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Dissertação - Paula dos Santos Pereira - 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE 
 
 
 
PAULA DOS SANTOS PEREIRA 
 
 
 
 
 
 
MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA: 
percepções sobre a perpetuação da violência em 
suas vidas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Goiânia 
2017
 
i 
 
PAULA DOS SANTOS PEREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
MULHERES EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA: 
percepções sobre a perpetuação da violência 
em suas vidas 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado 
apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Saúde 
da Universidade Federal de Goiás 
para obtenção do Título Mestre em 
Ciências da Saúde. 
 
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Medeiros 
 
Linha de Pesquisa: Aspectos Nutricionais, Educacionais e Socioculturais da 
Saúde Humana 
 
 
 
 
 
 
Goiânia 
2017
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do 
Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG. 
 
 
 
 
PEREIRA, Paula dos Santos 
Mulheres em situação de violência: percepções sobre a 
perpetuação da violência em suas vidas [manuscrito] / Paula dos 
Santos Pereira. – 2017. 
95 f. : figs., quadros. 
 
Orientador: Prof. Dr. Marcelo Medeiros. 
Dissertação (Mestrado)–Universidade Federal de Goiás, Faculdade 
de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, 
Goiânia, 2017. 
Bibliografia. Anexos. Apêndice. 
Inclui siglas, abreviaturas, lista de figuras e quadros. 
 
1. Violência contra a mulher. 2. Violência doméstica. 3. Relações 
entre gerações. 4. Rede/serviços de saúde. I. Medeiros, Marcelo, 
orient. II. Título. 
CDU 614 
 
 
ii 
 
 
 
iii 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico este trabalho a todas as mulheres que, em seu cotidiano, 
infelizmente, convivem ou conviverão com a violência, ainda tendo de 
lutar por respeito e dignidade. 
 
 
Agradecimentos iv 
AGRADECIMENTOS 
Durante todo o processo deste trabalho, muitos foram aqueles que, de 
forma direta ou indireta, fizeram parte da caminhada. São muitos aqueles que 
em pensamentos e palavras fizeram parte de tudo isto e sou extremamente 
grata por cada demonstração de carinho e atenção. 
Primeiramente, agradeço a Deus por me dar saúde e sabedoria para 
seguir com minhas escolhas e permitir que consiga trabalhar por aquilo em 
que acredito. 
Agradeço também 
Aos meus pais, Regina e José, meus grandes motivadores na vida, que 
sempre me ensinaram a buscar e a lutar pelos meus sonhos, me mostrando 
a importância de sempre aprender mais. Obrigada pelo carinho, amor e 
respeito que sempre me deram. 
À minha irmã, Natália, minha companheira de sempre, que apesar da 
distância se faz presente em minha vida, principalmente nos momentos de 
maior dificuldade e de alegria. 
Ao meu esposo, Túlio, pelo incentivo, pela paciência e parceria em 
caminhar ao meu lado em mais um trabalho, sendo compreensivo e 
companheiro nos momentos de cansaço e exaustão. 
Ao meu filho, José Marcos, que mesmo tão pequeno já fez parte deste 
importante momento de minha vida, sendo um motivador para que eu seja um 
exemplo para ele. 
Ao meu orientador, Marcelo Medeiros, por me dar a oportunidade de 
realizar este trabalho e por me ensinar muito, sendo meu orientador e guia, 
sempre me dando exemplo de excelente profissional e professor, querido e 
sábio em suas palavras. 
À Secretaria de Saúde de Aparecida de Goiânia, por me permitir usar 
seu espaço e informações a respeito de um tema tão importante e 
significativo. Em especial, à equipe do Programa de Prevenção às Violências 
 
Agradecimentos v 
e Promoção de Saúde, Danilo, Lígia, Keffen e Jaqueline, profissionais 
competentes que me acompanharam neste processo de aprendizagem. 
Aos meus amigos e colegas do Núcleo de Estudos Qualitativos em 
Saúde e Enfermagem (NEQUASE), os quais, por muitas vezes, me 
orientaram e guiaram na execução de atividades, proporcionaram momentos 
de alegria, ensinamento, discussões e amizade. 
Às minhas amigas da graduação, que até hoje se fazem presentes em 
minha vida e têm me ajudado em muitos momentos de dúvida e de 
aprendizagem. Em especial, à Paolla, minha amiga e conhecedora do tema 
violência, que me ensinou e ajudou na construção desta pesquisa. 
À banca examinadora, tanto os da etapa da Qualificação quanto no 
momento da defesa final, Profas. Dras. Nilce Maria da Silva Campos Costa, 
Márcia Maria de Souza, Mary Lopes Reis e Ana Lúcia Queiroz Bezerra. 
À revisora Suzana Oellers, que com seu trabalho e competência me 
auxiliou na finalização desta dissertação e ainda foi um apoio para os 
momentos finais deste processo. 
Agradeço a todas as mulheres que, por meio de seu sofrimento e luta, 
me permitiram aprender e compreender mais e melhor sobre este fenômeno. 
Enfim, quero agradecer por mais esta etapa em minha vida profissional 
e pessoal. Um momento de muito aprendizado, que deixa sua marca em 
minha trajetória. 
 
 
 
 
 
Sumário vi 
SUMÁRIO 
FIGURAS E QUADROS ............................................................................ viii 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ...................................................... ix 
RESUMO ..................................................................................................... x 
ABSTRACT ................................................................................................. xi 
APRESENTAÇÃO ...................................................................................... 12 
1. DELIMITANDO O OBJETO DE PESQUISA .......................................... 15 
1.1 Aproximação ao tema ..................................................................... 15 
1.2 Objetivos do estudo ....................................................................... 22 
2. CONTEXTUALIZANDO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ............. 23 
2.1 A violência contra a mulher ........................................................... 23 
2.2 Gênero ............................................................................................ 28 
2.3 A aprendizagem social e a intergeracionalidade do comportamento 
violento ................................................................................................. 30 
2.4 O apoio e o atendimento à mulher em situação de violência .... 34 
2.5 Pressupostos do estudo ............................................................... 39 
3. METODOLOGIA ..................................................................................... 41 
3.1 Referencial teórico-metodológico ................................................. 41 
3.2 Campo de estudo ............................................................................ 41 
3.3 Trabalho de campo ........................................................................ 43 
3.3.1 Análise dos dados ................................................................... 45 
3.3.2 Preceitos éticos ....................................................................... 47 
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................. 48 
4.1 Caracterização das participantes .................................................. 49 
4.2 O contexto familiar na infância ...................................................... 51 
4.3 A intergeracionalidade do comportamento violento ................... 55 
4.3.1 Violência por parceiros íntimos – a perduração da violência contra 
a mulher ............................................................................................ 56 
4.3.2. Os filhos diante da violência – a manutenção da 
intergeracionalidade ......................................................................... 60 
4.4 As expectativas futuras .................................................................. 64 
 
Sumário vii 
4.5 O contexto da rede de atenção à violência contra a mulher ...... 66 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................71 
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 76 
ANEXOS ..................................................................................................... 87 
ANEXO 1. Parecer do Comitê de Ética ................................................... 87 
ANEXO 2. Autorização da Secretaria Municipal de Saúde .................... 91 
APÊNDICES ............................................................................................... 92 
APÊNDICE 1. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ................ 92 
APÊNDICE 2. Roteiro de Entrevista Semiestruturado ........................... 94 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figuras e quadros viii 
FIGURAS E QUADROS 
Figura 1. Número de notificações de casos de violência contra 
mulheres de 20 a 59 anos em Aparecida de Goiânia de 
2013 a 2016.. ................................................................... 
 
 
20 
Quadro 1. Tipos de violência segundo a Lei Maria da Penha. ......... 26 
Quadro 2. Características sociodemográficas das participantes. ..... 50 
Figura 2. Esquema representativo da intergeracionalidade da 
violência na vida das participantes. .................................. 
 
61 
 
Lista de siglas e abreviaturas ix 
 
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS 
BO: Boletim de Ocorrência 
CAIS: Centro de Atenção Integral à Saúde 
DEAM: Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher 
ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente 
IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 
LILACS: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde 
OMS: Organização Mundial da Saúde 
ONU: Organização das Nações Unidas 
SciELO: Scientific Eletronic Library Online 
SIM: Sistema de Informação de Mortalidade 
SUS: Sistema Único de Saúde 
SINAN: Sistema de Informação de Agravos de Notificação 
TCLE: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 
UBS: Unidade Básica de Sáude 
UPA: Unidade de Pronto Atendimento 
VPI: Violência entre Parceiros Íntimos 
 
 
 
 
 
 
Resumo x 
RESUMO 
PEREIRA, Paula dos Santos. Mulheres em situação de violência: percepções 
sobre a perpetuação da violência em suas vidas. 2017. 95 f. Dissertação 
(Mestrado em Ciências da Saúde)–Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 
2017. 
 
