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*Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Análise da jurisprudência criminal do STF e o STJ de 2020 DIREITO PENAL • (Ir)retroatividade da representação exigida pelo Pacote Anticrime para o estelionato. Ação penal: A Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) inseriu no art. 171 o §5º, que modifica a natureza da ação penal, antes pública incondicionada (com as exceções do art. 182 do CP). Atualmente, a ação penal é pública condicionada à representação, exceto se a vítima for: I- a Administração Pública, direta ou indireta; II-criança ou adolescente; III-pessoa com deficiência mental; ou IV-maior de70(setenta) anos de idade ou incapaz. - O tema ação penal é encarado pela doutrina como norma mista (ou híbrida), o que explica estar disciplinado tanto no CP como no CPP. Pergunta: o estudo da lei no tempo deve considerar as regras do CP (irretroatividade maléfica e retroatividade benéfica) ou do CPP (“tempus regit actum”)? Resposta: A (ir)retroatividade é ditada pela parte penal. Se a parte penal é benéfica, retroage. Aspecto processual (condição de procedibilidade) X Aspecto penal (causa extintiva de punibilidade) – decadência – pesa mais Pergunta: Partindo do pressuposto de que a retroatividade é garantia do cidadão, a nova Lei retroage sempre, pouco importando a etapa da persecução penal? a) Se a inicial (denúncia) já foi ofertada, o crime não será alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chama para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição transforma a *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da Lei 9.099/95); b) Se a inicial ainda não foi oferecida, deve o MP aguardar a oportuna representação da vítima ou o decurso do prazo decadencial, cujo termo inicial, para os fatos pretéritos, é a vigência da nova lei. A 5ª Turma do STJ tem seguido essa orientação (de que a norma só retroage se ainda não oferecida a denúncia): “[...]IV Outrossim, quanto a pretendida aplicação retroativa da regra do §5º do art. 171 do CP, acrescentado pela Lei n. 13.964/2019, esta colenda Quinta Turma já decidiu que "além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de deve se restringir à fase policial, não alcançando o estelionato processo", pois, "do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade[...]”(EDclnoAgRgnosEDclnoAREsp1.681.153/SP,Rel.Min.FelixFischer,j.0 8/09/2020). À mesma conclusão chegou a 1ª Turma do STF: “Não retroage a norma prevista no §5º do art. 171 do Código Penal (CP) (1), incluída pela Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipótese e sem que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal” (HC187.341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j.13/10/2020). A 2ª Turma do STF caminha para o mesmo entendimento da 1ª Turma; A 6ª Turma do STJ, no entanto, decidiu que a retroatividade abrange inclusive os processos em curso: “[...] 4. A retroação do §5º do art. 171 do Código Penal alcança todos os processos em curso, ainda sem trânsito em julgado, sendo que essa não gera a extinção da punibilidade automática dos processos em curso, nos quais a vítima não tenha se manifestado favoravelmente à persecução penal. Aplicação do art.91 da Lei n. 9.099/1995 por analogia (HC583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j.04/08/2020). *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches • Interrupção da prescrição pelo acórdão confirmatório da condenação Iniciado o prazo prescricional, é possível causa que suspenda ou interrompa seu curso. A prescrição, diferente da decadência, admite causas suspensivas e interruptiva do prazo fatal. As causas suspensivas estão previstas no art. 116 do CP, e as interruptivas no art. 117 do CP. a) Causas suspensivas: param o relógio, voltando a correr de onde parou depois de superada a causa de suspensão; b) Causas interruptivas: zeram o relógio, voltando a correr todo o prazo prescricional. Causas interruptivas da prescrição: Art. 117 C.P. – O curso da prescrição interrompe-se: I-pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II-pela pronúncia; III-pela decisão confirmatória da pronúncia; IV-pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; V- pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI- pela reincidência. Diz o inc. IV que o prazo da prescrição da pretensão punitiva será interrompido pela publicação da sentença ou acórdãos condenatórios recorríveis. O que se entende por ACÓRDÃO CONDENATÓRIO? - Acordão é uma decisão colegiada, emitida por um tribunal superior. Seja como decisão advinda de um recurso ou de um processo ingressado no tribunal devido ao foro privilegiado. Situação 1: Juiz condena e o Tribunal confirma a condenação Situação 2: Juiz absolve e o Tribunal reforma a absolvição e condena o recorrido Havia uma corrente no sentido de que apenas a ‘situação 2’ poderia interromper a prescrição pois o acordão da ‘situação 1’ seria meramente confirmatório. Uma segunda corrente já tem o entendimento deque as duas situações possuem acordão condenatório para zerar a prescrição. É o que vigora hoje: *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches O STF seguiu a orientação de que o acórdão confirmatório também interrompe a prescrição: “Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o Acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta” (HC176.473/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j.27/04/2020). – Repercussão Geral No STJ a orientação majoritária era de que o acórdão confirmatório não interrompia a prescrição, mas ambas as turmas com competência criminal (5ª e 6ª) têm conformado seus julgamentos ao que decidiu o STF. CUIDADO: de acordo com a Corte Cidadã (STJ), essa orientação adotada pelo STF se aplica somente nos crimes cometidos posteriormente à Lei11.596/07. Se o crime é anterior, deve ser aplicada a orientação jurisprudencial precedente, segundo a qual somente o acórdão que reformasse a sentença absolutória tinha efeito interruptivo (AgIntnoREsp1.883.145/PR,Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j.06/10/2020). • Tipificação do crime de desacato e a garantia de liberdade de expressão Desacato Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena- detenção, de seis meses a dois anos, ou multa. A conduta punida pelo art. 331 é desacatar funcionário público, no exercício da função ou em razão dela. “É a grosseira falta de acatamento, podendo consistirem palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos etc. Uma expressão grosseira, ainda que não contumeliosa, proferida em altos brados ou de modo a provocar escândalo, bastará para que se identifique o desacato.” (Nélson Hungria, ob. cit., v.9, p.424). Em síntese, desacatar é achincalhar, menosprezar, humilhar, desprestigiar o servidor, seja por meio de gestos, palavras ou escritos. A partir de 2015 - Há quem sustente que a punição da conduta de desacato seja incompatível com a ordem constitucional e com a legislação internacional de que o Brasil faz parte. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Quanto à ofensa à ordem constitucional, argumenta-se que se trata de tipificação de caráter autoritário, que visa afinal a impedir – ou ao menos a desencorajar – manifestações contrárias às práticas de agentes estatais. Criminalizar a conduta fere o princípio da proporcionalidade e ignora postula dos próprios do Direito Penal como a intervenção mínima e a lesividade. E no que concerne à legislação internacional, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos – à qual o Brasil aderiu por meio do Decreto nº 678/92 – garante, no artigo 13, a liberdade de pensamento e expressão, e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos já se manifestou no sentido de que a legislação de desacato vigente no continente americano contraria os termos da Convenção. ATENÇÃO: O STJ, por meio da sua 6ª. Turma, chegou a decidir nesse sentido (2016 e 2017). Após essa decisão, decidiu-se afetar à Terceira Seção o julgamento do HC 379.269 (j.24/05/2017) para que a questão fosse pacificada pelo órgão que reúne as duas turmas com competência criminal no STJ. Desta feita, o tribunal concluiu que o desacato continua sendo crime. A tipificação penal da ofensa contra o funcionário público no exercício de suas funções é uma proteção adicional que não impede a liberdade de expressão, desde que exercida sem exageros. O STF encampou a tese de que a tipificação do desacato permanece hígida, pois o tratamento conferido à liberdade de expressão pela norma de direito internacional não difere daquele disposto na Constituição Federal. O direito não é absoluto, tanto que o ordenamento constitucional tutela a honra e a