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O RISO

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O RISO
Na epígrafe da introdução, evoquei a afirmação da filósofa Isabelle Stengers a respeito do fato de que as nossas ciências já não nos fazem rir ou, se o fazem, haveria nesta expressão mais traços de gesto e automatismo do que a perspectiva de uma reconciliação das faculdades da inteligência e da intuição. Enquanto D'Alembert dissolvia suas moléculas sensitivas num oceano, Stephen Hawking anuncia na sua Breve história do tempo: do big bang aos buracos negros (1988) o eminente triunfo da razão humana: a redução do universo à pura necessidade matemática. Em The God delusion (2006), Dawkins defende que a temática da origem da vida cabe aos químicos, e não a religiosos, leigos e afins, pois todos aqueles que acreditam em Deus não seriam capazes de se ocupar dessa tarefa de modo racional. Reféns da fé, eles "crêem", ao passo que deveriam apenas "conhecer". Delineia-se assim um cenário em que as especulações não mais se voltam à exploração dos limites da reflexão, uma vez que tais ciências julgam o mundo em nome de suas próprias teorias (cf. Stengers, 2000, p. 41). A armadilha assim erigida nos convida a assumir que a ciência tenha uma identidade, uma identidade epistemológica. Uma identidade com a qual poderíamos partilhar os imperativos apriorísticos da racionalidade e da objetividade a fim de proceder num estudo adequado aos parâmetros científicos. Restando como alternativa tão somente a invenção, justamente, de "outras ciências".
Tal como proposto por Deleuze e Guattari (1997), vem daí a diferenciação entre ciência e não-ciência, residindo a diferença entre ambas no fato de que a dita ciência só interessa pelo talhe das pedras por planos, em condições que restauram o primado do modelo fixo da forma, da cifra e da medida. Essa ciência régia só suporta e se apropria da perspectiva estática, submetida a um buraco negro central que lhe retira toda capacidade heurística e deambulatória (p. 30). Engloba, desse modo, outra ciência, ou filosofia, vaga e contudo rigorosa, anexata; pois apenas uma métrica se prestende exata. Ao término de uma controvérsia, que poderíamos aqui ilustrar no embate que se deu entre Thomas Hobbes e Robert Boyle a propósito da bomba de vácuo, a natureza seria convocada a falar por intermédio da técnica, designando vencedores e vencidos. Mas e se (re)aprendêssemos a rir da obrigatoriedade dessas narrativas formalistas que nos conduzem ao estabelecimento de uma oposição entre valores sociais e humanos perante uma lógica tecnocientífica que se pretende cada vez mais autônoma? E se reativássemos a reconciliação por um riso que não se dê às expensas, mas como simetria entre aqueles que intervêm no curso da história e aqueles cujo direito a fazê-lo não foi reconhecido? (cf. Stengers, 2000, p. 45).
Falei acima das ações pragmáticas do pensamento, onde a representação de fenômenos como associação de partes seria uma representação natural à inteligência humana, representação espacial do real. É a maneira de perceber, pensar e explicar os fenômenos pela sua refração no espaço, tendo na geometria o seu acabamento mais perfeito e na matemática a sua linguagem. O problema não está na assunção da utilidade da linguagem e dos métodos matemáticos, mas na sua defesa de uma representação do real. Aporia colocada à filosofia a partir do século xix e dirimida pela ciência, que deslocou o solo antes ocupado por uma enunciação metafísica do mundo. Também discuti a incorporação da imagem vitalista no seio das ciências da vida e da saúde, pois mesmo uma aurora mítica teria sido aí incorporada, talvez dando mostras da própria insatisfação silenciosa da ciência com relação aos limites impostos pela sua linguagem e método. Vis-à-vis, o antropólogo Claude Lévi-Strauss indicou um caminho que conflui para o entendimento de que esses projetos fazem parte de uma lógica autor representativa da construção cosmológica das sociedades ocidentais.
