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linguística aplicada a língua portuguesa

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Prévia do material em texto

2017
LinGuÍstiCA ApLiCADA À 
LÍnGuA portuGuesA
Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos
Copyright © UNIASSELVI 2017
Elaboração:
Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos
Revisão, Diagramação e Produção:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI
Ficha catalográfi ca elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri 
UNIASSELVI – Indaial.
469.81
S237l Santos, Abraão Júnior Cabral e 
 Linguística aplicada à lingua portuguesa / Abrão Júnior Cabral e 
Santos. Indaial: UNIASSELVI, 2017.
 
 167 p. : il.
 
 ISBN 978-85-515-0108-5
 
 1.Linguística Aplicada. 
 I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. 
Impresso por:
III
ApresentAção
Prezado acadêmico, através da disciplina Linguística Aplicada à 
Língua Portuguesa você poderá observar que as relações que estabelecemos 
com a linguagem não são tão simples e aparentes como geralmente 
imaginamos. Há diversas abordagens acadêmicas – filosóficas, linguísticas, 
históricas etc. – que comprovam ser a linguagem muito mais do que uma 
ferramenta para expressão e comunicação; ela é, antes de tudo, o meio por 
excelência que caracteriza o ser humano, distinguindo-o dos outros animais 
e perpetuando relações hierárquicas não só entre espécies, mas também entre 
os próprios homens.
A partir de uma perspectiva linguística, por exemplo, pensar a relação 
entre homem e linguagem implica considerar o quanto cada indivíduo se 
aproxima ou se afasta das normas socialmente estabelecidas em sua língua. O 
fato é que sempre que alguém diz algo, o diz de um determinado modo, sem 
ter plena consciência do como se dá esse dizer. Nesse sentido, a liberdade e 
a obediência a regras de uma determinada língua são dois aspectos de uma 
mesma moeda, que ainda que se deem inconscientemente, fazem parte do 
dia a dia das pessoas.
Assim, nos discursos inconscientes que realizamos em nossas 
falas cotidianas, muitos fenômenos de linguagem estão implícitos, alguns 
deles constituindo-se temas centrais para se pensar o processo de ensino e 
aprendizagem de língua materna – como é o caso das hierarquias sociais 
vinculadas às normas gramaticais e o preconceito linguístico. Nessa linha de 
raciocínio, o profissional de letras cumpre aí um papel fundamental: abrir 
os olhos, fazer refletir, revelar, na infinidade de linguajares vigentes em um 
mesmo código linguístico, o jogo social ali presente.
Convidamos você, prezado acadêmico, a desligar-se da maneira 
habitual de pensar a linguagem, característica do senso comum, que entende 
a língua quase exclusivamente como objeto de transmissão de informações, 
para juntos adotarmos outras perspectivas nas quais importantes estudos 
filosóficos e linguísticos podem contribuir para revelar, especialmente em 
sala de aula, diferenças e relações de poder que encerram muitos dos conflitos 
humanos, seus desejos e anseios. 
Bons estudos. 
Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos
IV
Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfi m, tanto 
para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há 
novidades em nosso material.
Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é 
o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um 
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. 
O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova 
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também 
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.
Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, 
apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade 
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para 
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto 
em questão. 
Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas 
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa 
continuar seus estudos com um material de qualidade.
Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de 
Desempenho de Estudantes – ENADE. 
Bons estudos!
NOTA
Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos 
materiais ofertados a você e dinamizar ainda 
mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza 
materiais que possuem o código QR Code, que 
é um código que permite que você acesse um 
conteúdo interativo relacionado ao tema que 
você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, 
acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor 
de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa 
facilidade para aprimorar seus estudos!
UNI
V
VI
VII
sumário
UNIDADE 1 – ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM ............................................................. 1
TÓPICO 1 – LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA ............................................................... 3
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3
2 GRAMÁTICA: LÍNGUA E REGULARIDADE ............................................................................ 5
3 NORMA: ADEQUAÇÃO AO CONTEXTO OU À LÍNGUA DO REI? ................................... 13
3.1 NORMA: ENTRE A LÍNGUA E A FALA ......................................................................... 16
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 20
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 22
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 24
TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM ................................................ 27
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 27
2 ABORDAGEM NORMATIVA VERSUS ABORDAGEM DESCRITIVA ............................... 28
3 LINGUAGEM E APRENDIZAGEM .............................................................................................. 34
3.1 PONTO DE PARTIDA ENTRE A NORMATIVA E A DESCRITIVA: A 
GRAMÁTICA INTERNALIZADA..................................................................................... 36
3.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ..................................................................................... 38
3.2.1 Linguagem como expressão do pensamento ................................................................... 38
3.2.2 Linguagem como meio de comunicação .......................................................................... 39
3.2.3 Linguagem como forma de interação ............................................................................... 41
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 42
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 43
TÓPICO 3 – DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE .................................. 45
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 45
2 SAUSSURE E A LINGUÍSTICA MODERNA: CARACTERÍSTICAS GERAIS .................... 45
2.1 BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA MODERNA ............................................... 46
2.2 A LINGUÍSTICA MODERNA .............................................................................................49
2.2.1 Língua e fala ......................................................................................................................... 49
2.2.2 Significante e significado .................................................................................................... 50
2.2.3 Sincronia e diacronia ........................................................................................................... 52
2.2.4 Sintagma e paradigma ........................................................................................................ 54
3 DA TEORIA À PRÁXIS LINGUÍSTICA: SAUSSURE, VYGOTSKY, BAKHTIN ................ 55
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 59
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 60
UNIDADE 2 – LINGUÍSTICA EM AÇÃO ....................................................................................... 61
TÓPICO 1 – LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA ........................................................ 63
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 63
2 A LINGUÍSTICA VARIACIONISTA ............................................................................................. 64
2.1 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO .................................................................................... 67
2.2 AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS ....................................................................................... 70
VIII
3 LINGUÍSTICA APLICADA: O QUE VEM A SER ...................................................................... 75
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 78
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 81
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 82
TÓPICO 2 – BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS .......................................................... 85
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 85
2 FUNDAMENTOS DA TEORIA EM BAKHTIN .......................................................................... 86
2.1 O DIALOGISMO ...................................................................................................................... 87
2.2 A ENUNCIAÇÃO ..................................................................................................................... 91
3 A TEORIA DOS GÊNEROS DISCURSIVOS .............................................................................. 93
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 98
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 99
TÓPICO 3 – GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA ....................................................... 101
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 101
2 AULA COMO GÊNERO DISCURSIVO ....................................................................................... 102
3 O TEXTO COMO EIXO DE INTERAÇÃO SOCIAL .................................................................. 107
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 112
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 113
UNIDADE 3 – ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA ................................. 115
TÓPICO 1 – LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA .......................................... 117
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 117
2 LETRAMENTO, ALFABETIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO ..................................................... 118
3 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA.......................................................................................... 123
3.1 A AULA DE LÍNGUA MATERNA E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO ........... 125
LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 129
RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 132
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 133
TÓPICO 2 – A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR ............................................................ 135
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 135
2 CONCEPÇÕES E ETAPAS DE LEITURA ..................................................................................... 136
2.1 ETAPAS DA LEITURA ........................................................................................................... 140
3 PRÁTICAS DE LEITURA EM SALA DE AULA .......................................................................... 142
RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 146
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 147
TÓPICO 3 – A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO ................................................. 149
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 149
2 CONCEPÇÕES DE ESCRITA .......................................................................................................... 150
2.1 ANÁLISE LINGUÍSTICA E REVISÃO DE TEXTOS ................................................... 153
3 DA REDAÇÃO À PRODUÇÃO TEXTUAL ................................................................................. 157
3.1 PRÁTICAS DE PRODUÇÃO TEXTUAL .......................................................................... 158
RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 162
AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 163
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 165
1
UNIDADE 1
ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
PLANO DE ESTUDOS
A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de:
• compreender os conceitos de língua e gramática a partir da noção filosófica 
de regularidade linguística, relacionando-a aos usos social e político da 
linguagem;
• entender a necessidade dos estudos de linguagem como ferramenta de 
transformação social;
• observar, para além do olhar normativo tradicional, a importância das 
abordagens descritivas da língua a serem estudadas em sala de aula.
Caro acadêmico! Esta unidade de estudos encontra-se dividida em três 
tópicos de conteúdos. Ao longo de cada um deles, você encontrará sugestões 
e dicas que visam potencializar os temas abordados, e ao final de cada um 
deles estão disponíveis resumos e autoatividades que visam fixar os temas 
estudados.
