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Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Cefaleias Epidemiologia Cerca de 90% de todos os adultos sofrem de cefaleias em algum momento durante suas vidas e cerca de 75% das crianças queixam-se de cefaleias pela idade dos 15 anos. Nos Estados Unidos, os custos diretos e indiretos associados à enxaqueca ascendem a US$ 20 bilhões anualmente. Os pacientes em maior risco para perda de dias de trabalho são aqueles com a enxaqueca transformada e cefaleia diária. Biopatologia A sensibilidade dolorosa da cabeça é veiculada pelos aferentes trigeminais primários que inervam vasos sanguíneos, mucosas, músculos e tecidos. Fibras nervosas, a partir dessas fontes, atingem o gânglio trigeminal, principalmente através do nervo oftálmico. Os aferentes trigeminais terminam no núcleo sensitivo principal do V nervo craniano e seu núcleo da raiz espinal, que tem vários pequenos subnúcleos, dos quais o mais importante é o subnúcleo caudalis. Esse subnúcleo recebe aferentes de vasos meníngeos, regiões sensíveis da dura-máter e mesmo da medula cervical superior, que então projetam-se para o tálamo medial e lateral através do trato espinotalâmico e para regiões do diencéfalo e do tronco encefálico envolvidas na regulação de funções autonômicas. Informação nociceptiva talâmica ascende para o córtex sensorial, bem como para outras áreas do cérebro. Embora dores de cabeça secundárias estimulem a via nociceptiva por meio de processos como inflamação e compressão, as cefaleias primárias ocorrem espontaneamente e mediadores químicos estão envolvidos nesse processo. A sequência de eventos começa com ativação periférica causada pelo extravasamento neurogênico do plasma ativado espontaneamente ou pela depressão alastrante cortical. O complexo trigeminocervical, especialmente o subnúcleo caudalis, é então ativado, e os pacientes podem experimentar alodinia, uma condição em que um estímulo não nocivo é percebido como doloroso. Aura é definida como um distúrbio focal neurológico visual, sensorial ou motor, que pode ocorrer com ou sem dor de cabeça. A aura parece ocorrer quando a depressão alastrante cortical causa a despolarização das membranas neuronais. Tanto neurônios como células da glia podem causar constrição e dilatação dos vasos sanguíneos. A enxaqueca claramente tem um componente genético. A enxaqueca hemiplégica familiar tipo 1 (FHM1) pode ser causada por mutações no gene CACNA1A, que está localizado no cromossomo 19p13.2-p13.1 e é responsável pela codificação dos canais de cálcio neuronais dependentes de voltagem. Mutações no gene CACNA1A também causam ataxia episódica e epilepsia. A enxaqueca hemiplégica familiar tipo 2 (FHM2) é devida a mutação no gene ATP1A2 que está localizado no cromossomo 1q21-q23 e codifica a subunidade catalítica alfa-2 da enzima ATPase sódio- potássio. Um terceiro locus genético é o gene SCN1A no cromossomo 2q24.3, que é um canal de sódio controlado pela voltagem Manifestações Clínicas Pacientes com dor de cabeça podem descrever a dor como latejante, como uma faixa ou contínua. A dor muitas vezes é unilateral, mas pode ser bilateral. A enxaqueca frequentemente é associada a náuseas, vômitos, fotofobia e fonofobia. Ela pode ser moderada a grave, interferindo nas atividades. Outras manifestações autonômicas que podem acompanhar a enxaqueca, cefaleia em salvas e outras variantes de dor de cabeça incluem semiptose, injeção conjuntival, lágrimas, rinorreia, síndrome de Horner e edema facial. Deve ser dada atenção particular ao início súbito de cefaleias intensas, que frequentemente têm uma causa secundária subjacente. Razões para avaliação adicional a fim de pesquisar cefaleias secundárias Início de dor de cabeça em uma idade mais avançada sem um histórico prévio ou um histórico familiar positivo Piora inexplicável e anormal de enxaquecas previamente existentes Alteração dramática ou incomum no caráter do pródromo ou da dor de cabeça anteriormente presente Cefaleias que acordam o paciente no meio da noite (exceto no caso de cefaleia em salvas) Dores de cabeça muito piores quando em decúbito ou com tosse, espirros, ou manobra de Valsalva Cefaleia intensa incomum, de início súbito (“pior dor de cabeça da minha