O CINISMO: A VIDA CINICA-INDIFERENÇA DIANTE DE TUDO
Cinismo é o nome que recebe a corrente filosófica que foi fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates. Os filósofos que seguiam essa corrente, recebiam o nome de cínicos e seu propósito na vida era viver na virtude, de acordo com a natureza. O nome foi originado do grego, cuja tradução literal seria “igual a um cão”. Os cínicos eram chamados de cães, pois Antístenes ensinava em um templo para nothoi atenienses, que é um termo usado para designar aqueles que não possuíam a cidadania ateniense por nascerem de escravas, estrangeiras ou prostitutas. O templo era chamado Cinosargo, que vem de Cynosarges que pode significar “alimento de cão”, “cão rápido”
HISTÓRIA
Antístenes, ex-aluno de Sócrates, foi o primeiro filósofo a definir o cinismo no final do século 5 a.C., e foi seguido por Diógenes de Sinope, que foi quem levou aos extremos lógicos o cinismo, passando a ser visto como o arquétipo de filósofo cínico. A corrente filosófica começou a espalhar-se durante a ascensão do império romano no século 1. E desapareceu ao final do século 5, apesar de que muitos filósofos afirmam que o cristianismo primitivo adotou muitas ideias ascéticas e retóricas.
Os cínicos gregos e romanos clássicos tinham a virtude como a necessidade única para a alcançar a felicidade, e seguiram a filosofia cegamente, negligenciando tudo que não promovesse a perfeição da virtude e não permitisse chegar à felicidade. O termo cínicos, derivado do grego que significa cão, era usado pois os cínicos negligenciavam a sociedade, higiene, família e dinheiro, entre outras coisas, de forma semelhante à um cão.
Características de vida e influências
Os cínicos viviam rejeitando valores sociais, poder, fama e dinheiro, desacreditando que isso poderia trazer a felicidade verdadeira. Viviam apenas de acordo com a natureza, libertando-se de convenções para tornar-se autossuficientes. A ganância, para eles, era vista como uma forma de sofrimento, assim como alguns outros comportamentos que criticavam. No início do século 19, desenvolveram uma compreensão moderna de cinismo, que o definia como “uma atitude de desdém negativo ou cansado, especialmente uma desconfiança geral quanto à integridade ou motivos professos dos outros”, em contraponto com a filosofia antiga que pregava a virtude e a liberdade moral na libertação do desejo.
Para os cínicos, a felicidade dependia exclusivamente de seu eu interior, sendo alheia às preocupações com a morte, a saúde e o sofrimento, por exemplo, sendo a chave exatamente a libertação de tudo isso. Esses filósofos tiveram influência em outros filósofos como os pitagóricos, que já tinham defendido a vida simples nos séculos anteriores.
O Riso na visão de Nietzsche
Friedrich Nietzsche (1844 -1900), não gostava da trinca de ouro inauguradora da filosofia ocidental. Notadamente ele desdenhava Sócrates, por ter sido aquele um dos responsáveis por colocar para a filosofia as questões morais. Isto teria trazido uma grande infelicidade para o homem por começar a viver uma má-consciência ou, consciência culposa; o que em consequência máxima, teria preparado o caminho para a doutrina judaico-cristã; que relaciona, culpa erro e pecado;- avaliações meramente morais, que custaram na percepção do filósofo a alegria humana de viver. Mas, o que há de errado com esta metafísica “trombuda” racionalista clássica e influenciadora da filosofia ocidental, a ponto de constituir-se o ponto fulcral da filosofia de Nietzsche? E, como o filósofo das marteladas se posiciona em relação a elas? Contra a cultura, os valores e a moral decadentes, a religião, a ciência e o conhecimento; o filósofo impunha suas irônicas e sarcásticas diatribes, (que são sim; categorias estéticas do riso), como forma de aperfeiçoamento e de libertação humana.