TÓPICO 1 – LINGUAGEM, LÍNGUA EGRAMÁTICA
TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
TÓPICO 3 – DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE
2
3
TÓPICO 1
UNIDADE 1
LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
1 INTRODUÇÃO
Prezado acadêmico, nesse tópico discutiremos alguns aspectos gerais da 
linguagem, especialmente aqueles que envolvem os conceitos de língua, norma 
e gramática, a partir de perspectivas filosófica, linguística e sociopolítica, que 
poderão ajudá-lo a melhor fundamentar os seus questionamentos ao longo desta 
e das outras unidades de estudo.
Assim, para começar a nossa conversa, lembremos dois casos possíveis e 
correntes de uso da língua materna no Brasil. Para enunciarem uma mensagem 
de conteúdo semelhante, dois usuários, de classes sociais distintas, assim se 
expressam – enquanto o primeiro diz: “Deixa com nós, mano, nós faz isso ligeiro, 
tem menas cadeira na sala do que nós pensava”; o segundo usuário se posiciona 
da seguinte maneira: “Pode deixar conosco, nós o faremos rapidamente, há menos 
cadeiras na sala do que imaginávamos”.
Para melhor refletirmos sobre os enunciados apresentados, precisamos 
distinguir duas atitudes possíveis que podemos assumir diante deles. Podemos 
adotar, por um lado, a atitude do senso comum, e reagir de modo rápido e 
impensado aos fatos apresentados (atitude que os gregos chamavam de doxa); ou 
podemos adotar, por outro lado, uma atitude acadêmica, portanto fora da tradição 
e da opinião corriqueira, que busca ir além da primeira impressão dos fatos para 
neles encontrar a verdade que os sustenta (atitude denominada, também pelos 
gregos, de episteme).
Os conceitos de Doxa e Episteme estão presentes, de forma dialética, nos 
Diálogos de Platão, modificando-se ao correr de suas obras. Pode-se compreender o termo 
grego Doxa como simples opinião, “que encerra a significação de uma certa noção de 
julgamento e sentimento, no sentido de resolução e decisão parcial, baseada unicamente nos 
dados presentes. Isso implica que doxa é compreendida como um certo valor subjetivo que 
tem valor apenas momentâneo, um juízo que não poderá ser referência ética, pois tem presente 
a possibilidade da falsidade das crenças que suportam a ação. Sob a mesma perspectiva [...] 
episteme é vista como uma techné, uma habilidade para fazer algo, um tipo de saber que tem 
seu suporte no conhecimento especializado e preciso da coisa” (FRANKLIN, 2004, p. 374).
NOTA
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
4
Assim, uma atitude seria reagir aos fatos com as nossas opiniões já 
formadas, vindas não se sabe ao certo de onde (de variadas fontes, quase sempre 
indeterminadas: conversas espontâneas, programas de televisão, redes sociais, 
mídias diversas etc.); outra atitude, completamente diversa, seria pensar, isto 
é, construir e fundamentar um ponto de vista próprio, apoiado sobre leituras e 
experiências consistentes, em meio a outros pontos de vista possíveis. 
autoativida
de
Que impressão se poderia ter de um usuário da língua portuguesa que falasse 
daquele modo: “Deixa com nós, mano, nós faz isso ligeiro, tem menas cadeira na sala do 
que nós pensava”. Saberia ele utilizar a gramática da sua língua? Em que nível social e qual 
grau de escolaridade tenderíamos a lhe atribuir?
Embora ainda não tenhamos nos debruçado sobre os falares que podem 
coexistir em uma mesma língua, isto é, sobre as diversas variações e variedades 
linguísticas inerentes a qualquer língua em situações de uso, podemos antecipar-
lhe, caro acadêmico, dois fatos linguísticos importantes para abordar tal questão.
O primeiro é atentar para o fato de que se os falantes de uma determinada 
língua comunicam-se e são compreendidos nessa mesma língua, isso implica em 
reconhecer que eles sabem a gramática dessa língua. Trata-se, entretanto, de um 
saber espontâneo, internalizado, um conjunto de regras – um tipo de gramática, 
portanto – que aprendemos na convivência com os outros falantes e que não é 
melhor nem pior que o modelo de língua idealizado das gramáticas tradicionais. 
Um segundo fator, não menos importante, é reconhecer que as línguas são 
fenômenos vivos, que mudam tanto quanto mudam as pessoas e as sociedades. 
A língua, nesse sentido, varia de diversas formas: há formas consideradas mais 
cultas do que outras, mas todas elas são variações, modos distintos e aceitáveis de 
expressão de uma mesma comunidade linguística.
Ora, independentemente da resposta que tenhamos formulado, 
é importante sublinhar que a passagem da nossa opinião, registrada na 
autoatividade anterior, em direção à formulação de um pensamento acadêmico, 
requer que antes façamos essa impressão inicial dialogar com o maior número de 
pesquisas e leituras especializadas no assunto. 
Dessa forma, detenhamo-nos um pouco, sem responder apressadamente, 
diante da primeira parte da pergunta: “Saberia ele utilizar a gramática da sua 
língua?”, e tratemos de ampliar nosso repertório linguístico, debruçando-nos a 
seguir sobre as significações possíveis dos termos Língua, Norma e Gramática – 
conceitos centrais para aprofundar tal reflexão. 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
5
2 GRAMÁTICA: LÍNGUA E REGULARIDADE
É pelas mãos do filósofo italiano Giorgio Agamben (2005) que 
principiaremos a discussão em torno dos fundamentos do que seja uma gramática 
e uma língua. Para Agamben (2005, p. 68):
Devemos observar o milenar processo de reflexão sobre a linguagem 
que levou ao nascimento da gramática e da lógica e à construção 
da língua. Estamos acostumados desde sempre a considerar a 
linguagem humana como linguagem “articulada”. Mas o que significa 
“articulado”?
Ao compararmos a linguagem humana com a de outros animais, em 
suas semelhanças e dessemelhanças, é possível observar uma singular diferença, 
a saber, que algo se repete indefinidamente para uns – como se verifica na 
linguagem dos animais –, enquanto, para outros, algo não apenas se repete, mas, 
simultaneamente, repete e varia – tal como se observa na linguagem humana.
 Vejamos. O cão, em seu ladrar, utiliza um mesmo som aproximado e 
repetido, que aqui podemos didaticamente simplificar como “au-au”, sons dos 
quais o animal se vale para expressar uma enorme e variada gama de instintos 
e emoções. Seja na raiva, na dor ou na alegria, o cão apenas reitera “au-au” e faz 
variar a forma ou o grau de entonação, sem que as sílabas, entretanto, em nada 
variem. 
Da mesma forma, na comunicação sonora do gato, o bichano parece 
acrescentar a consoante bilabial “m” no início dos sons vocálicos a ponto de 
podermos ouvi-lo ronronar, de modo aproximado, “miau”. Ora, seguindo essa 
linha de raciocínio, poderíamos sucessivamente identificar os modos sonoros – 
expressivos e onomatopaicos – de diversos animais.
No caso das representações das realizações sonoras dos animais – como 
no latido dos cães, no balido das ovelhas, no arrulho dos pombos – é possível 
observar o quanto as distinções fonéticas, próprias a cada língua, revelam distintas 
apreensões culturais, tal como se vê na Figura 1, na onomatopeia dos grunhidos 
do porco: português (óinc), japonês (boo), francês (groin), polonês (chrum), sueco 
(noff).
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
6
FONTE:<hattps://www.listenandlearn.com.br/blog/como-soam-os-animais-mundo-afora/>. 
Acesso em: 10 abr. 2017.
FIGURA 1 – ONOMATOPEIA DOS GRUNHIDOS DO PORCO
A palavra onomatopeia advém do grego arcaico e significa originalmente 
“criar um nome” ou “fazer um nome”, e está classificada gramaticalmente como uma figura 
de linguagem que visa reproduzir sons ou ruídos através de um fonema ou palavra, por 
exemplo, o som do telefone: trrrim-trrrim, ou de uma explosão: bum! Dentre as figuras de 
linguagem – que são recursos utilizados, tanto na fala quanto na escrita, para tornar mais 
expressiva a mensagem a ser transmitida – a onomatopeia situa-se entre as sete Figuras 
de Palavras: catacrese, metáfora, comparação, metonímia, perífrase e sinestesia. Eis alguns 
exemplos comparativos entre representações dos mesmos sons no português e noinglês: 
buzina: bi-bi / beep-beep, espirro: atchim / atchoo.
