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ASPECTOS DA COMPREENSÃO DIAGNÓSTICA EM GESTALT- TERAPIA Ênio Brito Pinto 2019 Desde os anos 1950 até nossos dias se podem distinguir três fases do desenvolvimento da Gestalt-terapia marcadas por posturas diversas frente ao tema da compreensão diagnóstica (Ricardo Garcia Jiménez). 1. período anti-diagnóstico; 2. Incorporação de outras perspectivas teóricas; 3. a abertura para a compreensão diagnóstica em Gestalt- terapia. As linhas mestras de uma compreensão diagnóstica em Gestalt-terapia: • A compreensão diagnóstica em Gestalt- terapia tem basicamente 2 eixos: • A compreensão diagnóstica intrínseca (que engloba também a compreensão diagnóstica estética [não só a beleza, mas os sentidos]) A N e s t e s i a : s e m s e n t i d o • A compreensão diagnóstica extrínseca Alguns critérios diagnósticos importantes “1. A dinâmica figura/fundo; 2. O self e suas funções: eu, id, personalidade; (ou, num aporte mais fenomenológico, corpo-mente-espiritualidade em um campo) 3. A intencionalidade e as descontinuações de contato (estilos de contato e sequência de contato); 4. As etapas do ciclo de vida; 5. Os temas existenciais e espirituais; 6. O ground da relação e a história (família, parcerias, sociedade); 7. O passo imediatamente seguinte no contato e a relação: Que experiência relacional é o assunto ao qual há que se atentar;” (Francesetti et al., 2014, p. 114). 8. as polaridades; 9. as principais fronteiras de contato: fronteiras corporais; fronteiras de valores; fronteiras de familiaridade; fronteiras expressivas e fronteiras de exposição. (Polsters, 1979) As linhas mestras de uma compreensão diagnóstica em Gestalt-terapia: • O diagnóstico não pode se esgotar no sintoma. • Precisa abarcar o estilo de ser (o estilo de personalidade) do cliente. • Ou seja: a compreensão do sintoma deve ser estreitamente relacionada à compreensão da personalidade do paciente. • Por exemplo: uma disfunção erétil de uma pessoa de estilo egotista (narcisista) é diferente (e é vivida diferentemente) da disfunção erétil de uma pessoa de estilo confluente (dependente). algumas questões que em Gestalt-terapia se destacam: (é a qualidade do contato e das relações que vai nos dizer da saúde emocional) Como essa pessoa se relaciona consigo? Como vive sua corporalidade, seu mundo, como se relaciona com o outro, com a realidade compartilhada? Como está sua awareness, o dar-se conta organísmico? Como essa pessoa vive sua temporalidade? Como ocupa os espaços? algumas questões que em Gestalt-terapia se destacam: Como está seu autossuporte (e sua consequente habilidade para responder às escolhas que faz), levando-se em conta a sua idade e a sua cultura? Como estão sua criatividade e flexibilidade diante das exigências da vida? Como se deixa conduzir pela situação nos infinitos processos de auto-atualização e de transformação de si e do mundo que realiza em seu dia-a-dia, em seu cotidiano, o lugar e o tempo nos quais a vida efetivamente acontece? algumas questões que em Gestalt-terapia se destacam: Como (e se) se abre para o desconhecido e para o desconhecer-se renovadores, para as possibilidades que sua inevitável e complexa abertura o conduz? Será capaz de assombrar-se com os mistérios mais profundos da vida e do sagrado como uma criança se assombra com um novo e insuspeitado conhecimento? Finalmente, como lida com as finitudes, com os desapegos, com as gestalten que diuturnamente se abrem e se fecham, com a mortalidade? As questões diagnósticas principiam sempre pela palavra “como”. O como é o foco maior de interesse para o olhar gestáltico em psicoterapia. Perls: a psicoterapia tem quatro pressupostos necessários: eu e tu, como e agora (“I and thou, how and now”). O processo de autoconhecimento e de conhecimento do outro e do mundo se fundamenta muito mais nas questões sobre como é a vida, como sou, como são as pessoas do que nos “porquês” cartesianos. seis questões mais importantes: como o cliente lida com 1) as relações; 2) a temporalidade (o tempo vivido); 3) a espacialidade (o espaço vivido); 4) a corporeidade (o corpo vivido); 5) a awareness; 6) a vida afetiva. A compreensão diagnóstica: singularidades e pluralidades • “o diagnóstico procurará dizer em que ponto de sua existência o indivíduo se encontra e que feixes de significados ele constrói em si e no mundo. Desta maneira, ‘cada homem será a medida de sua própria normalidade’.” (Augras) A compreensão diagnóstica: singularidades e pluralidades Para que a compreensão diagnóstica não se torne iatrogênica, é preciso que ele não reduza a singularidade existencial e a história do cliente a um rótulo. A compreensão diagnóstica: singularidades e pluralidades • É preciso que o terapeuta valorize em seu cliente a pessoa singular que ele é, de modo que o diagnóstico possa alcançar a descrição e a compreensão de cada pessoa em sua singularidade. • Um terapeuta chega a uma compreensão melhor da singularidade de seu cliente se não se prende apenas ao singular que seu cliente é. A compreensão diagnóstica: singularidades e pluralidades "todo homem é, sob certos aspectos, • a) como todo homem; • b) como certos homens; • c) como nenhum outro homem". (Kluckhohn e Murray) A compreensão diagnóstica: alguns aspectos A compreensão diagnóstica visa principalmente orientar o terapeuta sobre como se postar e como lidar com o cliente, e não tem a finalidade de enquadrar o cliente para lhe propor mudanças a partir de um esquema anterior e estreitamente delimitado sobre saúde. funções da compreensão diagnóstica De todas as funções da compreensão diagnóstica, certamente a mais importante é possibilitar ao terapeuta fundamentos sobre como se posicionar a serviço de seu cliente. É a partir da compreensão diagnóstica que podemos delimitar a possibilidade da terapia, sua estratégia, as melhores maneiras de nos comunicarmos com nossos clientes. Ela possibilita também prever e lidar com as possíveis e prováveis resistências do cliente e do terapeuta. O ciclo de contato e os modos de ser: Elementos para a prática psicoterapêutica A compreensão diagnóstica do estilo de personalidade • O QUE É PERSONALIDADE? Psicologia da personalidade Fatores imprescindíveis ao se estudar a personalidade humana: • Genética, ou seja, corpo; • Crescimento e desenvolvimento, i.e., mudanças no decorrer do tempo; • Relações familiares, i.e., hereditariedade e apresentação do mundo; • Cultura, geografia e época, i.e., campo; • Classe social, ou seja, oportunidades. Definições de personalidade “A personalidade é a organização dinâmica no indivíduo de sistemas psicofísicos que determinam as suas adaptações singulares ao próprio meio.” (Allport) Definições de personalidade “um específico e relativamente estável modo de organizar os componentes cognitivos, emotivos e comportamentais da própria experiência. O significado que uma pessoa atribui aos eventos e os sentimentos que acompanham esses eventos permanecem relativamente estáveis ao longo do tempo e proporcionam um senso individual de identidade. Personalidade é esse senso de identidade e o impacto que ele provoca nas outras pessoas.” (Delisle) Definições de personalidade “Padrões persistentes de perceber, relacionar- se e pensar sobre o ambiente e sobre si mesmo. Os traços de personalidade são aspectos proeminentes da personalidade, exibidos em uma ampla faixa de contextos sociais e pessoais importantes. Apenas quando são inflexíveis, mal adaptativos e causam prejuízo funcional significativo ou sofrimento subjetivo, os traços de personalidade constituem um Transtorno de Personalidade.” (DSM-IV-TR, 2002) Psicologia da personalidade • Personalidade é estrutura e processo, • Personalidade é um sistema. Psicologia da personalidade • Estrutura é o que se repete, são os padrões reincidentes.• Estrutura são “as semelhanças reincidentes e consistências do comportamento ao longo do tempo e através das situações.” Psicologia da personalidade • Processo é o que se inova e se renova, é o criativo, momentâneo e circunstancial. • É o inesperado. A estrutura possibilita uma certa previsibilidade e o auto- conhecimento. O processo traz a possibilidade da surpresa, da inovação, da aventura e pode provocar mudanças em partes da estrutura. Psicologia da personalidade Sistema é o complexo relacionamento entre estrutura e processo. Tipologia da personalidade “O conceito de tipo [ou estilo de personalidade] refere-se ao aglomerado de vários traços diferentes.” Traços são categorias para a descrição e o estudo ordenados do comportamentos de pessoas. O conceito de tipo [ou estilo de personalidade] estuda principalmente as estruturas da personalidade. 29 estilo de ser Um estudo eficaz sobre o estilo de ser ajuda a compreender as pessoas com base em certos padrões universais a partir dos quais se organiza a singularidade de cada pessoa. 30 estilo de ser Diz Jung: “são bem antigas as tentativas de, por um lado, resumir em certas categorias as infindas diferenças dos indivíduos humanos e, por outro, de derrubar a aparente uniformidade de todos os homens pela caracterização mais precisa de certas diferenças psíquicas. 31 estilo de ser • As mais antigas e conhecidas categorias provém de Cláudio Galeno, médico da Grécia que viveu no segundo século antes de Cristo. Distinguia ele quatro temperamentos básicos: o sangüíneo, o fleumático, o colérico e o melancólico. A idéia se baseia no ensinamento de Hipócrates (século V a.C.) de que o corpo humano se compõe de quatro elementos: ar, água, fogo e terra. 