Ele nos adverte, (...) “vós deveríeis aprender a rir, meus jovens amigos, se, todavia, quereis ser totalmente pessimistas; talvez, em consequência disso, como ridentes mandeis um dia ao diabo toda a consoladoria (sic) metafísica -, e a metafísica em primeiro lugar”. (O Nascimento da Tragédia; Prefácio §7). Diferentementeda metafísica platônica que apreende o sujeito por um único ponto perspectivo gerador, (o sujeito), o pensamento perspectivo nietzschiano é mais amplo, e busca desestabilizá-lo ensejando que, não há mais um único e destacado ponto perspectivo gerador ou receptor do real, homem/sujeito, mundo/objeto para qual convirja. Não existe um apoderarse do mundo; tal como ele se apresenta, a fim de apreender suas verdades (realismo); como também inexiste o pensamento – produto; advindo de um sujeito concordante com o real (idealismo). Instaura-se a perspectiva do pensamento nietzschiano, sugerindo uma superposição de visões, entrelaçado olhares, multiplicidade de focos, pontos perspectivos em uma rede de relações em que sujeito (homem) e objeto (mundo), não podem mais ser entendidos como identidades estanques, elementos separados. Nascem as relações de força, onde o corpo como o olho que capta o mundo ganha preponderância em detrimento da racionalidade. Em Nietzsche; que não se encaixa em nenhuma concepção ou sistema, há uma espécie de monismo reducionista, em que se concebe não haver nada além do corpo humano. Existe um perspectivismo pulverizador, e com superposições, onde se supera a metafísica racionalista clássica, e a tradição filosófica que tanto se esforçou para negá-lo. Eis, o corpo; com os sentidos, as emoções, as paixões e as visões: epidérmica, gustativa, olfativa, sensoriais. O corpo, tão desprezado pela racionalidade e metafísica é suporte para o riso. O ato de rir, envolve uma relação complexa entre os processos de pensamento e aspectos emocionais do cérebro, assim como controle físico da caixa torácica e dos músculos da fala;- ri-se com o corpo inteiro. A propósito do tema, lembra-nos o filósofo das marteladas que, a renúncia às emoções, o desprezo pelo corpo juntamente com a recusa da vida fará morrer no homem as forças e as potencialidades transformadoras.
As várias faces do riso segundo Lipovetsky
Depois d’A sociedade do espetáculo, de Guy Débord (1997), o filósofo francês Lipovetsky (1989) tipifica a pós-modernidade como a “sociedade humorística”, em que tudo dá espaço a brincadeiras, tornando o riso e a descontração quase que obrigatoriedades. Por trás dessa pseudoleveza, há uma ameaça de exterminar o verdadeiro sentido do riso. Se, na carnavalização da Idade Média, o riso representava uma segunda vida para o povo, momento em que era permitido extravasar mediante as festas e sair do mundo obscuro e rígido das leis, na contemporaneidade preconiza-se a sua morte, pois a seriedade é rechaçada e o riso, empregado a torto e a direito, de forma rotineira, corre o risco de avizinhar-se da “era do vazio”. Thomas Hobbes (1966), por sua vez, discorre sobre a soberba intrínseca do homem, ao dizer que o riso é um índice da superioridade humana: o homem ri ou zomba das desgraças alheias como se fosse imune a qualquer tipo de deslize igualmente ridículo.
Mas seja riso de zombaria, seja riso sem motivo algum, subjazem a ele sátiras cujos desígnios corroboram as teses de Bergson (1983), para o qual o riso é um instrumento de regulação e de controle dos desvios sociais. É preciso ter em mente que a função primeira do riso, conforme afirma Yonnet (1990, p. 152-153), é celebrar o “ser social”. O riso solitário tem um sinal negativo; é uma anormalidade patológica. Diante disto, rir é comunicar e, portanto, uma forma de participar de uma sociedade. Em todo ato de comunicação, o objetivo final não é apenas informar, é, na verdade, convencer o “outro” a aceitar o que está sendo proferido. A argumentação é um fenômeno que está inscrito no uso da linguagem, pois constitui uma atividade estruturante de todo e qualquer discurso. Por isso, por mais sincero que se suponha, o riso esconde uma segunda intenção. O riso é, pois, uma ousadia: causa a estranha para distrair, mas, por trás dessa aparente ingenuidade, verdades são escamoteadas. Horácio, poeta da Antigüidade Clássica (65 a.C — 8 a.C), resumia um modo de dizer a verdade: Ridendo dicere verum (Rindo, a verdade é dita). A antiga Literatura Latina repisa esse pensamento com o mesmo mote: Ridendo castigat mores (Rindo, os costumes são castigados).
