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39 Introdução ao dIreIto Processual do trabalho CAPÍTULO I Introdução ao dIreIto Processual do trabalho SUMÁRIO • 1. Conceito de direito processual: 1.1. Especialização do direito processual; 1.2. Direito material e processual do trabalho – 2. Classificação dos processos trabalhistas – 3. Autonomia: 3.1. Autonomia legislativa; 3.2. Autonomia judicial; 3.3. Autonomia cientifica e didática – 4. Princípios: 4.1. Princípios constitucionais do processo; A. Princípio da igualdade de tratamento versus princípio protetivo ou tutelar; B. Princípio do devido processo legal; B-1. Princípio do contraditório; B-2. Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional; B-3. Princípio do juiz natural; B-4. Princípio da motivação das decisões judiciais. 4.2. Princípios do processo civil e do trabalho; A. Princípio da conciliação; B. Princípio da imediatidade; C. Prin- cípio da oralidade e da escrituração; D. Princípio da publicidade; E. Princípio da concentração dos atos processuais; F. Princípio da identidade física do juiz; G. Princípio da celeridade; H. Princípio da ultrapetição; I. Princípio do impulso oficial ou inquisitivo e o princípio dispositivo; J. Princípio do duplo grau de jurisdição; L. Princípio da lealdade processual; M. Princípio da jurisdição normativa; N. Princípio da informalidade ou da instrumentalidade das formas; O. Princípio da eventualidade; P. Princípio da concisão. – 5. Natureza jurídica do direito proces- sual do trabalho – 6. Fontes: 6.1. Constituição; 6.2. Leis; 6.3. Decretos e portarias; 6.4. Atos normativos dos tribunais e dos juízes; 6.5. Costume; 6.6. Hierarquia das fontes – 7. Aplicação das normas processuais trabalhistas: 7.1. Interpretação; 7.2. Integração; 7.3. Vigência no tem- po; 7.4. Vigência no espaço – 8. Informativo do TST sobre a matéria. 9. Quadro sinóptico – 10. Questões. 1. CONCEITO DE DIREITO PROCESSUAL Para que o estado preste a tutela jurisdicional e exercite o seu Poder/dever de dizer o direito (dicere ius), é necessário, em regra, que haja uma provocação pelo interessado. a partir dessa provocação, que decorre do exercício do direito de ação, nasce o processo judicial, que é formado por uma série de atos pré-ordenados, praticados pelas partes, pelo juiz, pelos auxiliares, por terceiros, e pelo representante do Ministério Pú- blico. tem como objetivo fazer valer as regras de direito material e, consequentemente, solucionar o litígio. assim, o direito Processual nada mais é do que o ramo do Direito Público, formado pelo conjunto de regras de natureza processual, somadas aos princípios que lhe são pecu- liares, destinados a regular as relações existentes entre o juiz e as partes, bem como em relação àqueles que, de qualquer forma, intervêm no processo, no sentido de criá-las, modificá-las ou extingui-las, para possibilitar a prestação da tutela jurisdicional. 1.1. Especialização do direito processual a depender da espécie de conflito, de acordo com o bem da vida disputado ou a categoria de pessoas dissidentes, incidem regras processuais distintas. Quando estão en- volvidas em um conflito o empregado e o empregador, e em alguns casos do trabalhador 40 JOSÉ CAIRO JR. e do respectivo tomador dos serviços, devem ser observadas as regras contidas no direito Processual do trabalho.1 o direito Processual divide-se, primeiramente, em dois grandes grupos: o direito Processual civil e o direito Processual Penal. em relação a este último, justifica-se a exis- tência de um ramo autônomo do direito Processual, uma vez que a violação do direito não atinge apenas as pessoas envolvidas no conflito, mas também a própria sociedade. assim, há necessidade da existência de um conjunto de regras processuais para que se aplique a sanção penal àquele que praticou os atos considerados como antijurídicos. com o direito Processual do trabalho ocorre idêntico fenômeno. o legislador, ao perceber a importância da proteção conferida pelo direito Material do trabalho à certas espécies de trabalhadores, instituiu um conjunto de normas destinadas a promover, de forma mais eficiente, a sua tutela jurisdicional. conclui-se, assim, que o direito Processual do trabalho representa uma especializa- ção da jurisdição não-penal. 