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Apostila - Antropologia da Religião_2020 (1)

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Agosto / 2020
Professor/autor: Mestrando Cezar Flora
Projeto Gráfico e Capa: Mauro Rota - Departamento de Marketing e Comunicação
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por:
Rua: Martinho Lutero, 277 - Gleba Palhano - Londrina - PR
86055-670 Tel.: (43) 3371.0200
3Antropologia da Religião | FTSA | 
SUMÁRIO
Antropologia da Religião
Unidade I - Fundamentos
Introdução.......................................................................................................................04
1.1. Pensar a partir da antropologia......................................................................................04
1.2. Religião e cultura.............................................................................................................21
Unidade II - Símbolos e práticas
Introdução.......................................................................................................................35
2.1. Símbolos..........................................................................................................................35
2.2. Mitos................................................................................................................................49
2.3. Rituais..............................................................................................................................60
Unidade III - Crenças
Introdução.......................................................................................................................69
3.1. Antropologia da crença.................................................................................................69
3.2. Entidades religiosas.......................................................................................................87
3.3. Magia e religião...............................................................................................................98
Unidade IV - Antropologia missionária
Introdução....................................................................................................................105
4.1. Perspectivas da missiologia.......................................................................................105
4.2. Desafi os contemporâneos...........................................................................................117
Resultado dos exercícios .........................................................................................139
| Antropologia da Religião | FTSA4
UNIDADE I - Fundamentos
Introdução
Para aqueles que criam que a religião desapareceria, a vida 
contemporânea insiste em mostrar que a religião ainda está viva e exerce 
um papel signifi cativo na vida das pessoas e na sociedade. Não é raro nos 
depararmos com noticiários que ressaltam alguns dos novos desafi os 
colocados para a religião em contraste com alguns desvios, por vezes 
até violentos, de conduta em relação ao outro. O pluralismo sempre se 
fez presente de uma forma ou de outra, porém, o pluralismo atual coloca 
às religiões o desafi o de promoverem um convívio pacífi co.
Neste sentido, o nosso contexto requer que repensemos as nossas 
formas de olhar para o outro. Uma das marcas características da 
antropologia é seu olhar para o outro, para o diferente, em busca 
de compreensão. E é aqui que a antropologia se coloca como uma 
ferramenta frente aos desafi os que nos são lançados pelas dinâmicas da 
vida. Nosso recorte será especifi camente a religião, assim, buscaremos 
pontuar nesta primeira unidade as contribuições da antropologia para o 
desenvolvimento de uma melhor compreensão da religião do outro, ou 
da outra religião. 
1.1. Pensar a partir da antropologia
1.1.1. Um olhar para o outro
Hoje temos acesso a uma quantidade imensa de informações sobre 
culturas distantes. São textos, fotos, vídeos e outros tantos recursos que 
estão disponíveis à distância de um “clique”. Se antes essas informações 
dependiam de algumas poucas fontes, a internet possibilitou uma 
explosão de diferentes fontes. Assim, ao mesmo tempo em que o acesso 
ao distante se torna mais fácil também assistimos a uma multiplicação 
dos pontos de vista através dos quais podemos olhar para o outro.
5Antropologia da Religião | FTSA | 
A familiaridade com as nossas práticas culturais nos faz ver as práticas 
do outro como algo exótico, excêntrico. Quando se trata da religião a 
questão não é diferente. Porém, temos distintas possibilidades de 
olharmos para a religião do outro. Iniciemos com o olhar do turista cultural. 
Nessa modalidade de turismo o objetivo é vivenciar ou ter experiências 
com aspectos de outra cultura naquilo que ela tem de diferente. Quanto 
mais exótica ou excêntrica, melhor. 
Dentre os aspectos exóticos da cultura do outro encontra-se a religião. 
Tomemos como exemplo as viagens turísticas para a Índia. A religião 
hindu, com a arquitetura de seus templos e suas práticas religiosas 
diferentes das nossas, atrai a atenção dos inúmeros turistas que 
anualmente visitam aquele país. Na bagagem de volta para a casa esses 
turistas trazem suvenires, muitas fotos e, para alguns, experiências 
espirituais novas. Talvez práticas de meditação ou algum amuleto que 
serão incrementados ao seu dia a dia.
Por mais que esse olhar possa parecer desinteressado, não existe um olhar 
neutro para o outro. Qualquer forma de olhar sempre estará eivada por 
valores – pelos valores daquele que olha. Porém, cada forma de olhar será 
marcada por comportamentos distintos. Enquanto turista cultural, minha 
preocupação pode ser apenas vivenciar o clima exótico do outro. Todavia, 
ao olhar para a religião do outro a partir da minha própria religião a questão 
se coloca de outra maneira. Dentre as formas possíveis, listemos três. 
Em primeiro lugar, podemos olhar para a religião do outro a partir da 
apologética, que pode ser entendida como defesa da fé. Há uma forma de 
defesa que busca olhar para a religião do outro tendo por objetivo tanto 
validar as próprias crenças do quanto negar a validade das crenças do 
outro. Essa defesa pode ser feita através da declaração de nulidade das 
crenças, práticas e entidades do outro ou da atribuição das mesmas à 
esfera de atuação demoníaca. Ou, por outro lado, mesmo reconhecendo 
certo grau de validade na religião do outro – o anseio pelo divino está 
inscrito no coração do ser humano, mesmo que tenha sido distorcido 
pelo pecado – o apologeta declara a sua religião como verdadeira, no 
| Antropologia da Religião | FTSA6
sentido de contrapor à realidade do fenômeno indicado nas práticas e 
crenças do outro.
Em segundo lugar, podemos observar a partir da ótica missionária. Aqui 
podemos indicar como exemplo clássico a disciplina de “Antropologia 
Missionária”. Esta disciplina busca na antropologia ferramentas para 
melhor compreensão de situações transculturais, visando o exercício 
das atividades próprias à prática missionária, tais como a compreensão 
da cultura dos povos a serem evangelizados e a tradução da Bíblia para 
os idiomas ou dialetos destes povos de forma contextual e relevante.
Em terceiro lugar, a partir da prática do diálogo inter-religioso. A relação 
entre determinadas expressões de violência e a religião não é algo novo. 
Porém, para cada momento da história humana essa relação adquire 
contornos próprios a depender da forma como se constroem as interações 
possíveis entre a religião e as outras dimensões da sociedade, bem como 
os ideais para o convívio interpessoal e intersocial. Na busca de uma 
sociedade pautada no diálogo e atenta contra as relações violentas, uma 
sensibilidade diferente marca presença nas refl exões sobre o papel das 
religiões no mundo contemporâneo.
Frente a tarefa da construção de caminhos que proporcionem uma 
redução ativa dos níveis de violência surge a possibilidade de se pensar 
novas formas de entendimento da relação entre os diferentes grupos 
religiosos, formas que contribuam para o estabelecimento de uma 
solidariedade mútua e comprometida com a paz. Nesse contexto ganhadestaque a prática do diálogo inter-religioso.
O diálogo inter-religioso demonstra a possibilidade 
de uma nova perspectiva de atuação das religiões 
ao reconhecer que essas podem exercer um papel 
signifi cativo na construção de uma ética da superação 
da violência; que podem igualmente dedicar-se à 
tarefa comum de salvaguardar a integridade dos seres 
humanos e da terra ameaçada (Teixeira, 2003, p. 21).
7Antropologia da Religião | FTSA | 
Quando falamos da prática do diálogo inter-religioso não devemos 
confundi-la com uma única proposta, pois há muitas formas diferentes de 
se construir esse diálogo. Talvez uma tônica comum seja a salvaguarda 
contra o predomínio de uma religião sobre outra, o que não condiz com 
“o mito de uma ‘religião mundial’, que apagaria todas as diferenças e 
comprometeria a originalidade irredutível de cada tradição religiosa” 
(Idem, p. 24). Dentre as formas possíveis de diálogo, Faustino Teixeira 
destaca três: a cooperação religiosa em favor da paz, o intercâmbio 
teológico e o diálogo da experiência.
Estas são apenas algumas das muitas possibilidades de abordagem do 
tema da religião. Nesse sentido convém pontuarmos a perspectiva de 
abordagem desta disciplina de Antropologia da Religião. Não faremos aqui 
antropologia missionária – o que não signifi ca que alguns dos princípios 
abordados aqui não possam ser aplicados na prática missionária da 
igreja. Assim, nesta disciplina nos limitaremos a olhar para a religião a 
partir de ferramentas próprias da antropologia. Abordagem que também 
tem muito a contribuir para o diálogo inter-religioso ao proporcionar a 
compreensão do fenômeno religioso a partir da perspectiva antropológica.
| Antropologia da Religião | FTSA8
Exercício de Reflexão - 01
Vamos fazer o seguinte exercício refl exivo: primeiro, traga à 
memória um ritual indígena interessante que alguma vez já te 
chamou atenção, e te encantou pela beleza dos detalhes. Depois, 
olhe para a fi gura ao lado, e pense nos atabaques tocando em um 
terreiro de candomblé. Agora, responda, qual das duas atribuímos 
mais facilmente ao demônio e qual atribuímos a uma mera 
manifestação cultural da fantasia humana?
1.1.2. As questões da antropologia 
Em sua etimologia a palavra antropologia se compõe pela junção de 
dois termos gregos: anthropos e logos. Segundo uma possível tradução 
direta: estudo do homem. A simples defi nição etimológica da palavra 
mostra-se ao mesmo tempo muito geral e pouco esclarecedora quanto 
a especifi cidade da disciplina. Embora o olhar para o outro não seja uma 
atitude nova para o humano, a disciplina tal como a conhecemos hoje é 
fruto dos desdobramentos da modernidade. 
O fenômeno humano enquanto objeto de pesquisa apresenta-se como algo 
complexo, que permite a formação de múltiplas formas de abordagem. 