intimidade, em face das quais a liberdade de manifestação do pensamento sofre limitações e pode ser objeto de punição no caso de abuso (ADPF 496/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 22/06/2020). • Beijo lascivo e crimes contra a dignidade sexual de vulneráveis Beijo lascivo - É comumente chamado de beijo lascivo ou beijo de micareta. Presença de um ânimo lúbrico (sensual, lascivo, devasso, libidinoso), ou seja, de uma finalidade de excitar ou satisfazer o impulso sexual próprio ou alheio. Ele pode configurar três crimes contra a dignidade sexual, a depender das circunstâncias do caso concreto: *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Estupro Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena- reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos Vítima não vulnerável Beijo lascivo sem anuência da vítima e COM VIOLÊNCIA ou GRAVE AMEAÇA pode configurar crime de estupro Importunação sexual Art. 215- A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: Pena- reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Subsidiariedade expressa) Vítima não vulnerável Beijo lascivo sem anuência da vítima, mas SEM VIOLÊNCIA ou GRAVE AMEAÇA pode configurar crime de Importunação Sexual Estupro de vulnerável Art.217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena- reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. §1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. Vítima vulnerável Beijo lascivo, ainda que tenha a anuência da vítima, pouco importando o emprego ou não de violência ou grave ameaça pode configurar crime de estupro de vulnerável Esses são os entendimentos do STF e do STJ: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDUTA LIBIDINOSA DIVERSA DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO TIPIFICADO NO ART. 215-A DO CÓDIGO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR E DO STF. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DESTE RELATOR. AGRAVO REGIMENTAL CONHECIDO EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, IMPROVIDO. 1. "Em sede de agravo regimental, não se admite que a parte amplie objetivamente as causas de pedir e os pedidos formulados na petição inicial da ação ou do recurso, pois tal *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches procedimento traduz indevida inovação recursal". (AgRg no RHC n. 116.871/SP, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 18/10/2019). 2. No caso, o pleito de afastamento da presunção de violência não estava contida nas razões da impetração inicial, tampouco no pedido formulado, o que impede o conhecimento, no ponto, do regimental. 3. Não obstante a inovação trazida pelo art. 215-A do Código Penal (introduzido pela Lei 13.718/2018), "a Terceira Seção desta Corte Superior sedimentou a jurisprudência, então já dominante, pela presunção absoluta da violência em casos da prática de conjunção carnal ou ato libidinoso diverso com pessoa menor de 14 anos" (REsp n. 1.320.924/MG, relator Ministro ROGERIOSCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/8/2016, DJe de29/8/2016, grifei), de modo que é "inaplicável o art. 215-A do CP para a hipótese fática de ato libidinoso diverso de conjunção carnal praticado com menor de 14 anos, pois tal fato se amolda ao tipo penal do art. 217-A do CP, devendo ser observado o princípio da especialidade" (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1225717/RS,relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/2/2019, DJe 6/3/2019). Ressalvado o entendimento deste Relator. 4. Agravo regimental conhecido em parte e, na parte conhecida, improvido. (STJ - AgRg no HC: 556663 SC 2020/0003088-1, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 19/05/2020, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/05/2020) • Penas extintas e a circunstância judicial de maus antecedentes Cálculo da pena privativa de liberdade Art. 68 C.P. – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. 1ª FASE: o juiz fixa a PENA BASE (circunstâncias judiciais do art. 59 CP) sobre a pena simples ou qualificada. Exemplo: art. 155 do CP (pena de 1 a 4 anos) 1ª. Fase – art. 59 do CP = 1 ano (pena base no mínimo) 2ª FASE: PENA INTERMEDIÁRIA/PROVISÓRIA – o juiz considera as agravantes (arts. 61 e 62 CP) e atenuantes (arts. 65 e 66 CP) Exemplo: art. 155 do CP (pena de 1 a 4 anos) 1ª. Fase - 1 ano 2ª. Fase - 1 ano (pb) + 2 meses (agrav) = 1 ano e 2 meses *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches 3ªFASE: PENA DEFINITIVA – causas de aumento e diminuição da pena Exemplo: art. 155 do CP (pena de 1 a 4 anos) 1ª. Fase -1 ano 2ª. Fase -1 ano (pb) + 2 meses (agrav) = 1 ano e 2 meses 3ª. Fase –1 ano e 2 meses (pi) + 7 meses (majorante) = 1 ano e 9 meses SISTEMA TRIFÁSICO (NELSON HUNGRIA): O método trifásico de cálculo da pena privativa de liberdade tem porobjetivo viabilizar o exercício do direito de defesa, explicando para o réu os parâmetros que conduziram o juiz na determinação da reprimenda. Art. 59, C.P. – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (...) II- a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; ANTECEDENTES DO AGENTE: -Representa a vida pregressa do agente -Vida “ante acta”(anterior ao crime). O que configura maus antecedentes? Súmula 444 STJ: É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. A respeito da extensão do termo “maus antecedentes”, decidiu o STJ: “O conceito de maus antecedentes, por ser mais amplo, abrange não apenas as condenações definitivas por fatos anteriores cujo trânsito em julgado ocorreu antes da prática do delito em apuração, mas também aquelas transitadas em julgado no curso da respectiva ação penal, além das condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos, as quais também não induzem reincidência, mas servem como maus antecedentes (HC 185.894/MG–Sexta Turma– Nefi Cordeiro– Dje 05/02/2016)”. De acordo com a maioria, não existe limite temporal para a condenação passada servir como maus antecedentes em crime futuro. “Art. 64, C.P. – Para efeito de reincidência: I-não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver de corrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;” *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches O plenário do STF decidiu, em sede de repercussão geral, que o limite de cinco anos não se aplica aos maus antecedentes: “Não se aplica para o reconhecimento dos maus antecedentes o prazo quinquenal de prescrição da reincidência, previsto no art. 64, I, do Código Penal” (RE 593.818/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, j. 17/08/2020). O STJ, há tempos, segue a orientação de que o aumento é admissível: “É assente neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, à luz do artigo 64, inciso I, do Código Penal, ultrapassado o lapso temporal superior a 5 anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior, as condenações anteriores não prevalecem para fins de reincidência, mas podem ser consideradas como maus antecedentes, nos termos do artigo 59 do Código Penal” (AgRg no AREsp 1.075.711/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 18/05/2017). DIREITO PROCESSUAL PENAL • Competência para o processo e julgamento dos crimes envolvendo criptomoedas. O Bitcoin (BTC) é um tipo de moeda virtual, também chamado de criptomoeda. É como se fosse uma espécie de dinheiro da internet, mas que não apresenta um sistema centralizado de controle sobre as suas trocas comerciais, tais como um banco central, ao contrário do que acontece com as moedas do “mundo real”. O termo bitcoin também é designado para o software utilizado para a criação e controle da moeda. Temos visto, nos últimos anos, um aumento considerável na utilização das denominadas criptomoedas, negociadas exclusivamente por meio virtual, sem nenhum controle dos bancos centrais ou de algum outro órgão ligado à fiscalização do sistema financeiro dos países. Na medida em que se populariza a utilização das criptomoedas, é inevitável a multiplicação de atos ilícitos nas transações, o que pode provocar certa perplexidade nos operadores do sistema criminal, cujas normas não acompanham a evolução tecnológica e o incremento das atividades delituosas decorrentes desta evolução. Crimes envolvendo criptomoedas devem ser processados e julgados na Justiça estadual ou federal? *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Exemplo: Pirâmide financeira e Criptomoedas Você me envia R$ 5,00 Faça 5 amigos seus me enviarem R$5,00 Faça com que seus 5 amigos consigam mais 5 amigos que me enviem R$5,00 O vigarista fica muito rico A Terceira Seção do STJ julgou um conflito de competência (CC 161.123/SP) que teve origem em irregularidades cometidas numa espécie de corretagem sobre bitcoins. No caso, os acusados captavam recursos de investidores e lhes ofereciam ganhos fixos mensais enquanto utilizávamos recursos recebidos para especular no mercado de criptomoeda. O MP de São Paulo considerou que os indícios de evasão de divisas, de sonegação fiscal e de exercício de atividade financeiras em autorização legal deveriam provocar o deslocamento da competência para a Justiça Federal, no que foi acatado pela Justiça paulista. Mas a Justiça Federal suscitou o conflito de competência argumentando que a atividade desenvolvida pelos acusados não se inseria em crimes contra o sistema financeiro, tendo em vista que criptomoedas não sofrem controle do Banco Central e não podem ser consideradas ativos financeiros Sabemos que compete à Justiça Federal, nos termos do art. 109, inc. IV, da Constituição Federal, julgar “os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral”. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches O inc. VI, por sua vez, acrescenta ser de competência federal “os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira”. No âmbito do sistema financeiro, são diversas as infrações penais cuja competência de julgamento recai na Justiça Federal, como a falsificação de moeda – de emissão rigorosamente controlada pelo Banco Central -, a evasão de divisas e a fraude em instituição financeira nos termos da Lei 7.492/86. Todas estas infrações atingem diretamente a União, que tem interesse em manter o domínio sobre a emissão e a circulação de moeda devido aos efeitos devastadores que o descontrole pode provocar em termos macroeconômicos. À União ainda convém controlar a movimentação de moeda para fora e para dentro do Brasil, não somente em virtude da influência que isso pode exercer na economia interna, mas também por questões de ordem tributária, como também lhe interessa manter a higidez do sistema financeiro nacional garantindo sua operação em condições nas quais as pessoas possam confiar. A Terceira Seção do STJ, no caso em estudo, se pronunciou no sentido de que a captação de recursos decorrente de "pirâmide financeira" não se enquadra no conceito de atividade financeira, razão pela qual o deslocamento do feito para a Justiça Federal se justifica apenas se demonstrada a prática de evasão de divisas ou de lavagem de dinheiro em detrimento de bens e serviços ou interesse da União. Em resumo, crimes envolvendo criptomoedas em regra são de competência da Justiça Estadual, somente quando o crime dialogar com art. 109, IV ou VI, da CF, é que a competência passa a ser da Justiça Federal. • Condições para exame de habeas corpus quando já interposto recurso pela defesaTJ/TRF Habeas Corpus Decisão STJ Apelação *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que o habeas corpus, quando já tiver sido interposto o recurso próprio contra a mesma decisão judicial, só será examinado se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se contiver pedido diverso do recurso que reflita no direito de ir e vir. Nas demais hipóteses, o colegiado entendeu que o habeas corpus não deverá ser admitido, e o exame das questões que ele apontava ficará reservado para o julgamento do recurso – ainda que a matéria discutida tenha relação indireta com a liberdade individual. O caso: O STJ não conheceu de HC no qual a defesa pedia a desclassificação da conduta imputada ao réu, por estar pendente o julgamento de apelação com o mesmo pedido no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). A Corte ressaltou que a Sexta Turma já havia substituído a prisão preventiva do paciente por medida cautelar de comparecimento em juízo, restando nesse novo pedido apenas a discussão sobre a desclassificação da conduta. O TJSP não conheceu do habeas corpus lá impetrado justamente por entender que a matéria será mais bem analisada na apelação já interposta. Conclusão: Estando pendente de julgamento a apelação no TJSP, a análise do habeas corpus pelo STJ implica, efetivamente, ostensiva e inadmissível supressão de instância, justamente porque não caracterizada, na decisão impugnada, a ocorrência de flagrante ilegalidade ou de teratologia jurídica cerceadora do direito de locomoção. Racionalidade: Para o Min. Schietti, é preciso respeitar a racionalidade do sistema recursal e evitar que o emprego concomitante de dois meios de impugnação com a mesma pretensão comprometa a capacidade da Justiça criminal de julgar de modo organizado, acurado e correto – o que traz prejuízos para a sociedade e os jurisdicionados em geral. Uso desvirtuado: O ministro explicou que é inequívoco o cabimento do habeas corpus para tutelar, deforma direta e exclusiva, a liberdade de locomoção que esteja concretamente ameaçada ou efetivamente violada por ilegalidade ou abuso de poder contido na sentença condenatória. "Ao recurso de apelação caberá, pois, a revisão da decisão de primeiro grau nos demais pontos que, eventualmente, hajam sido impugnados pela defesa (nulidades, individualização da pena etc.)", disse ele. Nas hipóteses em que o habeas corpus possuir, além do pedido de tutela direta da liberdade, um ou mais objetos idênticos aos da apelação, somente será admissível o seu conhecimento na parte relativa à prisão – se houver insurgência nesse sentido –, cabendo à apelação o exame das outras questões suscitadas pela defesa. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches O STJ não se nega a discutir o HC, apenas a rediscutir o tema já interposto na Apelação. Quando houver lesão direta ao direito de ir e vir, evidente abusou de poder ou quando houver uma decisão monstruosa, o HC será julgado. • Conflito de atribuição entre MPF e MPE O Supremo Tribunal Federal, no ano de 2016, nas Ações Cíveis Originárias (ACO) 924 e 1394, havia modificado seu posicionamento, concluindo que, no conflito de atribuições entre Ministérios Públicos de Estados diversos, ou entre o Ministério Público estadual e Ministério Público da União, não é da Corte, mas do Procurador Geral da República o dever de solucionar a controvérsia. Revisitando o tema, mais precisamente na ACO 843, o Supremo modificou (votação 6x5) novamente sua posição, sem assumir como sua a responsabilidade, mas do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). – Essa decisão, contudo, está suspensa. A Corte analisa embargos interpostos pelo PGR. Nos termos do art. 128 da CF/88, o Ministério Público abrange: o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios e os Ministérios Públicos dos Estados. O §1º do mesmo artigo anuncia que o Ministério Público da União tem por chefe o Procurador – Geral da República (...). Percebe-se a autonomia entre o MPU os MPEs, os últimos não sendo subordinados funcional, financeira e/ou administrativamente ao primeiro. Logo os MPEs não são subordinados ao PGR, mas sim ao Procurador Geral de Justiça. Diferentemente do Poder Judiciário, verticaliza do na Carta Maior, o Ministério Público foi desenhado de forma horizontal. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Informada pela estrutura anunciada na Constituição, a Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do MPU), nos seus artigos 26, inciso VII, e 49, inciso VIII, estabelece ser atribuição do PGR, como chefe do MPU, dirimir conflitos de atribuição entre integrantes de ramos diferentes do MPU e os conflitos de atribuições entre órgãos do MPF. Já a Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional dos MPs estaduais), no seu artigo 10, inciso X, prevê competir ao PGJ, como chefe da instituição, dirimir conflitos de atribuições entre seus membros. PGJ Ora, não sendo possível, lógica, política e juridicamente, a tese de o PGR dirimir conflitos envolvendo órgãos do MPU e MP dos Estados ou entre MPs de Estados diferentes, pergunta-se: qual (a instituição) o órgão que deve assumir essa tarefa? *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches A lacuna existe e o uso da analogia é inevitável. Na tarefa de suprimi-la, no entanto, o intérprete deve ater-se aos seguintes pressupostos, a saber: a existência de um conflito federativo, cuja apreciação só pode passar por órgão institucionalmente equidistante daqueles envolvidos e, ao mesmo tempo, colegiado. Dentro desse espírito democrático, no plano constitucional chama a atenção um dispositivo: o artigo 102, inciso I, “f”, que afirma ser de competência do STF processar e julgar, originariamente, as causas e conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta. Quando dois MPs de Estados diferentes (ou MP estadual e MPF) colidem nas suas teses, instaurado está um conflito federativo. Por esta razão, parece-me que o STF é o órgão competente para dirimir a controvérsia, na esteira do já mencionado artigo 102, I, “f”, da nossa Bíblia Política”. Ora, se não cabe ao STF ou PGR dirimir os conflitos de atribuições entre Ministérios Públicos de Estados diversos, ou entre o Ministério Público estadual e Ministério Público da União, a quem cabe importante missão? Trabalhando com intepretação sistemática, decidiu-se que a tarefa compete ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Houve progresso da decisão de que era o PGR, pois o conflito será solucionado por órgão colegiado e equidistante das partes envolvidas, mas dois aspectos merecem atenção. Primeiro, é sabido que o CNMP é órgão plural, composto por membros do Ministério Público brasileiro, membros do Poder Judiciário, advogados e representantes da sociedade civil. Por óbvio, a decisão num conflito de atribuições entre Ministérios Públicos deve ser repartida entre os membros da carreira, sem a participação dos extraneus, deve-secriar uma câmara com apenas membros do MP brasileiro. O segundo aspecto diz respeito ao alcance da decisão do CNMP. Ao solucionar o conflito, a decisão do Conselho vinculará as partes envolvidas, mas não o Judiciário. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches • Prisão preventiva e seus limites impostos pelo Pacote Anticrime. DA PRISÃO EM FLAGRANTE Art. 301 CPP. Qualquer do povo poderá (flagrante facultativo) e as autoridades policiais e seus agentes deverão (flagrante compulsório) prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Preso em flagrante – Autoridade policial – Audiência de custódia 1º juízo de valor (auto de prisão em flagrante) Audiência de custódia: Trata-se de cautela que atende, basicamente, à Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 7. 5), a impor a apresentação do preso a um juiz. No mesmo sentido, o art. 9, 3 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova York. No nosso ordenamento, a matéria, até o advento da Lei 13.964/19 (Pacote AntiCrime), estava prevista apenas na Resolução n. 213/2015, do Conselho Nacional de Justiça e em normas internas de tribunais. Agora temos Lei (art. 310 do CPP). - A audiência de custódia (ou de apresentação) tem dupla finalidade: a) de proteção, a fim de tutelar a integridade física do preso; b) e de constatação, aquilatando de acordo com as circunstâncias do caso concreto, a necessidade de ser mantida a prisão do autuado. Na citada Resolução, o CNJ determina o dever de apresentação de toda pessoa presa, abrangendo o flagrante e outras prisões, como temporária, preventiva ou definitiva. A Lei 13.964/19 disciplinou solenidade somente para o caso de flagrante. Dessa forma, a resolução do CNJ não está superada, pois continua viva para as outras espécies de prisão. - Deveres do juiz na audiência de custódia: Na audiência de custódia o juiz, depois de ouvir MP e defesa, deverá fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal ou; II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão ou; III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches ATENÇÃO: A prisão em flagrante será convertida em preventiva quando presentes os requisitos do art. 312 do CPP, e se revelarem inadequadas as medidas cautelares diversas da prisão - A prisão preventiva é a ultima ratio O art. 311 do CPP impede o juiz decretar a prisão preventiva de ofício. Só pode decretar se provocado! Pode o Magistrado converter a prisão em flagrante em prisão preventiva sem o prévio requerimento do Ministério Público ou sem a representação da autoridade policial nesse sentido? STF STJ No HC 188.888 o STF não admitiu o juiz converter, de oficio, o flagrante em preventiva, dependendo de provocação do MP ou do Delegado de Polícia. No HC 590.039 o STJ, a exemplo, do STF, não admitiu o juiz converter, de oficio, o flagrante em preventiva, dependendo de provocação do MP ou do Delegado de Polícia. Cuidado: No HC 583.995, autorizou a conversão de oficio em casos excepcionais (ex: quando o MP não estiver presente na audiência de custódia ou de apresentação) * A tendência é o STF e STJ não admitir a conversão de oficio. DA PRISÃO PREVENTIVA A prisão preventiva, em um sentido amplo, é aquela decretada antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e tem significado idêntico à prisão processual, cautelar, provisória ou prisão sem pena. Em um sentido mais estrito, vem prevista nos arts. 311 e ss. do CPP. Art. 311 CPP. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. A prisão preventiva, como consta do dispositivo em exame, pode ser decretada na fase de investigação policial ou quando já deflagrado o processo penal. Prazo máximo de duração da prisão preventiva: a nossa lei não estipula um prazo máximo de duração da prisão preventiva e, talvez, não devesse mesmo fazê-lo, já que a peculiaridade de cada caso concreto pode justificar tratamentos diversos. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Foi adotado o critério de razoabilidade, previsto no art. 5º, inciso. LXXVIII da Constituição, a partir do advento da Emenda Constitucional n. 45/2004, pelo qual “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. É necessário observar o prazo razoável da prisão preventiva, logo o juiz deve revisitar a necessidade da clausura pois é dessa forma que é garantida a vigilância constante no tema razoabilidade. Revisão da necessidade da prisão preventiva: O CNJ editou a Res. 66/2009 determinando a revisão da necessidade da prisão a cada três meses. A Lei 13.964/19, alterando o art. 316 do CPP, seguiu o espírito da referida Resolução. Diz que o órgão emissor da decisão deverá revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada (art. 315 do CPP), sob pena de tornar a prisão ilegal. STF STJ O prazo a ser observado compete somente pelo juiz que decreto a prisão preventiva não é peremptório. Cabe o Tribunal provocá-lo. O Prazo a ser observado compete somente pelo juiz que decreto a prisão preventiva Art. 312, CPP: A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime, indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. §1º. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º). §2º. A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a adoção da medida adotada (incluído pela Lei 13.964/20). Ao analisar o parágrafo segundo: Tem inegável caráter de uma prisão cautelar de natureza processual e, por conta disso, deve preencher os requisitos típicos de toda e qualquer medida cautelar: fumus comissi delicti e o periculum libertatis. Fumus comissi delicti: Trata-se da comprovação da existência de um crime e indícios suficientes de autoria. É a fumaça da pratica de um fato punível. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Periculum libertatis: se refere ao risco que o agente, em liberdade, possa criar à garantia da ordem pública, ordem econômica, da necessidade da instrução criminal e para aplicação da lei penal. Os fatos que justificam a prisão preventiva devem ser contemporâneos à decisão que a decreta? O §2º do art. 312 do CPP, acrescentado pela Lei 13.964/19, reconhece que a urgência intrínseca às cautelares exige a contemporaneidade dos fatos justificadores dos riscos que se pretende evitar com a segregação processual. Tese outra não se coaduna com a excepcionalidade da prisão preventiva, princípio que há de ser observado para a convivência harmônica da cautelapessoal extrema com a presunção de não culpabilidade. A contemporaneidade pressupõe que o lapso temporal entre os fatos imputados e a determinação da prisão preventiva seja curto. Em suma, estamos diante de um requisito importante da atualidade da decisão que decreta a prisão. É um desdobramento lógico do periculum libertatis. IMPORTANTE: O STJ já decidiu que “não há falar em ausência de contemporaneidade entre o fato delituoso e a segregação cautelar quando presente indisfarçável dificuldade em apurar o delito. (AgRg no HC 582.182/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/08/2020, DJe 21/08/2020) Ex: Crime cometido em 2020 e a prisão preventiva decretada em dezembro de 2020, esse ato temporal de quase um ano não impede a decretação, não significa a ausência de contemporaneidade entre o fato e prisão quando presente indisfarçável dificuldade de apurar o delito. • Autoridade competente para atuar na prisão em flagrante de usuário de drogas Lei 11.342/06 Art. 48. O procedimento relativo aos processos por crimes definidos neste Título rege- se pelo disposto neste Capítulo, aplicando-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Penal e da Lei de Execução Penal. (...) §2ºTratando-se da conduta prevista no art. 28 desta Lei, não se imporá prisão em flagrante, devendo o autor do fato ser imediatamente encaminhado ao juízo competente ou, na falta deste, assumir o compromisso de a ele comparecer, lavrando- se termo circunstanciado e providenciando-se as requisições dos exames e perícias necessários. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches §3º Se ausente a autoridade judicial, as providências previstas no §2º deste artigo serão tomadas de imediato pela autoridade policial, no local em que se encontrar, vedada a detenção do agente. (Vide ADI 3807) O STF, na ADI 3807, interpretando os §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006, afirmou que o autor do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 deve ser encaminhado imediatamente ao juiz e o próprio magistrado irá lavrar o termo circunstanciado e requisitar os exames e perícias necessários. Se não houver disponibilidade do juízo competente, deve o autor ser encaminhado à autoridade policial, que então adotará essas providências (termo circunstanciado e requisição). Juiz investigando???? E o sistema acusatório???? Não há qualquer inconstitucionalidade nessa previsão. Isso porque a lavratura de termo circunstanciado e a requisição de exames e perícias não são atividades de investigação. Considerando-se que o termo circunstanciado não é procedimento investigativo, mas sim uma mera peça informativa com descrição detalhada do fato e as declarações do condutor do flagrante e do autor do fato, deve-se reconhecer que a possibilidade de sua lavratura pela autoridade judicial (magistrado) não ofende os §§1º e 4º do art. 144 da Constituição, nem interfere na imparcialidade do julgador. As normas dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei nº 11.343/2006 foram editadas em benefício do usuário de drogas, visando afastá-lo do ambiente policial, quando possível, e evitar que seja indevidamente detido pela autoridade policial. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE • Pedofilia Arts. 241-A e 241-B da Lei n. 8.069/1990 e o princípio da consunção. Caracteriza o crime do art. 241-A do ECA oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (pena de 3 a 6 de reclusão e multa). *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Pune em sentido amplo a comercialização/disponibilização/transmissão de conteúdo pornográfico contendo criança ou adolescente. Já o art. 241-B do mesmo estatuto estabelece que "adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente" atrai a sanção de 1 a 4 anos de reclusão e multa. – Pune quem possui/armazena conteúdo pornográfico contendo criança ou adolescente. Qual a imputação adequada a um indivíduo que adquire, armazena e compartilha imagens pornográficas com crianças e adolescentes? Há concurso material de delitos ou é possível aplicar o princípio da consunção para que condutas posteriores à aquisição sejam absorvidas como post factum impunível? Via de regra, não há automática consunção quando ocorrem armazenamento (Art. 241- B) e compartilhamento (Art. 241-A) de material pornográfico infanto-juvenil. O cometimento de um dos crimes NÃO perpassa, necessariamente, pela prática de outro, mas é possível a absorção, a depender das peculiaridades de cada caso, quando as duas condutas guardem, entre si, uma relação de meio e fim estreitamente vinculadas. O princípio da consunção exige um nexo de dependência entre a sucessão de fatos. Se evidenciado pelo caderno probatório que um dos crimes é absolutamente autônomo, sem relação de subordinação com o outro, o réu deverá responder por ambos, em concurso material (REsp 1.579.578-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por maioria, julgado em 04/02/2020, DJe 17/02/2020). Outros casos semelhantes (com mesmo entendimento sobre a aplicação do princípio da consunção): 1 - Resistência (art. 329 do CP) x desacato (art. 331 do CP) Ex1: Pessoa resiste a prisão, tentando correr e xingando os policiais. Aqui o ato de resistir a prisão absorve o crime de desacato (os xingamentos aos policiais). Ex2: Pessoa resiste a prisão mas consegue ser presa, enquanto é levada a delegacia começa a xingar os policiais. O ato de resistir e os xingamentos ocorrem em situações fáticas diferentes, logo não há nexo de dependência e a pessoa responderá pelo crime do art. 329 e 331, ambos do CP. 2 - Registro não autorizado de cena pornográfica (art. 216-B do CP) x compartilhamento de imagens sexuais sem autorização da pessoa capturada (art. 218-C do CP) *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Ex.1: A pessoa vê uma atriz se trocando no camarim e a grava nua sem autorização e na mesma hora compartilha essas imagens em um grupo de Whatsapp. Aqui há absorção, respondendo apenas pelo art. art. 218-C. Ex.1: A pessoa vê uma atriz se trocando no camarim e a grava nua sem autorização e dias depois resolve compartilhar essas imagens. Aqui não há relação de meio e fim, por isso ele responderá em concurso material pelos delitos do art. 216-B e art. 218-C, ambos do CP. • Posse de drogas para uso próprio e a agravante da reincidência Reincidência Art. 63 C.P. - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. Art. 7º L.C.P. - Verifica-se a reincidência quando o agente pratica uma contravenção depois de passar em julgado a sentença que o tenha condenado, no Brasil ou no estrangeiro, por qualquer crime, ou, no Brasil, por motivo de contravenção.” SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA DEFINITIVA NOVA INFRAÇÃO PENAL CONSEQUÊNCIA CRIME (Brasil ou Estrangeiro) CRIME REINCIDENTE (art. 63 CP) CRIME (Brasil ou Estrangeiro) CONTRAVENÇÃO PENAL REINCIDENTE (art. 7º LCP) CONTRAVENÇÃO PENAL (Brasil) CONTRAVENÇÃO PENAL REINCIDENTE (art. 7º LCP) CONTRAVENÇÃO PENAL (Brasil) CRIME MAUS ANTECEDENTES CONTRAVENÇÃO PENAL (Estrangeiro) CONTRAVENÇÃO PENAL (Brasil) MAUS ANTECEDENTESO art. 28 da Lei de 11.343/06 pune o comportamento do usuário de drogas com medidas alternativas e não com prisão. Embora não tenha havido descriminalização da conduta posse/porte de drogas para uso próprio, no ano de 2018, as duas Turmas do STJ afastaram a reincidência em virtude da condenação anterior por porte de drogas para consumo pessoal. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Em síntese, considerou-se que, não obstante a infração mantenha seu caráter criminoso, é desproporcional, diante da inexistência de sanção privativa de liberdade, sopesar a condenação para os efeitos de resistência. De acordo com a decisão proferida no HC 453.437/SP, não se justifica que a condenação por porte de drogas para consumo pessoal – ao qual não se comina sanção privativa de liberdade – agrave a pena pela reincidência porque sequer a condenação anterior por contravenção penal – à qual normalmente se comina prisão simples – tem esse efeito: “Cabe ressaltar que as condenações anteriores por contravenções penais não são aptas a gerar reincidência, tendo em vista o que dispõe o artigo 63 do Código Penal [e art. 7º. LCP] que apenas se refere a crimes anteriores. E, se as contravenções penais, puníveis com pena de prisão simples, não geram reincidência, mostra-se desproporcional o delito do artigo 28 da Lei de Drogas configurar reincidência. OBS: Art. 28 da Lei de Drogas – não tem reclusão, nem detenção, nem prisão simples, nem multa. Houve o entendimento (LFG) de que esse tipo não seria nem crime nem contravenção, e sim uma infração penal sui generis. Para o STF (pacífico), esse art. 28 é crime. Não houve descriminalização da conduta pela nova lei de drogas, ocorrendo apenas a despenalização no tocante à pena privativa de liberdade. Quem pratica esse crime não pode, em hipótese alguma, ser privado de liberdade em nenhuma das formas de prisão. O art. 28 não criou um novo conceito, mas sim um conceito específico, aplicável exclusivamente à conduta descrita em seu artigo. Para todos os crimes da lei aplica-se o conceito geral. - Para o STJ o artigo 28 da Lei de Drogas é menos que uma contravenção penal, é uma infração penal suis generis. A mesma Corte, contudo, revistando o tema, admitiu a configuração da reincidência específica, notadamente para fins do que disposto no § 4º do art. 28: “Em caso de reincidência (no próprio art. 28), as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses”. Sendo reconhecido reincidente especifico, as penas de prestação de serviços e medida educativa deverão ser aplicadas pelo prazo de dez meses, ao invés dos cinco meses previstos no parágrafo 3º, prazo para os usuários não reincidentes. • Suspensão condicional do processo e sua revogação pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Os parágrafos 3º e 4º do art. 89 da Lei 9.009/95 estabelecem, respectivamente, as causas de revogação obrigatória e facultativa do benefício da suspensão condicional do processo. De acordo com o parágrafo 3º, se o acusado, no período da suspensão do processo, vier a ser