A violência na vida da mulher pode se iniciar desde a sua infância, 
perpetuando-se em sua vida adulta. Isso denota que tais experiências tendem 
a ser transmitidas intergeracionalmente, comprometendo todo o cenário 
familiar. Esta pesquisa teve como objetivos compreender a 
intergeracionalidade do comportamento violento na vida de mulheres vítimas 
de violência e identificar suas percepções sobre a atuação do profissional de 
saúde no contexto de seu atendimento. Foi realizada uma pesquisa social 
estratégica de abordagem qualitativa, tendo como campo de estudo o Serviço 
de Psicologia do Programa de Prevenção às Violências e Promoção da 
Saúde, da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de 
Aparecida de Goiânia, GO. Participaram da pesquisa dez mulheres adultas 
que estiveram ou estão em situação de violência. Os dados foram coletados 
por meio de entrevista semiestruturada gravada e, após a transcrição, 
analisados por meio de análise de conteúdo modalidade temática. A partir 
disso, emergiram quatro categorias: “o contexto familiar da infância”, “a 
intergeracionalidade do comportamento violento”, “as expectativas futuras” e 
“o contexto da rede de atenção à violência contra a mulher”. Os resultados 
mostraram que a violência está presente na vida dessas mulheres desde a 
sua infância, que elas identificam a influência deste fenômeno em suas 
relações afetivas e na vida de seus filhos, comprometendo também suas vidas 
futuras, e que os serviços de saúde não foram percebidos como locais de 
apoio às vítimas, mostrando a necessidade de mudanças nas condutas diante 
destes casos. Conclui-se que a violência contra a mulher gera consequências 
a curto, médio e longo prazos e que se trata de comportamento que pode ser 
transmitido para as demais gerações por meio do processo de aprendizagem. 
Já a atuação dos profissionais da saúde foi percebida como deficitária, não 
sendo uma referência de apoio às vítimas. Com base nos resultados desta 
pesquisa, sugerem-se intervenções nas famílias das vítimas, maior 
divulgação de informações e capacitações sobre o tema para os profissionais 
da rede e inserção da temática violência em grades curriculares. 
 
Palavras-chave: Violência contra a mulher. Violência doméstica. Relações 
entre gerações. Rede/serviços de saúde. 
 
 
Abstract xi 
ABSTRACT 
PEREIRA, Paula dos Santos. Women in situation of violence: perceptions 
about perpetuation of violence in their lives. 2017. 95 f. Dissertation (Master’s 
in Health Sciences)–Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017. 
 
Violence in women’s lives can start in their childhood and perpetuate in 
adulthood. This indicates that such experiences tend to be transmitted 
intergenerationally, compromising family structure. This research aimed to 
understand intergenerational violent behavior in the lives of female victims of 
violence and to identify their perceptions about the performance of healthcare 
professionals in the context of their care. A qualitative strategic social research 
was carried out in the Psychology Service of the Program for Prevention of 
Violence and Health Promotion, of the Epidemiological Surveillance Control of 
the Municipal Health Department of Aparecida de Goiânia, GO. Data were 
collected using a recorded semi-structured interview with ten adult women who 
are or were in situation of violence and analyzed after transcription using 
content analysis based on themes. As a result of this process, four categories 
emerged: “family context of childhood”, “intergenerational violent behavior”, 
“future expectations”, and “the context of the net of attention to violence against 
women”. The results showed that violence has been present in these women’s 
lives since their childhood, that they identify the influence of this phenomenon 
on their affective relationships and on their children’s lives, which compromises 
their future lives, and that healthcare services were not perceived as places to 
support victims, showing the need for changes in the conduction of these 
cases. It was possible to conclude that violence against women has short-, 
medium-, and long-term consequences and that this behavior may be 
transmitted to future generations through a learning process. The performance 
of healthcare professionals was perceived as deficient, and therefore it is not 
a reference of support for the victims. Based on the results of this study, we 
suggest interventions in the victims’ families, broader diffusion of information 
and qualification on the theme to healthcare professionals and inclusion of the 
theme violence in college syllabi. 
 
Keywords: Violence against women. Domestic violence. Relationships across 
generations. Healthcare system. 
 
 
 
 
 
 
 Apresentação 12 
 APRESENTAÇÃO 
Como psicóloga de um ambulatório de atendimento a vítimas de 
violência há três anos, observo no cotidiano do consultório a relação entre 
violência e saúde. Nesse serviço, realizo atendimento a vítimas de violência 
de diferentes idades, sendo as mulheres a principal população em 
acompanhamento. Diante desta experiência, foi possível observar que a maior 
parte das mulheres vítimas de agressões apresenta quadros de depressão, 
baixa auto-estima, desmotivação e ideações suicidas, todos associados à 
realidade vivida, o que compromete toda a sua vida, incluindo seus planos e 
expectativas futuras. 
Entretanto, apesar de tal condição, algumas delas mantêm suas 
relações afetivas diante da crença de que não podem ser desfeitas, visto que 
em suas histórias de vida a violência já estava presente no relacionamento de 
seus responsáveis, o que as leva a crerque tal condição faz parte das 
relações íntimas. Ademais, a maior parte delas não desenvolveu formas de 
enfrentar e lidar com a violência, gerando em suas vidas comportamentos que 
as colocam como “eternas” vítimas dessas relações. 
Estar inserida em um ambulatório de atendimento às vítimas de 
violência me levou a conhecer e a reconhecer a dimensão deste tema em 
relação à saúde pública, vivenciando em meu cotidiano laboral a importância 
da prevenção e do apoio às vítimas, percebendo as consequências deste 
fenômeno e as possibilidades de atuação neste campo. Os atendimentos às 
mulheres, especificamente, também trouxeram outras percepções, além dos 
aspectos psíquicos presentes nestes indivíduos, como tristeza, baixa auto-
estima, desesperança, desmotivação, ansiedade e outros. Assim, comecei a 
observar com mais afinco a história de vida delas e seus comportamentos 
atuais diante de seus filhos, além de constatar, com mais precisão, qual é o 
papel da saúde na vida dessas mulheres agredidas. 
Com o tempo de vivência com essas mulheres por meio dos 
atendimentos, ouvindo suas queixas e histórias, percebi que a maior parte 
 
 Apresentação 13 
delas já vivenciava a violência desde a infância, seja vendo suas mães sendo 
violentadas, seja sendo vítimas diretas de violência por parte de seus pais. 
A minha conduta clínica nos atendimentos se baseia na teoria da 
análise do comportamento, abordagem psicológica que visa compreender o 
indivíduo a partir de sua interação com o ambiente, sendo este tudo aquilo 
que interage com o sujeito, incluindo as coisas materiais, a sociedade e a sua 
individualidade. Seguir essa abordagem em meus atendimentos me levou a 
ter um olhar diferenciado sobre essas mulheres e a violência, e surgiram 
questionamentos sobre a influência do ambiente na persistência dos eventos 
violentos na vida delas. 
Outro fator percebido nesses acompanhamentos foi a função dos 
serviços de saúde na vida das vítimas. Por trabalhar na área da saúde, 
reconheço a importância deste setor em relação à violência. Conheço as 
portarias que nos guiam a atuar de forma integral e igualitária diante de 
qualquer fato que comprometa a saúde, sendo nosso dever apoiar, acolher e 
tratar vítimas de violência. 
Com base nessa experiência profissional, iniciei meus estudos e minha 
busca por compreender melhor o fenômeno da violência e de que maneira o 
ambiente pode influenciar a persistência deste fenômeno na vida de algumas 
pessoas. Também percebi a necessidade de compreender como os serviços 
de saúde eram vistos pelas vítimas. A partir dessa necessidade, iniciei este 
trabalho com o intuito de focar em aspectos da história e seguindo até o 
momento atual, analisando as expectativas de mulheres vítimas de violência 
e o papel dos serviços de saúde para elas, como forma de observar de que 
maneira se dá a atuação de profissionais diante da violência. 
Conhecer as percepções do caráter histórico da violência na vida de 
uma mulher pode permitir o desenvolvimento de ações focadas na prevenção 
e atenção à vítima. A partir disso, torna-se possível elaborar programas para 
ampliar as ações voltadas para as vítimas de violência, levando a uma 
conduta mais humana e acolhedora por parte dos profissionais da saúde. 
Desse modo, esta dissertação está estruturada em cinco partes. Na 
primeira, são descritos a delimitação do tema, as questões e os objetivos do 
 
 Apresentação 14 
estudo. Na segunda, é apresentado o referencial teórico que embasa e 
fundamenta a construção desta pesquisa. A terceira consiste na descrição da 
metodologia, expondo-se o referencial teórico metodológico, o campo de 
estudo e o trabalho de campo. Na quarta, são mostrados os resultados e os 
dados trabalhados são discutidos. Na quinta, são feitas as considerações 
finais deste estudo. 
 
 
 
 
Delimitando o objeto de pesquisa 15 
1. DELIMITANDO O OBJETO DE PESQUISA 
1.1 Aproximação ao tema 
 
Violência é um vocábulo de origem latina que vem da palavra vis, a 
qual significa força, se referindo ao uso de superioridade física sobre o outro 
(MINAYO; SOUZA, 2003). O fenômeno se refere à luta pelo poder e à busca 
por domínio. A violência reflete realidades diferentes, variando de acordo com 
épocas, culturas e circunstâncias, se aprimorando a cada tempo e tornando-
se cada vez mais complexa e articulada (MINAYO; SOUZA, 2003). 
A violência é um fenômeno social e historicamente determinado que 
atinge e acompanha a humanidade desde os seus primórdios, sendo uma 
manifestação social de grupos e indivíduos (DAHLBERG; KRUG, 2006; 
MINAYO, 2005). É uma herança comum a todas as classes sociais, culturas 
e sociedades, um fenômeno estrutural e intrínseco à civilização, que pertence 
à organização social e manifesta-se de diferentes maneiras (GOMES et al., 
2007; VISENTIN et al., 2015). Dado que sofre influências de épocas, locais e 
realidades, a violência pode ser vista de distintas formas, dependendo da 
cultura local, o que pressupõe reflexão complexa, polissêmica e controversa 
(MINAYO; SOUZA, 2003; PACHECO, 2012). 
Diante de suas importantes consequências nas dimensões física e 
psicológica, individual e coletiva, a violência também se tornou um problema 
na área da saúde. Assim sendo, surgiu a necessidade da criação de políticas 
e práticas para intervenções específicas e eficazes nesse setor (DAHLBERG; 
KRUG, 2006; GOMES et al., 2015; MINAYO, 2005; STÖCKL et al., 2013; 
VISENTIN et al., 2015; WHO, 2013). 
Chauí (1985) afirmou que violência é como uma violação ou 
transgressão de normas, regras e leis, mas sob dois ângulos: de um lado, é 
uma conversão de diferenças e relações assimétricas que visa dominar, 
explorar e oprimir; de outro lado, é uma ação que não considera o ser humano 
 
Delimitando o objeto de pesquisa 16 
como sujeito, mas como uma coisa ou objeto. Portanto, a violência se 
configura como uma violação do direito e da liberdade de ser sujeito 
constituinte de sua própria história. 
A violência de um modo geral pode ser entendida como: 
O uso intencional da força física ou do poder, real ou ameaça, 
contra si próprio, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma 
comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em 
lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento e 
privação de liberdade (KRUG et al., 2002, p. 5). 
 