Diferentes campos de estudo são passíveis de se desdobrarem em 
disciplinas distintas, tais como a sociologia, a economia, e ciência política, 
a psicologia e outras. Levando em consideração a defi nição etimológica 
de antropologia talvez pudéssemos imaginar uma “superciência do ser 
humano” que englobaria e integraria todas as outras disciplinas. No 
entanto, não é assim. A antropologia é uma disciplina, ao lado de outras 
disciplinas, que buscam se aproximar do complexo fenômeno humano.
Sagrega defi ne a antropologia nos seguintes termos: “é a disciplina 
que tem a tarefa urgente de explicar o homem em sua multiplicidade 
fenomênica” (apud Santisteban, 2018, p. 19). Esta defi nição acentua uma 
das principais tônicas da antropologia, o olhar para o outro. Em seus 
9Antropologia da Religião | FTSA | 
primórdios a disciplina foi marcada pela análise de culturas não ocidentais, 
ou talvez, não europeias. O antropólogo encara o fato da multiplicidade 
fenomênica do humano e refl ete sobre o aparente paradoxo desse ser que um 
só, como ser-espécie da natureza, e ao mesmo tempo é multiforme em suas 
expressões coletivas. Frente a esse outro, o antropólogo se põe a descrever 
seu modo de vida a fi m de explicá-lo de forma teórica e, em alguns casos, 
propor aproximações comparativas ou esboçar teorias mais abrangentes.
Enquanto grande parte da pesquisa antropológica antes do fi nal do século 
XIX era feita a partir de relatos de administradores de províncias, viajantes, 
comerciantes, missionários e outros, a partir do século XX, a experiência 
em campo começa a se tornar uma exigência fundamental para os 
pesquisadores na produção de suas monografi as. Essa experiência do 
antropólogo será descrita pelo termo etnografi a, que consiste em um dos 
métodos fundamentais, uma forma de aproximação da realidade a ser 
estudada. Para Geertz,
a etnografi a é uma descrição densa. O que o etnógrafo 
enfrenta, de fato [...] é uma multiplicidade de estruturas 
conceptuais complexas, muitas delas sobrepostas ou 
amarradas umas às outras, que são simultaneamente 
estranhas, irregulares, inexplícitas, e que ele tem que, de 
alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar 
(1989, p. 20).
Glossário
Etnografi a é o estudo descritivo da cultura dos povos, sua língua, 
raça, religião, hábitos etc., como também das manifestações 
materiais de suas atividades. É a ciência das etnias. Do grego 
ethos (cultura) + graphe (escrita). A etnografi a estuda e revela os 
costumes, as crenças e as tradições de uma sociedade, que são 
transmitidas de geração em geração e que permitem a continuidade 
de uma determinada cultura ou de um sistema social (https://www.
signifi cados.com.br/etnografi a/).
| Antropologia da Religião | FTSA10
Geertz compara esse fazer etnográfi co com a tentativa de ler um 
manuscrito cheio de desafi os para aquele que se põe a decifrá-lo. A 
etnografi a não consiste somente em uma coleta de dados, mas envolve 
um processo de compreensão e explicação. Pelo fato de a experiência 
humana ser integral – por mais que o pesquisador possa destacar 
determinada dimensão da vida, trata-se sempre de uma experiência 
integral – a antropologia buscará atentar para a totalidade de experiências 
do grupo/objeto de sua pesquisa. Desse modo, qualquer explicação de 
um costume, um rito, uma prática, uma instituição etc., deverá levar em 
conta uma perspectiva de conjunto.
Saiba mais
Há uma série de fenômenos de suma importância que de forma 
alguma podem ser registrados apenas com o auxílio de questionários 
ou documentos estatísticos, mas devem ser observados em sua plena 
realidade. A esses fenômenos podemos dar o nome de os imponderáveis 
da vida real. Pertencem a essa classe de fenômenos: a rotina do trabalho 
diário do nativo; os detalhes de seus cuidados corporais; o modo como 
prepara a comida e se alimenta; o tom das conversas e da vida social 
ao redor das fogueiras; a existência de hostilidade ou de fortes laços de 
amizade, as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas; a 
maneira sutil, porém inconfundível, como a vaidade e a ambição pessoal 
se refl etem no comportamento de um indivíduo e nas reações emocionais 
daqueles que o cercam. Todos esses fatos podem e devem ser 
formulados cientifi camente e registrados; entretanto, é preciso que isso 
não se transforme numa simples anotação superfi cial de detalhes, como 
usualmente é feito por observadores comuns, mas seja acompanhado de 
um esforço para atingir a atitude mental que neles se expressa. É esse 
o motivo por que o trabalho de observadores cientifi camente treinados, 
aplicado ao estudo consciencioso dessa categoria de fatos, poderá, 
acredito, trazer resultados de inestimável valor.
MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do pacífi co ocidental. Abril S.A. 
Cultural e Industrial: São Paulo, 1976, p. 34
11Antropologia da Religião | FTSA | 
A abordagem comparativa é também um dos desdobramentos possíveis 
da pesquisa antropológica. Em The Golden Bought (1890), James Frazer 
faz uma extensa investigação comparativa de mitos, ritos e religiões 
com vistas a propor a reconstrução de uma evolução hipotética das 
sociedades humanas. Essa forma de comparação não émais praticada 
entre antropólogos. Aqueles que praticam a abordagem comparativa 
hoje não mais isolam os recortes de seus contextos, buscando vê-los 
enquanto parte destes – como sistemas de relações.
Outro desenvolvimento possível das pesquisas antropológicas é a 
proposição de teorias mais abrangentes a respeito das diversas sociedades 
humanas. Esse pode ser um passo válido, mas requer um nível maior de 
abstração, pois as monografi as antropológicas normalmente têm em 
vista o recorte bem específi co de determinado grupo humano. Sobre esse 
processo, Geertz assinala que “o antropólogo aborda caracteristicamente 
tais interpretações mais amplas e análises mais abstratas a partir de um 
conhecimento muito extensivo de assuntos extremamente pequenos” 
(2008, p. 15). Um exemplo são os estudos sobre “parentesco”.
A prática antropológica não se caracteriza por uma abordagem única, 
mas, como toda ciência humana, é marcada por uma multiplicidade de 
formas de abordagem de seu objeto. Com já pontuamos, o fenômeno do 
humano é múltiplo. Ora essa multiplicidade também se mostra nas muitas 
formas possíveis de aproximação. Outro fator a destacarmos é que, sendo 
uma dentre várias disciplinas das ciências humanas, a antropologia não 
possui um objeto exclusivo, mas sua abordagem se sobrepõe a outras 
que também visam o ser humano em suas multiformes manifestações. 
Assim, ela tanto pode fazer uso de métodos e instrumentos de outras 
disciplinas quanto outras disciplinas podem dela fazer uso para seus 
propósitos. O que isto signifi ca na prática é que a antropologia pode 
recorrer à história, sociologia, psicologia, etc. no auxílio de seus estudos.
Por último, vale destacar que a antropologia pode nos proporcionar 
um momento de estranhamento em relação à nossa própria realidade. 
| Antropologia da Religião | FTSA12
Olhar para o outro a partir da perspectiva da antropologia implica ir além 
de um fascínio ou aversão pelo exótico, pelo excêntrico, instaurando-
se uma ocasião oportuna de irmos além de uma dicotomia simplista 
e enganosa entre nós e eles. O outro, o diferente, também pode ser a 
oportunidade para uma experiência de descentramento, uma ruptura 
com qualquer forma de etnocentrismo – ou seja, da tendência de colocar 
a nossa cultura (crenças, costumes, religião etc.) como centro a partir 
do qual avaliamos e julgamos o outro. A crítica pós-colonial denunciou 
essa atitude etnocêntrica inscrita às vezes no cerne da própria prática 
antropológica que, embora tenha interpretado de forma simpática outras 
culturas não ocidentais as defendeu por um apadrinhamento visando 
representar outros “que eram incapazes de representar a si mesmos” ou 
a partir de uma imagem uniformemente passível e imutável do outro – 
tornar o outro um objeto essencializado, congelando-o no tempo.
1.1.3. A abrangência da antropologia
Na literatura antropológica podemos encontrar duas nomenclaturas para 
a disciplina: antropologia social e antropologia cultural. Essa distinção 
de nomes deve-se mais a ênfases dadas em determinadas escolas no 
início do século XX. Segundo Eriksen e Nielsen (2007), enquanto na 
Inglaterra, no período entre as duas grandes guerras, remodelou-se a 
disciplina em antropologia social – comparativa, de base sociológica, 
tendo como conceitos nucleares: estrutura social, normas, estatutos e 
interação social –, nos Estados Unidos ela se tornou conhecida como 
antropologia cultural. No sentido americano, a cultura é um conceito 
mais amplo do que a sociedade, ou seja, se “a sociedade é constituída de 
normas sociais, instituições e relações, a cultura consiste em tudo o que 
os seres humanos criaram, inclusive a sociedade – fenômenos materiais 
(um campo, um arado, uma pintura...), condições sociais (casamento, 
famílias, o Estado...) e signifi cado simbólico (língua, ritual, crença)” (p. 
53). Assim, podemos dizer que se trata da mesma disciplina, mas com 
ênfases próprias a depender da tradição do pesquisador.
13Antropologia da Religião | FTSA | 
A fi m de corresponder a complexidade do fenômeno em análise a 
disciplina divide-se em alguns domínios, ou subdisciplinas: antropologia 
física ou biológica, arqueologia, linguística e antropologia cultural ou 
social. Pontuemos algumas das contribuições destes ramos para a 
antropologia. Porém, desde já ressaltemos que esses domínios não são 
exclusivos da antropologia, ou encontram-se a ela submetidos, mas, sim, 
são áreas que tem muito a contribuir com as pesquisas antropológicas.
