrário, o livro é um bem material, cada vez mais configurado como um produto de consumo e comercializado como uma mercadoria de valor social e cultural para um mercado bem configurado e em expansão. O livro inscreve-se, pois, numa rede especializada de trocas, interesses e vantagens materiais e simbólicas, cujas lógicas funcionais para a sua difusão são claramente comerciais, segundo as tendências do mercado nacional e internacional, no quadro do modelo capitalista de globalização. No país, os talentos também deverão ser mais valorizados, tanto aqueles que já têm uma posição consolidada como outros que ainda sonham em publicar o primeiro livro. Contratos atraentes promovem uma dança das cadeiras no setor. A Planeta, com grande penetração no exterior, atrai autores com a possibilidade de “projetos globais”. “Minhas Histórias dos Outros”, de Zuenir Ventura, a biografia de Paulo Coelho que está sendo escrita por Fernando Morais, e uma coleção provisoriamente chamada de “Planeta Brasil” feita pelo jornalista Eduardo Bueno entraram nessa categoria e serão publicadas noutros países. Paralelamente à caça de nomes consagrados, ocorre a busca por novos escritores. A Planeta fez dessa ideia uma de suas metas. “Temos interesse em criar um catálogo forte que contemple as principais promessas e os autores consagrados”, diz Soto. Com pouco mais de 200 títulos no catálogo e com a expectativa de produzir outros 100 a cada ano, a empresa pretende investir em talentos que começam a despontar como Santiago Nazarian e Alexandre Plosky. A disputa por novatos é acirrada. Publicado http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 29 inicialmente na Planeta, João Paulo Cuenca migrou para a Ediouro. Conhecida até pouco tempo por manter um catálogo de clássicos universais e pela publicação de palavras cruzadas, a editora carioca diversificou a linha de atuação. Além de Cuenca, Paulo Roberto Pires, diretor editorial da Ediouro, aponta outras apostas: Daniela Abade, Ivana de Arruda Leite e André Laurentino, cujo primeiro livro deve sair em agosto. Além disso, a Ediouro acaba de aumentar seus domínios com a aquisição da Nova Fronteira. “O autor nacionalé a prioridade. Queremos que os novatos enxerguem na editora o lugar para se lançarem”, afirma Carlos Lacerda, sócio e editor da Nova Fronteira, dona de sólido catálogo que inclui nomes como Thomas Mann, Guimarães Rosa, João Ubaldo Ribeiro, Cecília Meirelles, João Cabral de Mello Neto e Agatha Christie. Tanto empenho não existe ao acaso. “Não se forma um catálogo sólido sem um espaço para a descoberta de novos autores. Por isso têm surgido tantos nomes nos últimos anos”, avalia Luciana Villas-Bôas, diretora editorial da Record, a maior lançadora de títulos, um total de 28 por mês. A onda de fusões revela também o quanto a diversidade dos catálogos é importante para a sobrevivência das editoras. O grande número de selos lançados no mercado nos últimos anos prova isso. A Record, por exemplo, tem mais seis selos além daquele que leva o nome da editora: José Olympio, Bertrand Brasil, Civilização Brasileira, Difel e Rosa dos Tempos que juntos formam uma coleção de títulos dos mais estrelados, na qual constam textos de 22 ganhadores do Prêmio Nobel, como Gabriel García Márquez, Pablo Neruda e Gunther Grass, além de brasileiros como Jorge Amado, Graciliano Ramos e a premiada Nélida Piñon. A Ediouro também se expandiu com os selos Agir e RelumeDumará antes de ganhar o reforço de autores da Nova Fronteira. Como explica Marino Lobello, vicepresidente de comunicação e marketing da Câmara Brasileira do Livro: “Uma editora com um grande catálogo tem vantagem na hora de distribuir. É muito mais econômico e, por isso, tem a tendência natural de ocupar o mercado”. Razões econômicas à parte, o resultado dessa disputa tem tudo para agradar aos amantes da leitura, que terão uma oferta cada vez maior de títulos. (Jornal Mercantil do Brasil, em 01 de julho de 2005) Há cerca de duas ou três décadas assistimos a multiplicidade de livros e de edições de alta qualidade gráfica e ilustrada, sem contar as inovações editoriais através de sites e blogs. As edições são variadas, são qualitativamente atraentes, segundo os mais diferentes gostos e preferências gerados pelo (e para o) público infantil, juvenil e adultos. No entanto, no Brasil, apenas 86 milhões de habitantes são, http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 30 de fato, leitores potenciais dentre a população total que sabe ler e escrever, ou seja, cerca de 20% da população. O Brasil é, indubitavelmente, uma nação de contrastes. As editoras não sabem o que fazer e o que inventar para atrair, mais e mais, os consumidores da palavra escrita e de jogos interativos. As editoras estão em toda