processado por outro crime, o benefício será necessariamente revogado pelo juiz e a persecução penal que se buscava evitar retomará o seu curso. De acordo com o parágrafo 4º, se o acusado vier a ser processado criminalmente por contravenção penal (e não crime), o juiz apreciará a possibilidade de revogar o benefício. É uma hipótese de revogação facultativa. - E se o beneficiário pela suspensão do processo, durante o período de prova, vier a ser processado pelo crime do art. 28 da Lei de Drogas (porte de drogas para uso próprio)? Na linha do que já vem decidindo quanto ao efeito da reincidência, o STJ reafirma a tese no sentido de que o art. 28 da Lei de Drogas, nas causas de revogação da suspensão condicional do processo, não merece o mesmo tratamento do crime, mas de contravenção penal ou infração penal “sui generis”: causa de revogação facultativa (REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 26/03/2020). ▪ Posse/porte de arma de fogo de uso permitido, mas com registro vencido A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu, no julgamento da Ação Penal n. 686/AP, que, uma vez realizado o registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa (APn n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 29/10/2015). Esse entendimento da Corte é para o caso da posse da arma, ou abrange também o porte? Tal entendimento, todavia, é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), não se aplicando ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais intensa (AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 08/05/2020). Ricardo Silvares, na obra Leis Penais Especiais-Estatuto do Desarmamento comentado, ed. Juspodivm, ensina o que segue: “O encontro da arma nas condições daquele tipo penal, com o registro vencido, não configura o crime, pois registro existiu e o Poder Público tem conhecimento da existência da arma e de seu proprietário. Porém, aquele que permanece com a arma depois de negada a renovação do registro comete o crime do art. 12. A solução, contudo, não pode ser a mesma para o crime de porte ilícito de arma de fogo. É que a autorização para o porte de arma permite a seu titular que circule com a arma, o que incrementa a exposição do bem jurídico, bem ao contrário da simples mantença da arma em casa ou local de trabalho” • Lavagem de capitais. Afastamento do cargo em razão do indiciamento - Lei 9.613/98 No âmbito de estudo da lavagem de dinheiro, a definição de quais seriam os bens ou interesses jurídicos tutelados tem sido tema de grande discussão doutrinária. Tutela-se a Administração da Justiça ou a Ordem Socioeconômica? Para uns, tutela-se a Administração da Justiça. As condutas da Lei 9.613/98 colocam em risco a Administração da Justiça, pois se se apresentam como forma de escamoteamento do produto do crime, o que dificulta a sua identificação. Outros autores apresentam como bem jurídico das normas de lavagem de dinheiro o mesmo bem jurídico do delito antecedente - O crime de lavagem é um crime parasitário ou acessório, pressupõe crime anterior (principal) -. A posição de Rogério Sanches é no sentido de que o bem jurídico primordialmente protegido pelas normas de lavagem de dinheiro é a ordem socioeconômica. Sujeito ativo do crime de lavagem de capitais: *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches O crime de lavagem de dinheiro é classificado como crime comum, podendo ser cometido por qualquer pessoa, não se exigindo nenhuma característica específica ao agente delitivo. A autolavagem é crime? Embora autônomo em relação à infração penal que lhe rende a matéria-prima para a sua prática, o delito de lavagem de dinheiro pode ser cometido tanto por pessoa distinta, quanto pelopróprio autor do injusto penal antecedente. A autolavagem (self laundering/autolavado) encontra atualmente amplo respaldo na doutrina e jurisprudência pátrias, logo a autolavagem é crime. Sujeito Passivo do crime de lavagem de capitais: O sujeito passivo do crime de lavagem de dinheiro é a coletividade, a própria sociedade que sofre os impactos negativos provenientes da prática do referido delito. Quando a ordem socioeconômica se vê violada, toda a coletividade é afetada, tendo de suportar os desequilíbrios financeiros e as nefastas consequências que a lavagem de dinheiro provoca. (Entendimento extraído da terceira corrente) São três as fases que compõem a lavagem de capitais: a) colocação; b) ocultação; e c) integração Na colocação, o agente criminoso, de posse do produto ou proveito da infração penal antecedente, inicia a prática de condutas visando à inserção dos valores espúrios na economia formal. A colocação pode ser efetuada das mais variadas formas, como, por exemplo, a conversão dos ativos em moedas estrangeiras, o depósito de valores em espécie em contas de terceiras pessoas e o envio dos recursos para o exterior, mediante a simulação de operações envolvendo novas pessoas físicas ou jurídicas Parece-nos que a doutrina estrangeira melhor batizou a segunda fase da lavagem de dinheiro. Ao invés de ocultação, usa a expressão layering. Sintetiza perfeitamente o que ocorre nessa fase: a criação de camadas, de cascas que dificultam a real identificação da essência. A fase de integração é o final do processo. É o momento no qual os recursos de proveniência ilícita, já com aparência de licitude, são reinseridos na economia formal totalmente dissociados de sua origem espúria. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Nesse momento, o agente criminoso passa a externar riqueza, mediante a realização de negócios e a aquisição de bens para ostentar o sucesso da empreitada por ele praticada. É nesse momento que ele coloca em xeque a efetividade da sua manobra de lavagem de dinheiro. Antes se seguir, vamos relembrar: Indiciamento Consiste na imputação a alguém, feita durante o inquérito policial, da prática de uma infração penal objeto da apuração. Havendo, pois, indícios de que determinada pessoa perpetrou o crime que é alvo da investigação, cumpre à autoridade policial proceder a seu formal indiciamento. Consequências do indiciamento Como destaca Sylvia Steiner, “o indiciamento formal tem consequências que vão muito além do eventual abalo moral que pudessem vir a sofrer os investigados, eis que estes terão o registro do indiciamento nos Institutos de Identificação, tornando assim público o ato de investigação. Sempre com a devida vênia, não nos parece que a inserção de ocorrências nas folhas de antecedentes comumente solicitadas para a prática dos mais diversos atos da vida civil seja fato irrelevante. E o chamado abalo moral diz, à evidência, com o ferimento à dignidade daquele que, a partir do indiciamento, está sujeito à publicidade do ato” (O indiciamento em inquérito policial como ato de constrangimento – legal ou ilegal. Revista Brasileira de Ciência Criminais, v. 24, 1998, p. 307). ATENÇÃO: Como regra, as consequências do indiciamento – graves por si só – se limitam às anotações lançadas nos dados sobre os antecedentes do indiciado. Porém, a Lei 9.613/98, que trata da lavagem de dinheiro, prevê drástica consequência, ao dispor que “em caso de indiciamento de servidor público, este será afastado, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno” (art. 17-D). É dizer: o mero indiciamento, determinado pela autoridade policial, tem o condão de acarretar o afastamento do servidor público de suas funções até decisão judicial em sentido contrário. O art. 17-D da Lei de Lavagem de Capitais respeita a CF/88? A respeito deste dispositivo, a Associação Nacional dos Procuradores da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4911, sob o fundamento de que há usurpação de função pública, na medida em que a formação da opinio delicti, em crime de ação penal pública, é ato privativo do Ministério Público. Sustenta, ainda, que a regra malfere os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da presunção da inocência e da inafastabilidade da jurisdição. A tese foi acolhida pela Corte Suprema! *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Principais julgamentos no STF e no STJ para o ano de 2021 • STF e o procedimento do júri: a) novo júri de réu absolvido contra as provas dos autos; b) execução provisória da pena a) Novo júri de réu absolvido contra as provas dos autos A reforma do procedimento dos crimes dolosos contra a vida trazida pela Lei n. 11.689/2008 introduziu um quesito genérico referente às teses absolutórias, com o objetivo de simplificar a quesitação, evitando que aos jurados fosse apresentado um infindável questionário, confuso para o juiz leigo e que, não raro, impedia um veredicto absolutório, mesmo quando havia maioria disposta a não condenar. Porém, como