Comecemos pela antropologia física ou biológica. A publicação da 
Evolução das espécies, em 1859, pelo biólogo inglês Charles Darwin, 
revolucionou a forma de se pensar a diversidade das espécies na 
natureza e a ideia científi ca de vida. A despeito das ideias da teoria da 
evolução terem sido utilizadas para fundamentar o racismo científi co 
do século XIX, a antropologia superou esse uso, e hoje busca nos 
registros biológicos algumas chaves signifi cativas para a explicação do 
animal humano. Ela volta a sua atenção para a condição do ser humano 
enquanto uma espécie biológica, localizada na ordem dos primatas – o 
homo sapiens –, e a partir desta perspectiva, busca analisar o processo 
formativo do humano em seus aspectos físicos, examinando esqueletos 
dos ancestrais dessa espécie e alimentando-se também de informações 
advindas de pesquisas biológicas, através de comparações da carga 
genética e do comportamento do ser humano com outros antropoides. 
Todavia não se trata de partir de um quadro defi nido uma vez por todas 
quando se trata da reconstituição da evolução da linhagem humana. 
Vez ou outra somos informados sobre novas descobertas que colocam 
de cabeça para baixo quadros antes defi nidos. Porém, trata-se de 
uma pesquisa válida que busca encontrar o lugar da espécie humana 
na natureza e conhecer a sua especifi cidade. Por detrás desta busca 
encontra-se a questão sobre o quanto de animal existe no ser humano, 
perguntando-se em que medida seu comportamento é próximo ou 
distante de outros antropoides – e quanto de cultura está presente 
também nessas diferenças. Não se trata da busca de um determinismo 
biológico, pois os bioantropólogos não negam que a cultura contribuiu 
| Antropologia da Religião | FTSA14
para que o ser humano se tornasse naquilo que é hoje: a sua capacidade de 
comunicação através de um sistema linguístico complexo e sofi sticado, 
a fabricação e o emprego de ferramentas e a adoção generalizada da 
proibição do incesto como regra fundamental da sociedade humana 
(Gomes, 2014, p. 17).
A pergunta pelas origens e desenvolvimento do ser humano é auxiliada 
também pela arqueologia. Não raro somos surpreendidos com notícias 
sobre novas descobertas de dados sobre culturas antigas, que apontam 
para outros modos de vida. Dentre os materiais “desenterrados” pelos 
antropólogos temos inúmeros vestígios da cultura material de povos que 
já não existem, e que testemunham da cultura material desenvolvida por 
eles, permitindo a identifi cação de padrões, similaridades, diferenças, 
singularidades etc. A arqueologia fornece material tanto para a 
antropologia cultural – com dados a respeito de culturas passadas 
– quanto para a antropologia biológica – com dados para que os 
bioantropólogos possam formular seus modelos e teorias sobre a 
evolução biológica do ser humano.
A ideia [da arqueologia] é reconstruir o passado 
por meio das evidências concretas que podem ser, 
literalmente, desenterradas: lascas de pedras que 
um dia foram facas, furadores e raspadores; ossos, 
esqueletos e corpos mumifi cados, que podem dar 
dados sobre idade, doenças, hábitos alimentares, status
social; pólens e dejetos fossilizados que podem indicar 
hábitos alimentares; madeira carbonizada, que ajuda 
a determinar a idade de seu uso e, portanto, a idade 
do sítio arqueológico; cerâmica, que indica técnicas, 
arte, alimentação; monumentos, templos, tumbas, 
enterramentos, cemitérios, depósitos de lixo, etc., que 
podem indicar nível econômico, organizaçãopolítica e 
religiosa, sedentarização, transumância ou nomadismo 
(Gomes, 2004, p. 21).
15Antropologia da Religião | FTSA | 
Por último, a linguística. Conscientes do papel da língua no processo de 
apreensão do mundo da natureza e da cultura, os estudos da linguagem 
se apresentam como um dos campos que auxiliam a antropologia. 
Enquanto um veículo da cultura, a língua se colocaria como a, ou uma das, 
intermediações entre o ser humano e a natureza. Dentre as contribuições 
da linguística, ressaltemos duas. Ainda sob o nome de Filologia – surgida 
em fi ns do século XVIII –, os estudiosos se deram conta do parentesco 
entre algumas línguas, daí a metáfora das famílias linguísticas que, num 
processo regressivo, remontariam a uma primeira língua mãe – hoje 
essa ideia é questionada pelo plurigenismo (múltiplas gêneses). Porém, 
independente de suas origens, o signifi cado atual de uma palavra não 
é determinado pela sua origem ou raiz, mas pelas circunstâncias em 
que a língua está inserida. A segunda contribuição advém da linguística 
contemporânea, que vê e língua enquanto um sistema coeso, onde a 
compreensão de qualquer som se dá apenas a partir de sua relação 
com seu sistema linguístico. Se a língua é uma das partes essenciais da 
cultura, não seria a cultura também estruturada da mesma forma?
Neste ponto poderíamos imaginar talvez que a antropologia seja uma 
disciplina que olha apenas para o passado, para sociedades antigas 
e primitivas. Em seus primeiros passos, enquanto uma disciplina 
acadêmica, a antropologia foi marcada por pesquisas a respeito de 
sociedades primitivas, porém, com o objetivo de melhor compreender o 
humano do seu presente. Embora as pesquisas sobre povos primitivos 
estejam presentes na antropologia, ela se volta hoje para uma gama 
maior de temas, o que se pode constatar pelo título de algumas subáreas: 
urbana, camponesa, da violência, do poder, da alimentação, da guerra, da 
música, do consumo e muitas outras. Porém, independentemente se olha 
para hoje ou para o passado, ela se constitui em uma das ferramentas 
através das quais o ser humano se compreende.
1.1.4. Pensar a religião a partir da antropologia
Ao fi nal deste primeiro percurso devemos levantar a questão das 
contribuições da antropologia para a compreensão do fenômeno 
religioso. Enquanto uma disciplina que se atenta para a diversidade 
| Antropologia da Religião | FTSA16
do humano a antropologia levará a sério a questão da diversidade das 
religiões, levantando questões tais como: Qual o leque de diversidade 
das religiões? Há alguma coisa que seja compartilhada por todas as 
religiões? Quais relações existem entre a religião e seu contexto cultural, 
social e natural? Porém, o que é religião para a antropologia? Comecemos 
com duas defi nições:
... uma religião é um sistema solidário de crenças e de 
práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, 
proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma 
comunidade moral, chamada igreja, todos aqueles que 
a elas aderem (Durkheim, 1996, p. 32).
religião é (1) um sistema de símbolos que atua para 
(2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras 
disposições e motivações nos homens através da (3) 
formulação de conceitos de uma ordem de existência 
geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura 
de fatualidade que (5) as disposições e motivações 
parecem singularmente realistas [...] um sistema de 
símbolos que atua para... (Geertz, 2008, p. 67).
Ambos os autores levam em consideração o caráter multiforme do 
fenômeno religioso, mas o fazem a partir de perspectivas e propósitos 
diferentes. Émile Durkheim, buscando uma religião primitiva e simples, 
se volta para o sistema totêmico de tribos australianas a fi m de entender 
a natureza religiosa do ser humano e revelar aspectos essenciais 
e permanentes da humanidade – se volta para o simples a fi m de 
compreender o complexo. Por sua vez Clifford Geertz foca na religião 
como um sistema simbólico, sendo os símbolos aquilo que sintetizam 
o ethos (aspectos morais e estéticos) e a visão de mundo de um povo – 
este tema será abordado mais adiante nesta unidade. Por mais abstratas 
e abrangentes que sejam as defi nições, embora necessárias, sempre 
serão parciais, refl etindo o recorte e o enfoque do pesquisador.
17Antropologia da Religião | FTSA | 
Dispensando aqui algo que possa defi nir “a” essência da religião nos 
voltaremos para a descrição e explicação de elementos presentes em 
alguns sistemas de práticas e crenças – ou sistemas simbólicos – que 
são denominados de religião. Conforme veremos nas próximas unidades, 
a antropologia se coloca inicialmente de forma atenta diante do fato da 
diversidade existente entre as religiões – por exemplo, nem todas fazem 
referência a deuses nem têm a moralidade como uma questão central. 
Esta diversidade não se limita à relação entre religiões diferentes, mas que 
se faz notar também dentro de uma mesma religião. Como, por exemplo, 
no caso do cristianismo, que mesmo nos ramos maiores encontramos 
muitas variações regionais. Embora os dados sejam de 2010, veja abaixo 
um gráfi co que mostra não apenas a distribuição das religiões em cada 
país, mas também a proporção em relação a quantidade de pessoas. 
Assim, quanto mais populoso o país, maior o gráfi co e quanto menos 
populoso, menor o gráfi co. Para explorar melhor o gráfico, consulte a 
seguinte página na internet: https://dataworldatlas.com/demo/free-
sample.html
Para além da descrição e catalogação a antropologia busca apresentar 
explicações para o fenômeno religioso. Mas, o que seria explicar a religião 
a partir da antropologia? Eller (2007, p. 12) pontua que explicar a religião 
antropologicamente é explicá-la nos termos de outra coisa, ou seja, dar a 
razão ou encontrar a fundamentação da religião fora de si mesma. Isto 
signifi ca que a antropologia não busca uma causa transcendente para 
a fundamentação e explicação da religião (por exemplo, uma revelação 
| Antropologia da Religião | FTSA18
divina), mas sim, uma explicação em termos de uma causa psicológica, 
social, biológica, cultural, entre outras. A antropologia não é uma negação 
da religião, mas uma leitura a partir de outros registros, que não sejam 
teológicos.
Saiba mais
O futuro da religião
Enquanto se desenrola a história política explosiva do século 
nascente, o desdobramento mais notável – e o mais surpreendente 
– que as ciências sociais se veem obrigadas a enfrentar na cena 
mundial é com certeza aquilo que se usa denominar, muitas vezes 
erroneamente, como “o retorno da religião”.
Erroneamente porque na verdade a religião nunca desapareceu – 
foi a atenção das ciências sociais que se desviou a outros campos, 
enquanto estiveram dominadas por uma série de pressupostos 
evolutivos que consideravam o compromisso com a religião uma 
força em declínio na sociedade, um resíduo de tradições passadas 
inexoravelmente erodido pelos quatro cavaleiros da modernidade: 
secularismo, nacionalismo, racionalização e globalização.