vida”), Deficits focais que não desaparecem após a dor de Carolina Lucchesi | Medicina UNIT cabeça passar Qualquer achado neurológico anormal ou nova descoberta psiquiátrica no exame Uma cefaleia nova em um paciente com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana, neoplasia maligna ou gravidez Diagnóstico A avaliação da dor de cabeça de um indivíduo é baseada em cinco elementos do histórico. O histórico familiar ajuda a determinar se uma pessoa tem uma predisposição genética para dor de cabeça. Histórico de vida da dor de cabeça determina se a dor de cabeça é nova ou evoluiu ao longo de toda a vida. O histórico da crise fornece as características clínicas da dor de cabeça ou dores de cabeça. O histórico médico e psiquiátrico determina se existem comorbidades que podem causar ou piorar a dor de cabeça. A medicação e o histórico do fármaco determinam se a dor de cabeça pode ser causada por ou agravada por medicamentos ou drogas que a pessoa tenha ingerido. O diagnóstico do tipo de dor de cabeça é baseado no tipo de dor, na duração da dor de cabeça, e nas características que acompanham. Dores de cabeça secundárias são geralmente devido a uma condição subjacente, tal como um tumor cerebral, pressão intracraniana elevada ou baixa, doença sinusal ou malformação vascular; ao remover a causa, a dor de cabeça geralmente melhora. Dores de cabeça que ocorrem com frequência inferior a 15 dias por mês são denominadas episódicas, ao passo que as cefaleias que ocorrem por mais de 15 dias por mês são consideradas crônicas. A avaliação diagnóstica para dor de cabeça depende de achados clínicos. Se há um histórico típico sem qualquer razão para posterior avaliação diagnóstica e se os achados no exame neurológico são completamente normais, nenhuma avaliação adicional é necessária. As características do histórico que são mais prováveis de prever a enxaqueca sem um distúrbio secundário incluem uma qualidade pulsátil, duração de 4 a 72 horas, localização unilateral, náusea e natureza incapacitante. No entanto, se existem características atípicas no histórico ou qualquer anormalidade no exame neurológico, uma avaliação mais aprofundada é indicada. Pacientes com cefaleia em salvas e dores de cabeça de causa indeterminada necessitam de imagens para excluir as causas secundárias. Em pacientes com dor de cabeça aguda, a tomografia computadorizada (TC) é melhor para avaliar hemorragia aguda como a causa da dor de cabeça, enquanto a ressonância magnética (RM) é melhor para avaliar a maioria das dores de cabeça persistentes à procura de lesões focais, evidências de hipertensão ou hipotensão intracraniana, hemossiderina (hemorragia antiga) e anormalidades congênitas (p. ex., malformação de Chiari). Em indivíduos com mais de 60 anos de idade com uma dor de cabeça nova inexplicada ou incomum, a velocidade de hemossedimentação (VHS) e os níveis de proteína C-reativa precisam ser determinados para detecção de arterite de células gigantes Análise de líquido cefalorraquidiano (LCR), incluindo a pressão de abertura, proteína, glicose, celularidade, análise citológica e cultura, é indicada em pacientes com suspeita de hipertensão intracraniana ou meningite. Tratamento Tabela na próxima página Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Medicações preventivas para a cefaleia FÁRMACO USO RACIONAL DOSAGEM EFEITOS ADVERSOS CONTRAINDICAÇÕES/CUIDADOS β-Bloqueadores (p. ex., propranolol, nadolol, timolol) Enxaqueca, qualquer um com pressão arterial elevada 20 a 80 mg; pode- se aumentar a dose Letargia, depressão Asma, pressão arterial baixa Antagonistas dos canais de cálcio: verapamil, anlodipina Cefaleias em salvas, pressão arterial elevada Verapamil, 120 a 480 mg/dia Pressão arterial baixa Fármacos anti-inflamatórios não esteroides: Naproxeno, ibuprofeno Enxaqueca, tipo tensão, e enxaquec a pré- menstrua l Naproxeno, 200 a 600 mg/dia; ibuprofeno, 600 a 800 mg duas a três vezes ao dia Gastrointestinal Úlceras, sensibilidade, alergias Indometacina Hemicrania paroxísti ca; hemicran ia contínua 25 mg duas vezes ao dia Gastrointestinal Úlceras Antidepressivos tricíclicos: amitriptilina, Enxaqueca, cefaleia 10 a 25 mg ao deitar; pode- Boca seca, hipotensão Sensibilidade Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Medicações