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ANTROPOLOGIA E CULTURA Priscila Farfan Barroso Símbolos e relações simbólicas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer a importância dos símbolos para os seres humanos. � Escrever sobre a relação entre os símbolos e a ação simbólica. � Descrever o estudo dos símbolos na vida social. Introdução Neste capítulo, você conhecerá como os símbolos atuam na comunicação entre seres humanos. E nesse sentido, estudará as relações simbólicas que permeiam a nossa sociedade. Os símbolos para os seres humanos Nos perguntamos como os homens se comunicam? Como eles entendem um ao outro? O que media essa compreensão? E nesse sentido, o que diferencia a comunicação humana dos animais? Essas perguntas podem ser respondidas a partir do estudo dos símbolos, uma vez que eles permeiam o imaginário humano e se tornam crucial para as relações humanas. Desde de muito pequenas, as pessoas aprendem a perceberem os símbolos que circulam a cultura em que vivem, e então utilizam esses símbolos para se comunicar e efetivarem suas ações (Figura 1). Assim, alguns estudiosos do assunto aprofundaram suas análises para compreender qual, de fato, é a importância dos símbolos para a comunicação dos seres humanos. O antropólogo americano Leslie White (2009) entendia que a diferença entre os seres humanos e os outros seres era justamente o fato de que os homens tivessem a capacidade de simbologizar, pois, para ele, os animais se comunicam através de sinais, e os homens se comunicam por meio de símbolos. White ex- plica o que é essa capacidade de simbologizar, em um texto inicial do seu livro: Antropologia e Cultura_U2_C9.indd 99 17/11/2017 10:47:12 É a capacidade de originar, definir e atribuir significados, de forma livre e arbitrária, as coisas e acontecimentos do mundo externo, bem como compreender esses significados. [...] Os seres humanos atribuem-lhe esse significado e estabelecem sua importância. O significado por sua vez, pode ser compreendido por outros seres humanos. Se não fosse assim, não faria sentidos para eles. Simbologizar, portanto, envolve a possibilidade de criar, atribuir e compreender significados (WHITE, 2009, p. 9, grifo nosso). Então, é através dos significados dados aos símbolos que os homens se comunicam e se entendem, a fim de identificar coisas, atos, sons e tudo o que não é sensorial. Por exemplo, em relação a crença do sagrado. O que é definido pelo homem como sagrado e o que não é também se dá como atribuição de significados. Entre os católicos, as imagens de santos são sagradas, mas entre evangélicos as imagens não são veneradas porque eles fazem uma outra leitura da bíblia. Desse modo, em uma mesma cultura, as interpretações dos grupos dos sociais existentes também podem ser diferentes e até opostas. White (2009) ainda afirma que foi por esse processo de amadurecimento de evolução neurológica da capacidade de simbologizar que se fundou a criação e construção da cultura. Então, os símbolos seriam as unidades básicas do com- portamento humano e se constituiriam como aporte para o desenvolvimento da cultura, de modo que o significado de uma coisa ou algo dependesse inclusive do contexto de análise, baseado na cultura em questão. O autor ainda explica melhor essa relação ao defender que: “A cultura como um todo – em termos ideológicos, sociológicos e tecnológicos – depende da simbolização, que se expressa principalmente no discurso articulado” (WHITE, 2009, p. 28-29). Por meio da linguagem é que se organiza o pensamento permeado por símbolos e a comunicação entre as pessoas se dá por meio da linguagem. Essa linguagem é permeada por símbolos que fazem sentido em uma cultura específica, assim, por meio dela é possível acumular e transmitir conheci- mento adiante, bem como originar as instituições sociais que estruturam a sociedade. Logo, o estudo dos símbolos é crucial para que possamos analisar e compreender como se dá a comunicação entre os seres humanos tornando possível seus modos de vida. Por isso, se queremos entender os significados de uma outra cultura, temos de acessá-la ou mesmo mergulhar nela e buscar os símbolos que fazem sentido ali. Símbolos e relações simbólicas100 Antropologia e Cultura_U2_C9.indd 100 17/11/2017 10:47:12 Você pode ver o documentário O rap pelo rap, de Pedro Fávero, que fala sobre os simbolismos que per- meiam esse estilo de música. E também aproveitar para refletir um pouco mais sobre os significados que circulam entre as pessoas que têm o rap como estilo de vida a partir dos depoimentos e entrevistas. https://goo.gl/PpHjZ1 