Desde a época das sociologias clássicas [...] a história da sociedade, 
e especialmente a da sociedade ocidental considerada como seu 
objetivo e estágio mais avançado, foi descrita como um movimento 
regular, inevitável e cumulativo de um pólo cultural claramente defi nido 
a outro – da magia à ciência, da solidariedade mecânica à solidariedade 
orgânica, da tradição à razão: o mundo desencantado, o eu liberado de 
seus entraves [...] 
A religião não se enfraqueceu como força social. Pelo 
contrário: parece se ter reforçado no período recente. 
Mas mudou – e muda cada vez mais – de forma.
É essa situação – a emergência de confl itos religiosos mais a 
crescente migração de pessoas e famílias rumo a sociedades mais 
modernas, mas igualmente diversifi cadas, na Europa e América do 
19Antropologia da Religião | FTSA | 
Norte, nas quais ela induz tensões e confl itos – que as ciências 
sociais precisam, hoje, descrever e explicar, e não uma tendência 
pretensamente generalizadaà secularização e ao declínio da fé [...]
Aquilo de que precisamos é uma espécie de quadro que permita lançar 
luz sobre a mudança no seio de diferentes tradições progressivamente 
libertadas dos contextos sociais que as viram nascer e tomar forma. E 
isso nos leva a estudar a modernização no seio das religiões, a não mais 
avaliar o avanço ou recuo “da religião” em geral, mas, sim, apreender os 
processos de transformação e reformulação de cada religião específi ca 
no momento em que ela se vê penetrada, de bom grado ou de mau 
grado, pelas perplexidades e desordens da vida moderna.
GEERTZ, Clifford. O futuro das religiões. Folha de São Paulo. São 
Paulo, 14 de maio de 2016.
O tema da cultura é um destes registros possíveis de análise da religião. 
Nessa perspectiva, a atenção poderá voltar-se para a relação da religião 
com o seu contexto cultural. Como já pontuamos acima, a experiência 
humana é integral, e o antropólogo é conclamado a ter em conta o 
princípio do holismo. Quais são essas possíveis relações/determinações 
recíprocas entre cultura e religião? Em que medida a cultura pode lançar 
luz sobre determinadas práticas religiosas? Não seriam as religiões 
também um idioma para marcar a diferença entre grupos humanos? Quais 
são algumas das principais mudanças pelas quais o comportamento 
religioso tem passado em relação às transformações das condições 
de vida? A hermenêutica contextual acentua esse aspecto em relação 
a nossa leitura da bíblia, porém, a relação entre cultura e religião não 
se limita às páginas da bíblia, ela se relaciona profundamente com as 
práticas religiosas de nosso mundo contemporâneo.
Na relação da religião com o seu contexto percebemos também que 
diversos elementos que estão presentes na religião possuem o seu 
correlato não religioso: há rituais religiosos e não religiosos, há mitos 
religiosos e não religiosos, há violência religiosa e não religiosa e outros. Dessa 
| Antropologia da Religião | FTSA20
forma a análise destes elementos deverá passar por uma consideração geral 
e somente depois focarmos em sua especifi cidade religiosa. Da mesma 
forma vale observar as estreitas relações entre a religião e outros temas 
que consideramos não religiosos tais como política, economia, identidade 
nacional, gênero, tecnologia e outros (Eller, 2007, p. xiv).
Exercício de Aplicação - 02
“Não existe alternativa: ou construímos o futuro juntos, ou não 
haverá futuro. As religiões, de modo especial, não podem renunciar 
à urgente tarefa de construir pontes entre os povos e as culturas 
[...] Nossas tradições religiosas são uma fonte necessária de 
inspiração para fomentar a cultura do encontro, é fundamental a 
cooperação inter-religiosa, baseada na promoção de um diálogo 
sincero e respeitoso”.
Papa Francisco, disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/
papa/news/2019-11/papa-francisco-inter-religioso-argentina.html
Pensando na tarefa de promoção de um diálogo sincero e respeitoso, 
quais são algumas das possíveis contribuições da antropologia?
a) Mostrar que a religião não passa de uma fantasia, e que, 
desde os primórdios da humanidade, não passa de uma mera 
projeção de emoções confusas.
b) Contribuir para formação de um bom entendimento do 
fenômeno religioso, possibilitando a compreensão de que todas 
as religiões são iguais.
c) Possibilitar que as religiões articulem uma compreensão 
mais abrangente do fenômeno religioso, bem como pontuar as 
diferentes formas de sua manifestação e particularidades.
21Antropologia da Religião | FTSA | 
1.2. Religião e cultura
1.2.1. O que é cultura?
Cultura é um daqueles conceitos que possuem muitos signifi cados e que 
na maioria das vezes utilizamos sem precisar bem o sentido de seu uso. 
Pontuemos alguns desses sentidos possíveis. Comecemos por indicar 
aquilo que não faz parte do conceito antropológico de cultura. Assim, 
em primeiro lugar, a cultura pode ser empregada enquanto sinônimo de 
erudição, de refi namento social. Nesta acepção ela pode estar relacionada 
a posse de determinados conhecimentos humanísticos, tidos como um 
dos atributos de classes sociais superiores. Ainda nesta perspectiva 
fala-se de mais ou menos cultura.
Outros sentidos podem enfocar parcialmente aspectos que estão dentro 
do interesse da antropologia. Aqui podemos pontuar as defi nições 
que identifi cam a cultura com as manifestações artísticas de um povo 
(dança, música, literatura etc.). Outros veem a cultura como hábitos e 
costumes que representam e identifi cam o modo de ser de um povo 
(hábitos nacionais, regionais e demais). Para outros a cultura se refere 
a identidade de uma coletividade formada em torno de elementos 
simbólicos compartilhados (por exemplo, o futebol para os brasileiros).
Há uma concepção de cultura que pode ser considerada como 
“normativa”, ou seja, que diz o que a cultura deve ser. Como exemplo, 
podemos nos referir ao século XVIII onde cultura é sempre empregada 
no singular, refl etindo o humanismo e universalismo dos fi lósofos para 
os quais a cultura é própria do ser humano. “A palavra é associada às 
ideias de progresso, de evolução, de educação, de razão que estão no 
centro do pensamento da época” (Cuche, 1999, p. 21). Essa defi nição 
será descartada pela antropologia, que não buscará dizer o que a cultura 
deve ser, mas atentar-se para as formas múltiplas de sua manifestação. 
Assim, a cultura se apresentará como um dos principais instrumentos 
para a refl exão voltada para o humano em sua diversidade.
| Antropologia da Religião | FTSA22
Uma atitude fundamental frente a uma defi nição fornecida por algum 
especialista é a percepção de que essa defi nição se dá sempre a partir de 
certa forma de abordagem. Ou seja, a forma como o fenômeno é descrito 
corresponde a estratégias próprias de investigação desenvolvida pelo 
autor. Assim, buscaremos fazer esse exercício à medida que caminhamos 
por três possibilidades de defi nição e análise do fenômeno cultural a 
partir da antropologia.
Em primeiro lugar, uma concepção descritiva de cultura. Nesta perspectiva 
temos uma das primeiras defi nições formais, elaborada pelo antropólogo 
britânico Edward Tylor, em 1871: “Cultura [...] é todo complexo que inclui 
conhecimentos, crenças, artes, moral, leis, costumes e quaisquer outras 
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma 
sociedade” (apud, Gomes, 2014, p. 35). De acordo com essa proposta 
a cultura pode ser vista como um todo complexo e inter-relacionado 
(crenças, costumes, ritos e outros) característico de determinada sociedade, 
passível de ser adquirido por indivíduos enquanto membros de determinada 
sociedade. Diante dessas totalidades complexas a tarefa do antropólogo 
seria “dissecar esses todos em suas partes componentes e classifi cá-los e 
compará-los de uma maneira sistemática” (Thompson, 2009, p. 171).
Em segundo lugar, a concepção estrutural. O antropólogo que não 
pode fi car de fora nessa abordagem é Claude Lévi-Strauss, o pai do 
estruturalismo francês. Lévi-Strauss compreende a cultura como um 
conjunto de sistemas simbólicos, porém, segundo ele os tipos de cultura 
possíveis são limitados: “o conjunto dos costumes de um povo [...] formam 
sistemas. Estou convencido de que esses sistemas não são ilimitados e 
que as sociedades humanas [...] não criam jamais de maneira absoluta, 
mas se limitam a escolher certas combinações em um repertório ideal 
que seria possível reconstituir” (Tristes trópicos, apud Cuche, 1999, p. 
96). Assim, a tarefa da antropologia estrutural será encontrar o que é 
necessário para qualquer sociedade humana e a partir daí estabelecer 
as estruturações possíveis dos materiais culturais. Tomando como 
exemplo um jogo de cartas, podemos dizer que a tarefa da antropologia 
23Antropologia da Religião | FTSA | 
seria descrever quais são as cartas do jogo e enunciar as suas regras 
gerais – assim poderemos compreender como, a partir das mesmas 
cartas diferentes, jogadores jogam partidas diferentes.
Por último, a concepçãosimbólica. Levando em consideração o caráter 
simbólico da vida humana, essa abordagem pontua a cultura como uma 
dimensão simbólica. Clifford Geertz apresenta a seguinte defi nição: 
“acreditando [...] que o homem é um animal amarrado a teias de 
signifi cados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas 
teias e a sua análise portanto, não como uma ciência experimental 
em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do 
signifi cado” (Geertz, 2018, p. 4). O comportamento humano deve ser 
visto como uma ação simbólica, ou seja, uma ação que signifi ca, e o seu 
signifi cado pode ser interpretado apenas dentro de uma cultura (como 
sistema entrelaçado de signos). Nesta perspectiva a antropologia não 
se esgota na explicação de elementos da cultura a partir da indicação de 
sua função para o todo – embora Geertz não negue o valor dessa forma 
de abordagem –, mas pela exploração dos signifi cados (densidade 
semântica dos símbolos).