Minayo e Souza (1997) também designaram violência como qualquer 
ação intencional, perpetrada por indivíduo, grupo, instituição, classes ou 
nações, dirigida a outrem, que cause prejuízos, danos físicos, sociais, 
psicológicos e/ou espirituais, trazendo amplitude em relação aos efeitos 
destes atos. 
Para fins do presente estudo, considera-se a designação de Chauí 
(1985) mais pertinente e apropriada para o desenvolvimento das discussões, 
tendo como base os objetivos desta pesquisa. Um dos focos deste estudo é 
a história da violência vivenciada por mulheres, buscando-se aspectos sociais 
que apontam a violência como uma violação de direitos e de liberdade, em 
que um sujeito é objeto passivo, explorado e oprimido, caracterizando uma 
relação assimétrica entre o homem e a mulher. Também se leva em 
consideração o papel da mulher no contexto da violência–homem–mulher 
como forma de perceber de que maneira ela se vê inserida nesta tríade, 
questão relevante para a investigação da construção social das relações. 
Desde a década de 1980, observa-se que as mortes por violência e 
acidentes, designados como causas externas de mortalidade, passaram a ser 
a segunda causa de morte no Brasil, mostrando que essas duas causas estão 
entre os mais graves problemas de saúde pública a ser enfrentado (BRASIL, 
2001). Essas causas externas atingem principalmente indivíduos entre 5 a 39 
anos, gerando impacto maior entre a população economicamente ativa e, 
consequentemente, no desenvolvimento econômico e social do país (BRASIL, 
2001). Além disso, o conceito ampliadode saúde, que abrange todas as 
questões relativas a estilos de vida e condicionantes sociais, inclui a violência 
 
Delimitando o objeto de pesquisa 17 
como um problema que interfere na qualidade de vida, o que a tornou um 
problema de saúde pública a ser enfrentado e compreendido (BRASIL, 2001). 
As consequências da violência são claramente percebidas e seu custo 
para o mundo se traduz em bilhões de dólares com despesas, sejam estas 
decorrentes dos custos econômicos gerados no âmbito da saúde ou do 
judiciário e penal, além dos custos sociais (DAHLBERG; KRUG, 2006; SILVA; 
OLIVEIRA, 2015). No Brasil, os gastos gerados pela violência são somados 
aos custos ocasionados pelos acidentes, visto que ambos são categorizados 
de forma unificada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) como causas 
externas. Porém, esses cálculos são complexos e têm como base os custos 
das internações hospitalares. Em 1997, apurou-se um dispêndio total de R$ 
232.376.612,16 com essas causas externas, o que representou 8% do total 
de gastos com internações no país (BRASIL, 2001). Já em 2005, tais custos 
atingiram mais de 8,5% dos gastos gerais do SUS (MELIONE; MELLO-
JORGE, 2008). Para se ter uma dimensão desses gastos, em 2005, no estado 
de São Paulo, os custos das internações hospitalares por causas externas 
atingiram R$ 155.091.524,39 (SECRETARIA DE ESTADO DA SAÚDE DE 
SÃO PAULO, 2006). Em decorrência da complexidade de tais cálculos, torna-
se difícil obtê-los em alguns estados e municípios. Por esse motivo, não foi 
possível caracterizar o estado de Goiás e o município de Aparecida de 
Goiânia, envolvido neste trabalho. 
A violência contra a mulher também é um grave e complexo problema 
de saúde pública, visto que vidas são perdidas ou indivíduos tornam-se 
incapacitados física e psicologicamente (GOMES et al., 2015; STÖCKL et al., 
2013; WHO, 2013). Atualmente, esse fenômeno, que impacta a vida social e 
econômica das vítimas e de outros envolvidos, atinge todo o país, não sendo 
algo específico de alguns estados e/ou municípios (VIEIRA et al., 2015). 
Apesar do impacto e da dimensão da violência, os indicadores 
referentes a este fenômeno variam de acordo com a instituição e a forma de 
pesquisa realizada para a coleta das informações. Há dificuldade para a 
obtenção desses dados principalmente pelo fato de a violência nem sempre 
ser notificada ou denunciada, não havendo bancos de dados atualizados ou 
 
Delimitando o objeto de pesquisa 18 
padronizados constantemente. Por isso, no presente estudo, são expostos os 
dados considerados mais atuais e fidedignos. 
Em um levantamento com base no Sistema de Informação de 
Mortalidade (SIM), de 1980 a 2013, o número de homicídios de mulheres no 
Brasil passou de 1.353 para 4.762, com aumento de 111,1% (WAISELFISZ, 
2015). No cenário mundial, dados coletados entre 2010 e 2013 apontaram El 
Salvador como o país com o maior índice de assassinatos de mulheres 
(feminicídios), com 8,9 homicídios por 100 mil mulheres, enquanto o Brasil 
está na quinta posição, com 4,8 homicídios por 100 mil mulheres (GOMES et 
al., 2015; VISENTIN et al., 2015; WAISELFISZ, 2015). 
Comparado a outros países, o número de feminicídios no Brasil é 48 
vezes maior do que no Reino Unido, 24 vezes maior do que na Irlanda ou 
Dinamarca e 16 vezes maior do que no Japão ou Escócia. Apenas El 
Salvador, Colômbia, Guatemala e Federação Russa possuem taxas 
superiores às do Brasil, o que evidencia os altos índices de assassinatos de 
mulheres que há em nosso país (WAISELFISZ, 2015). 
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 
em 2014, 13 mulheres foram assassinadas por dia no Brasil, e a taxa de 
homicídios de mulheres apresentou crescimento de 11,6% entre 2004 e 2014 
(IPEA, 2016). Outros dados impactantes são os da Central de Atendimento à 
Mulher – Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da 
Presidência da República, que apontam que de um total de 52.957 
denunciantes de violência, 77% afirmaram ser vítimas semanais de 
agressões; em 80% dos casos, o agressor tinha vínculo afetivo com a vítima 
(marido, namorado, ex-companheiro); 80% das vítimas possuem filhos; e 64% 
dos filhos presenciaram ou também sofreram violência (IPEA, 2016). 
Utilizando como base de dados o Sistema de Informação de Agravos 
de Notificação (SINAN), observou-se que as notificações compulsórias e 
obrigatórias de violência, realizadas no Brasil entre janeiro de 2000 e 
novembro de 2010, revelaram que 43,5 mil mulheres foram assassinadas. 
Desses feminicídios, 68,8% ocorreram dentro de casa, e o parceiro íntimo foi 
o responsável por 65% das mortes de mulheres com idades entre 20 e 49 
 
Delimitando o objeto de pesquisa 19 
anos. Além disso, a cada dia, 38.020 mulheres são agredidas no Brasil e, 
destas, 71% moram com o agressor (GOMES et al., 2015). 
É importante ressaltar que as taxas de feminicídio refletem o extremo 
da violência, mas que outras formas de agressão, que são socialmente 
veladas, repetitivas e têm repercussão significativa no âmbito da saúde física 
e mental, atingem um número ainda maior de mulheres cotidianamente 
(BARROS et al., 2016). Isso se dá pelo fato de que a violência contra a mulher 
é caracterizada por sua invisibilidade, visto que ocorre, em sua maior parte, 
no âmbito privado e é perpetrada por familiares ou conhecidos. Por isso, 
muitas agressões não geram atendimentos, o que leva à falta de informações 
sobre estes eventos, tendo como resultado a subenumeração da realidade e 
contribuindo para reforçar a invisibilidade da violência contra a mulher. 
Apenas os casos mais impactantes, com repercussões na mídia e nas redes 
sociais, trazem à tona a realidade sobre a magnitude dessa violência 
(GARCIA et al., 2016). 
Nota-se que o sofrimento gerado por esse fenômeno é a principal e a 
pior de suas consequências. Dessa maneira, as ações necessárias perante a 
ocorrência da violência envolvem diversos setores, como os de saúde, 
assistência social, poder judiciário, bem como organizações não 
governamentais (BRASIL, 2004a; SILVA; OLIVEIRA, 2015). 
Mesmo com a violência velada, alguns casos são percebidos e 
notificados pelos profissionais da saúde, sendo inseridos no SINAN. No 
estado de Goiás, no período entre 1º de janeiro de 2014 e 26 de novembro de 
2015, foram registrados no SINAN 3.488 casos de violência contra mulheres 
na idade adulta. Em 42% dos casos, o agressor era companheiro/parceiro e, 
entre estes, em 66,32% das ocorrências, o cônjuge foi o principal violentador 
(GOIÁS, 2015). 
No município de Aparecida de Goiânia, local onde a presente pesquisa 
foi realizada, de acordo com o SINAN (dados não publicados), em 2015 foram 
notificados 281 casos de violência contra mulheres entre 20 a 59 anos, tendo 
sido 46,97% deste total perpetrados por parceiros íntimos. Foram recebidas 
164 notificações de violência contra a mulher até o dia 12 de janeiro de 2017, 
37,80% dos casos cometidos por seus perceiros íntimos. De acordo com os 
 
Delimitando o objeto de pesquisa 20 
dados obtidos pela Delegacia Especializada no no Atendimento à Mulher 
(DEAM) do município, em 2015 foram lavrados 933 boletins de ocorrência 
(BO’s) e em 2016, 970 (dados não publicados). 
Em 2015, o município de Aparecida de Goiânia ocupava a 29ª posição 
entre as 50 cidades mais violentas do mundo (SEGURIDAD, JUSTICIA Y 
PAZ, 2015). Na Figura 1, são mostrados os números de notificações de 
violência contra a mulher registrados nas unidades de saúde de Aparecida de 
Goiânia e no SINAN nos últimos 4 anos. Esclarece-se que a notificação de 
casos de violência teve início no município em 2013, com a implementação 
do Programa de Prevenção às Violências e Promoção da Saúde. O aumento 
significativo no número de notificações a partir de 2015 é decorrência da maior 
divulgação da ficha e da criação do ambulatório de atendimento psicológico 
às vítimas de violência.Figura 1. Número de notificações de casos de violência contra mulheres de 20 a 59 anos em 
Aparecida de Goiânia de 2013 a 2016. 
 