NOTA
Cabe lembrar que a onomatopeia surge como um recurso de linguagem criado 
para aproximar o que cada cultura convenciona escutar dos animais, dos sons da 
natureza, ou dos ruídos presentes em determinado contexto geográfico:
Algumas pessoas criticam a concepção da arbitrariedade do signo, 
mostrando que as onomatopeias, como ai, oh, ah, são motivadas. No 
entanto, é preciso dizer que, em primeiro lugar, as onomatopeias 
ocupam um lugar marginal na língua e, depois, que também elas são 
submetidas às coerções fonológicas de cada língua, o que explica que 
os sons produzidos pelos animais, por exemplo, variam de língua para 
língua (FIORIN, 2011, p. 60-61).
 Ao compararmos as articulações sonoras dos homens e dos animais, 
pretendemos revelar um estágio anterior a representações como a onomatopeia, 
e desse modo dar conta dos aspectos “inarticulados/articulados” da linguagem, 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
7
que caracterizariam as especificidades da linguagem humana, isto é, essa forma 
“primitiva” de linguagem faz parte do arcabouço sonoro humano – quando 
chora, ri, soluça etc. – que também emite sons impossíveis de determinar, a não 
ser de forma aproximada.
Aqui importa-nos reconhecer que esses sons indeterminados são 
manifestações sonoras que, embora possam realizar-se oralmente, entretanto 
não se escrevem. Assim, haveria uma passagem, mediada pela linguagem, entre 
a criança em seu estágio animal – quando ela ainda não aprendeu uma língua 
particular e participa dessa forma de linguagem comum a outras espécies – e a 
criança cultural, propriamente humana.
Para o nosso estudo basta retomarmos, comparativamente ao homem, um 
dos exemplos citados acerca das expressões sonoras dos animais. Se, ao ditongo 
decrescente “au”, emitido pelos cães, observarmos o animal humano acrescentar 
as consoantes m, n, p, v no início de cada sílaba, chegaríamos a uma série de 
monossílabos de valores distintos: “mau” (m+au), “nau” (n+au), “pau” (p+au), 
“vau” (v+au), ou seja, um adjetivo e três substantivos que não têm qualquer 
significado comum entre si. 
Por isso, Ferdinand de Saussure (2006), pai da linguística moderna, 
anotaria que todo o sentido captado na linguagem humana seria um sentido 
diacrítico, isto é, que só se revela na diferença entre os significantes:
A língua, para Saussure, é um sistema de signos em que um signo se 
define pelos demais signos do conjunto. Por isso, ele desenvolveu o 
conceito de valor, isto é, o sentido de uma unidade, que é definida por 
suas relações com outras da mesma natureza. Em “comer”, o radical 
só tem o seu valor linguístico em relação aos demais radicais da língua 
portuguesa, como o beb- de beber, o viv- de viver etc. (PIETROFORTE, 
2011, p. 83).
Simplificando, para sermos mais didáticos, diríamos que sobre um mesmo 
número de letras do alfabeto, entre a repetição de algumas letras e a modificação 
de outras emergem novos sentidos, assim como, de modo similar, quando uma 
palavra é reposicionada ou alterada de lugar em uma determinada frase, ela 
apanha um novo contexto capaz de promover, também na frase, um sentido novo.
Nessa comparação didática entre a linguagem humana e a dos cães, 
os novos sentidos se dariam entre os diferentes arranjos formados a partir da 
sílaba “au” com os valores diacríticos armados pelas consoantes m, n, p, v, fato 
que nos permitiria uma primeira conclusão: sobre o som repetitivo do animal – 
“au-au” – o homem constrói o que varia – “mau”, “nau”, “pau”, “vau” – e abre 
distintas significações que, para além daquela linguagem indeterminada, fazem a 
linguagem humana se realizar como sistema, ou seja, como uma língua. 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
8
Daí, a pensar com Petter (2011, p. 13), chegaríamos ao “reconhecimento 
de que as línguas naturais, notadamente diversas, são manifestações de algo 
mais geral, a linguagem”, que notadamente se diferenciaria da linguagem 
indeterminada das outras espécies:
Um estudo clássico sobre o sistema de comunicação usado pelas 
abelhas [...] revela que a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de 
alimento, regressa à colmeia e transmite a informação às companheiras 
por meio de dois tipos de dança: [...] se o alimento está próximo, a 
menos de cem metros, a abelha executa uma dança circular; se está 
distante, realiza uma dança em forma de oito. [...] Os dois tipos de 
dança apresentam-se como verdadeiras mensagens que anunciam 
a descoberta para a colmeia [...] e fazem uma importante revelação 
sobre o funcionamento da “linguagem animal”, que permite avaliar 
pelo confronto a singularidade da linguagem humana. [...] O sistema 
de comunicação das abelhas – ou de qualquer outro animal cuja 
forma de comunicação já tenha sido analisada – ele não constitui uma 
linguagem, no sentido em que o termo é empregado quando se trata 
de linguagem humana (PETTER, 2011, p. 15-16).
Dito de outro modo, essa capacidade de promover pequenas variações 
em meio à repetição de certos sons ou sílabas possibilitou ao homem transformar 
parte de sua linguagem em língua. Nesse sentido, podemos dizer que o homem 
tem linguagem própria, assim como se poderia dizer dos outros animais, mas 
só ele possui uma língua, que torna sua comunicação mais complexa e – o que é 
surpreendente – sempre inusitada. 
Nessa linha de pensamento, é espantoso notar que com um número 
limitado de sons e letras, isto é, que na regularidade linguística possa o homem 
ser capaz de, através de pequenas variações morfológicas ou fonéticas, produzir 
infinitos significados:
A mensagem das abelhas não se deixa analisar, decompor em 
elementos menores. É esse último aspecto a característica mais 
marcante que opõe a comunicação das abelhas à linguagem humana. 
Num enunciado linguístico como “Quero água” é possível identificar 
três elementos portadores de significado: quer– (radical verbal) 
+ o– (desinência número-pessoal), água, denominados morfemas. 
Prosseguindo a decomposição, pode-se chegar a elementos menores 
ainda. [...] Essa é a propriedade da articulação, que é fundamental 
na linguagem humana, pois permite produzir uma infinidade de 
mensagens novas a partir de um número limitado de elementos 
sonoros distintivos (PETTER, 2011, p. 16-17).
Nesse ponto de nossa reflexão, em que estamos próximos de uma primeira 
diferença fundamental entre língua e linguagem a partir de um ponto de vista 
filosófico, retomemos a discussão em torno do que seja a capacidade humana de 
articular os sons, fenômeno que ainda não se fez visível entre outras espécies. 
“Os gramáticos antigos, efetivamente, iniciavam seus tratados com a definição de 
voz, da phoné. Distinguiam, primeiramente, da voz confusa (phoné synkechiméne) 
dos animais a voz humana, que é, ao contrário, phoné énarthros, voz articulada” 
(AGAMBEN, 2005, p. 68).
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
9
Esse termo que Agamben filosoficamente anotará como “linguagem 
articulada”, ulteriormente se estabeleceria como gramática. Assim, se pensávamos 
a gramaticalidade como essa forma de expressão sonora que pode não apenas se 
repetir, mas na regularidade variar, a partir de agora, com a distinção entre a 
“voz confusa“ dos animais e a “voz articulada” humana – “phoné engrámmatos” –, 
articulada passará a ser toda expressão que não é apenas falada, mas que, sendo 
falada, pode também ser escrita.
Antes de tudo, deve-se entender o que é articulação. Em latim, a palavra 
articulus significa “parte, subdivisão, membro”. Portanto, quando se diz que uma língua é 
articulada, o que se quer dizer é que as unidades linguísticas são suscetíveis de ser divididas, 
segmentadas, recortadas em unidades menores. Para Martinet, todo enunciado da língua 
articula-se em dois planos. No primeiro, articulam-se as unidades dotadas de sentido. A 
menor dessas unidades é o morfema. [...] Cada morfema pode, por seu turno, articular-se, 
dividir-se em unidades menores desprovidas de sentido. Essas unidadessão os fonemas. O 
morfema lob– pode articular-se nos fonemas / l /, / o / e / b /. Nesse plano as unidades têm 
apenas valor distintivo. Assim, quando se substitui o / l / do morfema lob– por / b / se produz 
um outro radical, bob–, que aparece na palavra bobo. A dupla articulação da linguagem é 
um fator de economia linguística. Com poucas dezenas de fonemas, cujas possibilidades de 
combinação estão longe de serem todas exploradas em cada língua, formam-se milhares de 
unidades de primeira articulação (PIETROFORTE, 2011, p. 91-92).
UNI
Dito de outro modo, a voz articulada, apenas emitida pelo gênero 
humano, é na verdade voz gramatical, enquanto a voz inarticulada dos animais 
é voz confusa, que não pode ser escrita, e eis um dos motivos para o surgimento 
da onomatopeia, ou seja, circunscrever na língua alfabética o que a excede em 
princípio: os grunhidos dos animais, os sons indeterminados do gênero humano.