Exercício de Aplicação - 03
Sobre o valor do método antropológico para o sistema geral de nossa 
cultura e educação, de maior importância é seu poder de nos fazer 
compreender as raízes que deram origem à nossa civilização, de nos 
incutir o valor relativo de todas as formas de cultura e de assim servir 
como uma restrição a uma avaliação exagerada do nosso período, 
que tendemos a considerar como a meta fi nal da evolução humana.
Adaptado de: Franz Boas, A formação da antropologia americana 
(antologia). Rio de Janeiro: Contraponto, Editora UFRJ, 2004, p. 57
Sobre o relativismo cultural de Franz Boas enquanto um método 
antropológico podemos afi rmar que:
| Antropologia da Religião | FTSA24
I. Deve ser compreendido em sua contraposição ao evolucionismo 
cultural, que propunha um grandioso sistema de evolução, válido 
para toda a humanidade.
II. Propõe que, em lugar de uma simples linha de evolução, 
aparece uma multiplicidade de linhas (convergente e divergentes) 
difíceis de serem unidades em um sistema.
III. Aponta para a necessidade do antropólogo se resguardar 
contra o etnocentrismo, que é a tendência de colocar a visão de 
determinado grupo como a mais importante.
Estão corretas as alternativas:
a) Todas são corretas b) Todas são falsas
Como o nosso trabalho aqui possui um cunho mais introdutório, podemos 
optar por uma defi nição de cultura mais ampla, considerando como o 
conjunto completo das produções do ser humano. Por um longo tempo 
a ideia de “todo” ou “totalidade” se mostrou um pressuposto básico para 
a antropologia. Segundo Eriksen e Nielsen (2007, p. 194), no processo 
de desenvolvimento da pesquisa “a ideia do todo social foi enfraquecida, 
uma vez que a ‘sociedade’ é relativizada e se dissolve em redes dispersas 
e sobrepostas”. Neste sentido já não é mais viável falar de um todo, 
pois não temos a possibilidade de apreendê-lo, sendo sempre uma 
pressuposição. Assim, talvez seja melhor então falarmos de um conjunto 
complexo, tendo a consciência de que a aproximação antropológica de 
um fenômeno se dá a partir destas redes dispersas e sobrepostas que se 
fazem presentes em uma sociedade.
1.2.2. O processo cultural da constituição de si
Por vezes imaginamos que conhecer a si é um processo imediato, no 
qual, olhando para nós mesmos, vemos de forma transparente e direta 
quem somos, sem mediação alguma. Conforme pontua a tradição 
da hermenêutica fi losófi ca, há algo que precede qualquer exercício 
de autocompreensão. Segundo Paul Ricoeur (2002, p. 31), “não há 
autocompreensão que não seja mediada por signos, símbolos e textos; 
25Antropologia da Religião | FTSA | 
a autocompreensão coincide em última instância com a interpretação 
aplicada a estes termos mediadores”. A fi m de exemplifi carmos, tomemos 
como exemplo dois monumentos da cultura ocidental: Paulo e Freud. 
Independentemente de suas diferenças, a obra desses dois pensadores 
constitui-se em textos através dos quais a nossa cultura ocidental se 
expressa e se compreende.
Exercício de Fixação - 04
Porque o que faço não o aprovo; pois o que quero isso não faço, mas o 
que aborreço isso faço. E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que 
é boa. De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado 
que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não 
habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo 
realizar o bem. Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não 
quero esse faço. Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o 
pecado que habita em mim. (Romanos 7:15-20)
De outro lado, no entanto, vemos esse Eu como uma pobre criatura 
submetida a uma tripla servidão, que sofre com as ameaças de três perigos: 
do mundo exterior, da libido do Id e do rigor do Super-Eu. Três espécies de 
angústia correspondem a tais perigos, pois angústia é expressão de recuo 
ante o perigo [...] O ser superior, que se tornou ideal do Eu, ameaçou uma 
vez com castração, e esse medo da castração é provavelmente o núcleo 
em volta do qual se armazena a posterior angústia da consciência, é ele 
que prossegue como angústia da consciência (Sigmund Freud, O Eu e o Id, 
Companhia das Letras, 2001, p. 70, 72)
Após a leitura dos trechos acima, assinale a alternativa correta:
a) Ambos os textos descrevem uma experiência humana semelhante, mas 
o fazem a partir de registros diferentes, um teológico e outro psicanalítico.
b) Enquanto monumentos da cultura ocidental ambos os textos se 
colocam como mediadores da autocompreensão que um ocidental pode 
fazer de si.
c) Embora os textos possam aparentar certa semelhança, são totalmente 
diferentes entre si e mutuamente excludentes.
| Antropologia da Religião | FTSA26
O que vale para Paulo e Freud também vale para as obras produzidas por 
diferentes antropólogos. São instrumentos através dos quais nos lemos 
e constituímos uma compreensão cultural de nós mesmos. Por exemplo, 
a antropologia biológica e alguns outros estudos comparativos com 
outros animais buscam estabelecer a linha de corte entre o humano e o 
animal. Giorgio Agamben, em seu provocante livro O aberto: o homem e o 
animal, mostra como é sensível essa questão no pensamento ocidental, 
que sempre pensou o ser humano enquanto uma articulação entre dois 
elementos distintos – corpo e alma, animal e social etc. Frente a essa 
dinâmica o livro em questão pontua sobre uma possibilidade inversa de 
colocar a questão, ou seja, “pensar o homem como aquilo que resulta 
da desconexão desses dois elementos e investigar [..] o lado prático e 
político da separação [...] questionar-se sobre como – no homem – o 
homem é separado do não-homem e o animal do humano” (2017, p. 31).
O ser humano, à medida que refl ete sobre si 
compreende esse si que se põe a refl etir. O 
registro desde movimento de refl exão se faz 
presente nas diferentes culturas. A diferença 
se dá na forma como esse processe acontece. 
O fazer científi co nos coloca essa tarefa a partir 
de seus métodos e demandas próprias, exigindo 
uma construção teórica e conceitual. Porém, 
esse pensar sobre si pode dar-se também 
através de outros conjuntos de símbolos que compõe as culturas, não 
como prática de uma atividade voltada claramente para esse propósito, 
mas, de forma indireta, através de seus símbolos, ritos, 
mitos e outros. Assim, independente de se tratar de 
um aborígene ou de um homem branco da ciência do 
início do século XX, ambos constituem uma imagem 
do humano através dos recursos de sua cultura.
A linguagem é o instrumento através do qual o ser 
humano articula um conceito a respeito daquilo 
que ele é. Se defi nirmos a língua como um sistema 
27Antropologia da Religião | FTSA | 
convencionado de símbolos com significados compartilhados por uma 
comunidade de falantes, convém então destacar o aspecto coletivo dos 
signifi cados, pois é através da prática linguística de uma comunidade que 
eles se constroem. Todavia, as palavras não possuem signifi cado fi xo e 
permanente, mas possuem um grande potencial de variação,possibilitando 
o nascimento de novos signifi cados. Assim, podemos dizer que a língua é 
ao mesmo tempo determinada por signifi cados compartilhados e aberta a 
novas possibilidades circunstanciais (Gomes, 2014, p. 37). Neste sentido, a 
articulação conceitual que o ser humano faz de si terá tanto determinação 
dos signifi cados compartilhados quanto potencialidade de novos sentidos.
É a partir desse todo que o ser humano pensa. Não se trata apenas de 
uma atividade cerebral, mas também de uma dimensão simbólica na 
qual ele está imerso. O ser humano pensa, ou – sem mistificar a cultura 
– todo um complexo simbólico pensa-se nele. Todavia, assim como a 
língua, a cultura não limita, pois a criação de novos significados é sempre 
possível. Prova disso são os registros históricos que temos das mudanças 
pelas quais as sociedades e culturas humanas passaram, e continuam a 
passar, ao longo do tempo. Uma imagem do humano se constrói a partir 
das múltiplas expressões culturais dos modos humanos de ser e viver 
com o outro. Em seus primeiros passos enquanto ciência os antropólogos 
andavam as voltas com o primitivo, buscando compreender não somente 
uma sociedade ou cultura primitivas, mas uma própria maneira de pensar 
primitiva – de sinônimo de sociedade simples o conceito será revisto diante 
da complexidade a ser destacada nestas sociedades e culturas “primitivas”.
Saiba mais
Os etnólogos cederam por muito tempo ao que se denomina 
a “superstição do primitivo” ou ainda o “mito do primitivo”. O 
importante para eles era estudar prioritariamente as culturas mais 
“arcaicas”, pois eles partiam do postulado que estas culturas 
forneciam para a análise as formas elementares da vida social 
e cultural que se tornariam necessariamente mais complexas à 
| Antropologia da Religião | FTSA28
medida que a sociedade se desenvolvesse. Se, por defi nição, o que 
é simples é mais fácil de aprender do aquilo que é complexo, era 
preciso começar por aí o estudo das culturas.
Por outro lado, as culturas primitivas eram percebidas como 
culturas pouco ou não modifi cadas pelo contato, supostamente 
muito limitado, com as outras culturas. A etnologia não somente 
cultivou a obsessão da busca do aspecto original de cada cultura, 
mas também a da procura do caráter absolutamente original de 
cada cultura. Nesta perspectiva, toda mestiçagem das culturas 
era vista como um fenômeno que alterava sua “pureza” original 
e que atrapalhava o trabalho do pesquisador, embaralhando as 
pistas. O pesquisador não deveria, então, privilegiar o estudo deste 
fenômeno, ao menos em um primeiro momento.
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: 
EDUSC, 1999.