Fonte: Original da autora, com base em SINAN (dados não publicados). 
*Dados extraídos do SINAN em 8 de janeiro de 2017 (dados não publicados). 
 
Interessante destacar que a violência contra a mulher gera 
consequências que vão além dos impactos no sistema de saúde, podendo ter 
60
78
169
86
15 17
123
13
6
1
9
25
13
30
23
2 0 2 0
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
2013 2014 2015 2016*
Viol Física Viol. Psico/moral Tortura Viol Sexual Viol Finan/econom.
 
Delimitando o objeto de pesquisa 21 
repercussões mesmo vários anos após os atos violentos vividos. Isso aponta 
para a necessidade da existência de profissionais e serviços especializados e 
ações de prevenção nessa área. 
Vários estudos mostram que as consequências geradas pela violência 
contra a mulher no âmbito doméstico influenciam todo o contexto familiar, 
principalmente os filhos. A exposição da criança à violência pode desencadear 
desordens mentais, problemas de saúde, predisposição a comportamentos 
violentos, além de ser um fator de risco para a manutenção da violência em 
seus relacionamentos (AFIFI et al., 2016; CROMBACH; BAMBONYÉ, 2015; 
ISLAM et al., 2014; WEARICK-SILVA et al., 2014; WILLIAMS et al., 2014). 
A perpetuação dos comportamentos já vem sendo observada desde o 
século passado, tendo como um dos precursores o filósofo Mauss (1974), que 
alertou para o fato de que o indivíduo mantém hábitos por meio da imitação, 
porém adapta o comportamento ao contexto no qual está inserido, o mesmo 
ocorrendo com o comportamento violento. Estudos mostram que a 
transmissão intergeracional de fatores negativos, como agressividade e 
vitimização, pode ser interrompida se forem implementadas mudanças nos 
modelos parentais, com interrupção da violência vivenciada, e inseridos 
modelos de relações de afeto e melhor comunicação (SANTINI; WILLIAMS, 
2016; WEBER et al., 2006; WILLIAMS et al., 2014). 
Foram levantadas algumas questões de investigação que sustentaram 
a produção desta pesquisa: 
1. Como era a vida pregressa da mulher em situação de violência? 
2. Como a mulher lida com a violência praticada por seu companheiro 
íntimo? 
3. A mulher percebe que a violência vivida influencia seus filhos? 
4. Quais as perspectivas futuras da mulher em situação de violência? 
5. Como os serviços de saúde se inserem no contexto de atendimento 
às mulheres em situação de violência? 
A compreensão da história de vida da mulher em situação de violência 
perpetrada por seu parceiro possibilita observar a dimensão do 
 
Delimitando o objeto de pesquisa 22 
comportamento violento e suas consequências a curto e médio prazos na vida 
da família, de modo a entender as influências que o modelo parental de origem 
pode ter na vida do indivíduo. Além disso, compreender como a saúde se 
insere no contexto da violência permitirá a criação de futuras intervenções 
para romper este comportamento e melhorar a qualidade de vida de mulheres 
vítimas de violência. 
 
1.2 Objetivos do estudo 
 
Com o intuito de obter subsídios para uma discussão aprofundada 
sobre a violência e sua trajetória histórica na vida das mulheres e da influência 
deste fenômeno na vida dos seus filhos, foram estabelecidos para o presente 
estudo os seguintes objetivos: 
• Compreender a intergeracionalidade do comportamento violento na 
vida de mulheres em situação de violência. 
• Identificar e analisar as percepções de mulheres em situação de 
violência sobre a atuação do profissional de saúde no contexto de seu 
atendimento. 
 
 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 23 
2. CONTEXTUALIZANDO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER 
A fim de contextualizar a temática da violência contra a mulher, fez-se 
necessária uma revisão da literatura científica para dar suporte às discussões 
e questões pertinentes ao problema e embasar teoricamente a proposta de 
pesquisa. Nesta revisão, foram priorizados textos recuperados nas bases de 
dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde 
(LILACS), PubMed, Medline, Scientific Electronic Library Online (SciELO), 
Plataforma Capes e Scopus. 
Foram utilizados apenas textos obtidos na íntegra, o que permitiu maior 
aprofundamento sobre o tema. Esta revisão está organizada em quatro 
tópicos: a violência contra a mulher, gênero, a aprendizagem social e a 
intergeracionalidade do comportamento violento e o apoio e o atendimento à 
mulher em situação de violência. 
 
2.1 A violência contra a mulher 
 
Segundo o tratado internacional Convenção interamericana para 
prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, também conhecido 
como “Convenção de Belém do Pará”, a violência contra a mulher é entendida 
como “(...) qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, 
dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera 
pública como na esfera privada” (OEA, 1994). Embora a violência possa 
ocorrer contra qualquer indivíduo, atinge inúmeras mulheres de diferentes 
orientações sexuais, classes sociais, origens, regiões, estados civis, 
escolaridade e raças/etnias. Pode ocorrer desde a infância até a velhice e em 
diversos âmbitos, como doméstico ou profissional, nas dimensões religiosas, 
culturais e/ou comunitárias, entre outras esferas (BRASIL, 2016). 
A violência contra a mulher é uma violação de direitos que gera 
impactos em várias dimensões. Para garantir o efetivo enfrentamento desse 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 24 
tipo de violência, tão comum e enraizado em diversas sociedades, tendo em 
vista as suas consequências e a fim de criar mecanismos de prevenção e 
proteção, muitas políticas públicas de nível internacional e nacional foram 
desenvolvidas (BRASIL, 2016; PACHECO, 2015). 
No âmbito internacional, o Brasil é signatário de dois documentos 
importantes: a Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a 
violência contra a mulher (OEA, 1994), considerada um marco na luta pelos 
direitos das mulheres, e precursora do desenvolvimento e da construção da 
Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006), conhecida como “Lei Maria da Penha”, e a 
Declaração e plataforma de ação de Beijing (UN, 1995), elaborada durante a 
IV Conferência Mundial sobre a Mulher (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015; 
BRASIL, 2016; PACHECO, 2015). 
No contexto nacional, desde 2011 vigoram o Pacto Nacional pelo 
Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (BRASIL, 2011b) e a Política 
Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (BRASIL, 2011c), 
que ampliaram e fortaleceram as políticas públicas preexistentes em novos 
eixos de atuação, tais como: garantia da aplicabilidade da Lei Maria da Penha; 
ampliação e fortalecimento da rede de serviços para mulheres em situação de 
violência; garantia da segurança cidadã e acesso à justiça; garantia dos 
direitos sexuais e reprodutivos; enfrentamento da exploração sexual e do 
tráfico de mulheres; garantia da autonomia das mulheres em situação de 
violência e ampliação de seus direitos (BRASIL, 2011b; BRASIL, 2016). 
Diante do impacto e das consequências da violência, os estudos sobre 
este tema têm se intensificado nas últimas décadas, e para seu melhor 
entendimento tornou-se necessária a sua tipificação (BRASIL, 2014b; KRUG 
et al., 2002; WHO, 1996). No presente estudo, tomaram-se como referências 
as tipificações propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo 
Ministério de Saúde, pois abrangem termos reconhecidos mundialmente, 
utilizados como variáveis em diversos estudos e que fazem parte do contexto 
da saúde pública, foco da presente pesquisa. Nessa perspectiva, a violência 
é dividida em três categorias associadas às características de quem comete 
o ato: violência coletiva, que abrange os atos de grupos de crime organizado 
ou terroristas, ou seja, ações de um macrossistemasocial, político e 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 25 
econômico; violência autoinfligida, que inclui os atos suicidas e de 
automutilação; e violência interpessoal, que engloba atos que ocorrem dentro 
de um microssistema, de um indivíduo sobre outro (BRASIL, 2014b; KRUG et 
al., 2002). 
A Violência entre Parceiros Íntimos (VPI) insere-se como um tipo de 
violência interpessoal, compreendido como todo e qualquer comportamento 
de violência cometido tanto na unidade doméstica como em qualquer relação 
íntima de afeto, independentemente de coabitação. Abrange os atos de 
violência física, psicológica/moral, sexual e financeira (BARROS et al., 2016; 
BRASIL, 2006; BRASIL, 2014b; KRUG et al., 2002). A violência perpetrada 
por parceiros íntimos atinge cerca de 36% das mulheres, sendo a forma mais 
prevalente de violência contra a mulher (BARROS et al., 2016; GOMES et al., 
2015; SILVA; OLIVEIRA, 2015; WATTS; ZIMMERMAN, 2002). 
Em relação aos tipos de violência cometidos contra mulheres, 
consideram-se como referências as tipificações constantes na Lei nº 11.340 
(BRASIL, 2006), haja vista sua importância no contexto das políticas públicas 
(Quadro 1). As descrições dos tipos de violência contra mulheres são também 
baseadas nos manuais do Ministério da Saúde (BRASIL, 2014b), como forma 
de trazer conceitos mais amplos e abrangentes. 
Por meio dessas informações, fica clara a dimensão da violência contra 
as mulheres cometida por seus parceiros, sendo a esfera doméstica um dos 
principais espaços de maus-tratos às mulheres, o que reduz a visibilidade do 
fenômeno (GOMES et al., 2005; PAIXÃO et al., 2015). Essa violência se 
traduz em atos de opressão, dominação e crueldade, que geram 
consequências físicas e psicológicas, muitas vezes irreversíveis. 
No Brasil, trava-se uma constante luta por mudanças sociais 
associadas ao gênero por meio de campanhas feministas e políticas do 
Ministério da Saúde. A Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006) veio fortalecer esse 
embate e, atualmente, é reconhecida pela Organização das Nações Unidas 
(ONU) como uma das três melhores leis no mundo para o enfrentamento da 
violência contra as mulheres (BRASIL, 2012). Com a Lei Maria da Penha, 
foram criados mecanismos para coibir, prevenir, punir e erradicar a violência 
contra a mulher. Também dispôs sobre a criação de Juizados de Violência 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 26 
Doméstica e Familiar contra a mulher e estabeleceu medidas de assistência 
e proteção às mulheres em situação de violência (BRASIL, 2006; BRASIL, 
2012). 
 