parte, em quase todos os salões do livro, reuniões anuais de professores e pesquisadores, enfim, procuram manter seus leitores assíduos e conquistar novos consumidores potenciais. Temos a impressão vertiginosa de que nunca termos lido como na atualidade, o que é em parte verdadeiro, mas quem são, de fato, “esses que leem”? Somos sempre os mesmos leitores? Uma espécie de público-leitor “de carteirinha”? O que se lê no Norte, no Nordeste, no centro-oeste é o que se lê no sul e sudeste brasileiros? Lê-se, de fato, mais numa região que em outra? PARA REFLETIR Basta refletir e tirar conclusões a partir da tiragem de livros que é muito baixa no Brasil. A média foi aferida em dois mil exemplares para cada novo livro editado. Além disso, existe uma diferença crucial entre editar e difundir, publicar e distribuir. Dois mil exemplares por livro publicado é um coeficiente ridículo se consideradas as diferentes regiões brasileiras, a distribuição da população nos grandes centros urbanos de cada região e, obviamente, o contingente populacional dessa nação. Cada brasileiro lê uma média de 1,8, ou seja, cerca dois livros por ano enquanto os colombianos leem 2,4 livros a cada ano, os ingleses e norte-americanos, 5 e os franceses 10 livros novos. Diante desses dados o artigo, intitulado: Câmara estuda propostas de estímulo à leitura, difundido em 17 de junho de 2005, pela Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros) é bastante categórico (embora parcial) o perfil do leitor brasileiro quando ela conclui que: “o baixo índice brasileiro (de leitura) não indica apenas o desinteresse da população, mas uma incapacidade para a leitura”. Esse gênero de discurso, historicamente, tem sido reproduzido no Brasil e fora do país. http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 31 Uma consequência grave e direta é o reforço cultural negativo que pesa, de maneira generalizada, sobre os brasileiros. Mas, até quando iremos integrar e perpetuar esse tipo de afirmação como se, em primeiro lugar, ela fosse verdadeira e como se, em segundo lugar, ela dependesse, única e exclusivamente, da boa ou da má vontade dos brasileiros em relação à leitura de livros? A leitura, se um bem imaterial, é também uma modalidade de comunicação. Ela implica, portanto, o movimento de enunciação do autor, o qual é recriado pelo leitor, através do trabalho criterioso de decodificação, interpretação e inferência, mas que não termina nos riscos negros sobre a folha branca, quando fechado o livro por esse mesmo leitor. A leitura - atividade encarnada de gestos - exige uma determinada habilidade, treinamento e aprendizagem para que o leitor prossiga na ordem (implícita) do texto e na orientação de leitura pressuposta nesse mesmo texto. Ao mesmo tempo, a leitura implica alguma necessidade e condição de liberdade durante a construção da compreensão, da apreensão e da interação com o mundo das palavras e o universo representado por intermédio delas. A leitura requer, dessa forma, uma ampla e contínua política de incentivo por meio da produção editorial, sua circulação e difusão. No caso brasileiro, as editoras e as instâncias governamentais precisam, incontestavelmente, realizar maiores esforços em prol da democratização da leitura e da cultura, particularmente, no que diz respeito à disponibilização de livros e ao acesso dos materiais de leitura. Isto, num Brasil, cuja vastidão e diferença continentais apresenta desafios e iniciativas próprios. A leitura, em seu amplo conceito, não está, nessa perspectiva, suficientemente contemplada pelos instrumentos de avaliação estatística e pelos programas de intervenção social, cujos parâmetros, muitas vezes, reforçam uma perspectiva de leitura, essencialmente, ligada às dinâmicas editoriais. Quando tratamos da leitura uma lacuna parece-me evidente, pois consideramos pouco as leituras informais que escapam aos mecanismos de regulação estatística e seus critérios sobre o perfil do leitor brasileiro. Lemos o jornal do vizinho, lemos diante das bancas de jornal, lemos de olho atravessado a revista do passageiro, sentado ao nosso lado, no banco do ônibus, lemos os out-doors e, além dessas tantas e outras circunstâncias pontuais de leitura é preciso salientar os que leem (e o que esses leitores anônimos leem), através dos http://www.inead.com.br/ _____________ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO CONDIÇÕES DE INCLUSÃO SOCIAL www.inead.com.br 32 empréstimos entre amigos, vizinhos e colegas de profissão. Há também os que leem em bibliotecas públicas: livros isolados ou coleções inteiras. Sem esquecer as incontáveis leituras, pela via das escolas e de suas bibliotecas. As estatísticas não contemplam,
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