1.2. Direito material e processual do trabalho as regras de direito Processual são necessárias para regulamentar a atividade dos juízes, dos seus auxiliares, das partes, e dos terceiros que intervêm no processo, quando uma pretensão resistida é deduzida em juízo. a simples existência dessas espécies de normas, com aplicabilidade em potencial, já inibe a ação daqueles que pretendem violar as regras de direito material, circunstância que revela o caráter coercitivo do próprio direito. o ideal seria que todos respeitassem os preceitos contidos nas regras de direito ma- terial. Mas, como isso não acontece, tanto pela própria natureza contestatória e confli- tuosa do ser humano, quanto pela possibilidade de imprimirem-se várias interpretações para a mesma norma, é imperioso estabelecer um sistema composto por regras e prin- cípios destinado a fazer prevalecer a vontade do direito objetivo, por meio do exercício do direito público e subjetivo de ação, que se materializa mediante o processo judicial. O Direito material do trabalho, em seu aspecto objetivo e individual, é formado por normas destinadas a reger as relações entre o prestador de serviços subordinados (empregado) e o empregador.2 1. Para os demais conflitos de natureza civil, que derivam da relação de trabalho, serão aplicadas as normas do processo civil. 2. Ressalte-se, entretanto, que o Direito material do trabalho, progressivamente, caminha no sentido de abarcar determinadas relações de trabalho, caracterizada pela ausência de uma subordinação completa do empregado. São denominadas de relações parassubordinadas, como já acontece na Itália. 41 Introdução ao dIreIto Processual do trabalho Já o direito Processual do trabalho é composto por regras e princípios que regulam a atividade de todos aqueles que participam de uma relação jurídico-processual específica e tem como objetivo a prestação da tutela jurisdicional com a aplicação, ao caso concre- to, das normas de direito material trabalhista. Percebe-se, assim, que o processo judicial faz criar uma relação jurídica entre as par- tes (empregado e empregador)3 e entre esses e o estado-juiz, diversa da relação jurídica de direito material que deu origem ao conflito de interesse. essa relação tem natureza complexa e atribui aos seus sujeitos poderes, direitos, faculdades, deveres, obrigações, sujeições e ônus, tudo regulado pelo direito processual do trabalho. basicamente, são duas as características que revelam a distinção entre a relação jurídica processual e a relação jurídica substancial trabalhista. a primeira é encon- trada nos sujeitos principais das referidas relações: no processo são três, em regra: o juiz, o reclamante e o reclamado;4 enquanto que na relação de direito material do trabalho são duas, em regra: o credor e o devedor da obrigação (empregado ou empregador). a segunda diz respeito ao objeto, que na relação processual é a prestação jurisdicional, ao passo que na relação de direito material é o bem da vida pretendido pelo interessado. 2. CLASSIFICAÇÃO DOS PROCESSOS TRABALHISTAS os processos da competência da Justiça do trabalho são divididos em dois grandes grupos: processo de dissídio individual do trabalho e processo de dissídio coletivo do trabalho. nos processos de dissídios individuais, o juiz aplica a norma ao caso concreto (sub- sunção), em uma ação proposta por uma ou várias pessoas individualmente consideradas. a sentença que reconhece ou não a pretensão do reclamante corresponde ao tradicional processo individual regulado pelo direito processual civil. o processo de dissídio coletivo nada mais é do que um processo judicial, no qual as entidades sindicais representativas dos empregados e dos empregadores (ou uma ou várias empresas) figuram no poloativo e passivo da relação processual. o processo de dissídio coletivo pode ser de duas espécies: processo de dissídio coleti- vo de natureza econômica e processo de dissídio coletivo de natureza jurídica. no pri- meiro caso, o conflito nasce em decorrência da divergência entre os interessados durante as negociações coletivas, necessárias à conclusão de uma convenção ou acordo coletivo. 