Quadro 1. Tipos de violência segundo a Lei Maria da Penha. 
Tipo de violência Descrição 
Violência física Atos violentos, nos quais se fez uso da força física de forma 
intencional, não-acidental, com o objetivo de ferir, lesar, provocar dor 
e sofrimento ou destruir, deixando, ou não, marcas evidentes no seu 
corpo. Ações que provocam a ruptura da integridade do corpo da 
mulher. 
Violência 
psicológica 
Toda forma de rejeição, depreciação, discriminação, desrespeito, 
cobrança exagerada, punições humilhantes e utilização da pessoa 
para atender às necessidades psíquicas de outrem. É qualquer 
conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou 
destinada a caluniar, difamar ou injuriar a honra ou a reputação da 
pessoa, lhe causando prejuízo à saúde psicológica e à 
autodeterminação. 
Violência sexual Ação na qual uma pessoa, em posição de poder e fazendo uso de 
força física, coerção, intimidação ou influência psicológica, obriga 
outra pessoa a ter, presenciar, ou participar de alguma maneira de 
interações sexuais ou a utilizar, de qualquer modo a sua sexualidade, 
com fins de lucro, vingança ou outra intenção. Incluem-se situações 
de estupro, abuso incestuoso, assédio sexual, sexo forçado no 
casamento, jogos sexuais e práticas eróticas não consentidas e 
impostas. São também os atos que, mediante coerção, chantagem, 
suborno ou aliciamento impeçam o uso de qualquer método 
contraceptivo ou forcem a matrimônio, à gravidez, ao aborto, à 
prostituição; ou que limitem ou anulem a autonomia e o exercício de 
seus direitos sexuais e reprodutivos. 
Violência 
patrimonial 
Ato de violência que implica dano, perda, subtração, destruição ou 
retenção de objetos, documentos pessoais, instrumentos de 
trabalho, bens e valores da pessoa. Consiste na exploração 
imprópria ou ilegal, ou no uso não consentido de seus recursos 
financeiros e patrimoniais. 
Violência moral Qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. 
Fonte: Adaptado de Brasil (2006) e Brasil (2014b). 
 
No entanto, as agressões perpetradas por parceiros íntimos, isto é, 
entre indivíduos em uma relação de afeto, ainda é uma realidade em nossa 
sociedade. Pesquisas apontam que o uso de violência física e psicológica por 
parte dos homens é muito comum e que muitas mulheres já vivenciaram tais 
situações pelos menos uma vez na vida (ACOSTA; BARKER, 2003; BARROS 
et al., 2016; DEEKE et al., 2009; WHO, 2013). 
A VPI causa impacto na saúde da mulher, de tal modo que as vítimas 
deste tipo de violência apresentam risco aumentado para transtornos mentais 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 27 
comuns, como transtorno depressivo, transtorno de estresse pós-traumático, 
dificuldade de socialização, uso abusivo de álcool e outras drogas, ideações 
suicidas, assim como para doenças sexualmente transmissíveis e baixa 
qualidade de vida, entre outras comorbidades (BARROS et al., 2016; 
LONGMORE et al., 2014; PACHECO, 2015; WHO, 2013). 
A violência contra a mulher tem sido foco de estudos no Brasil desde a 
década de 1980, devido a mudanças no quadro político e social do país e do 
surgimento de delegacias especializadas para o atendimento de mulheres 
(SANTOS; IZUMINO, 2005). Nesse cenário, toma-se como referência teórica 
a filósofa Chauí (1985), que situou a violência contra a mulher como resultado 
do ideal de dominação masculina, que é reproduzida em nossa sociedade 
tanto por homens quanto por mulheres. Para a autora, a violência reforça as 
desigualdades hierárquicas a fim de que o agressor possa dominar, explorar 
e oprimir, enquanto a vítima se torna passiva e dependente (CHAUÍ, 1985; 
SANTOS; IZUMINO, 2005). De acordo com esse pressuposto teórico, a 
mulher possui uma condição inferior ao homem, e isto é transmitido tanto no 
discurso masculino quanto no feminino, pois faz parte de um contexto social 
e cultural arraigado em nossa sociedade, na qual o sujeito feminino é 
desprovido de fala e liberdade (CHAUÍ, 1985; SANTOS; IZUMINO, 2005). 
Entretanto, torna-se importante salientar que a mulher é também 
praticante dessa violência, uma vez que seus discursos machistas afetam 
outras mulheres. Assim sendo, percebe-se o papel de “cúmplice” que ela 
desempenha nesse contexto, contribuindo para a perpetuação desse 
discurso, muitas vezes porque relata, concorda e ensina que o homem é 
superior e detentor do poder, o que pode levar à aceitação da violência 
praticada por ele (CHAUÍ, 1985; SANTOS; IZUMINO, 2005). 
Em nossa sociedade, marcada pela construção histórica e cultural do 
sistema patriarcal, ensina-se à maior parte das mulheres a mantê-lo. A 
despeito de todas as conquistas do feminismo, o discurso machista ainda está 
enraizado na formação do sujeito feminino, o que leva à manutenção desta 
visão e enfatiza a força que o modelo parental possui sobre a formação dos 
indivíduos, levando-os a perpetuar discursos e ações por várias gerações 
(SANTOS; IZUMINO, 2005). 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 28 
2.2 Gênero 
 
O termo gênero tem sido amplamente utilizado em vários meios de 
comunicação, incluindo o meio científico. O seu conceito surgiu na década de 
1970 nos Estados Unidos com o objetivo de distinguir os termos sexo e gênero 
(FLEURY-TEIXEIRA; MENEGHEL, 2015). Inicialmente, o termo gênero 
também era usado para designar as diferenças biológicasdos corpos físicos 
masculinos e femininos; entretanto, na atualidade, tal termo possui outra 
concepção, baseada em papéis sociais. 
Gênero é um conceito das ciências sociais através do qual se visa 
analisar e compreender a desigualdade entre as atribuições de homens e de 
mulheres, ou seja, é uma construção psicossocial do masculino e do feminino 
(GOMES, 2009; GOMES et al., 2007; SAFFIOTI, 2015; SÃO PAULO, 2004). 
A tendência de analisar a violência contra a mulher a partir da perspectiva de 
gênero se iniciou na década de 1990, e o termo gênero tem sido usado para 
traduzir as formas de interação humana (MINAYO; SOUZA, 2003). Nessa 
perspectiva, a violência nas relações é analisada a partir de diferenças 
culturais e não pelas especificidades biológicas do feminino e do masculino 
(MINAYO; SOUZA, 2003). 
Os papéis de gênero, isto é, o que faz parte do que é ser masculino e 
feminino em nossa sociedade, nos são passados de acordo com nossa cultura 
desde que nascemos, sendo padrões estereotipados que estruturam as 
relações (MINAYO; SOUZA, 2003). Desde cedo, somos ensinados a 
diferenciar o masculino do feminino e tais ensinamentos são calcados como 
base formadora de nossa cultura, de maneira que não percebemos sua 
produção e reprodução social. Nós aprendemos e reproduzimos esses 
ensinamentos em nossa vida cotidiana de forma mecânica, sem refletir acerca 
do seu real sentido ou compreendê-lo, visto que a concepção determinista do 
que pertence ao feminino e ao masculino faz parte de um universo comum da 
nossa cultura e das nossas relações sociais. 
Na compreensão da violência contra a mulher, a categoria gênero 
introduz uma nova terminologia para se discutir este fenômeno social. Assim, 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 29 
se insere como pano de fundo dessa violência um padrão hierárquico de 
relações sexuais, que está associado aos papéis desenvolvidos por homes e 
mulheres no sistema social, no qual a mulher sofre violência pelo fato de ser 
mulher (MINAYO; SOUZA, 2003; SANTOS; IZUMINO, 2005). 
De acordo com a perspectiva de gênero, os homens estão relacionados 
ao espaço público, sendo atribuídos a eles os papéis de provedor e de chefe 
de família, o que exige força, virilidade, coragem e agressividade. Eles 
possuem o poder de determinar condutas, tendo a autonomia de punir o que 
se lhes apresenta como desvio e, muitas vezes, a execução desta dominação 
exige a violência (SAFFIOTI, 2001). Já às mulheres cabe o papel de 
subordinação e se espera delas delicadeza, sensibilidade, passividade e 
obediência. Embora exista a possibilidade de que elas utilizem violência 
contra seu companheiro, as mulheres não têm esta função em sua categoria 
social (GOMES, 2009; GOMES et al., 2007; SAFFIOTI, 2001; SAFFIOTI, 
2015). 
Para a socióloga Saffioti (1976), os estudos da violência contra a 
mulher são orientados por meio de uma perspectiva feminista e marxista do 
patriarcado, que associa a dominação masculina aos sistemas capitalista e 
racista (SAFFIOTI, 1976; SANTOS; IZUMINO, 2005). Para Minayo e Souza 
(2003, p. 206), “no patriarcado a opressão feminina se explica pela 
apropriação masculina do labor reprodutivo das mulheres”. Já na concepção 
de Saffioti (1987, p. 50): 
O patriarcado não se resume a um sistema de dominação, 
modelado pela ideologia machista. Mais do que isto, ele é também 
um sistema de exploração. Enquanto a dominação pode, para 
efeitos de análise, ser situada essencialmente nos campos político 
e ideológico, a exploração diz respeito diretamente ao terreno 
econômico. 
 
