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Direito Processual Civil Ação Rescisória Definição: chama-se ação rescisória à demanda através do qual se busca desconstituir decisão coberta pela coisa julgada, com eventual rejulgamento da causa original. Em outros termos, já se tendo formado a coisa julgada (formal ou material), o meio adequado para – nos casos expressamente previstos em lei – desconstituir-se a decisão que já tenha sido alcançada por tal autoridade é a propositura de ação rescisória. Esta, ao ser julgada (originariamente por tribunal, não sendo possível sua propositura perante juízos de primeira instância), pode levar à desconstituição da coisa julgada já formada e, eventualmente (mas nem sempre), levará também a que se rejulgue, no próprio processo da ação rescisória, a causa original. É certo que o caput do art. 966 prevê a rescindibilidade de decisões de mérito transitadas em julgado, o que poderia levar à impressão de que só nos casos em que formada a coisa julgada material poderia ser ajuizada uma ação rescisória. Não se pode, porém, desconsiderar o que consta do § 2°, inciso I, do mesmo art. 966, que prevê a possibilidade de rescisão de sentenças 1 terminativas transitadas em julgado que impeçam nova propositura da mesma demanda. Daí se extrai, pois, a possibilidade de rescisão de decisão judicial sobre a qual recaia tão somente a coisa julgada formal, não havendo coisa julgada material (que, como sabido, só se forma sobre decisões de mérito, nos estritos termos do art. 502). Prevê, ainda, o art. 966, § 2°, II, a possibilidade de rescisão de “decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça (admissibilidade) do recurso correspondente”. Este dispositivo, de péssima redação, deve ser interpretado no sentido de se admitir a rescisão de decisões de inadmissibilidade de recurso. Pense-se, por exemplo, no caso de se ter proferido sentença de mérito e, contra tal sentença, ter sido interposta apelação. Figura-se, agora, que o juízo de primeira instância tenha proferido decisão declarando inadmissível a apelação (decisão esta para a qual o juízo de primeiro grau não tem competência funcional, já que, nos termos do disposto no art. 1.010, § 3°, não pode o juízo de primeiro grau apreciar a admissibilidade da apelação, apreciação esta que cabe ao tribunal). Ocorre que esta decisão interlocutória não é agravável (como se vê do rol exaustivo do art. 1.015), motivo pelo qual se teria aí uma decisão – que não é de mérito, tampouco pode ser 2 considerada uma sentença terminativa capaz de impedir a repropositura da demanda – irrecorrível, contra a qual se deve admitir o ajuizamento de ação rescisória. Assim, desconstituída essa decisão pelo tribunal, a apelação irregularmente inadmitida voltaria a tramitar, seguindo seu curso perante o tribunal ad quem. Podem, então, ser tidas por rescindíveis as decisões de mérito alcançadas pela coisa julgada material; as decisões terminativas alcançadas pela coisa formal; e as decisões de inadmissibilidade de recurso que se tenham tornado irrecorríveis, sempre que presente alguma das hipóteses previstas na lei como ensejadoras de rescindibilidade. Frise-se que não só sentenças, mas também decisões interlocutórias podem ser rescindíveis, sempre que se enquadrem em alguma das hipóteses previstas no art. 966 (FPPC, enunciado 336: “Cabe ação rescisória contra decisão interlocutória de mérito”). De outro lado, não são impugnáveis por ação rescisória “atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução”, os quais estão sujeitos à anulação nos termos da lei civil. 3 Assim, pois, não é admissível ação rescisória para impugnar ato de autocomposição que tenha sido homologado pelo juízo, mesmo que estivesse eivado de algum vício (como, por exemplo, uma transação celebrada sob coação), ou um acordo celebrado no curso da execução. Nestes casos, o meio processual adequado para buscar-se o reconhecimento do vício é o ajuizamento de demanda anulatória (art. 966, § 4°). Os casos de rescindibilidade são os previstos nos incisos do art. 966, que precisam ser examinados. O primeiro caso de rescindibilidade é o da decisão “proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz” (art. 966, I). Prevaricação é “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal” (art. 319, do Código Penal). Concussão é “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida” (art. 316 do Código Penal). E corrupção passiva é “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou 4 antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (art. 317 do Código Penal). Pense-se, por exemplo, no juiz que exige dinheiro de uma das partes para proferir sentença que lhe favoreça (e que terá, assim, cometido o crime de concussão). Pois tendo o juiz prolator da decisão, para proferi-la, cometido qualquer um desses crimes, é rescindível o pronunciamento judicial viciado. No caso de julgamento colegiado, será rescindível a decisão judicial se o crime tiver sido cometido por magistrado que tenha proferido voto vencedor (mas não se o magistrado autor do ilícito penal tiver proferido voto vencido, caso em que o beneficiário do voto não terá logrado êxito no processo apesar do ilícito penal cometido). Vale registrar, aqui, aliás, que se o juiz cometeu um desses crimes para proferir decisão, mas esta veio a ser substituída, por força de recurso, por outra decisão (ainda que de mesmo teor), não será possível a rescisão, já que a decisão viciada não terá transitado em julgado, substituída que terá sido por outra decisão, prolatada em grau de recurso, e que não está eivada de qualquer vício. 