3. O TST entende de forma diversa, conforme se observa do teor da Instrução Normativa nº 27, de 16.02.2005, que determina a aplicação das normas processuais trabalhistas para todo e qualquer conflito derivado da relação de trabalho e não apenas da relação de emprego (art. 1º As ações ajui- zadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação). 4. Iudicium est actum trium personarum: iudicis, actoris et rei. 42 JOSÉ CAIRO JR. a segunda espécie é representada pela desavença acerca da interpretação jurídica de uma regra pré-existente inserida em um instrumento normativo negociado ou em sentença normativa. acrescente-se ainda, uma terceira categoria de dissídio coletivo, admitido pela dou- trina processual trabalhista clássica. trata-se do dissídio coletivo de greve, que consiste em uma espécie do dissídio coletivo de natureza jurídica, utilizado pelo interessado para obter a declaração de abusividade do movimento paredista. as diferenças entre os dois institutos encontram-se resumidas na transcrição abaixo: o típico dissídio coletivo é aquele de natureza econômica, ou seja, quando não há con- senso entre os interessados sobre as novas condições de trabalho a serem implantadas no âmbito das relações individuais de labor. nesse caso, devido a sua importância e por ser sui generis, a lei exige que haja uma autorização expressa dos empregados envolvidos no conflito, através de uma assembleia geral especialmente convocada para esse fim. o dissídio coletivo de natureza jurídica se assemelha a uma ação judicial clássica, ou seja, nele se pretende adequar os fatos a uma norma jurídica profissional pré-existente. nesta hipótese existem dúvidas quanto à aplicação e ao alcance de um acordo coletivo, convenção coletiva ou mesmo de uma sentença normativa.5 o cnJ instituiu uma tabela processual unificada na qual inseriu, de forma sistema- tizada, todas as classes processuais dos diversos ramos do Poder Judiciário. no processo trabalhista estão previstas, de forma específica, a seguintes classes com os respectivos códigos: ação trabalhista rito ordinário (985), ação trabalhista rito suma- ríssimo (1125), ação trabalhista rito sumário – alçada (1126), dissídio coletivo (987), dissídio coletivo de greve (988), inquérito para apuração de falta grave (986), reclamação (1202), ação anulatória de cláusulas convencionais (976), ação de cumprimento (980), execução de certidão de crédito judicial (993), execução de termo de ajuste de conduta (991), execução de termo de conciliação de ccP (992), execução de título extrajudi- cial (990), execução provisória em autos suplementares (994), conflito de competência (1145), pedido de revisão do valor da causa (1072). 3. AUTONOMIA a doutrina não é pacífica quando se trata de determinar a autonomia do direito processual do trabalho ou mesmo do direito processual civil. assim, há adeptos tanto da teoria monista, também denominada de unitarista, quanto da teoria dualista. segundo renato saraiva: a teoria monista, minoritária, preconiza que o direito processual é unitário, formado por normas que não diferem substancialmente a ponto de justificar a divisão e autono- mia do direito processual do trabalho, no direito processual civil e do direito proces- sual penal. [...] a teoria dualista, significativamente majoritária, sustenta a autonomia do direito processual do trabalho perante o direito processual comum, uma vez que o 5. CAIRO JR. José. Direito do Trabalho: relações coletivas de trabalho. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 30-31. 43 Introdução ao dIreIto Processual do trabalho direito instrumental laboral possui regulamentação própria na consolidação das leis do trabalho, sendo inclusive dotados de princípios e peculiaridades que o diferenciam, substancialmente, do processo civil. 