Saffioti (1987) afirmou que este sistema é sustentado pela ideologia 
machista, de acordo com a qual, o homem domina a mulher e esta deve se 
submeter ao “poder do macho”. Nessa relação de poder, o homem se vê no 
direito de agredir a mulher e esta aceita tal condição, pois foi educada para 
isto. Dessa forma, a mulher é sujeito de uma relação de desigualdade de 
poder, porquanto “os homens estão, permanentemente, autorizados a realizar 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 30 
seu projeto de dominação-exploração das mulheres, mesmo que, para isto, 
precisem utilizar-se de sua força física” (SAFFIOTI, 2001, p. 116). 
As famílias modernas mantêm a reprodução desse modelo de 
desigualdade criando expectativas entre os papéis do homem e da mulher. 
Esse modelo ainda é um dos pilares da violência contra a mulher, haja vista a 
posição de dominação simbólica masculina que persiste nesse contexto 
patriarcal (BANDEIRA, 2014). 
Dessa forma, a expressão “violência de gênero” define uma categoria 
que potencializa a complexidade das relações sociais, consolidando-se como 
uma categoria analítica (ALMEIDA, 2007; BANDEIRA, 2014). Ela remete a 
lugares sociais sexuados, em que as mulheres estão arraigadas em 
desigualdades que envolvem uma ordem simbólica (BANDEIRA, 2014). No 
entanto, esse fenômeno se manteve invisível por tempos, por causa da forte 
influência do modelo patriarcal na sociedade, que enfatizava a tradição e as 
representações dos papéis relacionados à mulher (BANDEIRA, 2014). 
Por meio dos movimentos feministas, algumas mudanças vêm 
ocorrendo no cenário de atenção às mulheres. Assim é que as reivindicações 
por mudanças de valores legais, sociais e jurídicos influenciam diretamente a 
estrutura patriarcal vigente, trazendo avanços na implantação de políticas 
públicas de combate à violência (BANDEIRA, 2014; ESPINAR-RUIZ; LÓPEZ-
MONSALVE, 2015). Contudo, necessita-se de tempo para que a consolidação 
e a efetivação dessas mudanças ocorram, visto que requerem mudanças nas 
estruturas social e cultural, o que demanda uma nova visão da sociedade que 
ainda está em construção. 
 
2.3 A aprendizagem social e a intergeracionalidade do comportamento 
violento 
 
Para a maioria dos indivíduos, a família é o primeiro ambiente de 
interação, porquanto é nela que se dão as primeiras relações com o mundo 
físico, social e do indivíduo consigo mesmo. Nesse ambiente, cada membro 
tem uma posição e um papel socialmente definidos (GOMES et al., 2007). 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 31 
O microssistema familiar geralmente consiste em um espaço de 
afetividade, harmonia e proteção de seus membros; porém, nem sempre isto 
ocorre e a família pode ser um ambiente de manifestação de ações violentas, 
tornando-se um cenário para a aprendizagem e a reprodução de 
comportamentos violentos. Desse modo, caracteriza-se como perpetuador da 
violência intergeracional, interferindo na construção da identidade de seus 
membros (GOMES et al., 2007; ISLAM et al., 2014). 
Destaca-se que as consequências da VPI, como depressão, 
ansiedade, delinquência, ideação suicida, dependência química, dificuldades 
em relacionamentos interpessoais e agressividade, também atingem todo o 
sistema familiar, incluindo os filhos da vítima. Assim, seus descendentes 
podem se tornar indivíduos agressivos ou passivos diante da violência, o que 
pode levar ao comprometimento de sua vida adulta (HOWELL et al., 2016; 
KLEVENS, 2001; ROSA; HAACK; FALCKE, 2015). 
A perspectiva da transmissão intergeracional da violência baseia-se no 
pressuposto da teoria da aprendizagem social (BANDURA, 2001), a qual 
postula que comportamentos e crenças são transmitidos entre as gerações 
por meio da aprendizagem, que ocorre de forma ativa, como resultado direto 
das experiências, bem como das observações dos outros. Portanto, o sujeito 
repete aqueles comportamentos que são reforçados pelo ambiente ao seu 
redor ou imita atitudes que julga serem reconhecidas e reforçadas 
(BANDURA, 2001; SANTINI, 2011). 
Observa-se que o aprendizado é extremamente importante para o 
desenvolvimento humano, e muitas práticas, como os modos de comer, 
cozinhar, cuidar dos filhos, entre outros, sobrevivem ao longo de sucessivas 
gerações, sendo selecionadas à medida que passam de um indivíduo para o 
outro (SANTINI, 2011; SKINNER,1981). 
Dessa forma, é notório que os pais ou cuidadores são os principais 
transmissores de modelos comportamentais para os filhos, uma vez que estão 
presentes na principal fase do desenvolvimento humano, a infância. Nesse 
momento fundamental para o aprendizado, são aprendidos os 
comportamentos básicos que acompanham o indivíduo por toda a sua vida. 
Os pais ou cuidadores são modelos de comportamentos, o que leva a criança 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 32 
a perceber tais ações como aceitáveis e contribui para a sua manutenção 
(ROSA; HAACK; FALCKE, 2015). O processo descrito é comum a todas as 
ações aprendidas durante o desenvolvimento humano, também abrangendo 
o aprendizado de valores e crenças, o que inclui a perpetuação da visão 
machista, ainda muito comum em nossos modelos social e cultural. Como os 
filhos tendem a reproduzir os modelos herdados de seus pais em suas 
relações futuras, sujeitos que foram vítimas e/ou testemunhas de 
comportamentos violentos apresentam maior probabilidade de desenvolver 
estas mesmas atitudes no futuro ou de ser vítimas de violência (GOMES et 
al., 2007; LUNDBERG et al., 2000; WEBER et al., 2006; WIDOM, 1989). 
Estudos também apontam para alterações biológicas associadas à 
exposição do indivíduo a maus tratos na infância, como a alteração da 
expressão de genes relacionados à sensibilidade ao estresse no eixo 
hipotálamo-pituitário-adrenal, que pode ocorrer também em crianças que 
experenciam VPI durante a gestação. Isso pode explicar a maior 
suscetibilidade desses sujeitos ao desenvolvimento de desordens mentais e 
de comportamentos agressivos (CROMBACH; BAMBONYÉ, 2015; RAMO-
FERNANDEZ et al., 2015; ROMENS et al., 2014). 
Ademais, crianças que presenciam violência conjugal podem 
apresentar maior propensão a desenvolver depressão, ansiedade, medo, 
baixa auto-estima, isolamento, passividade, problemas comportamentais, 
transtornos de conduta e atrasos no aprendizado. Esses transtornos podem 
levar à perpetuação da condição de vítima e/ou da transmissão da violência 
entre gerações (CROMBACH; BAMBONYÉ, 2015; KLEVENS, 2001; SILVA; 
FALBO NETO; CABRAL FILHO, 2009; WILLIAMS, 2001). 
Os indivíduos que vivenciam a violência conjugal tendem a internalizar 
a desigualdade de gênero, o que leva à reprodução deste comportamento, 
visto que este valor é aprendido no microssistema familiar, o que os 
condiciona a repeti-lo (PAIXÃO et al., 2015). Por conseguinte, pode-se afirmar 
que ambientes violentos são palco de aprendizado de comportamentos 
inadequados. Os sujeitos que ali convivem carecem de outros modelos de 
relações, o que impossibilita a construção de repertórios saudáveis para o 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 33 
enfrentamento de situações futuras, levando à manutenção de sua posição 
como vítima ou agressor. 
Estudos mostraram que grande parte das mulheres que foram vítimas 
de algum tipo de violência na infância são mais suscetíveis à inserção em 
relações conjugais de violência (PAIXÃO et al., 2015; SILVA; FALBO NETO; 
CABRAL FILHO, 2009; VIZCARRA et al., 2001). No entanto, esse fato não 
pode ser generalizado, pois há mulheres violentadas na vida adulta que nunca 
passaram por esta experiência na infância, assim como também há crianças 
vítimas de violência que não mantêm o padrão de agressividade quando 
adultos, o que depende da história de vida de cada sujeito. Dessa forma, não 
se pode tornar essa premissa uma regra, mas deve-se empregá-la como um 
fator de risco ao avaliar uma situação de violência. Evidências empíricas 
mostram que a dinâmica experienciada com os cuidadores em uma geração 
pode ser recriada na próxima, o que pode levar à perpetuação do 
comportamento violento em um processo denominado transmissão 
intergeracional da violência (KRETCHMAR; JACOBVITZ, 2002; SILVA; 
FALBO NETO; CABRAL FILHO, 2009; WEBER et al., 2006). 
A prática da violência contra a mulher aumenta em 96% caso a mãe de 
seu parceiro tenha sido agredida pelo companheiro (pai, padrasto) durante a 
sua infância. Mulheres cujas mães tenham sido agredidas têm 92% mais 
chance de sofrer violência (McCLOSKEY, 2013; PAIXÃO et al., 2015; VIEIRA; 
PERDONA; SANTOS, 2011; ZALESKI et al., 2010). 
Em estudo realizado por Paixão e colaboradores (2015), o discurso das 
mulheres entrevistadas mostrou que elas percebem que estão vivenciando 
com seus companheiros situações que suas mães experenciaram, o que 
alerta para o caráter intergeracional da violência conjugal. Tal fato mostra 
como a convivência em um ambiente violento condiciona os indivíduos a 
repetir as mesmas práticas. Como não foram aprendidos outros modelos de 
relações familiares, homens e mulheres tendem a reproduzir a história de 
violência que conheceram na infância ou na adolescência (GOMES et al., 
2007; PAIXÃO et al., 2015). Por outro lado, em uma pesquisa realizada por 
Weber e colaboradores (2006), observou-se que a transmissão 
intergeracional de fatores negativos, como agressividade e vitimização, pode 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 34 
ser interrompida por mudanças geradas em uma relação de afeto e com 
melhor comunicação. 
Em outra pesquisa, realizada por Rosa, Haack e Falcke (2015), 
mulheres que presenciaram violência na infância referiram fatores de proteção 
que as levaram a não manter tal comportamento na vida adulta. Os principais 
fatores foram a presença de uma rede de apoio social e afetivo adequada, a 
valorização de conquistas atingidas por elas, o desejo de mudança e o apoio 
de profissionais da saúde. 
Interromper a violência é uma forma de amenizar as suas 
consequências. Uma das maneiras que pode ser adotada para essa 
interrupção é a orientação dos pais, ou intervenção parental. Por meio de 
métodos educacionais, os pais são estimulados a buscar outras formas de se 
relacionar, sem a utilização da violência (SANTINI; WILLIAMS, 2016; 
THORNBERRY; HENRY, 2013; WILLIAMS et al., 2014). Esse enfoque auxilia 
na melhora da comunicação, na estratégia de enfrentamento de problemas e 
nas habilidades sociais, possibilitando mudanças nas relações interpessoais 
da família como um todo. 
A construção de ações de prevenção mostra-se de grande importância 
para a interrupção da violência intergeracional. Isso pode se dar por 
intermédio da atuação direta com as mulheres que vivenciam a violência em 
grupos de promoção de saúde ou atendimento psicoterápico, ou por 
acompanhamento das famílias a fim de oferecer novos modelos de relações 
interpessoais mais saudáveis e adequados. 
Além disso, em um estudo de revisão sistemática realizado por Souza 
(2015) identificou-se que na área da saúde há poucos estudos sobre 
intergeracionalidade e VPI. Esses temas são mais comuns em estudos de 
caso desenvolvidos por psicólogos com base psicanalítica. 
 