preventivas para a cefaleia FÁRMACO USO RACIONAL DOSAGEM EFEITOS ADVERSOS CONTRAINDICAÇÕES/CUIDADOS nortriptilina, imipramina tipo tensão, qualquer um com mau sono se aumentar a dose ortostática, ganho de peso Anticonvulsivantes: topiramato, valproato Enxaqueca, cefaleia em salvas Topiramato, 25 a 50 mg duas vezes ao dia; valproato, 250 a 500 mg duas vezes ao dia Topiramato: perda de peso, cálculos renais, hipertensão intraocular Valproato: ganho de peso Gravidez — ambos classificação D pelo FDA Cefaleias Primárias Cefaleia de Tensão A cefaleia tipo tensional é definida como uma dor de cabeça holocraniana leve ou moderada, sem náuseas ou vômitos. Os pacientes podem ter fotofobia ou fonofobia, mas não ambas, e a dor de cabeça não piora com a atividade Causa mais comum de cefaleia primária (incidência em 40-70% da população, mais comum no sexo feminino) Cefaleia de caráter opressivo, frontoccipital ou temporo-occipital bilateral. Intensidade leve a moderada (não acorda o paciente; o paciente não precisa parar seus afazeres), Duração prolongada (horas,dias), Geralmente se inicia no período vespertino ou noturno, após um dia estressante ou algum tipo de aborrecimento **Dores de cabeça tensionais podem ser episódicas (ocorrendo <15 dias por mês) ou crônicas (ocorrendo >15 dias por mês). Tratamento: Dores de cabeça tipo tensional episódicas geralmente são tratadas com sucesso7 com acetaminofeno (650 a 1.000 mg) ou AINEs (ácido acetilsalicílico, 900 a 1.000 mg; naproxeno, 250 a 500 mg; ibuprofeno, 200 a 800 mg; ou cetoprofeno, 12,5 a 75 mg). A combinação do acetaminofeno com cafeína pode ser particularmente útil. No entanto, o uso de analgésico por mais de 3 dias por semana pode piorar as dores de cabeça e causar dor de cabeça induzida por medicamentos. Enxaqueca (migrânea) Segunda causa de cefaleia primária (prevalência de 15% na população, mais comum no sexo feminino) Enxaqueca é uma modalidade de cefaleia primária herdada Estudo recente no Brasil, em base populacional, mostrou que a prevalência em 1 ano da enxaqueca foi de 15,2%. Ela foi mais frequente em mulheres (2,2 vezes mais frequente). Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Cefaleia de caráter pulsátil Geralmente unilateral Intensidade moderada a severa (pode acordar o paciente; o paciente pode ter que parar os seus afazeres) Duração Variável (4 a 72hrs) Associada a náuseas e vômitos, fotofobia e fonofobia Desencadeada pelo consumo de vinho, período menstrual, etc. Pródromo: alteração de humor, mal-estar nas 24-48hrs precedentes Pode ser Enxaqueca sem aura (enxaqueca comum) ou Enxaqueca com aura (enxaqueca clássica)- sinais e sintomas neurológicos focais que precedem, acompanham ou surgem após a crise de cefaleia. A aura pode ser representada por: escotomas cintilantes, parestesias periorais ou dimidiadas, hipoestesia ou paresia dimidiadas, vertigem + diplopia (enxaqueca basilar), hemiplegia (enxaqueca hemiplégica familiar) Tratamento: O tratamento da enxaqueca é dividido em tratamento da dor de cabeça aguda e prevenção de crises de enxaqueca subsequentes. O tratamento agudo é mais efetivamente realizado com cuidados específicos de enxaqueca: um agente analgésico não específico ou combinação de terapia analgésica para enxaquecas mais leves e, com mais frequência, terapia específica e agressiva para enxaqueca Durante a gravidez, ataques leves a moderados podem ser tratados com acetaminofeno. Cefaleias moderadas podem responder à combinação de acetaminofeno, mucato de isometepteno (um vasoconstritor leve, 65 mg) e dicloralfenazona (um sedativo leve, 100 mg). Agentes antináusea incluem proclorperazina (10 a 25 mg) e metoclopramida (2,5 a 10 mg). Cefaleia em salvas Causa incomum de cefaleia; mais comum em homens da meia-idade. Sinônimos: cefaleia histamínica, chuster headache Ocorre diariamente durante um período curto (semanas), seguindo-se de um período assintomático Vários episódios sucessivos Geralmente noturnos Cefaleia frontorbitaria unilateral Muito intensa (acorda o paciente) Duração curta (15-180min) Associada a lacrimejamento, congestão nasal e conjutival e edema periorbitário ipsilateral Tratamento: (1) abortivo: oxigenoterapia (máscara facial com 10-12 L/min de O2 