6 Para que determinado ramo do direito adquira o status de “autônomo” é necessário, dentre outros requisitos, que possua princípios próprios ou que sejam aplicados com maior ou menor intensidade. além da necessidade de princípios próprios, deve-se verificar existência de uma au- tonomia legislativa, judicial e científica. como será analisado a seguir, o grau de dependência do processo do trabalho em relação ao processo civil, em diversos aspectos, é muito intenso, razão pela qual não há como reconhecer a sua plena autonomia. Inclusive, as constantes reformas por que vem passando o CPC são responsáveis pela aproximação, cada vez maior, do processo civil com o processo do trabalho. na verdade, o processo do trabalho assemelha-se ao procedimento comum sumário do processo civil, cuja principal característica é a apresentação da defesa, oral ou escrita, em audiência, na forma prevista pelo art. 278 do cPc: Art. 278. não obtida a conciliação, oferecerá o réu, na própria audiência, resposta es- crita ou oral, acompanhada de documentos e rol de testemunhas e, se requerer perícia, formulará seus quesitos desde logo, podendo indicar assistente técnico. 3.1. Autonomia legislativa a fonte formal do direito diz respeito ao modo como as regras exteriorizam-se e ma- terializam-se de forma obrigatória e coercitiva. A Consolidação das Leis do Trabalho é a principal fonte formal do direito processual do trabalho. Trata-se de um Diploma misto, pois contém regras de direito material, direito processual e direito administrativo do trabalho. no que se refere ao Processo do trabalho lato sensu, a consolidação das leis do trabalho reserva três títulos, do total de onze, a saber: título VIII – da Justiça do trabalho; título IX – do Ministério Público do tra- balho; e título X – do Processo Judiciário do trabalho, este último considerado no seu caráter estrito, de acordo com o disposto no art. 763 da norma consolidada.7 Em caso de omissão da norma consolidada, deve-se recorrer às regras contidas no código de Processo civil, no que se refere ao processo de conhecimento, desde que não contrarie os princípios do processo laboral, de acordo com o que determina o art. 769 da consolidação das leis do trabalho: “nos casos omissos, o direito processual comum será 6. SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 4 ed. São Paulo: Método, 2008. p. 28. 7. CLT. Art. 763. O processo da Justiça do Trabalho, no que concerne aos dissídios individuais e coleti- vos e à aplicação de penalidades, reger-se-á, em todo o território nacional, pelas normas estabele- cidas neste Título. 44 JOSÉ CAIRO JR. fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompa- tível com as normas deste título”. no caso do processo de execução, a norma processual subsidiária a ser utilizada em caso de omissão da clt é aquela que rege a execução fiscal, qual seja, a Lei nº 6.830/1980.8 o socorro às regras sobre execução contidas no cPc só é possível quando a referida lei de executivos fiscais for omissa. Por fim, essa espécie de autonomia não é comum a todo ordenamento jurídico. na Itália, por exemplo, o processo trabalhista encontra-se inserido no código de Processo civil, no seu título IV.9 3.2. Autonomia judicial o brasil faz parte do seleto grupo de países do mundo que possui uma Justiça Es- pecializada em solução de conflitos sociais, mais precisamente, de conflitos trabalhistas, na qual se aplica, com maior incidência, o processo do trabalho. a Justiça do trabalhooriginou-se com a criação das Juntas de conciliação e Julga- mento, em 1932. Eram órgãos colegiados e de natureza administrativa formados por dois Juízes classistas, um representante do empregado e outro do empregador, e um Juiz Presidente. Paralelamente, foram criadas as comissões Mistas de conciliação, a qual competia solucionar os conflitos coletivos de trabalho, já que as Juntas de conciliação e Julgamen- to tinha competência limitada aos conflitos individuais do trabalho provocados por trabalhadores sindicalizados. como esses órgão encontravam-se destituídos de caráter judicial, os seus integrantes não gozavam das prerrogativas atribuídas aos magistrados. o Juiz Presidente não ingres- sava por meio de concurso público, mas sim por indicação do Ministro do trabalho, dentre advogados, magistrados ou funcionários públicos e eram destituídos ad nutum. além disso, a qualquer momento as demandas sob sua jurisdição poderiam ser avocadas por ato do Ministro do trabalho. somente na constituição Federal de 1934 foi que primeiro se fez referencia à Justiça do trabalho, mas ainda atrelada ao Poder executivo, fato que se repetiu na constituição Federal de 1937. 