5 A prática do crime pode ter sido apurada em processo penal (em que o magistrado tenha sido condenado) ou incidentemente no próprio processo da ação rescisória. Importante ter claro, porém, que a condenação do magistrado em sede penal pela prática de algum desses crimes vincula o tribunal que julgará a ação rescisória, o qual não poderá negar a existência do ilícito penal. De outro lado, a apuração, no processo da ação rescisória, da prática do crime, não acarreta efeitos penais imediatos, devendo o tribunal, tão somente (além de rescindir a decisão viciada, claro), extrair peças dos autos para o Ministério Público, a fim de que este tome as medidas penais que repute cabíveis, nos termos do art. 40 do Código de Processo Penal. Segundo caso de rescindibilidade é o da decisão “proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente” (art. 966, II). Apenas a decisão proferida por juiz impedido (arts. 144 e 147) é rescindível, não a prolatada por juiz suspeito (art. 145). E no caso de o juiz impedido integrar órgão colegiado que tenha proferido a decisão, só será esta rescindível se o magistrado impedido tiver proferido voto vencedor, nos mesmos termos do quanto foi dito anteriormente acerca do juiz que comete crime de prevaricação, concussão ou corrupção. Também aqui, aliás, é bom 6 registrar que a decisão proferida por juiz impedido pode vir a ser substituída, em grau de recurso, por outra (ainda que de mesmo teor) e, nesse caso, não poderá aquela ser rescindida por não ter sido alcançada pela coisa julgada, a qual incidirá sobre a decisão que a substituiu, prolatada em sede de recurso. Assim, também, é rescindível a decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, mas não a prolatada por juízo relativamente incompetente. Assim, por exemplo, ajuizada demanda perante juízo que seja relativamente incompetente e vindo este a proferir sentença de improcedência liminarda demanda, esta, não obstante prolatada por juízo incompetente, não poderá ser rescindida por este fundamento, já que a incompetência não era absoluta. Terceiro caso de rescindibilidade é o da decisão que resulta “de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei” (art. 966, III). O dolo a que se refere este dispositivo legal é o dolo processual, o qual é conceito mais amplo do que o de dolo substancial, estabelecido pela lei civil. Haverá dolo processual sempre que uma das partes, agindo sem observar o dever de 7 lealdade e de boa-fé, tentar influir no convencimento do julgador para obter um resultado que lhe seja favorável. Trata-se de dolo que tem por destinatário o órgão julgador (e não a parte adversária, que restará vencida). Tem-se, aí, pois, uma causa de rescindibilidade que resulta diretamente do dever de atuar no processo com boa-fé. Pense-se, por exemplo, no caso de um servidor público ir a juízo postular sua aposentadoria com base em regra que permite a contagem em dobro do tempo referente a férias não gozadas e, no curso do processo, goza um desses períodos de férias, mas não relata este fato nos autos. Tal conduta, violadora da boa-fé, deve ser reputada como ensejadora de dolo processual, a induzir o órgão jurisdicional em erro e, assim, é causa de rescindibilidade da decisão que lhe tenha reconhecido o direito à aposentadoria levando em conta o tempo referente àquele período de férias que acabou sendo gozado. O mesmo inciso do art. 966 prevê a rescisão da decisão judicial que é fruto de coação da parte vencedora em detrimento da vencida. Pense-se, por exemplo, no caso de ter uma das partes coagido a outra a confessar um fato, assegurando assim resultado favorável. Ou no caso de uma das partes ter coagido o juiz a julgar em seu favor. Pois nesses casos a decisão viciada, fruto da coação, é rescindível. Ainda nesse inciso III do art. 966 há previsão da rescisão de decisão judicial que é fruto de simulação ou colusão entre as partes. Trata do tema o art. 142, por força do qual há 8 colusão quando se verifica que “autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei”. A rigor, a lei processual sequer precisaria valer-se, em seu texto, da cláusula “simulação ou colusão”, já que a colusão engloba a simulação. Trata-se, porém, de texto que foi elaborado com o propósito de encerrar antiga divergência doutrinária acerca do alcance do termo colusão, já que havia, ao tempo da codificação processual anterior, quem considerasse que a simulação não estaria inserida no conceito de colusão. Pense-se, por exemplo, no caso de se valerem as partes de um processo para obter uma falsa declaração de paternidade de forma a garantir ao falso filho o recebimento ilegal de uma pensão previdenciária. Pois neste caso terá havido colusão processual, a justificar a rescisão da decisão judicial viciada. Perceba-se que há relevante distinção entre a colusão (aqui incluída a simulação) e o dolo. É que este é sempre unilateral, enquanto aquela é bilateral, exigindo a atuação, em conluio, de ambas as partes. É rescindível a decisão que “ofender a coisa julgada” (art. 966, IV). Tem-se, aí, um mecanismo de preservação da coisa julgada que se tenha formado em outro processo, evitando- se deste modo que tal autoridade reste infirmada por sentença posteriormente proferida. 