a pergunta passou a ser genérica – “o jurado absolve o réu”, conforme o § 2º do art. 483 do CPP – passou-se a admitir que o jurado poderia acolher tese não sustentada pela defesa ou mesmo absolver por pura clemência. Fato é que o veredicto dos jurados exige maioria e nada mais, sendo mesmo vedada qualquer justificação por parte deles, o que impede saber exatamente o motivou cada voto. O veredicto absolutório do tribunal do júri admite apelação? Nos últimos anos ganhou corpo a tese de que o veredicto absolutório do tribunal do júri seria inapelável pelo mérito, pois, argumenta-se, uma vez que não se pode exigir dos juízes populares qualquer observância da lei ou das provas produzidas no processo, eis que julgam com base apenas em sua íntima convicção, e considerando a falta de motivação da decisão, que não permite estabelecer um nexo entre a razão de decidir e as provas produzidas, não haveria como se afirmar que o veredicto absolutório é manifestamente contrário à prova dos autos, tal como exige o art. 593, III, d, do CPP, para que se possa então sujeitar o réu a novo julgamento. O tema já foi apreciado pelo STJ, onde a tese contrária ao recurso da acusação não foi acolhida (HC 313.251-RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 28.02.2018). No STF há decisões em ambos os sentidos, razão pela qual foi agora afetado ao Plenário o julgamento do tema n. 1087 de repercussão geral: “Possibilidade de tribunal de 2º grau, diante da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, determinar a realização de *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches novo júri em julgamento de recurso interposto contra absolvição assentada no quesito genérico, ante suposta contrariedade à prova dos autos”. Alguns buscam na soberania dos veredictos mais um argumento para petrificar a absolvição pelos jurados. Contudo, como veremos adiante, o conceito de soberania dos veredictos não deve ser entendido como um poder absoluto acima de qualquer outro. Assim, pode a decisão do Júri, quando prejudicial às partes, ser revista, ainda que para determinar novo julgamento Em suma, a soberania dos veredictos não é atingida, mas mitigada quando a lei permite que o Tribunal de Justiça mande o réu a novo Júri. Argumentos que defendem o recurso de apelação contra decisão absolutória no Tribunal do Júri: Todas as decisões de órgãos do Poder Judiciário são passíveis de controle! Por não havermotivação, a forma de controle das decisões do conselho de sentença mostra-se com contornos diversos daquela que envolve decisões de juízes togados. No júri, o controle somente poderá se dar pelo resultado, seja condenatório, com ou sem reconhecimento de todas circunstâncias imputadas na denúncia ou as apresentadas pela defesa no julgamento, seja absolutório, com acolhimento da negativa de autoria, negativa da materialidade ou do quesito genérico. Se é verdade que não se pode conhecer os motivos que levaram o júri a absolver ou a condenar, pode-se confrontar o resultado da votação com as provas coligidas ao longo da persecução penal, verificando-se, assim, o acerto ou erro dos jurados, determinando- se a realização de novo julgamento, caso constatado o completo divórcio entre o veredicto e os fatos apurados. O Poder Judiciário não pode criar fatores de proteção deficiente a direitos fundamentais. A tese segundo a qual pode o jurado absolver um autor de homicídio com base em fatores culturais, ideológicos, raciais, dentre outros, e que, por conta da ausência de motivação e/ou do princípio constitucional da soberania dos veredictos essa decisão torna-se irrecorrível, representa afronta ao direito à vida. Se o Estado não pode obrigar o jurado a decidir de modo racional, com base no apurado durante a persecução, tem, por outro lado, o dever de assegurar que o resultado dos julgamentos pelo tribunal do júri corresponda ao resultado probatório. A impunidade admitida é somente aquela resultante da ausência de provas para a condenação. O Estado não pode permitir que considerações de outra ordem – a clemência, por exemplo – sirva de fundamento para livrar das sanções legais aquele que viola um dos direitos mais fundamentais, que é a vida. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches A vedação ao recurso contra decisão imotivada fere a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Recentemente, no caso Roche Azaña y Otros vs. Nicarágua, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) enfrentou caso trazido pela Comissão Interamericana em que ocorreu a absolvição de policiais acusados de matar cidadão equatoriano durante uma fiscalização. No caso, o julgamento se deu num tribunal popular, em que, tal como no Brasil, o veredicto é imotivado. A CIDH reconheceu em sua sentença que a falta de acesso e participação da vítima e seus familiares no processo configura violação ao devido processo, consubstanciado pelas regras dos arts. 8.1 e 25 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, o que inclui o direito de ser ouvido e de recorrer ao Poder Judiciário para garantia de seus direitos. As conclusões da Comissão foram inequívocas: a impossibilidade de recurso das decisões do júri afronta a proteção aos direitos estabelecidos pela Convenção, na medida em que o procedimento não oferece garantias suficientes para o escrutínio dos veredictos e para assegurar que não foram arbitrários ou violadores de direitos e garantias judiciais e à proteção judicial das vítimas. Portanto, a adoção da tese de irrecorribilidade das decisões absolutórias pelo quesito genérico ferirá a Convenção Interamericana de Direito Humanos, fonte importante para o desenvolvimento de um processo penal democrático e verdadeiramente garantista. b) Execução provisória da pena no Tribunal do Júri Quando do julgamento do mérito das ADCs 43, 44 e 54, o STF decidiu que a pena só pode ser executada após esgotados todos os recursos, marco do trânsito em julgado. Ao final do julgamento, contudo, o presidente da Corte alertou que o julgamento realizado na oportunidade pelo STF não deveria abranger as decisões tomadas pelo Conselho de Sentença nos crimes dolosos contra a vida. Nos autos do HC n. 118.770/SP, de relatoria para acórdão do Eminente Ministro Luís Roberto Barroso, a Primeira Turma firmou a tese de que: “A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade”. Partiu-se da premissa de que, face à soberania que é inerente ao Tribunal do Júri, decorrente de expresso texto constitucional (art. 5º, inc. XXXVIII, “c”), deve ser admitida a imediata prisão do réu, assim que condenado pelo tribunal popular. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Vê-se, portanto, que a execução antecipada da pena no caso dos crimes dolosos contra a vida tem fundamento mais amplo do que a execução nos demais casos, pois baseada no princípio constitucional de que a decisão tomada pelos jurados não pode ser desrespeitada. Mas, como se tratou de uma decisão tomada por maioria no âmbito restrito de uma das turmas do tribunal, é muito provável que o tema volte a julgamento no plenário. Com a nova Lei 13.964/19, sacramenta-se a possibilidade de execução provisória no júri, mas condicionada ao “quantum” da pena imposta na sentença. Somente no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão, o juiz presidente do Tribunal do Júri determinará a execução provisória das penas, com expedição de mandado de prisão, se for o caso. Nessa hipótese, eventual apelação interposta, em regra, não terá efeito suspensivo (§4º.). O juiz presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata esta alínea “e” se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal a quem competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação (§3º.) • STF e a (in)constitucionalidade da prisão temporária Introduzida pela Lei n. 7.960/89, a prisão temporária tem um caráter probatório, sobretudo em face do teor de seu inc. I, do art. 1º, que dispõe ser ela cabível “quando imprescindível para as investigações do inquérito policial”. A despeito das críticas que experimentou, essa espécie de prisão em nada se equipara à chamada prisão para averiguação, de manifesta ilegalidade. Esta, com efeito, prescindia de ordem judicial, não sofria a fiscalização do Ministério Público, não contava com a participação da defesa e se desenvolvia, de forma clandestina, nos porões da ditadura. Já a prisão temporária somente pode ser decretada por ordem judicial, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do “parquet”, submetendo-se a rígido controle do juiz que pode, inclusive, determinar a condução do detido à sua presença. O plenário do STF iniciou o julgamento de duas ações (ADIs 3.360 e 4.109) que tratam