8. Mesmo após a edição da Lei nº 11.2323/05, que alterou o CPC e extinguiu o processo de execução por título judicial, prevalece a dicotomia entre processo de conhecimento e processo de execução trabalhista, uma vez que a CLT não é omissa, nesse particular. Registre-se, entretanto, que parte da doutrina e da jurisprudência, entende que essa alteração legislativa deve ser utilizada no processo laboral. 9. Titolo IV: Norme per le Controversie in Materia di Lavoro. 45 Introdução ao dIreIto Processual do trabalho Finalmente, em 1939 a estrutura da Justiça do trabalho foi disciplinada por meio do decreto-lei nº 1.237. Já com a edição da clt, em 1943, as Juntas de conciliação e Julgamento passaram a ter competência para executar suas decisões, que até então eram executadas pela Justiça comum. contudo, somente a constituição Federal de 1946 inseriu a Justiça do trabalho no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, o que se efetivou por meio do decreto-lei nº 9.797, de 09.09.1946. atualmente, a Justiça do trabalho é toda estruturada de forma a permitir que a parte irresignada com a decisão de primeiro grau provoque um novo julgamento pelo tribunal regional do trabalho. Inclusive, em determinadas situações, é possível que a demanda seja novamente examinada pelo tribunal superior do trabalho, se houver ofensa a literal dispositivo de lei federal.10 observe-se, contudo, que a Justiça do trabalho, após a ec nº 45/2004, deixou de ter a competência exclusiva para solucionar os litígios derivados da relação de emprego. Passou a abarcar, também, a competência para apreciar os dissídios decorrentes das rela- ções de trabalho, dentre outros. ÊÊ Exemplo de questão sobre o tema ÊX (TRT 15–Juiz do Trabalho Substituto 15ª região/ 2013) Sobre a história da Justiça do trabalho é in- correto dizer: a) em 1932, foram criadas as Juntas de Conciliação e Julgamento, voltadas aos conflitos individuais, e as Comissões Mistas de Conciliação, direcionadas aos conflitos coletivos, como órgãos administrativos. Apenas os trabalhadores sindicalizados podiam pleitear perante as Juntas de Conciliação e julgamen- to. Os demais deviam se socorrer da Justiça Comum; b) os juízes presidentes das Juntas de Conciliação e Julgamento eram nomeados pelo Ministro do Tra- balho, dentre advogados, magistrados ou funcionários públicos; não gozavam de independência, vez que eram demissíveis “ad nutum” e qualquer processo poderia ser subtraído ao conhecimento das Juntas pelo Ministro do Trabalho, que chamava para si a função decisória, através de cartas chamadas “avocatórias”; c) somente em 1943, com a publicação da CLT, as Juntas de Conciliação e Julgamento passaram a ter competência para executar suas próprias decisões, mantendo-se a possibilidade de “avocatórias”, que foram extintas com a Constituição de 1946; d) somente a partir da Constituição de 1946, a Justiça do Trabalho foi integrada, de forma inconteste, aos órgãos do Poder Judiciário, com organização da carreira de Juiz do Trabalho e ingresso mediante concurso público de provas e títulos, promoções pelos critérios de antiguidade e merecimento e as garantias inerentes à magistratura; e) fora do âmbito da 1a. e da 2a. Regiões, o Suplente de Presidente de Junta, até alteração havida em 1984, era nomeado pelo Presidente da República, dentre advogados militantes no foro trabalhista, para substituírem’ os Presidentes em seus afastamentos e impedimentos, para um mandato com tempo determinado, e se fossem reconduzidos eram integrados ao quadro de magistrados de forma definitiva, mesmo sem concurso público. ÊÂ Resposta: C 10. A organização da Justiça do Trabalho será objeto de análise do item 2, capítulo II, parte I, desta obra. 46 JOSÉ CAIRO JR. 3.3. Autonomia científica e didática a autonomia científica é representada pela existência de um número considerável de obras de pesquisa científica que tenham o mesmo objeto de determinado ramo do direi- to. nesse particular, a autonomia do processo do trabalho é inegável, pois o brasil conta com um grande acervo de manuais e trabalhos monográficos que tratam da matéria. Grande parte dos cursos de graduação em direito também reservam uma ou duas cadeiras para o estudo do processo do trabalho. Isso sem falar no crescente número de cursos de pós-graduação lato sensu, que se dedicam, estritamente, a esse ramo do direito. as diretrizes curriculares nacionais para o curso de direito, aprovadas pelo Ministé- rio da educação,11 só incluem o direito material do trabalho como matéria obrigatória do eixo de formação profissional.12 entretanto, admite-se o desdobramento da referida matéria em uma ou mais disciplinas, inclusive o processo do trabalho, na forma como dispuserem os currículos plenos dos cursos. 