9 Assim, formada a coisa julgada, não se pode admitir que em outro processo se volte a decidir aquilo que já havia sido definitivamente resolvido. Caso isso aconteça, ofende-se a coisa julgada anteriormente formada, e a nova decisão judicial é rescindível. Ofende a coisa julgada a nova decisão que tenha sido proferida em conformidade com a anterior, tanto quanto a nova decisão que com aquela é desconforme. Em ambos os casos, o novo provimento judicial, ofensivo da autoridade de coisa julgada, é rescindível. Não se tem, porém, ofensa à coisa julgada apenas quando se rescinde causa já decidida. Também é rescindível, por ofensa à coisa julgada, o pronunciamento que decide demanda distinta, mas o faz com desrespeito à coisa julgada anteriormente formada (como se dá, por exemplo, quando a coisa julgada se formou sobre pronunciamento judicial que tenha resolvido causa prejudicial, e a segunda decisão a desrespeita resolvendo causa prejudicada). Pense-se, por exemplo, no caso de existir decisão transitada em julgado que afirma a existência de relação de paternidade e, posteriormente, outra decisão rejeita a pretensão a receber alimentos ao fundamento de que aquela relação de paternidade não existe. Esta segunda decisão, julgando demanda distinta, terá ofendido a coisa julgada formada sobre o primeiro pronunciamento judicial. 10 Além disso, ofende a coisa julgada o julgamento de recurso inadmissível erradamente admitido (como se dá, por exemplo, no caso de o tribunal julgar o mérito de apelação intempestivamente interposta), já que tal julgamento terá ofendido a coisa julgada já formada sobre a decisão contra a qual nenhum recurso admissível foi interposto. É, também, rescindível a decisão judicial que “violar manifestamente norma jurídica” (art. 966, V). Gera rescindibilidade, pois, a violação do sentido atribuído a um texto normativo por via interpretativa, uma vez que a norma jurídica não se confunde com o texto, sendo a rigor o resultado da interpretação que ao texto se atribui. A norma violada pode ser de direito material ou de direito processual. Assim, por exemplo, é rescindível pronunciamento judicial que tenha sido proferido sem respeitar os limites da demanda (decisão ultra ou extra petita), o que vai contra o disposto no art. 492. Do mesmo modo, é rescindível decisão que, por exemplo, admita compensação entre uma dívida de natureza civil vencida e outra vincenda, o que contraria o disposto no art. 369 do Código Civil. 11 Importante é afirmar que também é rescindível a decisão judicial que, tendo transitado em julgado, que contrarie tese anteriormente firmada em enunciado de súmula vinculante ou em precedente vinculante. É que essas teses firmadas são resultado de interpretações atribuídas a textos normativos e, portanto, são normas jurídicas. Ainda que assim não se considere, porém, e se afirme (equivocadamente, mas se enfrenta o ponto aqui apenas para argumentar) que a afronta ao precedente vinculante (ou ao enunciado de súmula vinculante) não é violação à norma, ainda assim será preciso considerar rescindível a decisão judicial, pois terá sido violada a própria norma atributiva da eficácia vinculante a tais precedentes e enunciados de súmula. É que, como já se viu, no sistema jurídico brasileiro (diferentemente do que se tem nos ordenamentos ligados à tradição do common law), a eficácia vinculante de enunciados de súmula vinculante e de alguns precedentes judiciais resulta diretamente de previsão normativa (constitucional ou legal) e, por conta disso, o desrespeito a tal eficácia vinculante implica violação de norma jurídica. É, pois, rescindível a decisão judicial nesses casos. E não se contraria o padrão decisório vinculante apenas quando o pronunciamento judicial deixa de seguir a tese nele fixada. Também quando o padrão decisório é mal aplicado, o que ocorre quando se adota a tese nele fixada quando não era o caso, em razão de alguma diferença entre o acórdão paradigma e o caso posteriormente julgado, aquele padrão decisório é violado. E é exatamente por 12 isso que o § 5° do art. 966 (acrescentado pela Lei n° 13.256/2016) estabelece que “cabe ação rescisória, com fundamento no inciso V do caput deste artigo, contra decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento”. Assim, por exemplo,se a decisão rescindenda aplicou, em uma causa que versava sobre IPTU, um acórdão prolatado em julgamento de recursos repetitivos em que se enfrentaram questões referentes ao ICMS, e não se observou a distinção entre um caso e outro (ou, como se diz frequentemente quando se faz alusão à teoria dos precedentes, não se realizou o distinguishing), será possível desconstituir a decisão transitada em julgado através de ação rescisória. É rescindível pronunciamento judicial transitado em julgado que se fundar “em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória” (art. 966, VI). Trata-se, aqui, de admitir a rescisão de pronunciamento judicial que tem por fundamento prova