Mas se questionamos hoje em que consiste este caráter articulado 
da voz humana, vemos que phoné énarthros, vox articulata, significa 
simplesmente phoné engrámmatos, ou seja, na tradução latina, vox quae 
scribi potest ou quae litteris compreendi potest: voz que se pode escrever, 
que se pode compreender, aferrar com as letras (AGAMBEN, 2005, p. 
68).
Assim, ao observarmos essa “voz confusa” ser amarrada à escrita de 
uma onomatopeia, resta claro que ela não se pressupõe ou está necessariamente 
inscrita em tal escrita, senão que é essa mesma escrita que, por um princípio de 
economia linguística inerente à comunicação, emoldura e restringe um fenômeno 
expressivo maior, no qual o que está escrito passa a condicionar o que está 
expresso, ou seja, a condicionar aquilo que migra do som e do ruído àquilo que 
no homem pode ser, mais do que expresso, falado. 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
10
Assim, a transformação dos sons inarticulados em figuras de linguagem, 
como as onomatopeias, ou ainda a transformação desses mesmos sons em uma 
fala que pode ser escrita, isto é, nos “grámmatas”, seria o passo decisivo para a 
posterior estruturação hierárquica, não apenas entre o homem e os animais, mas 
também nas diferenças valorativas que se dariam entre os homens através da 
história.
A gramática tradicional, ao fundamentar sua análise na língua escrita, 
difundiu falsos conceitos sobre a natureza da linguagem. Ao não 
reconhecer a diferença entre língua escrita e língua falada passou a 
considerar a expressão escrita como modelo de correção para toda 
e qualquer forma de expressão linguística. A gramática tradicional 
assumiu desde sua origem um ponto de vista prescritivo, normativo 
em relação à língua (PETTER, 2011, p. 19).
Ora, se atentarmos para o significado do termo “gramatical” ao longo do 
tempo, veremos que dele foi erigido um preconceito secular contra a oralidade, ao 
privilegiar a modalidade escrita sobre a modalidade falada da língua. Entretanto, 
agora sabemos, trata-se de um fenômeno anterior a qualquer perspectiva 
sociopolítica, pois a partir da especulação filosófica foi possível observar a 
gramática, em sua origem, como ponto de diferenciação do homem em relação às 
demais espécies do planeta.
Com isto está de acordo o próprio Darwin, que assim se externa: “A 
linguagem articulada pertence especialmente ao homem, se bem que, 
como os outros animais, possa ele exprimir as suas intenções por 
gritos inarticulados”. [...] Só metaforicamente se pode afirmar que os 
animais possuem linguagem. Os sons que eles emitem não passam 
de ruídos uniformes, designativos dos vários sentimentos de dor, 
espanto, alegria, de que estão possuídos (COUTINHO, 2011, p. 14).
Assim a gramática, muito mais do que marcar distinções entre o que é 
“certo” e o que é “errado”, tal como ficou conhecida por meio das abordagens 
prescritivas tradicionais, pretendeu antes marcar uma distinção singular entre o 
animal-homem e o animal-animal. Destarte o humano, cuja linguagem comporta 
uma língua, pôde distanciar-se cada vez mais da natureza, a qual, em sua 
limitação, embora possua linguagens animais diversas, não possui nenhuma 
língua sistemática. 
Uma primeira consequência dessa perspectiva é que todo ser incapaz de 
articular uma “língua” poderia ser tratado como coisa, tal como se deu com os 
animais alienados em suas formas “rudimentares” de linguagem. Dessa asserção 
decorre outra que está na raiz do que se chamará de preconceito linguístico – 
temática que será aprofundada na segunda unidade do livro didático –, a saber: 
o homem que, como um animal, baseia sua expressão na oralidade, geralmente 
na oralidade de uma fala “incorreta”, “normativamente pouco gramatical”, este 
“exemplar humano” a um animal se assemelharia. 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
11
Como se vê, estamos a um passo de justificar os tratamentos dados a 
pessoas menos favorecidas socialmente e tratadas como “animais”, tal como foi 
perpetrado por séculos de escravidão:
Ela deve ser sempre invocada como sinal distintivo do ser humano: 
“É a faculdade da linguagem articulada que se deve invocar, de modo 
definitivo, para distinguir o homem dos seus irmãos inferiores”. Onde 
quer que ele se encontre, em estado selvagem ou civilizado, revela 
sempre o conhecimento de um sistema especial de sinais articulados, 
o que importa dizer, usa uma linguagem própria (COUTINHO, 2011, 
p. 14).
Entretanto, se a escravidão encontrou historicamente o seu fim, o 
preconceito a ela ligado permaneceria nas línguas como marcas de distinção 
hierárquica – dadas por meio de regras e usos de linguagem que se mantêm 
segmentados conforme os estratos sociais de cada cultura – entre os homens 
de valor e o que seria uma subespécie de homens inferiores. Nesse sentido, os 
estudos linguísticos a partir de Saussure revelariam que as motivações inerentes 
aos usos e regras espontâneas da comunicação cederam lugar à imposição dos 
valores de determinados grupos sociais de maior prestígio. 
Assim, se a partir de um ponto de vista especulativo pudemos investigar o 
surgimento da gramática como um expediente capaz de amarrar sons articulados 
às letras e à escrita alfabética, se pudemos distinguir, na linguagem, o humano 
do não humano ao diferenciar a língua (linguagem especificamente humana) de 
outras formas de linguagem (humana e animal), daí não decorreu uma progressão 
dos estudos filosóficos em direção à sistematização dos usos concretos em que a 
gramática aparecesse sob o ponto de vista da regularidade.
Entretanto, se tais fenômenos ainda têm ocorrência e se essa ocorrência se 
dá por razões não mais filosóficas, mas devido à imposição de uma abordagem 
única, tradicional e sem ancoragem científica – por abordagem científica da 
língua, leia-se Linguística, disciplina conceituada como ciência da linguagem – 
foi devido a razões sociopolíticas, pela imposição de uma abordagem tradicional 
de gramática que caracterizaria as perspectivas normativas de língua:
Começou-se por fazer o que se chamava de “Gramática”. Esse estudo, 
inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente pelos franceses, 
é baseado na lógica e está desprovido de qualquer visão científica e 
desinteressada da própria língua; visa unicamente a formular regras 
para distinguir as formas corretas das incorretas; é uma disciplina 
normativa, muito afastada da pura observação e cujo ponto de vista é 
forçosamente estreito (SAUSSURE, 2006, p. 7).
 Dessa forma, se a história da língua não seguiu o curso esperado da 
filosofia à ciência, mas da filosofia à política, é porque havia uma forma de política 
que demarcava hierarquicamente diferenças entre as espécies como meio de 
justificar os usos de umas pelas outras, mais especificamente o uso dos animais, 
vistos como “coisas” ou “res extensa”, pelos humanos. 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
12
FIGURA 2 – HOMEM VERSUS ANIMAL
FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/2d/18/03/2d1803d4a3923e6a2c0fe5ed09736c47.jpg>. 
Acesso em: 31 ago. 2017.
Os homens, qualificados enquanto animais especiais,alçariam a condição 
de “pessoas”, isto é, de sujeitos dotados de alma e não apenas de linguagem 
corporal, portanto de algo mais elevado, complexo, abstrato, quer dizer: seres 
dotados de uma língua.
Descartes, filósofo da Idade Moderna, consagrou essa diferença hierárquica 
entre a “res cogitans” – substância pensante, sujeito ou espírito – e o seu contrário, a “res 
extensa”, coisa extensa, corpo ou matéria, substância que não pensa. O atributo principal 
dos corpos seria a extensão, ou seja, estar no espaço em seus modos de quantidade, forma 
e movimento. Em razão disso, os corpos estariam submetidos à quantidade e poderiam 
ser quantificados. Os seres humanos, possuidores de mentes, “res cogitans”, portanto não 
sendo pura extensão, se oporiam aos animais, seres de pura extensão, que apenas possuem 
corpos, “res extensa”, consequentemente aptos a serem tratados como meras coisas a 
serviço do ser humano.
NOTA
Após essa breve incursão, apoiada sobre um ponto de vista da filosofia 
contemporânea, observamos como Agamben – ao partir das asserções filosóficas 
de Aristóteles acerca da existência humana dentro e fora da linguagem, nas quais 
o pensador grego estabeleceu distinções entre a “voz inarticulada ou confusa” dos 
animais e a “voz articulada” dos seres humanos – pôde auxiliar-nos a estabelecer 
uma primeira distinção, fundamental, entre língua e linguagem.