Os símbolos e a ação simbólica Após compreender a importância dos símbolos, cabe entender como se dá a circulação desses símbolos na sociedade. Com esse objetivo, vamos trazer as ideias de Clifford Geertz (2008, p. 9) a fim de entender a afirmação de que “o comportamento humano é visto como ação simbólica”. Podemos dizer que essa ação simbólica pode ser intrepretada a partir dos seus contextos culturais, e não como se pudessem ser explicados definitivamente por si própria. Para situar o pensamento do autor, destacamos que ele se filia a antropologia simbólica fundante na Universidade de Harvard, nos anos 60 e 70, sendo esta prenunciada pelo estruturalismo francês de Levi-Strauss (1908-2009) ao expor certa resistência à metodologia cientificista e ao considerar o particularismo das culturas (BARNARD; SPENCER, 2002). Assim, seria por meio da interpretação das culturas que se desvendaria os símbolos permeados entre os seres humanos, resultando na ação simbólica. A ação simbólica, por sua vez, associa a ação e a representação, ou seja, não podemos pensá-las de modo separadas, pois elas serão reveladas a partir do fluxo do discurso social de uma maneira contextualizada e dinâmica, como Geertz (2008) compreende a cultura, e não uma ação simbólica disposta em uma estrutura fechada e, de certa maneira, estática como teorizava Lévi-Strauss. Geertz entende que caberia então inspecionar o fluxo do discurso social, em uma atenção elucidativa aos significados em questão. Assim, nos processos de observação, análise e registro da cultura do outro seria possivel acessar os significados e interpretá-los, de modo que esses processos ocorrem de maneira simultâneas. Logo, quem observa para tentar entender a ação simbólica parti- cipa também da construção desse significado, podendo perceber as recorrências dos significados envoltos na dimensão humana, como propõe Geertz (2008). 101Símbolos e relações simbólicas Antropologia e Cultura_U2_C9.indd 101 17/11/2017 10:47:12 Podemos dizer, então, que Geertz aposta em uma ideia de que a experiência do outro está imbuída de uma troca constante de símbolos significantes. Esse termo de “simbolos significantes”, o autor retoma de Mead (apud GEERTZ, 2008, p. 33) para aplicar à “[...] qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e que seja usada para impor um significado à experiência”. Assim, o foco do estudo da cultura são os mecanismos empregados pelos indivíduos ou grupos de indivíduos ao se situar(em) no mundo. Objetiva-se a compreen- são da estrutura significativa da experiência sem perder de vista a dimensão temporal. De modo que o autor enfatiza que “é preciso compreender tanto a organização da atividade social, suas formas institucionais e os sistemas de idéias que as animam, como a natureza das relações existentes entre elas” (GEERTZ, 2008, p. 150). No estudo sobre a sociedade balinesa, Geertz (2008) aplica essas ideias para desvendar os significados em outra cultura. E retomando alguns pontos de sua obra, quando trata da pessoa, do tempo e da conduta em Bali, Ge- ertz se interessa no como se define as pessoas e como elas são percebidas na interação com outras pessoas. Assim, ele aposta em uma investigação empírica e sistemática em que a experiência do outro está imbuída de uma troca constante de símbolos significantes,sendo foco do estudo da cultura os mecanismos empregados pelos indivíduos ou grupos de indivíduos ao se situar(em) no mundo. Quanto às brigas de galo na sociedade balinesa (GEERTZ, 2008) (Figura 2), Geertz interpreta que a rinha entre os animais, no espaço público, explicita aspectos culturais nos quais os homens se realizam simbolicamente no que lhe é interditado socialmente. Destaca-se que há aversão ao comportamento animal. Entretanto, as pessoas estão absorvidas em um fluxo de atividade comum que as relacionam entre si, sendo que os galos são entendidos como “ampliação da personalidade de seus proprietários” (GEERTZ, 2008, p. 190), em que se explicita uma rivalidade entre posições sociais em uma dada sociedade. Símbolos e relações simbólicas102 Antropologia e Cultura_U2_C9.indd 102 17/11/2017 10:47:12 Figura 2. Rinha de galos balinesa, considerada de extrema importância nesta cultura. Fonte: Bali Rooster Fight (2017). Enquanto se desenrola a briga de galos, as pessoas assumem certos temas, como “[...] morte, masculinidade, perda, beneficências, oportunidade – e ordenando-os em uma estrutura globalizante, apresenta-os de maneira tal que alivia uma visão particular da sua natureza essencial” (GEERTZ, 2008, p. 2016). As apostas nos galos, realizadas nos