Ao enfatizarmos o aspecto coletivo da cultura convém apontar para 
uma tensão de método presente nas ciências humanas, o dilema 
teórico entre estrutura e ação. São as ações humanas livres, ou sempre 
condicionadas? Será a cultura uma entidade à parte dos indivíduos ou 
há apenas o indivíduo com seus comportamentos regulares e a cultura 
não passa de uma mera abstração? O sociólogo Anthony Giddens (2005) 
defende que seja possível não exagerar as diferenças dessas abordagens, 
observando que, embora estruturas sociais/culturais existam anteriores 
aos indivíduos elas restringem as suas ações, mas não as determinam, 
pois o indivíduo também tem um papel na construção e reconstrução 
dessas estruturas. Ele nomeia essa dinâmica de estruturação: se, por um 
lado, os grupos possuem uma “estrutura” na medida em que as pessoas 
se comportam de modo regular, por outro lado, as “ações” individuais 
só são possíveis porque os indivíduos possuem um grande volume de 
conhecimento social/cultural estruturado.
29Antropologia da Religião | FTSA | 
1.2.3. A religião e a cultura
Uma das regras básicas da antropologia é não desvincular um aspecto 
(prática, costume, crença e outras) de um contexto mais amplo. Neste 
sentido chegamos a este último ponto onde colocamos a questão da 
relação entre religião e cultura. Considerando a cultura como um contexto 
maior para a análise das práticas de uma comunidade humana tem-se 
que a religião se mostra como uma das dimensões que compõe esse 
conjunto complexo de elementos denominado cultura. Dessas dimensões 
é possível dizer que são em parte autônomas e em parte coordenadas. 
Mas, como se dá essa articulação? Como é de se esperar de uma 
disciplina pertencente às ciências humanas, há diversas possibilidades 
de abordagem. Mas, para efeitos didáticos, pontuemos duas.
Em primeiro lugar, o funcionalismo. Nas abordagens funcionalistas o 
objetivo do pesquisador é explicar a função de determinado elemento à 
luz do complexo social de determinada comunidade. Assim, explicar a 
religião seria indicar qual a sua função para determinada cultura. Dentre 
os teóricos desta perspectiva podemos citar o antropólogo polaco 
Bronisław Malinowski, com sua análise funcional biológica. Partindo 
da ideia de que nenhum aspecto cultural pode ser compreendido se 
desvencilhado dos outros aspectos que compõe a cultura, ele propõe 
que a cultura é um todo orgânico onde todo elemento cultural tem uma 
função. No entanto, a cultura é um todo funcional que está à serviço das 
necessidades humanas, e cada necessidade suscita um tipo de resposta 
cultural a fi m de ser satisfeita.
Malinowski classifi ca as necessidades humanas entre básicas e 
derivadas. O ser humano soluciona essas necessidades básica mediante 
a construção de um novo ambiente, artifi cial e secundário. Esse novo 
ambiente traz consigo um novo nível de vida, onde aparecem novos 
imperativos que são impostos à conduta humana. A fi m de organizar a 
satisfação dessas necessidades os seres humanos criam instituições, 
ou seja, sistemas organizados de atividades. E, dentre estas instituições, 
a religião. A base das necessidades biológicas é a mesma para todas as 
| Antropologia da Religião | FTSA30
sociedades, mas, isso não signifi ca que as formas de satisfação dessas 
necessidades sejam idênticas em todas as culturas. Assim, pode ser que 
algumas manifestações exóticas à primeira vista sejam explicadas como 
elementos culturais universais e fundamentalmente humanos.
Aprendemos a compreender a função da religião e 
seu valor no estudo dos credos e cultos selvagens 
apresentado acima. Mostramos lá que a fé religiosa 
estabelece, fi xa e aprimora todas as atitudes mentais 
valiosas, como a reverência pela tradição, a harmonia 
com o meio ambiente, a coragem e a confi ança na 
luta contra as difi culdades e na perspectiva da morte. 
Essa crença, incorporada e mantida pelo culto e pelo 
cerimonial, tem um imenso valor biológico e, portanto, 
revela ao homem primitivo a verdade no sentido mais 
amplo e pragmático da palavra (Malinowski, p. 69)
Em segundo lugar, temos a abordagem simbólica. Acima pontuamos 
uma defi nição de Geertz a respeito da cultura em que a descreve como 
uma “teia de signifi cados que ele [ser humano] mesmo teceu”. Considerar 
a religião a partir desta perspectiva é encará-la como “um padrão de 
signifi cados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um 
sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por 
meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu 
conhecimento e suas atividades em relação à vida” (20018, p. 66). Assim, 
para além das funções da religião – e ele não despreza as possibilidades 
dessa análise –, Geertz parte da noção de que “a religião ajusta as ações 
humanas a uma ordem cósmica imaginada e projeta imagens da ordem 
cósmica no plano da experiência humana” (p. 67) buscando explorar as 
suas implicações e contribuições para uma antropologia da religião.
Enquanto um padrão cultural – um sistema ou complexo de símbolos 
–, a religião fornece informações programáticas para a instituição de 
processos sociais e psicológicos que modelam (isto é, são modelos) o 
comportamento público. Sobre a função de um modelo, Geertz propõe 
31Antropologia da Religião | FTSA | 
uma distinção entre modelos da e paraa “realidade”. Enquanto um 
modelo da realidade a religião seria apenas a manipulação de estruturas 
simbólicas a fi m de que estas sejam colocadas em paralelo com sistemas 
não simbólicos (como acima, com as necessidades biológicas) – ou 
simbólicos, como a redução da religião a uma mera correspondência 
de estruturas sociais. Porém, um modelo para a realidade de outros 
sistemas não-simbólicos – ou mesmo simbólicos – são manipulados 
em termos das relações expressas na dimensão simbólica da religião. 
Assim, “os padrões culturais têm um aspecto duplo, intrínseco – eles dão 
signifi cado, isto é, uma forma conceptual objetiva, à realidade social e 
psicológica, modelando-se em conformidade a ela e ao mesmo tempo 
modelando-a a eles mesmos” (p. 69).
As duas abordagens apontam para a especifi cidade da religião. Enquanto 
na perspectiva funcionalista biológica a religião implicava em uma nova 
esfera de necessidades, para a abordagem simbólica ela se mostra 
como um complexo de símbolos. E aqui poderíamos completar: em 
parte autônoma e em parte coordenada. Esta última ponderação aponta 
para o fato de que o ser humano se movimenta entre formas diferentes 
de ver o mundo. No que se refere aos propósitos da nossa discussão 
aqui podemos destacar duas dessas formas: o senso comum (o mundo 
cotidiano de objetos e de atos práticos) e a perspectiva religiosa. Como 
se dá o movimento entre essas distintas visões de mundo?
Por um lado, podemos nos perder em uma suposta completa autonomia 
do campo religioso, que ganharia vida própria e se destacaria de todas 
as demais dimensões da vida humana. Por outro lado – uma outra forma 
de reducionismo –, podemos praticar um reducionismo materialista, 
que veria na religião uma mera projeção da realidade social que apenas 
seria reforçada no caminho de volta da perspectiva da religião para a 
perspectiva do senso comum. Geertz (2018, p. 89) chama atenção para a 
dinâmica dessa transição de visões de mundo:
Tendo “pulado” ritualmente (a imagem talvez se já 
demasiado atlética para os fatos verdadeiros – talvez 
| Antropologia da Religião | FTSA32
“escorregado” seja melhor) para o arcabouço de 
signifi cados que as concepções religiosas defi nem 
e, quando termina o ritual. Voltado novamente para o 
mundo do senso comum, um homem se modifi ca – a 
menos que, como acontece algumas vezes, a experiência 
deixe de ter infl uência. À medida que o homem muda, 
muda também o mundo do senso comum, pois ele é 
visto agora como uma forma parcial de uma realidade 
mais ampla que o corrige e o completa.
Entretanto, estas relações não se dão de forma padronizada, pois 
dependem da particularidade do impacto dos sistemas religiosos sobre 
os sistemas sociais – os distintos grupos humanos têm formas diferentes 
de se comportar em função daquilo que acreditam vivenciar em suas 
experiências religiosas, fator que impossibilita uma avaliação geral 
do valor da religião, seja em termos morais ou funcionais. Outro fator 
a destacar são as diferenças no grau de articulação religiosa, ou seja, 
enquanto em algumas sociedades podem atingir níveis extraordinários de 
elaboração de suas formulações simbólicas e articulações sistemáticas, 
em outras “não menos desenvolvidas socialmente, tais formulações 
podem permanecer primitivas no sentido verdadeiro, pouco mais do que 
amontoados de crenças passadas fragmentárias e imagens isoladas, de 
refl exos sagrados e pictografi as espirituais” (p. 91).
Exercício de Aplicação - 05
A respeito da relação entre religião e cultura podemos afi rmar que:
a) Por se tratar de uma dentre outras dimensões que compõe a 
cultura, a análise do fenômeno religioso limitar-se-á na indicação 
das funcionalidades possíveis que a religião pode desempenhar em 
um determinado grupo social, tais como normativa, tranquilizante, 
identitária, estimulante e outras.
33Antropologia da Religião | FTSA | 
b) Embora trate-se de uma dentre outras dimensões, deve-se 
sempre levar em consideração que não estamos diante de um 
“todo” fechado, pois cada dimensão é relativamente autônoma 
e determinada, ao mesmo tempo. Neste sentido, a religião pode, 
sim, estar determinada por outras dimensões, mas, em sua 
relativa autonomia também pode se colocar como propulsora de 
mudanças.
Considerações fi nais
Espero que você tenha chegado ao fi nal desta primeira unidade instigado 
com as possibilidades abertas para a compreensão do fenômeno 
religioso a partir da religião. Até este momento a nossa discussão foi 
mais geral e teórica. Porém, nas duas próximas unidades trataremos de 
alguns elementos da religião que nos permitirão lançar luz tanto sobre as 
crenças e práticas do outro quanto sobre as nossas próprias crenças e 
práticas.