A língua, nesse sentido, em sendo um dos atributos da linguagem, 
e mesmo a ela pertencendo, de certo modo a supera na medida em que, ao 
caracterizar o que é mais próprio do humano, confere a esse homem um valor de 
superioridade em relação aos demais animais, desde então vistos como coisas. 
Como diria Descartes, pai do subjetivismo filosófico: o pensamento, isto é, a 
linguagem precede a existência.
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
13
A partir de agora, migraremos para um ponto de vista mais próprio à 
ciência, linguístico, buscando situar a língua como forma convencional de 
linguagem, para além de um diferencial entre o homem e os demais seres: “poder-
se-ia dizer que não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de 
constituir uma língua, vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes 
a ideias distintas” (SAUSSURE, 2006, p. 18).
Assim, ao observarmos o comportamento da língua em sociedade, cujos 
vetores sociopolíticos passam a ser determinantes, ver-se-á notória a imposição 
dos valores de um determinado grupo social sobre outros de menor poder 
econômico. Em razão disso, os modos de linguagem pertinentes aos contextos 
de uso, que em princípio possuem uma eficácia gramatical própria, ver-se-iam 
historicamente afetados pela imposição de uma norma gramatical padronizadora 
e de ordem prescritiva.
3 NORMA: ADEQUAÇÃO AO CONTEXTO OU À LÍNGUA 
DO REI?
Ainda que de passagem, observamos no item anterior a aparição de uma 
abordagem normativa da língua que, embora tivesse sua origem situada nas 
distinções hierárquicas entre a linguagem inarticulada do animal e a linguagem 
articulada do ser humano, continuou a se expandir em sociedade na medida 
em que manteve graus semelhantes de distinção, agora não mais entre seres de 
espécies diferentes, mas entre homens de classes sociais e de níveis hierárquicos 
distintos:
No grupo que se mantinha diretamente em torno do poder, formada 
a golpes de decisões dogmáticas, depurada rapidamente de todos os 
procedimentos gramaticais que tinham podido ser elaborados pela 
subjetividade espontânea do homem popular, e erigida, ao contrário, 
num trabalho de definição, a escrita burguesa foi inicialmente dada, 
com o cinismo habitual dos primeiros triunfos políticos, como a língua 
de uma classe minoritária e privilegiada (BARTHES, 2004, p. 49).
Essa dimensão histórica, observou-a Saussure (2006, p. 7), para quem o 
estudo gramatical fora “inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente 
pelos franceses [...] e visava unicamente a formular regras para distinguir as 
formas corretas das incorretas”. 
À medida que as sociedades se desenvolviam e tornavam-se mais 
complexas, embora houvesse condições para uma maior assimilação dos avanços 
linguísticos, tais avanços, comuns em outras ciências, entretanto não ocorriam no 
território da língua, no qual persistiu a tentativa de grupos sociais de maior poder 
em preservar traços linguísticos que os opõem e os diferenciam aos grupos por 
eles considerados inferiores.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
14
Assim, através do tempo – como no período de ascensão burguesa na 
França do século XVII – é possível notar a permanência da imposição do poder 
do maior sobre o menor, que reverberaria, para além do plano social e político, 
para o plano da linguagem:
Essas duas histórias se associam e mantêm relações recíprocas. [...] 
Os costumes duma nação têm repercussão na língua e, por outro 
lado, é em grande parte a língua que constitui a Nação. Em segundo 
lugar, cumpre mencionar as relações existentes entre a língua e a 
história política. Grandes acontecimentos históricos, como a conquista 
romana, tiveram importância incalculável no tocante a inúmeros fatos 
linguísticos (SAUSSURE, 2006, p. 29).
Tratar-se-ia de uma forma de continuidade das relações desiguais 
observadas originalmente entre o homem e os animais, que migraria para as 
desigualdades sociais entre os próprios seres humanos. Assim, como anotou 
Barthes (2004), os procedimentos gramaticais espontâneos, que atendiam à 
subjetividade popular, ver-se-iam substituídos, ou mesmo contidos, por uma 
ordem de procedimentos gramaticais – quer dizer: um conjunto de regras a ser 
partilhado e seguido – notadamente mais próximos às esferas do poder.
FIGURA 3 – CASTELO DE VERSAILLES – SÍMBOLO DE NOBREZA E SUPERIORIDADE
DA ELITE FRANCESA DO SÉC. XVII
FONTE: <http://www.richesheures.net/epoque-16-18/chateau/78/versailles/versailles-v03.jpg>. 
Acesso em: 1 maio 2017.
Assim, um conjunto de regras e procedimentos linguísticos, impostos de 
cima para baixo, formaria a base do que viria a ser a norma gramatical tradicional, 
cujo intento seria não apenas evitar as modificações inerentes à própria língua – 
que modifica-se e evolui de diversas formas: no tempo, nos estratos sociais, nos 
registros formal ou informal, em regiões geográficas distintas –, como também 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
15
corrigi-las e apontá-las como erro, desvio, falha. “Existe uma regra de ouro da 
Linguística que diz: ‘só existe língua se houver seres humanos que a falem’. 
E como o velho e bom Aristóteles nos ensina que o ser humano ‘é um animal 
político’. [...] chegamos à conclusão de que ‘tratar da língua é tratar de um tema 
político’” (BAGNO, 1999, p. 9).
Destarte, as diversas variações linguísticas que ocorrem espontaneamente 
na fala dos usuários de uma determinada comunidade linguística seriam 
obstaculizadas pela modalidade escrita da língua – admitida enquanto forma 
clássica ou culta de linguagem – e doravante convertida em lugar ideal para a 
estabilização das desigualdades inerentes às instâncias sociais e políticas.
Em 1647, Vaugelas recomenda a escrita clássica como um estado de 
fato, não de direito; a clareza ainda não é senão um uso da corte. Em 
1660, ao contrário, na gramática de Port-Royal, por exemplo, a língua 
clássica vem revestida das características do universal, a clareza se 
torna um valor. [...] A autoridade política, o dogmatismo do Espírito e 
a unidade da linguagem clássica são portanto as figuras de um mesmo 
movimento histórico (BARTHES, 2004, p. 50).
A Gramática de Port-Royal refere-se à publicação de um conjunto de 
fundamentos da arte de falar de modo claro e racional, que surgiu na França do século XVII 
em uma região associada ao monastério jansenista de Port-Royal-des-Champs. Influenciados 
pela filosofia de René Descartes, os seus criadores preocupavam-se com uma abordagem 
lógica da linguagem, na qual prevalecessem fatores linguísticos universais, como a clareza 
e a coerência. Nesse sentido, a gramática de Port-Royalse opõe à ideia de “bom uso” da 
linguagem associado aos falares da corte francesa, tal como era preconizado por Claude 
Vaugelas.
NOTA
Entretanto, para melhor nos debruçarmos sobre tal fenômeno, faz-se 
necessário deslocar o olhar não mais para observar o comportamento da língua 
em seu funcionamento atual – eixo da sincronia, a dizer com Saussure (2006) –, 
mas na direção que põe em destaque as modificações e os contextos nos quais as 
línguas sofrem modificações ao longo do tempo – eixo da diacronia. 
Neste caso, passamos a aderir aos estudos linguísticos desde um ponto 
de vista histórico, por meio do qual é possível capturar as motivações sociais 
que levaram à eleição de uma variedade normativa de língua em detrimento de 
outras variedades possíveis, e assim buscar compreender como se deu o embate 
e a substituição dos saberes linguísticos que evoluíam desde os questionamentos 
filosóficos da Grécia antiga até a imposição de uma normatização clássica, tal 
como observada na corte francesa.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
16
Assim, será possível entender a recusa dos saberes de uma gramática 
especulativa e racional, como a realizada por Port-Royal na França, em nome de 
uma dimensão simultaneamente mítica e política da história, na qual Vaugelas, 
membro da aristocracia francesa, pôde afirmar que a língua falada pelo rei seria, 
ela própria, a língua de Deus na França. Ora, se o rei era a lei, esse poder ao mesmo 
tempo terreno e divino seria capaz de conferir à variedade da língua francesa 
falada na corte uma espécie de elevação, cujos usos e modulações caberiam ao 
vulgo imitar.