falsa, fundamento este que, evidentemente, terá induzido o órgão julgador em erro. É preciso ter claro que, na hipótese aqui examinada, o provimento rescindendo precisa ter sido fundado na prova falsa. Em outros termos, significa isto dizer que a prova falsa precisa ter sido 13 fundamento da decisão rescindenda. Resulta daí a necessidade de se verificar se o resultado do julgamento teria sido o mesmo se aquela prova falsa não tivesse sido levada em conta. Caso se verifique haver outras provas capazes de levar à mesma conclusão, a qual teria sido mantida, não será rescindível a decisão judicial. É, por exemplo, rescindível decisão judicial que defere aposentadoria com base em carteira de trabalho de que constam anotações falsas. Não importa, para a verificação da rescindibilidade, a natureza do meio de prova cuja falsidade se constata. Pode ser o caso de um documento falso, de um falso testemunho, de uma falsa perícia, enfim, qualquer que seja o meio falso de prova, sendo ele fundamento necessário da decisão transitada em julgado será esta rescindível. Também não interessa se o caso é de falsidade ideológica ou material. Ambas acarretam a rescindibilidade. A falsidade pode ter sido apurada em processo criminal. Neste caso, porém, é preciso que a sentença penal tenha transitado em julgado, não se admitindo, então, que no processo da ação rescisória volte a ser discutida a falsidade da prova. Também se admite que a falsidade seja apurada no próprio processo da ação rescisória, caso em que a afirmação de que a prova é falsa ou autêntica será mero fundamento da decisão que julga o pedido de rescisão. 14 Prevê o inciso VII do art. 966 a rescindibilidade da decisão judicial quando “obtiver o autor [da ação rescisória], posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”. Significa isto, então, que se aquele que ficou vencido na causa original obtiver, posteriormente, prova que lhe assegure, por si só, resultado favorável, poderá obter a rescisão da decisão que lhe foi desfavorável. Prova nova, registre-se, não é o mesmo que prova superveniente. Pelo contrário, a prova nova a que se refere o dispositivo legal é, necessária e inevitavelmente, uma prova velha. A esta conclusão se chega pela verificação de que o texto normativo se refere a uma “prova nova” cuja existência se ignorava. Ora, só se pode ignorar a existência – perdoe-se a obviedade – do que existe. Assim, só se pode admitir a apresentação da prova nova se esta já existia ao tempo da prolação da decisão. A novidade da prova diz respeito ao processo. Prova nova, aí, significa prova inédita, não tendo sido produzida no processo original. Diz o texto da lei que a prova nova precisa ter sido obtida “posteriormente ao trânsito em julgado”. Tal dispositivo não pode ser interpretado literalmente, porém. É que pode acontecer de a prova nova ser obtida antes do trânsito em julgado, mas depois do último 15 momento em que teria sido lícito à parte produzir a prova no processo. Pense-se, por exemplo, na hipótese de a prova nova ter sido obtida quando pendente de julgamento apenas um recurso extraordinário (no qual é inadmissível a produção de qualquer meio de prova). Pois, neste caso, deve-se reputar rescindível a decisão, já que não levou em conta prova que já existia, capaz por si só de assegurar à parte que restou vencida julgamento favorável, mas que não era conhecida ou não pôde ser usada ao tempo em que admissível a produção da prova, e que foi obtida quando já não poderia mais ser trazida aos autos. A não se pensar assim, ter-se-á de explicar uma situação paradoxal: seria melhor para a parte continuar ignorando a existência da prova (ou não ter a possibilidade de utilizá-la) até o trânsito em julgado do que a obter antes da formação da coisa julgada, mas em momento no qual já não era mais possível carregá-la aos autos. Registre-se, ainda, que só será possível a rescisão da decisão judicial com base em prova nova se esta é, sozinha, capaz de garantir a quem ficou vencido na causa originária a reforma daquela decisão. Nenhuma outra prova, portanto, poderá ser produzida, no processo da ação rescisória (e com relação aos elementos que foram levados em consideração no julgamento rescindendo), a não ser a própria prova nova só agora obtida. 16 Por fim, é rescindível a decisão judicial que “for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos” (art. 966, VIII). É rescindível, portanto, a decisão judicial que seja resultado de um erro de fato emergente dos autos, que salte aos olhos pelo exame da documentação constante dos autos (como se dá, por exemplo, quando a decisão afirma não ter havido pagamento mas se encontra nos autos o recibo de quitação). Afirma o § 1° do art. 966 que “há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido”. Daí se vê, então, que o erro de fato consiste em se considerar um fato como existente quando, na verdade, ele não ocorreu ou, ao contrário, tratar como inexistente um fato efetivamente ocorrido. Fundamental, porém, é que o erro de fato seja perceptível pelo mero exame dos autos, sem necessidade de recurso a qualquer outro elemento. Há, porém, um ponto que torna um pouco mais complexo o tema que ora se examina. É que, nos termos do que consta da parte final do § 1° do art. 966, é “indispensável, em ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado”. Deve-se interpretar este preceito no sentido de que, em primeiro lugar, o fato existente que a decisão rescindenda desconsiderou, ou o fato inexistente que aquela decisão reputou ocorrido, não tenha sido objeto de controvérsia entre as partes. 