da validade constitucional da Lei de Prisão Temporária. No seu voto, a Min. Cármen Lúcia, relatora, ressalta que a prisão temporária é espécie de prisão cautelar e não contraria a CF/88. Contudo, se a prisão preventiva é medida excepcional, "a temporária é de ser excepcionalíssima". Para a relatora, a prisão temporária é cabível quando caracterizadas conjuntamente as hipóteses dos incs. I e III ou I, II e III, do art. 1º. da Lei 7.960/89, não sendo admissível a prisão temporária pela aplicação isolada dos requisitos legais. A ministra menciona no seu voto que há inconstitucionalidade de providência policial ou administrativa de qualquer natureza que exponha o preso, "seja qual for a circunstância, à divulgação pública, descumprindo *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches o seu direito de jamais servir à sanha de curiosos ou à vaidade dos agentes efetivadores da prisão de apresentar outro ser humano como troféu". O ministro Gilmar Mendes também votou. Julgou a medida constitucional, mas entende que a decretação da prisão temporária somente se justifica quando,cumulativamente: 1) for imprescindível para as investigações do inquérito policial (art. 1º, I, Lei 7.960/1989); 2) houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes previstos no art. 1º, III, Lei 7.960/1989; 3) for justificada em fatos novos ou contemporâneos que fundamentem a medida (art. 312, §2º, CPP); 4) a medida for adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado (art. 282, II, CPP), respeitados os limites previstos no art. 313 do CPP; 5) não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas, previstas nos arts. 319 e 320 do CPP (art. 282, §6º, CPP). • STF e a (im)prescritibilidade do crime de injúria racial Injúria preconceituosa (racial) não se confunde com o delito de racismo, previsto na Lei 7.716/89. Neste, pressupõe-se sempre uma espécie de segregação (marginalizar, pôr à margem de uma sociedade) em função da raça ou da cor. No caso do § 3º do art. 140, o crime é praticado através de xingamentos envolvendo a raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima. A diferença tem relevância e repercussão prática. Vejamos. Xingar alguém fazendo referências à sua cor é injúria, crime de ação penal pública condicionada à representação da vítima, afiançável e prescritível; Já, impedir alguém de ingressar numa festa por causa da sua cor é racismo, cuja pena será perseguida mediante ação penal pública incondicionada, inafiançável e imprescritível. INJÚRIA QUALIFICADA PELO PRECONCEITO RACISMO Art. 140, §3º CP Lei 7.716/89 Atribuir qualidade negativa Segregação ou incentivo À segregação Afiançável Inafiançável Prescritível Imprescritível Ação Penal pública condicionada à representação Ação Penal pública incondicionada (pena é buscada de oficio) *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Ex: Jogador chama o adversário de macaquito Ex: Empresário ser recusa contratar jogador negro O STJ, julgando agravo regimental no recurso especial nº 686.965/DF, considerou que a injúria racial está na seara dos crimes relativos ao racismo e é também imprescritível, pois tem sentido de segregação, somando-se às definições da Lei nº 7.716/89, que não traz um rol taxativo. O STF começou a discutir o tema no seio do seu Pleno Opinião de Rogério Sanches: A nosso ver, com o devido respeito, trata-se de imprópria analogia incriminadora, pois, como já destacamos, na injúria o agente lança mão de elementos raciais, não se confundindo com o racismo. A segregação ou a intenção de segregar que o racismo pressupõe é real, ou seja, utilizada com o intuito de criar, por meio de ações concretas, efetiva divisão dos cidadãos em categorias baseadas em preconceito de raça, cor, etc. Basta, para assim concluir, que sejam lidas as condutas tipificadas na Lei nº 7.716/89, que, quando não relacionadas diretamente ao impedimento de acesso a locais diversos (como os arts. 3º, 4º, 5º, 6º, entre outros), são relativas a atos que visam a produzir o mesmo efeito (como o art. 20, § 1º). Na injúria, de forma absolutamente diversa, a intenção é a ofensa moral, que, mesmo tendo como meio o abjeto preconceito de raça ou de cor, de nenhuma forma se equipara à conduta anterior. Ainda que neste caso se possa identificar, como menciona o acórdão, segregação, aqui o termo não tem, como no racismo, sentido literal. É evidente que se alguém profere uma ofensa utilizando elementos relativos a raça ou cor o faz convencido de que essa condição faz da vítima alguém menor, desigual, o que, de fato, evidencia um caráter segregativo. Não obstante, mesmo que na origem possamos identificar no racista e no injuriador racial a convicção de que há cidadãos que, por sua raça ou cor, devem ser discriminados (segregados), as formas como ambos exteriorizam essa convicção são legalmente tipificadas de formas completamente distintas, e não compete ao Poder Judiciário igualar duas situações que o legislador, ao menos até o momento, pretendeu claramente diferenciar. Há quem argumente no sentido de que o constituinte, ao se referir ao racismo como delito imprescritível, buscou abranger a injúria preconceito. Contudo, devemos alertar que a injuria preconceituosa foi acrescentada ao CP pela Lei nº 9.459/97. A figura criminosa não existia na promulgação da Constituição Federal. *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches Por fim, àqueles que discordam desta conclusão, pergunta-se: se a injúria qualificada pelo preconceito é imprescritível, como pode depender de representação da vítima, cuja inércia acarreta a decadência? • STF e a (in)constitucionalidade da revista íntima de preso Revista íntima: Trata-se, em síntese, de inspeção reservada em pessoas (notadamente familiares) que visitam os habitantes prisionais. Dessa revista não escapa ninguém, mulheres e homens, sejam crianças, adolescentes, jovens, adultos ou idosos. Todos são inspecionados! Mas em que consiste tal revista (íntima)? Por que é tão criticada? De acordo com a praxe, os visitantes inspecionados são obrigados a se despir por completo e agachar três vezes sobre um espelho, abrir com as mãos o ânus e a vagina, contraindo os músculos para que servidores do estabelecimento penal possam verificar se estão carregando instrumentos ilegais (drogas, material bélicos, acessórios para celulares etc.) ou qualquer outro objeto proibido para dentro do presídio. É praticamente unânime a opinião dos estudiosos no sentido de que a revista íntima contraria não apenas a Constituição Federal, mas também Convenções Internacionais (em especial, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Temos corrente lecionando que submeter familiares do preso ao sistema de inspeção vexatória e humilhante é, de certa forma, fazer com que a pena do preso, mesmo que indiretamente, passe para terceiros, violando o art. 5º, XLV, da CF. Vale lembrar que a Argentina, por exemplo, já foi condenada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por ter submetido mulheres e crianças a procedimento similar. Trata-se de um caso envolvendo a Sra. X e sua filha Y, de 13 anos, que foram submetidas a “revistas vaginais”. A questão é objeto do Tema 998 de repercussão geral, pendente de julgamento, no qual o Ministro Edson Fachin reconheceu “controvérsia relativa à ilicitude da prova obtida a partir de revista íntima de visitante em estabelecimento prisional, por ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e à proteção ao direito à intimidade, à honra e à imagem” (ARE 959.620 RG, j. 01/06/2019). Em seu voto, em 28.10.2020, o Ministro propôs a seguinte tese: "É inadmissível a prática vexatória da revista íntima em visitas sociais nos estabelecimentos de segregação compulsória, vedados sob qualquer forma ou modo o desnudamento de visitantes e a abominável inspeção de suas cavidades corporais, *Material elaborado por Beatriz Araujo com base nas aulas e material do curso gratuito do RSCOnline ministrado pelo professor Rogério Sanches e a prova a partir dela obtida é ilícita, não cabendo como escusa a ausência de equipamentos eletrônicos e radioscópicos". Mas seria possível, então, evitar a revista íntima? Quais mecanismos poderiam ser utilizados em substituição? Alguns estados já adotam a “revista íntima humanizada”. Funciona da seguinte maneira: logo ao chegar à unidade, a visitante faz um cadastro, onde os agentes identificam se essa pessoa está apta ou não a fazer a visita. A aptidão é avaliada levando-se em consideração características do apenado (comportamento, incidentes por atos de indisciplina, desacatos, ameaças, brigas internas etc.). Realizado esse procedimento preliminar,
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