4. PRINCÍPIOS os princípios, em direito, têm três funções básicas. a primeira seria no sentido do princípio funcionar como norma de conduta, denominado de princípio-regra. servem, também, para orientar a atuação do legislador ordinário e, por fim, funcionam como guia para o intérprete e aplicador da norma ao caso concreto. em relação à segunda função, é fácil perceber que os princípios revelam de forma clara a fonte material de determinado ramo do direito. a seguir serão examinados alguns dos princípios comuns ao processo civil e ao pro- cesso laboral e aqueles que são aplicados com maior intensidade nesse último.13 a consolidação das leis do trabalho não explicita quais os princípios aplicáveis ao processo do trabalho. Mas, a simples leitura de alguns dos seus dispositivos deixa clara a intenção do legislador de orientar a atuação do intérprete e do aplicador do direito. tal omissão não ocorre em alguns diplomas processuais alienígenas, a exemplo da lei de Procedimento laboral da espanha, que relaciona os princípios informadores do processo do trabalho naquele país: “art. 74.1. os juízes e tribunais da ordem jurisdicio- nal social interpretarão e aplicarão as normas reguladoras do processo laboral ordinário, segundo os princípios de imediação, oralidade, concentração e celeridade”. 11. Resolução CES/CNE nº 09/2004, de 29 de setembro de 2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov. br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf >. Acesso em 17.12.2012. 12. As demais disciplinas são: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Tributário, Direito Penal, Direito Civil, Direito Empresarial, Direito Internacional e Direito Processual. 13. Quando o princípio é aplicado tanto ao processo civil quanto ao processo do trabalho, mas com diferenças de intensidade, os doutrinadores classificam como peculiaridades do processo laboral. 47 Introdução ao dIreIto Processual do trabalho todos os princípios processuais que adiante serão analisados14 também se aplicam, em menor ou maior intensidade, ao processo civil, salvo aquelerelativo à jurisdição normativa, que foi severamente limitado após a promulgação da ec nº 45/2004, com a exigência do mútuo consentimento para o ajuizamento do dissídio coletivo.15 ressalte-se que as experiências bem sucedidas do processo do trabalho foram incor- poradas ao processo civil, principalmente no que diz respeito à simplificação dos proce- dimentos e à celeridade, circunstância que aproxima cada vez mais esses dois ramos do direito processual. tal circunstância, aliada a inexistência de autonomia legislativa plena, conforme foi analisado no item 3.1, induz à conclusão de que o processo do trabalho não representa um ramo autônomo do direito processual, mas apenas uma de suas especializações, vinculado a uma teoria geral do processo única. o Quadro doutrinário revela a preferência dos doutrinadores pela teoria monista ou dualista, predominando esta última: QUADRO DOUTRINÁRIO – AUTONOMIA DO PROCESSO LABORAL Teorias Doutrinadores Exemplo Dualista Coqueijo Costa, Rodrigues Pinto, Délio Maranhão, Renato Saraiva, Sérgio Pinto Martins, Wagner Giglio, Tostes Malta, Amauri Mascaro e Mozart Russomano [...] Embora seja verdade que a legislação instrumental trabalhista ainda é modesta, carecendo de um Código de Processo do trabalho, definindo mais detalhadamente os contornos do processo laboral, não há dúvida que o Direito Processual do Trabalho é autônomo em relação ao processo civil, uma vez que possui matéria legislati- va específica regulamentada na Consolidação das Leis do Trabalho, sendo dotado de institutos, princípios e peculiaridades próprios, além de independência didática e jurisdicional (Renato Saraiva).