32 estilo de ser A esses elementos correspondem, no corpo vivo, sangue, fleuma, bile amarela e bile negra. A idéia de Galeno era de que as pessoas poderiam ser divididas em quatro classes, de acordo com a distribuição desigual desses quatro elementos nelas. O estilo de ser O estilo de personalidade se constrói a partir da combinação da natureza dada com a existência vivida, especialmente nos primeiros anos de vida, compondo um jeito de ser que se mantém relativamente inalterado em seus fundamentos ao longo da vida. Esses padrões de comportamento que compõe o estilo de personalidade são, via de regra, egossintônicos. O estilo de personalidade (ou de ser) é estrutura desenvolvida ao longo da vida e através de defesas que permitem lidar melhor com os estímulos internos e externos vividos pela pessoa. A estrutura tipológica, a qual se desenha a partir das múltiplas relações ao longo do desenvolvimento pessoal, especialmente nos primeiros anos da vida, tem como função facilitar a lida com a realidade, através de uma certa forma relativamente padronizada de ser e agir que pode, sob circunstâncias ameaçadoras em demasia, cristalizar-se, gerando vivências psicopatológicas. estilo de ser Na lida cotidiana dos processos psicoterapêuticos, o que encontramos são pessoas que precisam conhecer, aceitar e flexibilizar seu estilo de personalidade. Ajudá-las nessa tarefa é o limite da psicoterapia. Aceitação do próprio estilo de personalidade, não é passividade ou conformismo, pois não há o que fazer. Longe disso! Aceitar o próprio estilo de personalidade significa aceitar que há lutas que se apresentarão por toda a vida, exigindo cuidados especiais e atenção crítica para que o infinito processo de auto-atualização seja sempre o mais pleno possível, para que as mudanças alcançadas sejam frutíferas e duradouras, para que os obstáculos inerentes ao estilo de personalidade sejam enfrentados e as sabedorias inerentes ao estilo de personalidade sejam desenvolvidas e colocadas a serviço da vida. o diagnóstico do estilo de personalidade Na compreensão do fundo, quer dizer, do estilo de personalidade que dá sustentação ao sintoma, uma tipologia auxilia sobremaneira o terapeuta. O desenvolvimento de uma tipologia: 1. fornece elementos para diagnóstico, 2. favorece uma compreensão relacional, 3. favorece consideração e respeito para com o cliente, 4. favorece aceitar as diferenças sem julgamento, 5. possibilita ajudar ao outro como ele necessita ser ajudado, e não segundo um padrão estereotipado de ajuda. o diagnóstico do estilo de personalidade • Uma tipologia ajuda a estar atento às probabilidades psicopatológicas a que cada cliente possa propender, sempre lembrando que não existem tipos puros – uma tipologia consiste de elementos referenciais para um diagnóstico. • Uma tipologia eficaz ajuda a compreender as pessoas a partir de certos padrões universais a partir dos quais se organiza a singularidade de cada pessoa. • Uma tipologia, ao auxiliar um diagnóstico, é uma redução, mas não pode ser um reducionismo. o diagnóstico do estilo de personalidade O conceito de estilo de personalidade: • facilita compreender meu cliente, seu jeito de ser e sua experiência, • facilita compreender como o cliente se relaciona consigo mesmo e com o meio, • permite apressar a compreensão de suas faltas e de suas necessidades, de suas sabedorias e de suas potencialidades. o diagnóstico do estilo de personalidade ilumina para o terapeuta o caminho entre a percepção e compreensão da originalidade de meu cliente e a percepção e compreensão do que ele tem de comum com outros seres humanos, trajeto básico para um diagnóstico bem feito. Como todo instrumento psicológico, também uma tipologia não permite esgotar a compreensão do cliente, o que obriga a constantemente refazer o diagnóstico. a experiência do cliente é sempre maior que qualquer diagnóstico que se possa fazer dele. o diagnóstico do estilo de personalidade O estudo do estilo de personalidade não pode ser visto como uma camisa de força ou uma gaveta onde se deva encaixar cada pessoa em nome de uma suposta uniformidade, mas deve ser visto, da maneira como o uso em psicoterapia, como um instrumento auxiliar para o terapeuta em seu trabalho de compreensão e acolhimento de seu cliente. Esse uso da tipologia não ameaça ou substitui a originalidade de cada cliente. Antes pelo contrário, realça-a no encontro terapêutico. o diagnóstico do estilo de personalidade Assim como o terapeuta tem um estilo básico, também os clientes o tem; assim como o terapeuta