O Rei Sol, ou “Le Roi Soleil”, foi como o rei Louis XIV se autoproclamou ao 
governar a França do século XVII. Como monarca absolutista, ele detinha todos os poderes 
do Estado, poderes que, para ele, provinham de um direito divino, de ele ser o representante 
direto de Deus sobre a França. Em sua megalomania, pretendeu igualar-se ao astro rei, 
tornando o Sol seu símbolo e emblema. Destarte, assim como os seres sobre a Terra se 
guiavam pela luz solar, os franceses deveriam guiar-se por seu rei, imitando não apenas 
os seus modos nobres de existência, que deveriam ser públicos: acordar, vestir-se, fazer 
refeições etc., como também os seus usos de linguagem. Sua obra mais notória foi a 
construção de Versailles, um suntuoso castelo situado nos arredores de Paris, e que hoje 
em dia abriga um dos maiores museus históricos e de arte da Europa.
NOTA
De modo completamente diverso, a linguística moderna retomaria, com 
Saussure, o debate científico contra essa espécie de estreiteza dos usos sociais da 
linguagem, que desde a Idade Antiga buscou substituir as regras espontâneas da 
comunicação e da interação social, expressivas para determinadas populações e 
adequadas aos contextos de uso, por certos usos da linguagem, muitas vezes não 
tão lógicos, mais próprios às classes de maior prestígio sociocultural.
3.1 NORMA: ENTRE A LÍNGUA E A FALA
Para pensarmos a língua em sua natureza social – e, posteriormente, 
observarmos sua evolução para o conceito de norma – cabe antes perguntar, em 
um sentido estritamente humano: o que vem a ser propriamente uma língua? 
Dirá Saussure (2006, p. 17):
Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte 
determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, 
um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de 
convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o 
exercício dessa faculdade nos indivíduos.
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
17
Ao admitirmos, com o linguista suíço, a natureza convencional da 
linguagem, é admitir que a língua não existe por si só, que é um sistema de signos 
posto em movimento por um determinado indivíduo quando este indivíduo 
fala. Se quisermos resumir, diríamos que quando dois indivíduos conseguem 
comunicar-se – por exemplo, em um telefonema entre um cidadão português e 
um brasileiro – é porque, apesar de falarem de modos diferentes, utilizam um 
sistema em comum, ou seja, uma mesma língua – a língua portuguesa, nesse caso.
Assim, a especificidade da linguagem humana – que doravante 
denominaremos apenas “língua” – é pensada não como língua ou fala 
alternativamente, mas simultaneamente, e embora elas operem juntas, suas 
naturezas permanecem opostas: a língua, de natureza coletiva e social; a fala, de 
natureza particular e individual:
Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas 
em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui 
a língua. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala 
em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um 
sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais 
exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua 
não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo 
completo (SAUSSURE, 2006, p. 21).
Importou-nos introduzir essa primeira dicotomia saussuriana para 
explorarmos a ideia de norma gramatical, situando-a a partir da distinção 
original, formulada por Saussure, que compreende os estudos linguísticos 
segundo polaridades – língua/fala, dentre outras – que faz situar a língua, 
enquanto sistema de signos, em relação à execução desse mesmo sistema por um 
determinado indivíduo, isto é, em relação à fala. 
Nesses termos, de onde surge e em que consiste a ideia de norma? Foi 
o linguista Eugene Coseriu que reformulou a dicotomia saussuriana língua/fala 
ao observar que os indivíduos não realizam propriamente uma fala individual 
a partir de um sistema maior chamado língua, mas individualizam um sistema 
menor da língua, uma espécie de subsistema também falado por um grupo mais 
próximo, no qual o próprio indivíduo está inserido:
Os diferentes sotaques, o uso de vocabulários próprios de alguns 
grupos sociais, a presença ou não de concordâncias verbais e nominais 
etc., caracterizam modos de realização linguística que não são 
próprios nem de um só indivíduo nem de todos os falantes de uma 
língua, mas caracterizam variantes linguísticas de uma mesma língua 
(PIETROFORTE, 2011, p. 92).
Observa-se – ainda no exemplo do telefonema entre um português e um 
brasileiro – que se o português perguntasse: “estás a fazer o teu trabalho?”, o 
brasileiro, ao invés de utilizar uma estrutura sintática semelhante, com o verbo 
auxiliar seguido do infinitivo do verbo principal: “sim, estou a fazer”, responderia, 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
18
entretanto conforme a norma sintática do português brasileiro – que, no caso 
presente, consiste no emprego de verbo auxiliar seguido do gerúndio do verbo 
principal – ele provavelmente diria: “sim, estou fazendo”.
Nesse exemplo aparece um tipo de variante regional da língua. Assim, 
quando um usuário brasileiro vai ao sistema “Língua Portuguesa”, ele não acessa 
diretamente a língua portuguesa como um todo, mas a “norma regional” dessa 
mesma língua, a praticada no Brasil, que consistiu, no caso visto anteriormente, 
do emprego do gerúndio e não do infinitivo após o verbo auxiliar, tal como 
ocorreria de modo oposto se o usuário em questão fosse um cidadão português. 
Portanto, antes de acessar propriamente a língua portuguesa, o usuário acessa a 
norma de seu grupo local, realizando-a, em seguida, enquanto fala individual.
Tais eventos gramaticais se dão não apenas no plano sintático, morfológico 
ou fonológico, mas em diversas ocorrências da língua em situação de uso: 
O que Coseriu chama língua é o sistema articulado com suas normas, 
ou seja, com suas variantes linguísticas. Assim, o conceito de língua, 
para Coseriu, abrange o sistema, que é do domínio de todos os falantes 
de uma mesma língua, e as normas, que, como variantes desse sistema, 
são do domínio dos grupos sociais, regionais etc. (PIETROFORTE, 
2011, p. 92).
Cabe considerar, para Coseriu (1980), que a estratificação da língua se dá 
em quatro tipos de variantes: as variantes diacrônicas, que apontam as diferenças 
linguísticasao longo do tempo e verificáveis nos linguajares de faixas etárias 
distintas; as variantes diatópicas, que distinguem os usos regionais da mesma 
língua; as variantes diafásicas, que concernem aos usos formais ou informais da 
língua; e as variantes diastráticas, que referem-se aos usos de diferentes grupos 
sociais de falantes, tal como observamos no embate entre a variante “nobre” da 
língua praticada em Versailles e as demais variantes em uso na França da época.
Destarte, a dicotomia Língua/Fala, inicialmente verificada por Saussure, 
passa a ser efetivamente realizada, no dizer de Coseriu, na tricotomia Língua/
Norma/Fala: “Coseriu propõe que a dicotomia língua e fala seja redefinida para 
sistema versus norma versus fala, de modo que as variantes linguísticas sejam 
descritas nos domínios da norma. Na tríade proposta por Coseriu, a fala continua 
da ordem do individual, mas o conceito de língua é modificado” (PIETROFORTE, 
2011, p. 92).
Dessa forma, as variantes diastráticas que mais interessam à presente 
análise ligam-se à estratificação social, marcando diferenças culturais dentro de 
uma mesma comunidade linguística, que conformará distintos tipos de norma: 
em um primeiro nível hierárquico, a norma culta, mais próxima à escrita e que 
está baseada na variante linguística de maior prestígio sociocultural, por exemplo, 
no uso do verbo haver em lugar do verbo ter na sentença: “Há menos cadeiras na 
sala”.
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
19
Em segundo nível hierárquico, a norma coloquial reporta-se aos falares 
espontâneos da classe média escolarizada, cujos desvios variam conforme a 
situação de uso, como na substituição, no mesmo exemplo, do verbo haver pelo 
verbo ter: “Têm menos cadeiras na sala”. 
Por último, em nível hierárquico inferior, a norma vulgar ou popular, 
ligada às classes populares não escolarizadas ou semiescolarizadas, na qual se 
observam desvios expressivos em relação à norma padrão a ponto de serem 
caracterizados como “erro” gramatical, tal como na concordância inadequada 
entre o advérbio “menos”, aqui tratado como adjetivo, e o substantivo “cadeiras” 
em: “Têm menas cadeiras na sala”.
Ora, entre as primeiras intuições gregas acerca do funcionamento da 
linguagem, e suas consequentes especulações filosóficas, até as formulações de 
caráter científico da linguística moderna em Saussure, passou-se por um longo 
período de submissão da objetividade do saber às imposições sociopolíticas das 
classes sociais abastadas. 
É o que se verificou no estabelecimento da norma padrão clássica na corte 
do rei Luis XIV na França do sec. XVII, recorte histórico que tornou possível 
observar como um padrão dominador de uso da língua migra da esfera do 
humano/animal para a esfera do homem bem-sucedido para o malsucedido 
socialmente.