17 Assim, diante do que consta dos autos, e sendo o ponto incontroverso, o normal seria que o juiz percebesse que o fato efetivamente ocorreu (ou que não ocorreu). Acontece que, por um equívoco de percepção, o juiz não se deu conta do ponto incontroverso. Além disso, porém, é preciso que não tenha havido, no pronunciamento rescindendo, qualquer pronunciamento acerca do fato (e isto é o que se entende por o fato representar um ponto “sobre o qual o juiz deveria ter se pronunciado”). Isso porque a ação rescisória não tem por objeto levar a um reexame de prova . Não se presta, pois, a ação rescisória a impugnar decisão em que tenha havido equivocada valoração do material probatório. A finalidade da ação rescisória, no caso em exame, é a desconstituição de pronunciamento judicial que seja fruto de percepção equivocada do que consta dos autos. Impende, então, que o órgão julgador não tenha percebido aquele elemento constante dos autos e, silenciando a seu respeito, tenha proferido decisão que com ele é incompatível. Assim, se o órgão julgador fez alusão ao elemento constante dos autos mas, ao valorá-lo, chegou a conclusão errada (reputando inexistente um fato que ocorreu, ou considerando 18 existente um fato que não aconteceu), a decisão, ainda que injusta, não é rescindível. De outro lado, se o elemento constante dos autospassou despercebido do órgão julgador, que – em razão desse erro de percepção – julgou erradamente, é rescindível o pronunciamento. É preciso, então, que o erro de fato que serve de fundamento para a ação rescisória tenha manifesto nexo de causalidade com o resultado alcançado. Em outras palavras, é preciso que fosse outro o resultado do processo se o órgão julgador não tivesse aquela equivocada percepção do que constava dos autos, para só então admitir-se como rescindível o pronunciamento judicial. Do exame de todos esses casos de rescindibilidade, fica claro que a ação rescisória não tem por objeto impugnar decisões judiciais ao fundamento de que seriam elas injustas. Não é disso que se trata. Através da ação rescisória impugna-se provimento judicial que tem, na sua formação, um grave vício (ter sido proferida por juiz que, para a prolatar, cometeu crime de concussão; ofender coisa julgada; ter sido proferida por juiz impedido; violar manifestamente norma jurídica; basear-se em prova falsa etc.). Tem-se, pois, na ação rescisória um mecanismo voltado a expurgar do ordenamento decisões judiciais gravemente viciadas. Eventual justiça ou injustiça da decisão judicial pode ser objeto de discussão por meio dos recursos, mas não através de ação rescisória. A ação rescisória pode ser proposta por quem foi parte no processo original ou por seus sucessores (a título universal ou 19 singular); por terceiros juridicamente interessados; pelo Ministério Público (se não foi ouvido no processo em que deveria ter intervindo, quando a decisão rescindenda é efeito de simulação ou colusão ou em outros casos em que se imponha sua atuação) ou por aquele que não foi ouvido no processo de que deveria ter obrigatoriamente participado, como seria o caso de algum litisconsorte necessário não citado. Estes são, nos termos do art. 967, os legitimados ativos para o ajuizamento da ação rescisória. De outro lado, a legitimidade passiva para a demanda rescisória é de todos aqueles que, tendo sido partes no processo original, não figurem como autores da ação rescisória. Isto pode levar, então, à existência de litisconsórcio necessário passivo, no processo da ação rescisória, entre pessoas que, no processo original, ocuparam posições antagônicas. Basta pensar que, proposta a ação rescisória por um terceiro juridicamente interessado, serão litisconsortes passivos necessários no processo da ação rescisória o autor e o réu da demanda original. Nos casos previstos no art. 178, o Ministério Público que não seja autor ou réu da ação rescisória deverá ser intimado a intervir como fiscal da ordem jurídica (art. 967, parágrafo único). É competente para conhecer da ação rescisória o tribunal prolator da decisão rescindenda. 20 Assim, por exemplo, pretendendo o autor rescindir decisão do STF, é naquele Tribunal de Superposição que a ação rescisória deverá ser proposta (art. 102, I, j, da Constituição da República). Do mesmo modo, quando se pretender rescindir decisão do STJ, será competente para conhecer da ação rescisória aquele Tribunal Superior (art. 105, I, e, da Constituição da República). Também é por força de disposição constitucional que se afirma a competência dos Tribunais Regionais Federais para conhecer de ação rescisória de seus julgados (ou dos juízes federais da região), como se vê no art. 108, I, b, da Constituição da República. De tudo isso se extrai um sistema: cada tribunal é competente para conhecer de ação rescisória contra seus próprios julgados (e, no caso de ação rescisória voltada contra apenas um capítulo de decisão, é preciso ver qual o tribunal que proferiu o capítulo rescindendo: FPPC, enunciado 337). Sendo a ação rescisória de competência originária de tribunais (e não é por outra razão que sua regulamentação se encontra no Livro do CPC que trata “dos processos nos tribunais”), será competente para conhecer de ação rescisória contra decisão proferida por juízo de primeira instância o tribunal que, em tese, teria sido competente para rever aquela decisão em grau de recurso. 