* Monista Francisco Neto e Jouberto Cavalcante; e Valentin Carrion Conclui-se, portanto, que o direito processual do trabalho, didatica- mente, é um ramo do Direito Processual, contudo, pertence à teo- ria geral do direito processual, como reflexo instrumental dos prin- cípios e normas para o exercício da jurisdição, atuando na solução dos conflitos individuais, coletivos e difusos do trabalho (Francisco Neto e Jouberto Cavalcante).** *. SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. 4 ed. São Paulo: Método, 2008. p. 28 **. JORGE NETO, Francisco Ferreira e CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito proces- sual do trabalho. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. p. 38 14. Alguns dos princípios analisados são classificados pela doutrina e jurisprudência como peculiarida- des, princípios peculiares ou técnicas do direito processual do trabalho. 15. CF/88. Art. 114. § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. 48 JOSÉ CAIRO JR. antes de passar à análise dos princípios aplicáveis ao processo comum e do trabalho, é necessário tecer ligeiras considerações sobre os princípios constitucionais do processo, sem a profundidade que o tema exige, em face dos objetivos desta obra, o que será feito a seguir. 4.1. Princípios constitucionais do processo A. Princípio da igualdade de tratamento versus princípio protetivo ou tutelar a maioria dos processualistas trabalhistas consideram que o processo do trabalho é norteado pelo princípio protetivo ou tutelar, em relação ao empregado hipossuficiente, quando se encontra em litígio com seu empregador ou ex-empregador. com efeito, o que existe no processo do trabalho são instrumentos que facilitam o acesso à Justiça ao empregado de forma mais ampla do que aquele desfrutado pelo em- pregador. Isso porque leva-se em consideração a hipossuficiência do trabalhador, o que implica o reconhecimento da regra do tratamento igual para os iguais e do tratamento desigual para os desiguais.16 o tratamento diferenciado também é dispensado em relação às entidades públicas que não exploram atividade econômica, tanto no processo civil quanto no processo do trabalho, tendo em vista que o legislador reconheceu as dificuldades existentes na admi- nistração pública para o exercício de sua defesa em juízo. nem por isso pode-se afirmar que o referido tratamento diferenciado constatado no processo comum representa uma proteção de índole estritamente processual aos entes públicos. alexandre câmara comenta o tratamento desigual que também é observado no pro- cesso civil: em outras palavras, o princípio da isonomia só estará sendo adequadamente respeitado no momento em que se garantir aos sujeitos do processo que estes ingressarão no mesmo em igualdade de armas, ou seja, em condições equilibradas. este o verdadeiro sentido da expressão par conditio, condições paritárias.17 com efeito, o empregado já recebe uma proteção da legislação material para com- pensar uma desigualdade com o empregador existente no plano fático. Atribuir outra proteção decorrente da aplicação da legislação processual do trabalho ao obreiro é, sem dúvida, criar uma desigualdade e, consequentemente, uma injustiça. na verdade, os privilégios processuais garantidos aos trabalhadores são considerados características da jurisdição laboral e não do processo stricto sensu. 16. Por conta dessa e de outras características é que se entende não ser possível aplicar as regras do processo do trabalho para solucionar as lides derivadas da relação de trabalho autônomo, ao con- trário do posicionamento adotado pelo TST por meio da citada Instrução Normativa nº 27/2005. 17. CÂMARA, Alexandre de Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2005. p. 40/41. 49 Introdução ao dIreIto Processual do trabalho Prova disso é que ninguém defende a aplicação da regra mais benéfica no processo do trabalho, pois esse ramo pertence ao direito Público, no qual sempre vai prevalecer a regra constitucional e não aquela de grau inferior que favoreça o trabalhador como parte de um litígio. destacam-se, a seguir, os argumentos utilizados por aqueles que defendem a utiliza- ção do princípio protetivo no processo laboral. – Obrigatoriedade do depósito recursal para os empregadores essa assertiva é falsa, uma vez que a gratuidade também é devida aos empregadores que não explorem atividade econômica e que provem a sua falta de condições financeiras para arcar com as despesas