aprende seletivamente, baseado em quem ele é, assim também os clientes. o diagnóstico do estilo de personalidade O que precisa ser modificado é o que porventura haja de cristalizado, e não o estilo de personalidade de cada pessoa. O estilo de personalidade deve ser melhor conhecido, como maneira de o cliente se descobrir mais, se compreender melhor e desenvolver mais adequadamente seus potenciais. Diferentes estilos de personalidade responderão a diferentes agentes catalisadores como indutores de mudança. O ciclo de contato e os modos de ser Ponciano Ribeiro propõe o seguinte ciclo (com as descontinuações) : Mobilização Introjeção Consciência deflexão Sensação Dessensibilização Fluidez Fixação Retirada Confluência Satisfação Egotismo Contato final Retroflexão Interação Proflexão Ação Projeção Mobilização Introjeção: esquiva Consciência Deflexão: histriônico Sensação Dessensibilização: esquizóide e esquizotípico Abertura para a vivência Retirada Confluência:dependente Fechamento Egotismo: narcisista e antissocial. Contato final Retroflexão: obsessivo- compulsivo Interação Proflexão: borderline Ação Projeção: paranóide Entendo que cada descontinuação pode aparecer em, basicamente, três formas, não necessariamente excludentes. A descontinuação pode ser um ato, um estado ou um estilo de personalidade. Nas três formas ela pode ser saudável, ou não, a depender das circunstâncias. Uma descontinuação é um ato quando episódica,esporádica, apenas um momento, não uma repetição: é o caso, por exemplo, de quando, em determinada situação, retrofletimos para evitar uma discussão improdutiva com um superior hierárquico. Nesses casos, em que não há repetições, não há a necessidade de intervenções psicoterapêuticas. Uma descontinuação constitui um estado quando a pessoa se apóia na descontinuação em função de exigência situacional, quer dizer, em determinada situação, por um determinado tempo, a pessoa se vale de sua capacidade de flexibilizar seu estilo de personalidade e vive aquela situação praticamente como se tivesse um outro estilo de personalidade. Essa vivência é possível apenas por um determinado período e em determinada situação, e logo a pessoa precisará voltar a se apoiar em seu estilo de personalidade de base. Quando esse movimento é saudável, essa porta de passagem entre o estilo de personalidade e a descontinuação como estado permanece aberta e disponível para novas incursões quando a situação vivida exigir. Quando essa porta fica truncada, o apoio em um estilo de personalidade secundário pode se repetir de maneira cristalizada, constituindo uma situação patológica. Por exemplo, em determinadas depressões uma pessoa pode ter a introjeção como defesa, repetidamente. Nesses casos, uma intervenção terapêutica pode ajudar a pessoa a desenvolver outras maneiras de lidar com o mundo, abandonando essa postura introjetiva repetida e deixando de reagir depressivamente às situações. Uma descontinuação constitui um estilo de personalidade quando se configura como estrutura da personalidade, modo peculiar e habitual de estar no mundo. Assim, a pessoa saudável é aquela que vive com ampla aceitação o estilo que lhe exige a situação, mas que fica confortável mesmo é quando a situação exige o estilo que é predominante. Mesmo sendo de um estilo confluente, uma pessoa pode tornar-se suficientemente autônoma, mas, de tempos em tempos, necessitará que alguém em quem confie lhe diga que ela é, sim, capaz de sustentar sua autonomia. Da mesma maneira, uma pessoa defletora saberá colocar-se na coxia quando isso for conveniente, mas pisará o palco tão logo tenha uma oportunidade para isso. Cada um de nós tem um jeito de ser que se repete, com maior ou menor plasticidade, desde a mais tenra existência até a morte. Isso é o que caracterizo como estrutura (ou estilo) da personalidade, ou estilo de personalidade. Essa estrutura não é necessariamente patológica, antes pelo contrário, embora possa estar adoecida, quer dizer, rígida, cristalizada, de maneira que, em vez de servir de suporte para mudanças, serve de barreira e estagnação. O diálogo que tento estabelecer, através do ciclo de contato, entre a Gestalt-terapia e o DSM-V, eixo II, como referências de estilos de personalidade encontra sentido em meu trabalho a partir de algumas reflexões, das quais quero destacar o cunho descritivo do DSM-V, o que facilita um olhar fenomenológico para ele e permite que ele seja uma referência para a visão gestáltica sobre a psicoterapia. • As referências bibliográficas estão no livro “Elementos para uma Compreensão Diagnóstica: O ciclo de contato e os modos de ser”, São Paulo, Summus, 2015
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