O riso em Demócrito
Demócrito filósofo, mas também Demócrito viajante. Nativo de Abdera, Demócrito utiliza seus recursos obtidos por herança familiar em peregrinações, atravessa o Mediterrâneo, alcança a África oriental, toca as margens do Mar Vermelho. Toma lições com Leucipo, mas também de teologia e astronomia com os magos caldeus, os padres egípcios o iniciam na geometria e os gimnosofistas indianos lhe revelam o ascetismo e os exercícios espirituais de meditação.
Sobre suas viagens, conta uma anedota que Demócrito a inteligência de um carregador particularmente esperto. Compra o carregador e, posteriormente, o promove a secretário. Mais tarde este se tornará o famoso filósofo Protágoras, aquele do homem medida de todas as coisas.
Hegel se equivocou ao afirmar que o anedotário filosófico é desprovido de significado e que, portanto, Diógenes não é um filósofo. Porque toda a vida de Diógenes é baseada em anedotário, assim como de Demócrito. E uma das estórias mais conhecidas do homem de Abdera é sobre sua cegueira. A cegueira pode representar então o homem movido pelas paixões, decorrendo daí uma aritmética dos prazeres capaz de propor sentido ao mundo.
O certo é que Demócrito se utiliza frequentemente de Leucipo: o real se constitui por átomos; não há dualidade platônica entre material - o Mal - e imaterial - o Bem; desconstrói a idéia entre espírito e carne; dilacera os deuses, a transcendência e a causalidade divina; o devir é única instância permanente do mundo. A expressão espírito é utilizada, mas enquanto partícula do corpo, que se desagrega juntamente com ele no momento da morte.
Fica a pergunta: qual a finalidade da vida num mundo caótico? E Demócrito responde: a alegria. A alegria remete à tranquilidade da alma, à sua ordem, mas também  à hilariedade, ao bom humor, à boa disposição tanto quanto à saúde moral. A firmeza da alma à qual Demócrito exorta traduz o prazer sutil da relação travada consigo mesmo por um indivíduo que não teme nada e pode, portanto, na absoluta indiferença com respeito às leis, obedecer apenas a si mesmo e viver livremente.
Como em todos os filósofos da Antiguidade, Demócrito associa saber à moral. O acúmulo de conhecimento não era o fim-em-si, mas um meio de afastar do senso comum e alcançar a felicidade. Isso porque se afastar dos deuses e de suas cóleras, deixar de temer o raio e o trovão, as tempestades, os relâmpagos, os terremotos, os maremotos... Associar racionalmente causa e efeito, compreender os movimentos da alma, todos esses itinerários proclamam um saber, mas também uma ciência. Aqui, mais uma vez, a ciência encaminha a uma vida feliz.
Demócrito inicia um assunto que será recepcionado posteriormente por Epicuro: o sábio deve se esquivar dos assuntos públicos. O abderiano entende que a introdução nos assuntos públicos origina situações que conduzem o homem à perturbação. Mas não só isso. A vida doméstica também influi para a perturbação. Assim, o sábio também deve se esquivar da geração de filhos. Os filhos são fonte de temores, medos, contrariedades e aborrecimentos para os pais. Sua saúde, seu futuro, sua vida, tudo se torna um peso sobre os ombros do pai ou da mãe.
Nada temer, nem os deuses nem os homens; não se empenhar acima de suas forças; não perder a alma em prazeres cuja satisfação acarretará insatisfação futura; desejar o prazer da comunhão consigo mesmo; não procriar; em hipótese alguma se envolver nos assuntos da cidade; não impulsionar pulsões que desequilibram; visar a alegria. Em poucas palavras temos o catecismo abderiano, o manual da alegria e da felicidade para qualquer aspirante à sábio. Seja como for, o riso fomenta, em última instância, todo ideal de Demócrito.