processuais. a dispensa do depósito recursal para os trabalhadores é regra, diante de sua presu- mível hipossuficiência. como para o direito do trabalho o empregador é a empresa, a existência de capital é condição sine qua non para a sua sobrevivência. Mas caso o empregador não desenvolva atividade econômica, como ocorre com a família e as associações sem fins lucrativos, a gratuidade da justiça também deve ser deferida a essas entidades. assim, a gratuidade da justiça, que envolve o depósito recursal, não é direito apenas do trabalhador, mas de qualquer litigante que não tenha condições de arcar com os cus- tos do processo.18 – Fixação da competência em razão do lugar no local da prestação de serviço não se observa qualquer benefício ao empregado nesse particular. Isso porque o local da prestação de serviço, regra para definição da competência em razão do lugar no processo laboral, é justamente onde fica situado o estabelecimento da empresa. o domicílio do empregado só excepcionalmente é usado como critério para de- finição dessa espécie de competência, conforme se observa do conteúdo do art. 651, parágrafo 1º, da clt. – Aplicação da regra do in dubio pro operario em matéria probatória o Juiz do trabalho deve proferir sua decisão com base na sua persuasão racional e dispensar às partes igualdade de tratamento (princípio da igualdade). na dúvida quanto à prova produzida, deve ser verificado, em cada caso concreto, a qual parte cabe o onus probandi. assim, não há que se falar em prova dividida. os meios de prova formam ou não o convencimento domagistrado. se o convencimento é incompleto, não se aplica o 18. Esse tema também será analisado no item 6.5, capítulo III, Parte I desta obra. 50 JOSÉ CAIRO JR. princípio do in dubio pro operario, mas sim as regras da distribuição do ônus da prova, clássica ou dinâmica. nesse sentido é a decisão a seguir transcrita: ProVa dIVIdIda. horas eXtras. Ônus da ProVa. a regra da distribuição do ônus da prova, nos termos do artigo 333 do cPc, é a de que cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, e ao réu, o da existência do fato impeditivo, modi- ficativo ou extintivo do direito do autor. ademais, a teor do art. 818 da clt, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. em tal contexto, o princípio in dubio pro misero não pode ser aplicado no presente caso, pois, ao alegar a invalidade dos registros de ponto, porque não era permitido o registro da real jornada laborada, o reclamante efetivamente atraiu para si o ônus de provar tal alegação, do qual não se desincumbiu, já que a prova testemunhal por ele apresentada foi contraditória com a que foi produzida pelo reclamado. recurso de revista conhecido e não provido.19 – Início da execução de ofício pelo juiz segundo dispõe o art. 878 da clt: “a execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou tribunal competente, nos termos do artigo anterior”. nesse caso, trata-se da aplicação do princípio inquisitivo, que vale tanto para o em- pregado quanto para o empregador, quando ocupam o polo ativo da relação processual, uma vez que o dispositivo transcrito não faz qualquer distinção entre um e outro. – Arquivamento pelo não comparecimento do trabalhador outro argumento a favor da aplicação do princípio da proteção consistiria na regra de arquivamento da ação, para o caso de não comparecimento do empregado à audiência e de revelia para a hipótese de ausência do empregador. essa conclusão também parte de uma premissa falsa de que o empregado sem- pre é o autor da ação trabalhista. o fato é que se o empregador ocupar o polo ativo da relação processual trabalhista e não comparecer à primeira audiência, a sua demanda também será arquivada. – Conclusão não se pode negar, entretanto, que o caráter protetivo do direito material do traba- lho reflete-se no direito processual, mesmo porque este último tem como escopo confe- rir efetividade às regras que compõem o primeiro. assim, o juiz deve observar as regras decorrentes da aplicação do princípio da igualdade de tratamento das partes, salvo quando a lei, expressamente, disser o con- trário. 19. TST. RR 1168/2003-008-18-00. 8ª T. Rel. Min. Dora Maria da Costa. DJ 04.05.2009.
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