21 Inicia-se o processo da ação rescisória com o ajuizamento de petição inicial, a qual deverá preencher todos os requisitos genericamente exigidos para as petições iniciais em geral (art. 968). Além disso, exige a lei processual que o autor cumule, na petição inicial ao pedido de rescisão, e se for o caso, o pedido de novo julgamento do processo (art. 968, I). Explique-se melhor este ponto. Quando se estabeleceu o conceito de ação rescisória, afirmou-se que esta teria por objeto a desconstituição de pronunciamento judicial transitado em julgado e, eventualmente, o rejulgamento da causa. Assim, em toda ação rescisória deverá ser postulada, antes de tudo, a rescisão da decisão judicial (e à apreciação deste pedido pelo tribunal dá-se o nome de juízo rescindente ou iudicium rescidens). Em alguns casos, porém, acolhido o pedido de rescisão, torna-se necessário promover-se um rejulgamento do processo original (e a este rejulgamento a ser promovido pelo tribunal se dá o nome de juízo rescisório ou iudicium rescissorium). Incumbe ao autor, então, se for o caso, formular os dois pedidos – o de rescisão da decisão e o de rejulgamento do processo original – em cumulação sucessiva (o que implica dizer que o segundo pedido só 22 poderá ser apreciado se o primeiro vier a ser acolhido). Não se cogitará, evidentemente, de rejulgamento do processo original nos casos em que a decisão rescindenda for terminativa. Nestes casos, procedente o pedido de rescisão, deverá o tribunal determinar o prosseguimento do processo original para que nele se resolva o mérito da causa. Tampouco será o caso de rejulgar o processo original quando a decisão rescindenda for pronunciamento de inadmissibilidade de recurso que deveria ter sido admitido. Neste caso, procedente o pedido de rescisão, deverá o tribunal determinar que se prossiga com o recurso incorretamente inadmitido, para que seja ele apreciado pelo órgão competente. Apenas quando se trate, portanto, de ação rescisória voltada a impugnar pronunciamento de mérito é que se poderá cogitar do rejulgamento do processo original. Mesmo assim, não em todos os casos. Pense-se, por exemplo, no caso de se propor ação rescisória contra pronunciamento que, ofendendo a coisa julgada, rejulgou demanda já definitivamente resolvida. Pois, neste caso, rescindida a segunda decisão, não se poderia rejulgar aquele segundo processo, sob pena de ofender-se a coisa julgada novamente. É preciso, então, verificar caso a caso se haverá ou não necessidade de, rescindida a decisão, rejulgar o processo original. Havendo tal 23 necessidade, deverão ser formulados os dois pedidos em cumulação sucessiva. No caso de ação rescisória proposta com apoio no disposto no § 5° do art. 966, a petição inicial tem um requisito específico: “trata-se da exigência de que se demonstre, já na inicial, de forma fundamentada, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor outra solução jurídica” (art. 966, § 6°, acrescentado pela Lei n° 13.256/2016). O não cumprimento desta exigência formal específica acarretará a inépcia da petição inicial, sendo essencial, porém, antes de se proferir decisão terminativa do processo da ação rescisória, que se dê ao autor oportunidade de correção do vício. Quando do ajuizamento da petição inicial, deverá ainda o autor da ação rescisória promover o depósito de valor correspondente a cinco por cento sobre o valor da causa, que se converterá em multa caso a ação rescisória seja, por decisão unânime, considerada inadmissível ou improcedente (art. 968, II). Este depósito, porém, em hipótese alguma, será superior ao equivalente a mil salários mínimos (art. 968, § 2o). A ausência desse depósito implicará – se não sanado o vício em oportunidade que ao autor deve ser assegurada pelo relator – o indeferimento da petição inicial e, consequentemente,a extinção do processo sem resolução do mérito (art. 968, § 3o). Não se aplica, porém, esta exigência de depósito prévio à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios, às suas autarquias e fundações de direito público, ao Ministério Público, à 24 Defensoria Pública e aos que tenham obtido o benefício da gratuidade de justiça (art. 968, § 1o). Estes ficam, registre-se, liberados do ônus do depósito prévio, mas não se livram de pagar a multa ao final se a ação rescisória por eles proposta for, por unanimidade de votos, declarada inadmissível ou improcedente. Pode acontecer, ainda, de se verificar que o autor da ação rescisória tenha postulado a rescisão de decisão que não pode ser rescindida. Isto pode se dar por duas razões: a uma, por se tratar de decisão que não apreciou o mérito da causa e não impede a repropositura da demanda (art. 968, § 5o, I), ou seja, é decisão terminativa que não é alcançada pela coisa julgada formal; a duas, por se tratar de decisão que foi substituída por outro pronunciamento, posteriormente proferido (art. 968, § 5o, II). Nestes casos, deverá o relator determinar ao autor que emende a petição inicial, sob pena de seu indeferimento, adequando o objeto da ação rescisória. Emendada a petição inicial (e, se isso tiver sido verificado após a apresentação de contestação pelo réu da ação rescisória, depois também de se assegurar ao réu a complementação dos fundamentos de sua defesa), os autos serão remetidos – se for o caso – ao tribunal competente para conhecer da ação rescisória (art. 968, § 6o). Não sendo caso de indeferimento da petição inicial (art. 968, § 3o) ou de improcedência liminar do pedido (art. 968, § 4o), o processo da ação rescisória seguirá regularmente. 