A superioridade do riso em Thomas Hobbes
Thomas Hobbes (1588-1679) é, provavelmente, o criador desta teoria. "O riso é um tipo de glória repentina", diz ele, utilizando a palavra glória comosinônimo de vaidade ou auto-estima. Ele acrescenta, ainda, que o riso nasce frente aos acidentes e enfermidades dos outros, às próprias loucuras passadas — desde que haja consciência de tê-las superado — e aos próprios sucessos inesperados.
A crítica à fórmula de Hobbes é sua pouca amplitude, já que não cobre todos os tipos de humor. Ela não se aplica ao jogo de palavras, como as jitanjáforas, ou ao nonsense, estilo visível em autores como Edward Lear e Lewis Carroll. Sem dúvida, as reações mais comuns são de superioridade frente a Malvolio e de carinhosa condescendência em relação a Don Quixote ou Mr. Pickwick, mas em relação a Falstaff é de admiração secreta e inveja. 
As teorias da superioridade parecem excluir um elemento muito importante do humor: a incoerência. No jogo verbal da seguinte quadrinha: “Eu sou pequenininha, do tamanho de um botão,/ Trago papá no bolso e um ‘mamão’ no coração”, o riso não surge por ela conter um erro. Surge porque há um contraste entre papai e mamãe e “papá” e “mamão”, ou seja, palavras com associações emocionais e sentidos completamente diferentes. Além do mais, os pais pertencem a um código de referência e a comida a outro. A interseção entre os dois códigos é o que causa o riso.
Os seguidores de Hobbes tentaram responder às críticas, alegando que, até quando o riso é provocado por cenas em que se representa o vício, o deboche e a libertinagem, talvez seja pela sensação de superioridade com relação à moralidade convencional que está sendo escarnecida. Isto se aplica às piadas de apelo moral e, talvez, ao nonsense, pois a necessidade convencional de agir e falar sempre respeitando a lógica — “essa estrita, incansável e problemática governanta, a razão”, nas palavras de Schopenhauer — está sendo atacada. 
Argumentando com essas bases, Alexander Bain (1818-1903) declarou que todo humor envolve a degradação de alguma coisa. De acordo com ele, não é preciso ter consciência plena da suposta superioridade. O riso pode provir, por exemplo, da simpatia por alguém que derrotou um adversário. Em segundo lugar, não é necessário que uma pessoa seja ridicularizada. Uma idéia, instituição política ou qualquer coisa que exija dignidade e respeito também pode ser exposta ao ridículo. Até o nascer do Sol pode ser motivo de zombaria, como fez Samuel Butler quando comparou, em Hudibras, o alvorecer a uma “lagosta fervida".
De acordo com qualquer teoria da superioridade no humor, aquele que ri sempre vê o objeto do riso de cima e, por algum padrão, julga este objeto inferior. Isto possibilita a existência de uma grande variedade de teorias da superioridade. Henri Bergson deu a mais famosa aplicação da teoria da superioridade. O ideal de Bergson é a elasticidade, a adaptabilidade, o élan vital. Portanto, o cômico para ele é "algo mecânico encrostado sobre os seres vivos". O personagem cômico típico, diz ele, é alguém com uma obsessão, ou idéia fixa, como Don Quixote, ou o avaro de Molière. O personagem não é flexível o suficiente para adaptar-se às necessidades complexas e mutáveis da realidade. Como um exemplo típico da rigidez cômica, Bergson cita a história dos oficiais da alfândega que dirigiram-se bravamente ao salvamento da tripulação de um navio que afundava. A primeira coisa que os oficiais disseram quando os marinheiros chegaram em terra firme foi: "Têm algo a declarar?” Aqui, de acordo com Bergson, se dá a persistência cega e automática de um hábito profissional em mente, independente das circunstâncias.