bastidores, estão atreladas a uma série de regras em que o pesquisador deve se atentar para que a ação social seja interpretada a partir do contexto cultural, uma vez que a cultura é pública porque o significado o é, como defende Geertz (2008). Assim, o autor se dedica a refletir sobre a concepção de pessoa na so- ciedade balinesa, destancando definições de ordens simbólicas também no reconhecimento destas pessoas. Os nomes pessoais, que não são muito acio- nados na vida pública; os nomes da ordem do nascimento, designados para os primeiros filhos de um casal, explicitando aqueles que ainda não procriaram; os termos de parentesco, que classificam em termos geracionais aqueles que são contemporâneos; os tecnônimos, que são mais usados na ordem social ao explicitar a relação entre alguém e outro, vinculados a procriação de casais, de modo a estabelecer uma possibilidade de continuidade reprodutiva; título de status, que se referência por uma ordem divina podendo estar combinado com a dimensão do poder, da riqueza e da divisão do trabalho; e títulos públicos, 103Símbolos e relações simbólicas Antropologia e Cultura_U2_C9.indd 103 17/11/2017 10:47:13 que são explicitados na ordem pública em relação ao que o indivíduo faz da sua vida (GEERTZ, 2008). Os símbolos na vida social A discussão desse capítulo é um convite para que percebamos os simbo- lismos presentes em nossa cultura. Talvez pela familiaridade com o que faz sentido para nós, não nos damos conta da potencialidade interpretativa dos significados que permeiam os símbolos em nossa cultura. Entretanto, se fizermos um exercício de compreensão de aspectos culturais que sejam distanciados a nós, poderemos acessar, observar e interpretar os signifi- cados relevantes para as outras pessoas, e que mesmo sendo estranhos a nós, conhece-los nos fará ampliar nosso conhecimento dos modos de vida existentes em nossa cultura. Podemos não compreender porque alguém gosta de um estilo de música, pensa de tal jeito sobre um assunto ou mesmo faz parte de uma religião que não faz sentido. Mas, se soubermos aplicar alguns conhecimentos de etnografia apreendidos nessa disciplina, será possível, como fala Geertz, diferenciarmos uma piscadela de uma contração involuntária das pálpebras e, assim, reali- zar uma interpretação que faça sentido na cultura analisada. De modo que, aos poucos, pode-se compreender “a hierarquia estratificada de estruturas significantes em termos das quais os tiques nervosos, as piscadelas, as falsas psicadelas, as imitações são produzidas, percebidas e interpretadas” (2008, p. 5). Logo, conclui-se que não estamos em busca de uma verdade pronta, fechada e incontestável, mas uma afirmação etnográfica sobre sua interpretação das estruturas de significados socialmente estabelecidos. Nesse sentido, para compreender, cabe comparar, negociar e questionar as interpretações configuradas, uma vez que elas não têm necessariamente o propósito de inferir generalizações da estrutura social como os estruturalistas faziam, mas sim de interpretar a cultura do outro, considerando o empenho em relativizar seus próprios valores e normas sociais. Ao mesmo tempo, Geertz (2008) aconselha que se concentre em voos baixos nessas análise, sendo esses mais vantajosos do que os voos altos, pois, quando a pessoa quer compreender a cultura do outro como um todo, pode equivocar-se com mais facilidade. Por isso, caberia mais propor perguntas e alguns refinamentos de debates do que fazer grandes afirmações, gerar consensos e estabelecer explicações definitivas. Símbolos e relações simbólicas104 Antropologia e Cultura_U2_C9.indd 104 17/11/2017 10:47:13 Falamos ao longo do texto em ver, mas esse ver não está só relacionado à visão, e sim a percepção. Por isso, você pode ver o documentário Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho, de 2001, para sensibilizar-se sobre a percepção dos símbolos que permeiam a vida social. https://goo.gl/jjYsyW 105Símbolos e relações simbólicas Antropologia e Cultura_U2_C9.indd 105 17/11/2017 10:47:13 BALI ROOSTER FIGHT. 2017. Disponível em: <https://br.pinterest.com/pin/547891110 901075472/?lp=true>. Acesso em: 1 out. 2017. BARNARD, A.; SPENCER, J. Encyclopedia of cultural and social anthropology. London: Routledge, 2002. CIBERDUVIDAS. ([2000?]). Disponível em: <https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/quem- -somos>. Acesso em: 1 out. 2017. GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. WHITE, L. O conceito de cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 2009.
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