2.4 O apoio e o atendimento à mulher em situação de violência 
 
A violência afeta significativamente o processo saúde/doença das 
mulheres, o que leva o setor da saúde a ter a responsabilidade de identificar 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 35 
essas situações e oferecer intervenções adequadas. Para isso, os 
profissionais devem estar preparados para identificar possíveis vítimas, já que 
nem sempre as agressões deixam marcas visíveis (GOMES; ERDMANN, 
2014). 
Nessa perspectiva, a Política Nacional de Redução de 
Morbimortalidade por Acidentes e Violências, instituída pela Portaria nº 737 
(BRASIL, 2001), inseriu a violência nas políticas de saúde pública como um 
assunto importante e de relevância. Isso decorreu dos impactos gerados pela 
violência nos âmbitos social e da saúde, como o alto número de óbitos e casos 
de morbidade. Somou-se a isso o conceito ampliado de saúde para além da 
ausência de doenças, também incluindo a qualidade de vida e os impactos 
sociais (BRASIL, 2001). 
Diante disso, todo profissional de saúde deve estar atento a situações 
de violênciaobservadas em seus atendimentos e deve agir de forma a apoiar 
e orientar vítimas de violência, além de desenvolver ações de promoção e 
prevenção sobre este tema. Reforça-se a existência de portarias e leis que 
obrigam o profissional da saúde a denunciar casos de violência, como a Lei 
nº 8.069 (BRASIL, 1990), conhecida como Estatuto da Criança e do 
Adolescente (ECA), que em seu Capítulo II Art. 245 descreve: 
Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de 
atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de 
comunicar à autoridade competente os casos de que tenha 
conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos 
contra criança ou adolescente: 
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o 
dobro em caso de reincidência. 
 
Há também: a Lei nº 10.778 (BRASIL, 2003), que estabeleceu a 
notificação compulsória, no território nacional, dos casos de violência contra 
a mulher que for atendida em serviços de saúde públicos ou privados; a 
Portaria nº 104 (BRASIL, 2011a), que inseriu a violência como agravo de 
notificação no âmbito da saúde; e, mais recentemente, a Portaria nº 1.271 
(BRASIL, 2014a), que definiu a lista nacional de notificação compulsória de 
doenças, agravos e eventos de saúde nos serviços de saúde públicos e 
privados em todo o território nacional, e incluiu a violência autoprovocada e a 
sexual como de notificação obrigatória, compulsória e imediata. 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 36 
Nota-se, então, a importância da detecção e da intervenção do setor 
da saúde nos casos de violência. Além das leis explicitadas, a OMS também 
orienta que todos os profissionais da saúde sejam capazes de compreender 
os fatores associados à violência e agir adequadamente (RIGOL-CUADRA et 
al., 2015). No entanto, as obrigatoriedades legais não são suficientes para 
orientar os profissionais da saúde e atuar diretamente em sua conduta. 
Algumas dificuldades ainda persistem, principalmente em decorrência de 
formação insuficiente, atitudes inadequadas e crenças dos profissionais 
(RIGOL-CUADRA et al., 2015). 
Também se observa que, embora os profissionais possam ter 
conhecimento teórico sobre as políticas públicas relacionadas aos direitos da 
mulher, não o colocam em prática, havendo divergência entre conhecimento 
e execução (PACHECO, 2015). Esse fato pode estar associado às 
dificuldades que os profissionais têm em conhecer a rede de apoio para 
mulheres em situação de violência existente em sua região, à falta de 
reconhecimento da violência como um agravo de demanda da saúde, ou 
mesmo como um problema do sistema de saúde, e ao medo diante de sua 
própria vulnerabilidade, pois muitas vezes está próximo do agressor 
(PACHECO, 2015). 
Contudo, é importante reconhecer que as consequências emocionais 
da violência comprometem toda a vida laboral, pessoal, familiar e social do 
indivíduo, interferindo em suas perspectivas de vida. E dentro desse contexto 
aversivo, é imprescindível oferecer atendimento de qualidade à vítima, visto 
que a má conduta profissional pode agravar ainda mais o caso, gerando 
revitimização do sujeito. 
Os serviços de saúde constituem importante ambiente para a detecção 
de violência, sendo muitas vezes um dos primeiros locais em que a vítima 
busca apoio (SILVA et al., 2016). Entretanto, na prática, a conduta do 
profissional da saúde ainda é falha, estando arraigada a muitas crenças, mitos 
e representações, que dificultam ou impedem o reconhecimento e a 
abordagem da violência com as usuárias. Em adição a isso, muitas delas 
omitem a violência, por medo ou vergonha, e em outros casos, o próprio 
profissional não sabe conduzir o caso ou identificar sinais que possam orientá-
 