As ideias do riso para: Baudelaire e Arthur Scopenhauer
Arthur Schopenhauer disse que todo humor pode ser "traduzido em um silogismo na primeira figura com um aspecto elevado inquestionável e um aspecto inferior inesperado que, até um certo ponto, só é válido como sofisma". Esta fórmula complicada pode ser ilustrada por um trecho do diálogo da peça de Shaw, Getting Married, na qual um bispo diz que "não pode, como um bispo britânico, falar diretamente da poligamia", porque a grande maioria das pessoas no império britânico são polígamas. Isso pode ser encarado como o seguinte silogismo: todas as instituições britânicas devem ser respeitadas (primeira premissa). A poligamia é uma instituição britânica (segunda premissa). Portanto, a poligamia deve ser respeitada (conclusão). Aqui, o aspecto superior era, para a audiência de Shaw em 1908, indiscutível. A segunda premissa é inesperada e só vale pelo sofisma.
Schopenhauer parece considerar somente o aspecto intelectual do humor. Para ele, o humor depende do prazer de encontrar conexões inesperadas entre as idéias, o que difere do esforço intelectual sério porque a conexão, sendo um sofisma, não pode ser encarada seriamente. Isto significa ignorar o elemento emocional no humor: a distância da qual depende a força de dissolução de uma atitude ou da reversão de valores. A passagem de Shaw citada, por exemplo, pode ter impacto somente em uma audiência que esteja imbuída da atitude popular em relação ao imperialismo que existia na Inglaterra na época em que o dramaturgo vivia.
Herbert Spencer pensava que todo humor pode ser explicado como uma "incoerência descendente". O adjetivo “descendente” inclui um julgamento de valores. Spencer concordava com Bain quando este afirmava que a incoerência sempre envolve um contraste entre algo exaltado e algo trivial ou obsceno. Mas alegava que o fator importante é a incoerência e não a degradação. Spencer respondeu a uma questão que foi esquecida por muito tempo. “Por que”, perguntou ele, “a percepção da incoerência deveria levar ao riso? ” Sua resposta é que o riso é uma expansão de energia nervosa, uma transição rápida entre um pensamento solene e outro trivial. O que deixa um estoque de energia nervosa que necessita ser gasto na forma de riso.
De acordo com as teorias da incoerência, pode-se dizer que o humor consiste no encontro do inadequado dentro do apropriado. Não são encontradas somente conexões inesperadas entre aspectos aparentemente sem similaridade: a noção humana do decoroso também está envolvida. Em qualquer comunidade, certas atitudes parecem ser mais apropriadas para certas coisas, mas não para outras. Assim, desenvolvem-se, entre outros, o estereótipo de pessoas como o político típico, o poeta, a tia da menina e o americano cem por cento. O humorista traz à luz os fatos inconvenientes que revelam essas atitudes e penetram nos estereótipos. Fielding, por exemplo, em sua novela Jonathan Wild, retrata as façanhas de um ladrão de estradas em termos normalmente reservados para os heróis militares. Ele demonstra que as descrições apropriadas para aquele homem também podem ser apropriadas para os outros. Neste caso, o efeito é provocar dúvidas sobre o sistema de valores convencionais. Mas, às vezes, como apontou Bergson, o humor pode ir contra a pessoa que não é capaz de viver de acordo com as necessidades convencionais. Consequentemente, o humor pode ser às vezes radical e às vezes conservadoras. É comum que a intenção do efeito não fique clara. Por exemplo, a sagacidade de Wilde, citada acima, pode ser interpretada como um ataque às classes trabalhadoras ou como um questionamento das atitudes convencionais vitorianas de trabalhar e beber.
O riso como um alívio psíquico em Freud.