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
20
LEITURA COMPLEMENTAR
NASCIMENTO DA GRAMÁTICA
É por esse ângulo que devemos observar o milenar processo de reflexão 
sobre a linguagem que levou ao nascimento da gramática e da lógica e à construção 
da língua. Estamos acostumados desde sempre a considerar a linguagem humana 
como linguagem “articulada”. Mas o que significa “articulado”? Articulado, 
articulatus, é a tradução latina do termo grego énarthros, que pertence ao vocabulário 
técnico da reflexão estoica sobre a linguagem, que influenciou profundamente 
os gramáticos antigos. Os gramáticos antigos, efetivamente, iniciavam seus 
tratados com a definição de voz, da phoné. Distinguiam, primeiramente, da voz 
confusa (phoné synkechiméne) dos animais a voz humana, que é, ao contrário, 
phoné énarthros, voz articulada. Mas se questionamos hoje em que consiste este 
caráter articulado da voz humana, vemos que phoné énarthros, vox articulata, 
significa simplesmente phoné engrámmatos, ou seja, na tradução latina, vox quae 
scribi potest ou quae litteris compreendi potest: voz que se pode escrever, que se pode 
compreender, aferrar com as letras. A voz confusa é aquela, “inescrivível”, dos 
animais (equorum hinnitus, rabies canum, rugitus ferarum) ou então aquela parte da 
voz humana que não se pode escrever, como o assovio, o riso, o soluço (utputa oris 
risus vel sibilatus, pectoris mugitus et cetera tália).
A voz articulada não é, portanto, nada além de phoné engrámmatos, a voz 
que foi transcrita e compreendida nas letras. Aqui podemos captar a incidência 
fundamental da escrita alfabética sobre nossa cultura e sobre a concepção da 
linguagem. Somente a escrita alfabética pode, efetivamente, criar a ilusão de ter 
capturado a voz, de tê-la compreendido e inscrito nos grámmata. Para dar conta 
plenamente da importância fundadora desta “captura” da voz, graças à escrita 
alfabética, devemos liberar-nos da representação ingênua, e todavia tão comum, 
segundo a qual as letras, os grámmata, estariam verdadeiramente na voz como 
elementos seus, como stoicheía, assim como o número estaria realmente nas coisas 
(pense-se na proximidade, na Grécia, entre escritura alfabética e matemática, 
entre reflexão gramatical e reflexão geométrico-matemática). O desenvolvimento 
da fonética e o impasse ao qual ela chegou em sua tentativa de captar os sons 
da palavra no seu aspecto articulatório e acústico são, deste ponto de vista, 
particularmente instrutivos. Um filme realizado pelo foneticista alemão Paul 
Menzerath mostra como é impossível descobrir qualquer sucessão e qualquer 
subdivisão no ato da fala, que do ponto de vista articulatório, apresenta-se como 
um movimento ininterrupto, no qual os sons não se sucedem, mas entremeiam-
se mutuamente. Mesmo uma análise rigorosamente acústica revela em cada som 
da fala uma tal quantidade de particularidades que se torna impossível ordená-la 
em um sistema.
Justamente a tomada de consciência da impossibilidade de reter, de capturar 
os sons da linguagem, do ponto de vista articulatório ou acústico, possibilitou o 
nascimento da fonologia, ou melhor, a desencarnação da língua a partir da voz e 
TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA
21
a ruptura do vínculo entre língua e voz que permanecera inquestionável desde o 
pensamento estoico até a fonética dos neogramáticos. Com a consumação desta 
ruptura torna-se evidente a radical autonomia da língua no que diz respeito à 
voz e ao ato concreto de fala (retomando um jogo de palavras de Bréal, seria 
possível dar uma etimologia fantástica do termo “fonologia”, vislumbrando aí 
um assassínio – em grego: phonos – da palavra). Justamente por isso, a saber, que 
rompeu a relação originária com a voz, deve agora procurar para si um outro 
lugar, e é o que faz reportando-se a uma estrutura incônscia, a um inconsciente, 
ou seja, a um saber que não se sabe, a um saber sem sujeito. Os fonemas da 
fonologia, a estrutura de Lévi-Strauss, a gramática gerativa de Chomsky, situam-
se todos no inconsciente. Enquanto a ciência clássica, de Descartes até o século 
XIX, colocava o logos, isto é, o mediador entre Homo sapiens e Homo loquens, em 
um Eu, em uma consciência que não era mais que o sujeito da linguagem, hoje 
em dia a ciência não tem mais necessidade deste sujeito e prefere situar o logos 
no inconsciente, em um saber oculto, que não se sabe. Permanece, contudo, o fato 
de que este inconsciente, não importa como seja caracterizado, é um logos no seu 
aspecto lógico de língua, no caso da fonologia e do inconsciente lévi-straussiano, 
pura estrutura matemático-diferencial, ou logos no seu aspecto de fala, como no 
caso da psicanálise. 
FONTE: AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. 
Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 68-70.
22
Neste tópico, você viu que:
• As relações que se estabelecem entre língua e linguagem podem ser observadas 
de diversas maneiras, dentre as quais destacamos os pontos de vista filosófico, 
linguístico, histórico e político, que demonstram não haver uma verdade única 
acerca dos domínios da linguagem. 
• De um ponto de vista filosófico, a língua é compreendidacomo uma 
propriedade exclusivamente humana, decorrente de uma atividade expressiva 
e comunicativa maior – a linguagem – comum tanto ao homem quanto aos 
demais animais. 
• A língua, enquanto modalidade humana de linguagem, é apreendida 
simultaneamente na variação e na regularidade. Assim, a voz confusa do animal 
passa a adquirir, na linguagem especificamente humana, uma gramática que 
regula um fenômeno linguístico indeterminado na determinação alfabética da 
oralidade e da escrita.
• A tomada de consciência de uma gramática surge com a possibilidade 
de capturar os sons da voz animal inarticulada, que só o homem é capaz 
de delimitar através de uma fala e de uma escrita que, do ponto de vista 
articulatório, possibilitou o nascimento da fonologia a partir da ruptura do 
vínculo entre a voz articulada (fala) e a voz confusa ou inarticulada (urros, 
gemidos, uivos etc.).
• As diferenças presentes na linguagem, que originalmente marcaram uma 
hierarquia entre o homem, ser capaz de língua, e os demais animais, 
permaneceria – ao refletirmos a língua sob um prisma histórico e político – 
na sociedade humana por meio de variedades da língua mais privilegiadas 
do que outras, conforme elas estivessem mais ou menos próximas às classes 
sociais melhor posicionadas socioeconomicamente.
• A variedade da língua culta ou padrão, desde um ponto de vista histórico, 
como na França do século XVII, não é aquela que tem maior lógica, coerência 
ou saber, mas sim a praticada pela nobreza que circundava o rei, cuja voz 
considerava-se consagrada por um poder divino.
• Caberia à Linguística, enquanto ciência da língua, desmistificar os aspectos 
míticos da linguagem, demonstrando que a língua dita “elevada” é apenas 
uma das variedades possíveis de uma língua, eleita entre outras variedades, 
também válidas, em uma determinada comunidade linguística.
RESUMO DO TÓPICO 1
23
• Segundo a linguística moderna, as variedades da língua não são captadas 
diretamente entre a língua (sistema autônomo) e a fala (concretização 
individual da língua), mas a partir do tripé “língua/norma/fala”, no qual o 
falante, ao concretizar sua expressão, a faz segundo a norma adequada ao 
contexto de uso: formal, informal, familiar, público etc.
• A ciência linguística alarga as noções dogmáticas e estereotipadas do senso 
comum, fundamentando-as com dados objetivos dos estudos da linguagem, 
que validam o discurso acadêmico e repercutem, inclusive, no ensino de língua 
materna e na postura metodológica dos professores em sala de aula.
24
1 A tese filosófica de origem da gramática assenta-se na distinção 
aristotélica da “voz articulada” do ser humano – isto é, língua 
– e a “voz confusa” do ______. Gramatical, nesse sentido, 
seria aquela voz que, por ser articulada, pode ser escrita. 