25 Deverá, então, o relator ordenar a citação do réu, fixando prazo nunca inferior a quinze dias, nem superior a trinta dias, para oferecimento de resposta. Após o decurso desse prazo, será observado o procedimento comum do processo de conhecimento (art. 970). A escolha do relator deverá recair, sempre que possível, em juiz que não tenha participado do julgamento rescindendo (art. 971, parágrafo único). Vale aqui registrar que, só determinando a lei a observância do procedimento comum depois do decurso do prazo para oferecimento da contestação, não se cogitar, aqui, da realização da audiência preliminar de mediação ou conciliação, a qual, a rigor, não teria mesmo espaço para ser realizada, tendo em vista a impossibilidade de celebração de autocomposição sobre a matéria objeto da controvérsia (art. 334, § 4o, II). Caso os fatos alegados pelas partes do processo da ação rescisória dependam de produção de outros meios de prova além da prova documental, o relator poderá colher essas provas ou determinar, através de carta de ordem, que o juízo prolator da decisão rescindenda as colha, fixando prazo entre um e três meses para a devolução dos autos (art. 972). Admite-se, porém, que a carta de ordem seja distribuída a outro juízo (FPPC, enunciado 340), bastando pensar, por exemplo, no caso de se fazer necessária a colheita de prova em comarca distinta daquela em que tramitou o processo. Concluída a instrução probatória, as partes terão prazos sucessivos de dez dias para apresentar suas razões finais (art. 973). 26 Em seguida, os autos serão conclusos ao relator, procedendo-se ao julgamento colegiado (art. 973). No julgamento, sendo admissível a ação rescisória e, portanto, sendo o caso de examinar-se seu mérito, será julgado o pedido de rescisão ( iudicium rescidens). Julgado procedente o pedido de rescisão, o tribunal, se for o caso, passará ao juízo rescisório (iudicium rescissorium) e determinará a restituição do depósito de cinco por cento sobre o valor da causa efetuado pelo autor. O depósito também será restituído se o processo da ação rescisória for julgado extinto sem resolução de mérito ou se o pedido de rescisão for julgado improcedente por decisão não unânime. Caso o processo da ação rescisória seja extinto sem resolução do mérito ou se o pedido de rescisão for julgado improcedente por decisão unânime, o tribunal deverá determinar a reversão, em favor do réu, da importância depositada (art. 974). Em qualquer caso, deverá também o tribunal fixar a responsabilidade pelo pagamento de despesas processuais e de honorários advocatícios (art. 974, parágrafo único, in fine). Ponto que não pode deixar de ser mencionado diz respeito ao fato de que a propositura de ação rescisória não é capaz, por si só, de suspender os efeitos da decisão rescindenda (art. 969). Significa isto dizer que, a princípio, mesmo que pendente o processo da ação rescisória a decisão rescindenda permanece plenamente eficaz, produzindo normalmente todos os seus efeitos (e não só os 27 condenatórios, como poderia parecer pela leitura do texto normativo do art. 969, que se limita a fazer alusão ao “cumprimento” da decisão). É, porém, expressamente permitida a concessão de tutela provisória – de urgência ou da evidência – de modo a suspender os efeitos da decisão rescindenda até o julgamento da ação rescisória. Não se pode, porém, aqui cogitar de estabilização da tutela antecipada, já que não haveria qualquer sentido em se admitir que uma estabilidade mais frágil do que a coisa julgada prevalecesse sobre esta (que, evidentemente, já estará formada, ou não seria caso de cabimento de ação rescisória). O direito à rescisão de decisões judiciais está sujeito a um prazo decadencial de dois anos, prazo este que corre a partir do momento do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Perceba-se: o termo inicial do prazo decadencial não é o do trânsito em julgado da decisão rescindenda, mas o momento do trânsito em julgado da última decisão a ser proferida no processo. Pense-se, por exemplo, no caso de se ter, contra uma sentença de mérito, interposto apelação inadmissível por não terem sido recolhidas as custas recursais. Declarada a inadmissibilidade da apelação, já terá ocorrido o trânsito em julgado da sentença de mérito (já que contra ela não se terá interposto qualquer recurso admissível). Pode acontecer, porém, de contra a decisão que não conheceu da apelação se interpor algum recurso (recurso especial, por exemplo). 