Como o humor questiona as exigências sociais convencionais, ele pode ser encarado como um fornecedor de alívio da restrição que impõem as exigências. O alívio pode ser apenas temporário: uma história obscena, por exemplo, geralmente não é um desafio sério à moralidade convencional. Mas permite dar asas aos impulsos sexuais que a sociedade reprime. Além disto, as pessoas que passam por tensões podem dar gargalhadas se, repentinamente, a tensão for removida. Na teoria do alívio supõe-se que o elemento central do humor não seja uma sensação de superioridade ou o conhecimento de incongruências mas, sim, o sentimento de alívio provocado pela remoção de barreiras.
Esta teoria foi reforçada pelas descobertas psicanalíticas (ver Psicanálise) de Sigmund Freud. Freud considera o humor uma forma de enganar a “censura”,nome que aplicou para as inibições internas que impedem de dar forma aos impulsos naturais. Segundo Freud, não somente os impulsos sexuais são reprimidos pela censura, mas também os impulsos maliciosos. Desta forma, Freud é capaz de justificar não somente as piadas sobre moral e a popularidade de personagens cômicos como Falstaff, que ignora as limitações morais, mas também o elemento da malícia no humor, para o qual as teorias da superioridade chamam a atenção.
De acordo com Freud, a censura permite explorar estes pensamentos proibidos somente se for enganada ou desarmada. A distração é realizada através de técnicas de humor: recursos como trocadilhos, a representação pelo oposto, e outros. Um insulto, por exemplo, será engraçado se parecer inicialmente um elogio. Para citar um outro exemplo, a sagacidade de Wilde deve ser encarada, nesta perspectiva, como uma forma de liberar o desejo de trabalhar e beber, ou alternativamente, de liberar a malícia contra as classes trabalhadoras. A censura é surpreendida porque parece ser apenas repetido um comentário convencional que, então, é desviado pela descoberta de que uma recompensa ao comentário nos permite expressar sentimentos diferentes. Freud encontrou várias semelhanças entre as técnicas de humor e a forma com que os pensamentos são distorcidos nos sonhos. Isso o permitiu ligar a teoria do humor com sua teoria de interpretação dos sonhos: os sonhos são também uma forma de enganar a censura.
O prazer intelectual de jogar com as idéias e palavras, de encontrar conexões inesperadas, encarado pela teoria da incoerência como elemento essencial do humor, tem, portanto, lugar nas teorias de Freud como uma maneira de enganar a censura. Como a censura é distraída, e não meramente enganada, pressupõe-se que tais mecanismos sejam uma fonte de prazer em si mesmos. Freud explica isso adotando a descrição fisiológica do riso feita por Spencer (ver Fisiologia). O prazer resulta, de acordo com ele, na economia de energia nervosa. Entretanto, ele não considera o apelo intrínseco destes mecanismos cômicos suficiente para explicar o humor: eles seriam inúteis se não pudessem liberar os desejos reprimidos.
CONCLUSÕES  
Cada uma dessas teorias explica alguns tipos de humor. Mas nenhuma delas explica, satisfatoriamente, todos os tipos de humor. A teoria da superioridade descreve muito bem o riso em caso de pequenos acidentes e o apelo à sátira, mas é menos feliz ao explicar o jogo de palavras, a incoerência, o nonsense e os apelos à obscenidade e as piadas sobre a moral. A teoria da incoerência, por sua vez, é forte onde a teoria da superioridade é mais fraca. A teoria do alívio explica como o riso surge das distorções morais, da malícia e do nonsense — considerados alívios da “governanta razão” — mas é forçada a conceder a existência de um apelo intrínseco na incoerência e no jogo de palavras, situações muito diferentes da sensação de alívio das repressões. Cada tipo de teoria esclarece, entretanto, algum aspecto do humor.
REFERENCIAS 
O riso: ensaio sobre a significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes, 2004.         [ Links ]
_____. A intuição filosófica. In _____. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes, 2006a. p. 125-48.         [ Links ]
https://www.estudopratico.com.br/cinismo/
NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia: ou Helenismo e pessimismo. Tradução, notas e posfácio de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia da Letras, 2003.
http://portalveritas.blogspot.com/2013/11/democrito-e-o-riso.html
ECO, Umberto. Viagem na irrealidade cotidiana. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
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