Contextualizando a violência contra a mulher 37 
lo para a adoção de uma conduta mais qualificada, pertinente e adequada 
(GOMES et al., 2015; SILVA et al., 2016; VISENTIN et al., 2015). 
Em estudo realizado por Pacheco (2012), ao entrevistar mulheres em 
situação de violência, as participantes revelaram que, em alguns momentos, 
percebiam que os profissionais as julgavam como culpadas pela agressão e 
relataram o desejo de que estes as escutassem com mais atenção. Na maioria 
das vezes, embora a unidade de saúde seja o local em que a mulher tem a 
possibilidade de contar sobre a violência que sofre no âmbito doméstico e 
receber orientações pertinentes e adequadas, isto raramente ocorre. De 
acordo com Krug e colaboradores (2002), na maioria dos países, médicos e 
enfermeiros não costumam questionar a mulher sobre possíveis abusos ou 
agressões e, em vários casos, a vítima é estigmatizada e humilhada. 
É imprescindível considerar que a conduta inadequada dos 
profissionais pode estar associada às suas próprias inseguranças e 
incertezas, decorrentes de sua falta de preparo para lidar com a violência. A 
temática violência não faz parte da maioria dos currículos dos cursos de 
graduação, e não são formados profissionais com noções básicas sobre este 
tema, o que dificulta o diagnóstico e a escolha da conduta a ser tomada nestes 
casos (ALMEIDA, 1998; GONÇALVES; FERREIRA, 2002; SILVA et al., 2016; 
VISENTIN et al., 2015). 
Uma outra consequência da falta de capacitação e de informações dos 
profissionais da saúde em relação à violência, é a sua notificação. A Portaria 
nº 104 (BRASIL, 2011a) previu a obrigatoriedade da notificação compulsória 
de doenças e agravos, e a violência contra a mulher está na lista destes 
agravos. A notificação é um instrumento fundamental para o conhecimento 
epidemiológico da violência, possibilitando a criação de serviços e políticas 
públicas associadas ao tema, além de permitir melhor visibilidade do problema 
na sociedade (GARBIN et al., 2015). Não obstante, ainda há muita 
subnotificação de casos de violência por profissionais da saúde. Apesar da 
ficha de notificação seguir o padrão das demais notificações da saúde pública, 
a violência ainda é vista por muitos como não pertinente ao contexto da saúde 
(GARBIN et al., 2015; GARCIA et al., 2016). 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 38 
Em dois estudos realizados com profissionais da saúde sobre violência 
contra crianças observou-se que estes tinham medo de notificar ou 
encaminhar os casos de violência, porquanto sofrem ameaças dos 
agressores. Além do mais, há problemas relacionados com a atuação 
insatisfatória dos órgãos competentes, nos serviços de retaguarda e no 
cumprimento de medidas protetivas adequadas às vítimas (GONÇALVES, 
FERREIRA, 2002; ZANELATTO et al., 2012). 
Os mesmos estudos identificaram que o sigilo ético profissional 
também interfere nas ações dos servidores, já que o profissional se vê 
impedido de relatar algo que foi ouvido no atendimento, de acordo com a ética 
profissional, e não encontra respaldo nos órgãos gestores (GONÇALVES; 
FERREIRA, 2002; ZANELATTO et al., 2012). 
Outro fator que também interfere na atuação profissional é a cultura de 
privacidade da vida familiar. Na sociedade brasileira, tende-se à não 
intromissão na vida familiar alheia, pois isto é visto como ofensivo. Esse tipo 
de cultura pode levar ao agravamento das consequências da violência ou à 
banalização dos atos agressivos (GONÇALVES; FERREIRA, 2002). 
Dessa forma, o investimento em capacitações de serviços e de 
profissionais da saúde sobre o que é violência, como abordar este tema, o 
que fazer diante de uma suspeita ou confirmação, como acolher e apoiar a 
vítima, sem estigmatizá-la ou revitimizá-la, é uma das maneiras de melhorar 
as ações e auxiliar as mulheres que enfrentam a violência em seu cotidiano 
(VIEIRA et al., 2015). 
As ações de prevenção também devem ser consideradas. Entre elas, 
destaca-se a orientação de profissionais da saúde para identificar fatores de 
risco que podem levar à violência, com os objetivos de evitar consequências 
graves, amenizar o sofrimento e interromper a transmissãoda violência nas 
famílias e comunidades. 
Os demais serviços necessários para a consolidação e a efetivação da 
rede de apoio às mulheres vítimas de violência também são relevantes e 
interferem na atuação do setor da saúde. Afinal, apenas o sistema de saúde 
não é capaz de fornecer toda a assistência necessária a essa população. Essa 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 39 
assistência depende de uma rede intersetorial, com fluxos compatíveis e 
pertinentes à realidade vivida pelas vítimas (PACHECO, 2015). 
A intersetorialidade possibilita o atendimento integral às vítimas, 
proporcionando-lhes assistência em vários aspectos, como social, jurídico e 
da saúde. Dessa maneira, cabe aos profissionais conhecer a rede presente 
em seu contexto de trabalho e, a partir daí, buscar se comunicar com os 
demais setores. Uma opção para ampliar esse conhecimento é o 
mapeamento da rede existente em sua região, o que facilitaria a verificação 
das possiblidades de efetivar a comunicação entre as instituições 
(D’OLIVEIRA et al., 2009; PACHECO, 2015). 
Todavia, deve-se ter em mente que o trabalho em rede intersetorial 
guarda diversas questões e dificuldades a serem superadas, como as 
diferentes concepções e visões sobre um determinado problema. Assim é que 
a designação de um determinado tipo de violência pode ser diferente para o 
setor da saúde e o setor jurídico. Além disso, há o problema da rotatividade 
dos serviços em funcionamento causada por mudanças de gestão, situação 
muito recorrente nos serviços públicos do país (D’OLIVEIRA et al., 2009). 
 
2.5 Pressupostos do estudo 
 
Diante do exposto, observam-se indícios de que a intergeracionalidade 
do comportamento violento está presente na vida de mulheres que vivenciam 
situação de violência intrafamiliar, isto é, as agressões sofridas na infância 
podem estar se reproduzindo em suas vidas na atualidade. A 
intergeracionalidade leva a violência a se tornar algo comum e aceitável para 
as vítimas, interferindo negativamente na qualidade de vida da família e no 
desenvolvimento de seus filhos. 
A mulher vítima de atos violentos pode não perceber a influência da 
violência na vida de seus filhos, não discriminando que eles poderão 
reproduzir tais comportamentos em sua vida adulta. Entretanto, a vivência de 
 
Contextualizando a violência contra a mulher 40 
situações de violência intrafamiliar pela mulher ocorridas na presença de seus 
filhos contribuirá para o processo de perpetuação deste comportamento. 
Ademais, a intergeracionalidade requer que a atuação dos profissionais 
da saúde seja ampla, tendo toda a família como cenário de intervenção e 
atuação. Porém, isto implica envolvimento do profissional na vida íntima de 
uma família. Esse fato pode dificultar suas ações, exceto se houver uma 
política assistencial voltada para o rompimento desse ciclo de 
intergeracionalidade da violência intrafamiliar. 
 
 
 
 
 
Metodologia 41 
3. METODOLOGIA 
3.1 Referencial teórico-metodológico 
 
Esta é uma pesquisa social estratégica de abordagem qualitativa, uma 
vez que busca compreender de forma profunda e específica os fenômenos 
sociais, mais especificamente a intergeracionalidade da violência contra a 
mulher. A pesquisa social lida com o ser humano levando em consideração 
aspectos históricos e culturais, utilizando a realidade social e o dinamismo 
individual e coletivo como cenário (MINAYO et al., 2013). Por sua vez, a 
pesquisa social estratégica orienta-se para problemas sociais, não prevendo 
soluções práticas para o problema, mas lançando luz sobre aspectos da 
realidade (MINAYO, 2014). A abordagem qualitativa da pesquisa visa 
trabalhar com o universo dos significados, motivos, aspirações, crenças, 
valores e atitudes (MINAYO et al., 2013). 
Dessa forma, o pesquisador deve participar, compreender e interpretar 
os fatores sociais de sua pesquisa, sendo de grande importância considerar 
o sujeito do estudo um agente pertencente a um grupo social provido de 
crenças, valores e significados (MINAYO, 2014). Para atingir os objetivos 
propostos e considerando a complexidade inerente ao tema em discussão, a 
pesquisa estratégica foi escolhida por ser uma modalidade apropriada para o 
conhecimento e a investigação em saúde (MINAYO, 2014). 
 
3.2 Campo de estudo 
 
O estudo foi realizado no município de Aparecida de Goiânia, GO, com 
pacientes acompanhadas no Ambulatório de Psicologia do Programa de 
Prevenção às Violências e Promoção da Saúde, da Vigilância Epidemiológica 
municipal. O município está localizado na região metropolitana de Goiânia, 
 
Metodologia 42 
GO e tem população estimada de 521.910 habitantes (IBGE, 2015), sendo o 
segundo mais populoso do estado. 
O Programa de Prevenção às Violências e Promoção da Saúde foi 
criado apenas em 2012, embora tenha sido preconizado pela Portaria nº 936 
(BRASIL, 2004b), que estabeleceu a criação dos Núcleos de Prevenção das 
Violências e Promoção da Saúde, em âmbito local, voltados para a atenção 
integral prevista na Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por 
Acidentes e Violências a fim de monitorar tais dados e elaborar ações de apoio 
e suporte à vítima. Atualmente, esse programa é responsável por receber e 
inserir os dados das Fichas de Notificação de Violência 
Interpessoal/Autoprovocada emitidas pelas unidades de saúde, de 
assistência social e de educação do município no SINAN. Além disso, fornece 
assistência social às vítimas e suas famílias, é responsável pelo ambulatório 
de atendimento psicológico às vítimas de violência, capacita os profissionais 
da saúde, da educação e da assistência social sobre notificações de violência 
e fluxo de atendimento de vítimas e atua juntamente com outros setores da 
rede a fim de aprimorar e fortalecer o trabalho intersetorial. 
Os atendimentos da assistência social são direcionados a todas as 
notificações e encaminhamentos recebidos no programa. O profissional entra 
em contato telefônico com todas as vítimas para orientá-las sobre seus 
direitos e locais de apoio e também para oferecer atendimento psicológico 
ambulatorial. Caso a vítima aceite o acompanhamento psicológico, seu nome 
é inserido em uma lista de espera e é orientada sobre o funcionamento dos 
atendimentos. 
O ambulatório de atendimento às vítimas de violência oferece 
atendimento psicológico às vítimas e familiares que residem exclusivamente 
em Aparecida de Goiânia, sendo as vítimas de outros municípios 
encaminhadas aos locais pertinentes. Na atualidade, o serviço conta com três 
profissionais e estes atendem pessoas de qualquer idade (crianças, 
adolescentes, adultos e idosos) e sexo e vítimas de qualquer tipo de violência. 
Os atendimentos ocorrem em local próprio e durante o tempo necessário ao 
processo terapêutico. 
 
Metodologia 43 
A porta de entrada para a participação no programa são as fichas de 
notificação de violência e os encaminhamentos de diversos serviços, como 
Tribunal de Justiça, Ministério Público, Conselhos Tutelares, abrigos, 
delegacias e outros. Todas as pessoas passam pela assistência social antes 
de sua inserção no ambulatório, de modo que sejam identificadas as suas 
necessidades, como serviços médicos, profilaxia de infecções sexualmente 
transmissíveis e AIDS, assessoria jurídica e outras demandas sociais e da 
saúde. 
 
3.3 Trabalho de campo 
 
O primeiro passo do estudo foi a realização de um levantamento das 
mulheres em situação de violência que foram ou estavam sendo atendidas no 
ambulatório de atendimento às vítimas de violência e que estavam de acordo 
com os seguintes critérios de inclusão da pesquisa: ter idade entre 19 e 59 
anos; estar em situação de violência (sexual, psicológica, física, moral ou 
patrimonial) ou já ter sofrido atos violentos na fase adulta; ter como agressor 
o parceiro íntimo, ou seja, pessoa com a qual mantém relação afetiva 
(cônjuge, namorado, companheiro);

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