Como já pontuamos algumas vezes, o campo da antropologia é 
extremamente dinâmico e diverso. Diante desta vivacidade a nossa 
abordagem será sempre introdutória, buscando apontar alguns autores 
e, através de suas leituras, também indicarmos caminhos de refl exão que 
poderão desembocar em novas descobertas pessoais.
Bibliografi a
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: EDUSC, 
1999.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema 
totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
| Antropologia da Religião | FTSA34
ELLER, Jack David. Introducing Anthropology of Religion: Culture to the 
Ultimate. New York, Routledge, 2007.
ERIKSEN, T. H. ; NIELSEN, F. S. História da antropologia. Petrópolis: Editora 
Vozes, 2007.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2018.
______. O futuro das religiões. Folha de São Paulo. São Paulo, 14 de 
maio de 2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/
fs1405200614.htm
GOMES, Mércio Pereira. Antropologia: ciência do homem: fi losofi a da 
cultura. São Paulo: Contexto, 2014.
SANTISTEBAN, Fernando S. Antropología: conceptos y nociones 
generales. Lima: Fondo de Cultura Económica, 1998.
TEIXEIRA, Faustino. O diálogo inter-religioso na perspectiva do terceiro 
milênio. Horizonte, Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 19-38, 2º sem. 2003. 
Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/
article/view/596/623
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na 
era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, Vozes, 2009.
35Antropologia da Religião | FTSA | 
UNIDADE II - Símbolos e práticas
Introdução
Vez ou outra nos deparamos com símbolos religiosos espalhados pela 
cidade, mas, o que signifi ca um símbolo e quais são as suas contribuições 
para a prática religiosa? Pensando nesta questão, nesta segunda Unidade 
nos voltaremos para alguns aspectos da dimensão simbólica e conjuntos 
de práticas religiosas.
Nosso itinerário passará por três tópicos. Em primeiro lugar defi niremos 
melhor a dimensão simbólica da religião, pontuando como ela é essencial 
para a experiência humana e como, a partir desta perspectiva, os símbolos 
religiosos podem agir. Na sequência, abordaremos a questão dos mitos, 
perguntando-nos sobre a sua realidade e função. Por último, faremos 
algumas considerações a respeito dos rituais e seu lugar em meio as 
práticas humanas.
2.1. Símbolos
2.1.1. O que é um símbolo?
Conhecer uma religião implica também adentrar um mundo repleto de 
símbolos. Embora em algumas mais e em outras menos, o fato é que os 
símbolos estão presentes nas mais distintas formas de religião. Essa 
diversidade também se estende ao papel e função desses símbolos, que 
podem variar de um mero artefato decorativo a um objeto através do 
qual imagina-se que alguma força ou ser se manifesta. Porém, a despeito 
de todas essas diferenças, vamos buscar um conceito de símbolo que 
permita nos aproximarmos desse universo tão rico, composto pelos 
sistemas simbólicos das diferentes religiões. Comecemos por uma 
defi nição genérica encontrada em um dicionário:
| Antropologia da Religião | FTSA36
Símbolo
1  Qualquer coisa usada para representar ou substituir outra, 
estabelecendo uma correspondênciaou relação entre elas. 2 Aquilo 
que, em determinada cultura, apresenta valor evocatório ou místico. 
3  Ser, objeto ou imagem ao qual se pode atribuir mais de um 
signifi cado. 4 Pessoa ou personagem que simboliza alguma coisa 
de modo exemplar. 6 Figura convencional especialmente elaborada 
para representar algo; emblema. 7 Palavra ou imagem que possa 
designar outra coisa ou outra qualidade por estabelecer com esses 
uma correspondência de semelhança; alegoria, metáfora. https://
michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/simbolo
A lista de defi nições que encontramos em um dicionário é um bom 
indicativo sobre a complexidade presente no universo simbólico, e nos 
permite colocar algumas questões. Em primeiro lugar, se partirmos 
da ideia de que os símbolos apenas “representam”, de início já nos 
deparamos com um grande desafi o, pois, alguns símbolos são coisas 
em si mesmas, em que tão importante quanto o seu signifi cado é o seu 
poder. Tomemos por exemplo o rito batismal para a igreja católica: “o 
baptismo propriamente dito, que signifi ca e realiza a morte para o pecado 
e a entrada na vida da Santíssima Trindade” (Catecismo).
Pensando ainda na ideia de relação, a segunda questão que podemos 
colocar aqui é sobre o funcionamento dos símbolos: como se dá essa 
relação entre o símbolo e aquilo que ele representa? Como podem os 
símbolos ser signifi cativos? A respeito da natureza dessa relação pode-
se dizer que é arbitrária e convencional, ou seja, não há uma conexão 
necessária entre um sentido e um símbolo em particular. Isso não signifi ca 
que a relação não possa se estabelecer através de uma analogia. Por 
exemplo, no caso do batismo, a ideia da imersão com o sepultamento, e 
da emersão com a ressurreição. Outro exemplo pode ser tirado dos ritos 
37Antropologia da Religião | FTSA | 
de fertilidade, onde os objetos escolhidos tenham alguma relação com 
coisas consideradas relativas à dinâmica da reprodução, ou nutrição: falo, 
seios, sementes e outros. Entretanto, mesmo que haja certa analogia, 
ainda assim trata-se de uma relação arbitrária e convencional.
A segunda parte da questão que colocamos contribui para uma melhor 
compreensão do caráter convencional da relação. Nos perguntávamos: 
como podem os símbolos signifi car? A coisa tida por um símbolo por si só 
nada signifi ca. A luz de seta de um carro só faz sentido quando apreendida 
a partir do mundo instrumental dos meios de transporte e regras de trânsito. 
Para alguém que não conhece esse conjunto de referência aquele símbolo 
não passa de uma luz piscando. Esse simples exemplo nos mostra que, 
para que haja signifi cado há a necessidade da existência de um contexto 
a partir do qual o sentido poderá ser constituído. Em sua pesquisa sobre 
a prática ritual do povo ndembu do noroeste da Zâmbia, Victor Turner 
defi ne o símbolo como “a menor unidade do ritual [...] a última unidade de 
estrutura específi ca em um contexto ritual” (1980, p. 21).
Exercício de Aplicação - 06
Buda e a suástica... contextualização dos símbolos 
Seria o Buda um nazista? Como a 
associação entre a suástica e o nazismo 
é automática, a pergunta poderia ser a 
brincadeira de um desavisado. É comum 
encontrarmos representações de 
Buda ornamentado com uma suástica, 
em estátuas bem mais antigas que 
Hitlher e o nazismo. Entretanto, registros de suásticas podem 
ser constatados bem antes de Buda também. Alguns utensílios 
domésticos mesopotâmicos que traziam esse símbolo foram 
datados como provenientes de 7.000 a.C. Esse símbolo também 
foi utilizado pelos astecas na América Central e por índios navajos 
| Antropologia da Religião | FTSA38
na América do Norte. Ou seja, não foi um símbolo inventado pelos 
nazistas. Bem antes de qualquer apropriação nazista, a suástica já 
se fazia presente em diversas culturas, como uma representação 
de sorte – suástica, do sânscrito, svatika, boa conduta. 
Mas, como foi parar no nazismo? Alguns alemães esotéricos e 
místicos, na busca por fortalecer a tesa da ascendência ariana dos 
alemães, apontaram para um possível uso da suástica por seus 
“ancestrais” arianos e, até mesmo, como representação do ato de 
criação da raça ariana. Segundo Cordeiro, essas histórias podem 
ter feito a cabeça de Hitler, que adotou a suástica como símbolo 
do partido nazista e de seu governo, passando a “representar 
um dogma na Alemanha nazista, mais ou menos como a cruz no 
catolicismo” (Heinrich, apud Cordeiro). Leia mais em: https://super.
abril.com.br/historia/como-a-suastica-virou-a-marca-do-nazismo/
Após essa longa descrição, à luz do que vimos conversando sobre 
os símbolos, indique a alternativa correta:
a) Um símbolo tem um signifi cado em si, independentemente de 
qualquer outra referência que integre o seu contexto.
b) O signifi cado de qualquer símbolo depende das referências 
contextuais que o constituem, não tendo um signifi cado 
exclusivamente em si.
Como podemos ver, uma defi nição genérica não é suficiente para 
abarcar as especificidades do símbolo religioso, embora possa fornecer 
indicativos interessantes para sua compreensão. Quão signifi cativos são 
os símbolos para o ser humano? Eller (2007) chama à atenção para o fato 
de que algumas pesquisas no campo da psicologia e da fi losofi a muito 
contribuíram para uma melhor compreensão dos símbolos, e seu papel 
na dinâmica da vida humana. Em primeiro lugar – e não há como deixar 
39Antropologia da Religião | FTSA | 
de fazer essa referência –, temos o pai da psicanálise, Freud. Ele revoluciona 
a forma de se pensar o humano ao demonstrar em seus escritos como a 
consciência é apenas a superfície do aparelho psíquico: “um indivíduo é 
então, para nós, um Id [um algo] psíquico, irreconhecido e inconsciente, em 
cuja superfície se acha o Eu” (2011, p. 30). Em sua obra A intepretação dos 
sonhos, Freud pontuou o papel dos símbolos em relação ao inconsciente, 
que não se expressa de forma direta. Assim, não apenas os sonhos e as 
neuroses são simbólicos, pois ele também “atribuiu as conquistas culturais 
‘superiores’ – como arte, ritual e mito – a este mesmo processo simbólico, 
bem como a cultura ‘primitiva’ em geral” (Eller, 2007, 56).
Ernst Cassirer, fi lósofo alemão, também dedicou-se à questão do símbolo, 
chegando a defi nir o humano como animal simbolizante. Entendido como 
chave para a compreensão da natureza do ser humano, em seu Ensaio 
sobre o homem, Cassirer pontua que este descobriu um novo método para 
adaptar-se ao seu ambiente, o sistema simbólico. Assim, comparado aos 
outros animais, pode-se dizer que o humano vive em uma nova dimensão 
da realidade, e não pode fugir dessa sua própria realização. Para além de 
um universo meramente natural o homem vive em um universo simbólico, 
do qual fazem parte a linguagem, o mito, a arte e a religião. Todas essas 
partes formam uma rede simbólica, o emaranhado da experiência humana. 