28 Imagine- se, agora, que o recurso especial seja desprovido por decisão unipessoal do relator. Contra tal pronunciamento, então, interpõe a parte agravo interno, o qual é desprovido. Tendo sido esta a última decisão proferida no processo, é do momento do seu trânsito em julgado que correrá o prazo de dois anos para exercício do direito à rescisão da sentença. No caso de o prazo para exercício do direito à rescisão terminar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não haja expediente forense, fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil imediatamente subsequente (art. 975, § 1o). No caso de ação rescisória fundada em descoberta de prova nova, o termo inicial do prazo é a data da descoberta da prova, observado, porém, por razões de segurança jurídica, o limite máximo de cinco anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975, § 2o). Dito de outro modo, nesse caso específico o prazo de dois anos será contado da data em que descoberta a prova nova que não pôde ser usada ou cuja existência era ignorada, não podendo, porém, o termo final do prazo ir além de cinco anos após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. 29 Na hipótese de ação rescisória fundada em simulação ou colusão, o termo inicial do prazo para ajuizamento da ação rescisória por terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público que não interveio no processo é o momento da ciência da simulação ou da colusão (art. 975, § 3°). Neste caso, porém, não há limite máximo de tempo a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (como havia na hipótese anterior). Assim, a ação rescisória poderia serproposta muito tempo depois do término do processo, o que gera uma imensa insegurança jurídica. Registre-se, porém, que esta regra de dilação do termo inicial do prazo para exercício do direito à rescisão não alcança aqueles que foram partes no processo original. Outra situação, distinta das anteriores, é a prevista nos arts. 525, § 15, e 535, § 8°. Trata-se do caso em que, após o trânsito em julgado de uma decisão judicial, o Supremo Tribunal Federal (pouco importando se no exercício de controle concentrado ou difuso de constitucionalidade) tenha declarado a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em que aquela sentença se baseou, ou tenha afirmado ser incompatível com a Constituição a interpretação que à lei ou ao ato normativo se tenha dado naquela decisão anterior. Pois, neste caso, a decisão anteriormente proferida com base em lei ou ato normativo inconstitucional, ou com aplicação de 30 interpretação inconstitucional de lei ou ato normativo, é considerada rescindível (por ofensa à norma constitucional), e o prazo para exercício do direito à rescisão corre do trânsito em julgado da decisão proferida pelo STF. Mais uma vez, está-se diante de caso em que a lei fixa o termo inicial do prazo decadencial para exercício do direito à rescisão mas não estabelece seu limite máximo, o que faz com que a ação rescisória possa vir a ser proposta muito tempo depois do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo original, o que é motivo de insegurança jurídica. Parece, então, que em alguns casos o sistema processual, para viabilizar a rescisão de determinadas decisões, abriria mão da segurança jurídica, já que estabelece um termo inicial móvel para que comece a correr o prazo para exercício do direito à rescisão, mas não estabelece um limite máximo de tempo para que este direito venha a ser exercido. Isto, porém, contraria a necessidade de preservação do direito fundamental à segurança jurídica (art. 5°, caput, da Constituição da República). Vale destacar, aliás, que o próprio CPC faz alusão, em sete diferentes ocasiões (art. 525, § 13; art. 535, § 6o; art. 927, § 3o; art. 927, § 4o; art. 976, II; art. 982, § 3o e art. 1.029, § 4o) à necessidade de preservação da segurança jurídica. Por tal razão, deve-se considerar que a interpretação meramente literal, por força da qual se chega à conclusão de que não há limite temporal 31 para que se exerça o direito à rescisão (desde que a ação rescisória seja proposta dentro do prazo de dois anos, cujo termo inicial, móvel, pode ocorrer a qualquer momento, sem qualquer limite) não é a interpretação constitucionalmente adequada, nem a que se conforma com o próprio sistema do CPC. Afinal, não se pode esquecer do comando contido no art. 1°, por força do qual “o processo civil será [interpretado] conforme [as] normas fundamentais [estabelecidas] na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. Por conta disso, propõe-se aqui uma aplicação analógica do disposto no art. 205 do Código Civil, que trata do limite máximo dos prazos prescricionais (mas sendo legítima essa aproximação entre prescrição e decadência, já que o próprio CPC promove essa aproximação em algumas ocasiões, como se dá, por exemplo, no art. 240). Assim, deve-se considerar que, por força da segurança jurídica inerente à própria existência dos institutos da prescrição e da decadência, nos casos previstos no art. 975, § 3°, e nos arts. 525, § 15, e 535, § 8°, o direito à rescisão só poderá ser exercido até dez anos após o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo em que se prolatou a decisão rescindenda. O Novo Processo Civil Brasileiro - 3ª Ed. 2017 (Alexandre Freitas Câmara) 32
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