por 15-20min) ou sumatriptano, 6 mg, subcutâneo, máximo de três injeções por dia; (2) profilático: verapamil (droga de escolha), carbonato de lítio, ergotamina. Diagnóstico diferencial das dores de cabeça primárias TIPO DE DOR DE CABEÇA ASPECTOS GENÉTICOS EPIDEMIOLOGIA ASPECTOS CARACTERÍSTICOS DURAÇÃO SINTOMAS ACOMPANHANTES Enxaqueca Genética complexa, mas geralment e um histórico familiar Mais frequente em mulheres Unilateral, bilateral; latejante; moderada a intensa; piora com atividade Horas a dias Fotofobia, fonofobia, náuseas e/ou vômitos Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Diagnóstico diferencial das dores de cabeça primárias TIPO DE DOR DE CABEÇA ASPECTOS GENÉTICOS EPIDEMIOLOGIA ASPECTOS CARACTERÍSTICOS DURAÇÃO SINTOMAS ACOMPANHANTES Cefaleia tipo tensional Normalmente um histórico familiar Frequência igual em homens e mulheres Dor semelhante a uma faixa apertada; bilateral; dor pode ser leve a moderada, melhora com a atividade Horas a dias Sem náuseas ou vômitos; discreta sensibilidade à luz ou ao som, mas não a ambos Cefaleia em salvas Pode ter histórico familiar Mais frequente em homens Unilateral, dor intensa na face Minutos a horas Ptose ipsolateral, miose, rinorreia, edema palpebral, lacrimejamento Hemicrania paroxística Normalmente sem histórico familiar Mais frequente em mulheres Dor unilateral na face Minutos Ptose ipsolateral, miose, rinorreia, edema palpebral, lacrimejamento; responde à indometacina Cefaleia unilateral curta com injeção conjuntival e lacrimejame nto Sem história familiar Mais frequente nos homens Dor no olho unilateral; dor orbitária Segundos a 240 segund os Injeção conjuntival; lacrimejamento Hemicrania contínua Sem histórico familiar Mais frequente em mulheres Dor de cabeça contínua, unilateral com dores em facada episódicas Contínua Características autonômicas ipsolaterais: ptose, miose, rinorreia, Carolina Lucchesi | Medicina UNIT Cefaleias Secundárias Deve-se sempre suspeitar de cefaleia secundária, quando as características da cefaleia não se encaixam em nenhum tipo de cefaleia crônica primária; quando a cefaleia é progressiva (surgiu há pouco tempo ou piorou o padrão de uma cefaleia antiga), refratária ao tratamento convencional ou associada a deficit neurológico ou sinais e sintomas de uma doença orgânica. Cefaleia da hipertensão intracraniana Costuma ser intensa, contínua, matinal e progressiva, associada a náuseas ou vômitos em jato. O exame físico mostra papiledema e/ou paralisia do VI par craniano (pseudolocalização) e/ou sinais neurológicos focais e/ou rigidez de nuca e/ou alteração da consciência. Está indicada uma TC de crânio contrastada. Se negativa, exame do liquor com medida da PIC e pesquisa de meningite. Hipertensão intracraniana benigna (pseudotumor cerebri) É um diagnóstico de exclusão entre as causas de hipertensão intracraniana. Exames de imagem normais (incluindo a RM) e liquor hipertenso (PIC > 25 mmHg). Mais comum em mulheres obesas. Exame físico: papiledema (caracteriza a síndrome), paralisia do VI par craniano (pseudolocalização), ausência de sinais focais e de queda da consciência. Causas: idiopática, gestação, anticoncepcionais, fenitoína, tetraciclina, sulfas, hipervitaminose A, endocrinopatias (doença de Addison, síndrome de Cushing, ovários policísticos, etc.). Tratamento: acetazolamida, punção lombar de alívio. Os episódios tendem a ser autolimitados Cefaleia da arterite temporal É uma causa de cefaleia frontotemporal ou temporo- occipital uni ou bilateral em idosos (> 60 anos). É a vasculite sistêmica mais comum dos adultos. Relaciona-se a sintomas gerais: perda de peso, astenia e febre, além da síndrome de polimialgia reumática (dor e rigidez das cinturas escapular e pélvica) e a claudicação da mandíbula. Podem ser detectados nódulos palpáveis (e dolorosos) nas têmporas. O exame laboratorial pode mostrar anemia normo e VHS bastante elevado (> 55 ou mesmo 100 mm/h). Complicação temível: amaurose por vasculite da artéria oftálmica. Diagnóstico: biópsia da artéria temporal (arterite de células gigantes). Tratamento: prednisona em altas doses (80-100 mg/dia). Resposta dramática ao corticoide é uma de suas principais características!
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