Envolto nesse universo simbólico o homem não confronta a realidade 
imediatamente, mas sempre através da mediação desta rede simbólica, 
que se refi na e fortalece. “Sua situação é a mesma tanto na esfera teórica 
como na prática. Mesmo nesta, o homem não vive em um mundo de fatos 
nus e crus, ou segundo suas necessidades e desejos imediatos. Vive antes 
em meio a emoções imaginárias, em esperanças e temores, ilusões e 
desilusões, em suas fantasias e sonhos” (Cassirer, 1994, p 49). 
Essa incursão pela psicologia e pela fi losofi a é importante pois salienta 
o papel do símbolo para a experiência humana, mostrando como o 
universo simbólico é muito mais signifi cativo para o ser humano do 
que uma defi nição genérica poderia sugerir: quem sabe, uma dimensão 
insignifi cante? Elas sugerem que, para além de um mero adendo, a 
| Antropologia da Religião | FTSA40
dimensão simbólica é essencial para aquilo que chamamos de forma 
de vida humana. Mas, ainda nos fi ca uma questão: não seriam falsos os 
símbolos da religião, concedendo uma visão distorcida do mundo?
Eller (2007, p. 60) assinalaque nem todos os antropólogos são favoráveis 
a uma aproximação interpretativa da religião enquanto um sistema 
simbólico. Estes antropólogos, ao ouvirem certas considerações de seus 
informantes, concluem: “‘Isto é simbólico’. Por quê? Porque é falso”. Como 
exemplo ele cita Radcliffe-Brown (apud Eller, 2007, p. 60): “temos de dizer 
que do nosso ponto de vista os nativos estão errados, que os ritos não 
realizam aquilo que eles acreditam que eles façam [...] Na medida em 
que são práticos visando um propósito, são fúteis, baseados em crenças 
errôneas [...] Os ritos são facilmente percebidos como simbólicos, e 
podemos, portanto, investigar seu signifi cado”. Isso aponta para o fato de 
que, mesmo que um papel legítimo possa ser atribuído aos símbolos, a 
“validade” da dimensão simbólica não fi ca garantida. Porém, a antropologia 
interpretativa aponta para outra possibilidade de aproximação, ao “colocar 
à nossa disposição as respostas que outros deram [...] e assim incluí-las 
no registro de consultas sobre o que o homem falou” (Geertz, 2008, p. 21) 
e suas possibilidades de interpretação do mundo.
2.1.2. Símbolos: a síntese entre ethos e visão de mundo
Em seu livro A interpretação das culturas, Geertz dedica dois ensaios à 
temática da abordagem interpretativa da religião. A partir desses dois 
ensaios apontaremos para algumas das especifi cidades, contribuições e 
limites dessa abordagem. Na Unidade 1 já assinalamos que para Geertz 
a cultura pode ser comparada a teias de signifi cados tecidas pelos 
humanos, nas quais ele se encontra amarrado. Diante dessas teias o 
antropólogo deve praticar uma ciência interpretativa – à procura de seus 
signifi cados –, analisando a religião enquanto um “padrão de signifi cados 
transmitido historicamente, incorporado em símbolos” (p. 66).
Geertz especifi ca o conceito de símbolo, indicando com este termo não 
um sentido genérico, mas limitado a um sistema entrelaçado de signos 
interpretáveis. Esses símbolos podem ser uma cruz, um crescente 
41Antropologia da Religião | FTSA | 
(islamismo), uma serpente de plumas (algumas culturas ameríndias) e 
outros. Em suas dramatizações rituais e relatos míticos, esses símbolos 
“parecem resumir [...] tudo que se conhece sobre a forma como o 
mundo é, a qualidade de vida que ele suporta, e a maneira como deve 
comportar-se quem está nele” (p. 93). Ou seja, eles são sintetizadores: 
possibilitam uma fusão entre os aspectos morais e estéticos (ethos) e os 
aspectos cognitivos e existenciais (visão de mundo) de um determinado 
povo. Traduzindo em termos mais simples, os símbolos trabalham 
para possibilitar (i) que as ações humanas se ajustem a uma ordem 
cósmica imaginada e (ii) que a ordem cósmica seja projetada no plano 
da experiência humana. Como um exemplo,
Os Oglala acreditam que o círculo é sagrado porque 
o grande espírito fez com que tudo na natureza fosse 
redondo, exceto as pedras. A pedra é a ferramenta da 
destruição. O sol e o céu, a terra e a lua são redondos 
como um escudo, embora o céu seja fundo como uma 
tigela. Tudo que respira é redondo, como o caule de uma 
planta. Uma vez que o grande espírito fez tudo redondo, 
a humanidade devia olhar o círculo como sagrado, pois 
ele é o símbolo de todas as coisas na natureza, exceto a 
pedra. É também o símbolo do círculo que forma o limite 
do mundo e, portanto, dos quatro ventos que viajavam 
por lá. Consequentemente, ele é também o símbolo do 
ano. O dia, a noite e a lua percorrem o céu num círculo, 
portanto o círculo é um símbolo dessas divisões do 
tempo e, portanto, o símbolo de todo o tempo.
É por essas razões que os Oglala fazem seus tipis
[habitações] circulares, fazem seu círculo de campo 
circular e se sentam em círculo em todas as cerimónias. 
O círculo é também o símbolo do tipi e do abrigo. Se 
alguém faz um círculo como ornamento e ele não é 
dividido de forma alguma, deve-se compreendê-lo 
como o símbolo do mundo e do tempo (Paul Radin, 
Primitive Man as Philosopher, apud Geertz, 2008, p. 94).
| Antropologia da Religião | FTSA42
O círculo, que para os Oglala possui um signifi cado estético, moral, 
ontológico e cosmológico, possui o poder produtivo de ordenar a 
experiência de forma abrangente. Ao ser aplicada à vida a ideia do círculo 
é capaz de apresentar novos signifi cados, ligando elementos diversos 
da vida desse povo que, de outra forma, seriam incompreensíveis. Os 
elementos da natureza, as práticas humanas, o ciclo da vida, aquilo que 
atinge o ser humano, o tempo que o envolve; enfi m, todo o conjunto 
complexo das experiências vividas são iluminadas a partir dessa ideia 
de um círculo sagrado. As próprias práticas rituais poderão se utilizar da 
ideia desse círculo, como quando, um cachimbo, símbolo de solidariedade 
social, movimenta-se de forma circular em uma cerimônia de paz.
Precisemos um pouco mais o que signifi ca dizer que os símbolos 
sintetizam o ethos de um povo e sua visão de mundo. Como vimos na 
unidade anterior, os sistemas ou complexos de símbolos são padrões 
culturais que fornecem informações para a instrução de processos 
sociais e psicológicos que modelam o comportamento público. Enquanto 
modelos, ao mesmo tempo em que são estruturados pela realidade social 
e psicológica, eles afetam essa mesma realidade. Neste sentido eles 
contribuem para que “poderosas, penetrantes e duradouras disposições 
e motivações” (no nosso caso, religiosas) sejam estabelecidas através 
da formulação de ideias gerais de uma ordem de existência. 
Segundo Geertz, mesmo que pareça obscuro, superfi cial ou perverso, 
toda religião particular afi rma algo a respeito da natureza fundamental da 
realidade. Esse dizer algo sobre a realidade relaciona-se a dependência 
humana em relação aos símbolos como decisivos para a sua viabilidade 
enquanto criatura. Assim, diante da falta de interpretabilidade de situações 
limites que ameaçam o ser humano, a resposta religiosa consistirá na 
“formulação, por meio de símbolos, de uma imagem de tal ordem genuína 
do mundo, que dará conta e até celebrará as ambiguidades percebidas, 
os enigmas e paradoxos da experiência humana” (p. 79). Através deste 
simbolismo a esfera de existência do ser humano será relacionada a uma 
esfera mais ampla dentro da qual se concebe que ele repouse, uma esfera 
43Antropologia da Religião | FTSA | 
que não o faz negar o inegável, mas negar que existam acontecimentos 
inexplicáveis.
Frente a esta disposição de mundo, toda uma gama de motivações é 
estabelecida. O argumento aqui apresenta uma certa circularidade 
– ou, uma espiralidade –, pois, ao mesmo tempo em que a visão de 
mundo estabelece disposições e motivações, estas fortalecem aquela. 
Os sentimentos religiosos são diversos, pois, em épocas e lugares 
diferentes os símbolos induzem inclinações que vão da exultação à 
melancolia, da autoconfi ança a autopiedade, sem falar que alguns mitos 
e ritos tem certo poder erógeno. Por exemplo, diante do sofrimento “os 
símbolos religiosos oferecem uma garantia cósmica não apenas para 
sua capacidade de compreender o mundo, mas também para que, 
compreendendo-o, deem precisão a seu sentimento, uma defi nição às 
suas emoções que lhes permita suportá-lo, soturna ou alegremente, 
implacável ou cavalheirescamente” (p. 77). O rito exercerá um papel 
fundamental nesse processo de fusão, porém, o veremos mais adiante.
Exercício de Reflexão - 07
Entretanto, os signifi cados só podem ser "armazenados" 
através de símbolos: uma cruz, um crescente ou 
uma serpente de plumas. Tais símbolos religiosos, 
dramatizados em rituais e relatados em mitos, parecem 
resumir, de alguma maneira, pelo menos para aqueles 
que vibram com eles, tudo que se conhece sobre a 
forma como é o mundo, a qualidade de vida emocional 
que ele suporta, e a maneira como deve comportar-se quem está 
nele. Clifford Geertz, 2008, p. 93
Acima vimos a aplicação dessa ideia em relação à ideia de círculo para 
o povo Oglaca, e agora, num momento refl exivo, vamos olhar para a 
cruz, um dos principais

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