Assim, enquanto os animais “relincham”, “urram”, “latem”, 
o homem “______ ”. Nesse sentido, pode-se dizer que tanto o homem como 
o animal têm _______, mas só o homem fala uma ______.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) animal – chora – linguagem – língua 
b) ( ) ser – fala – língua – linguagem 
c) ( ) animal – fala – linguagem – língua
d) ( ) ser – chora – língua - linguagem
2 O linguista romeno Eugenio Coseriu atualizou a dicotomia 
saussuriana Língua/Fala ao observar que os falantes não 
internalizam diretamente uma língua, mas o modo como essa 
mesma língua é usada pelo grupo social mais próximo do 
falante. Assim, o esquema de Saussure seria transformado em 
Língua/Norma/Fala. É o caso quando observamos uma mesma língua falada 
em distintas regiões geográficas, por exemplo, quando um usuário da língua 
portuguesa nascido em Florianópolis/SC – conhecido como “manezinho” – 
interpreta a seu modo a sentença da Língua Portuguesa “se tu o dizes”, que 
segundo a variedade da língua portuguesa dos “manezinhos”, transformar-
se-ia em “se tu dix”, expressão adequada ao plano informal da oralidade, 
já que consiste em uma variedade linguística diatópica, isto é, geográfica. A 
partir dessa reflexão, é correto afirmar:
a) ( ) Que a existência de diversas formas geográficas de variar uma mesma 
língua revelaria a falta de cultura de um povo.
b) ( ) Que a norma-padrão é a única válida, mesmo na expressão oral de uma 
comunidade linguística.
c) ( ) Que a norma-padrão, por ser considerada a variedade da língua de 
maior prestígio social, é a única correta do ponto de vista da Linguística.
d) ( ) Que as normas são variações da língua aceitáveis quando utilizadas 
adequadamente ao contexto de uso.
AUTOATIVIDADE
25
3 No percurso histórico das abordagens prescritivas das 
línguas, o aristocrata francês Claude Vaugelas destacou-se ao 
publicar “Observações sobre a língua francesa, úteis àqueles 
que querem falar e escrever bem”, indicando a variedade 
linguística que deveria ser cultivada pelos franceses. Para ele, 
falar bem seria falar como o rei Luis XIV em 1647, época em que se acreditava 
que o rei tinha origem divina, portanto falar a língua do rei era como falar 
a língua de Deus. Considerando a variedade da língua falada pelo rei como 
norma-padrão, e a variedade da língua falada concretamente pelo povo 
francês como norma-popular, associe os itens, utilizando o código a seguir:
I- Norma-padrão
II- Norma-popular
( ) Forma desprestigiada de uma língua, embora linguisticamente tal 
desprestígio não se sustente objetivamente.
( ) Forma da língua considerada como depositária do verdadeiro saber e do 
valor de um povo.
( ) Tipo de norma cultivada ao longo da história pelas classes sociais nobres 
ou mais abastadas.
( ) Forma mais livre da língua, em geral falada por pessoas com baixo grau de 
escolaridade.
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) I – II – I – II. 
b) ( ) II – I – I – II. 
c) ( ) I – II – I – I. 
d) ( ) II – II – I – II.
26
27
TÓPICO 2
CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
UNIDADE 1
1 INTRODUÇÃO
Em épocas remotas, anteriores ao nascimento de Cristo até meados do 
século XIX – em pensadores como Aristóteles na Antiguidade, Santo Agostinho no 
período medieval, René Descartes na Idade Moderna, Isaac Newton no séc. XVII 
–, havia a certeza, partilhada tanto por pensadores quanto pelo senso comum, de 
que alguns seres vivos poderiam nascer espontaneamente e não exclusivamente 
a partir de outros existentes.
De fato, Aristóteles acreditava que a vida podia ser gerada espontaneamente 
pela ação de um princípio ativo que, em contato com a matéria, seria capaz de 
produzir vida. Por esse motivo, tal teoria foi batizada de “abiogênese” e seu 
escopo serviu para justificar o aparecimento de novas espécies no planeta, 
permanecendo válida por muitos séculos.
autoativida
de
Alguns médicos partilhavam da tese da abiogênese. Van Helmont (1579-1644) 
a comprovou em um experimento no qual colocou uma camisa suja embebecida em suor e 
misturada com germe de trigo, em seguida fechada em uma gaveta. Resultado: antes de completar 
um mês do experimento, nasceram “espontaneamente” vários camundongos. Estava comprovada 
a hipótese de Aristóteles, segundo a qual o suor teria agido como um princípio ativo que resultara 
na vida dos camundongos. Mas, essa hipótese ainda teria algum fundamento nos dias de hoje?
Ora, é bem plausível que nós e você, caro acadêmico, enquanto habitantes 
do século XXI, não mais acreditemos na validade de tais experiências – houve 
outras além da de Van Helmont –, pois sabemos que sua veracidade foi há muito 
anulada pelo desenvolvimento das ciências com seus métodos de verificação 
mais precisos, que pôs abaixo qualquer relevância científica para a hipótese da 
abiogênese, inclusive para o senso comum. 
Ao nos referirmos ao senso comum, queremos com isso afirmar que, uma 
vez que aspectos de algum fenômeno sejam demonstrados ou verificados pela 
objetividade científica, de pronto não só o homem de conhecimento acadêmico, 
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
28
mas a pessoa mais simples, ou de baixo graude escolarização, passa a não mais 
crer em hipóteses refutadas, como na antiga tese da geração espontânea de vida. 
Fato curioso, entretanto, é que o mesmo fenômeno não ocorre tão 
facilmente nos domínios da linguagem: “na vida dos indivíduos e das sociedades, 
a linguagem constitui fator mais importante que qualquer outro; [...] mas – 
consequência paradoxal do interesse que suscita – não há domínio onde tenham 
germinado ideias tão absurdas, preconceitos, miragens, ficções” (SAUSSURE, 
2006, p. 17).
De fato, a ciência linguística atravessa décadas e décadas comprovando 
a eficácia dos variados usos das línguas, dos dialetos, das variantes das línguas, 
que, de modo geral, realizam com eficácia o processo comunicativo. Entretanto, 
se perguntássemos hoje, em pleno século XXI, a algum usuário de língua 
portuguesa, se a expressão comunicativa “nós vai com vocês” comunica seu 
sentido, as respostas poderiam até variar, mas provavelmente escutaríamos: 
“Que gente burra! O certo é dizer ‘nós vamos’, e não ‘nós vai’”.
Quanto a esse preconceito secular, ao dogmatismo, à ignorância implícita 
em tais pontos de vista, reagiria Saussure (2006, p. 7), ainda em pleno século 
XIX: “a tarefa do linguista, porém, é, antes de tudo, denunciá-los e dissipá-los tão 
completamente quanto possível”.
2 ABORDAGEM NORMATIVA VERSUS ABORDAGEM 
DESCRITIVA
Compreendia Saussure que a ciência linguística deveria desempenhar 
um papel social esclarecedor ao distinguir e fundamentar, por um lado, o que 
seria uma visão normativa da língua, de caráter prescritivo e condicionada 
por determinantes históricos, políticos e socioculturais, e, por outro lado, uma 
abordagem descritiva da língua, mais próxima à objetividade científica e, dessa 
forma, encarregada de substituir as situações comunicacionais estigmatizadas 
em “certo” ou “errado” pela adequação ao contexto interativo e de comunicação.
Duas abordagens, duas formas distintas de lidar com o fenômeno da 
linguagem humana. Na abordagem normativa – para alguns a única conhecida 
e, muitas vezes, a única aceita como a verdadeira – observa-se uma valorização 
excessiva do cumprimento de regras e normas em detrimento da liberdade 
combinatória e expressiva dos usuários de uma determinada comunidade 
linguística: 
A visão prescritiva da linguagem não admite mais de uma forma 
correta, nem aceita a possibilidade de escolha, que uma forma seja 
mais adequada para um uso do que para outro, como seria o caso de 
uma expressão mais apropriada à língua escrita do que à falada, ao 
uso coloquial do que a uma situação formal de comunicação (PETTER, 
2011, p. 21).
TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM
29
Ao aproximar-se da modalidade escrita da língua, os defensores da 
abordagem normativa buscavam sua natureza estável, ao mesmo tempo capaz 
de manter e perpetuar os conhecimentos adquiridos por determinada cultura. 
Tal virtude decorreria de que, muito embora a escrita não pudesse dar conta da 
complexidade da fala, ela consegue, mesmo parcialmente, representá-la. Nesse 
ponto, o discurso literário abre uma exceção, um contraponto a tal tese, pois 
malgrado a sua natureza predominantemente escrita, ele consegue muitas vezes 
ultrapassar em complexidade a própria fala.
Ainda que a literatura encerre um nível de complexidade similar à 
fala, suas virtudes também depuseram em favor de abordagens prescritivas na 
medida em que elevou-se a norma-padrão à norma culta, de viés notadamente 
estético: “as formas e usos são incluídos ou excluídos da norma culta por critérios 
tais como: elegância, colorido, beleza, finura, expressividade, eufonia, harmonia; 
devendo-se evitar vícios como a cacofonia, a colisão, o eco, o pleonasmo vicioso” 
(TRAVAGLIA, 2006, p. 25).
Assim, devido a esse valor de autoridade espelhado nos grandes escritores 
de uma língua, promulgador das verdades ou “inverdades” características das 
abordagens normativas, muitos professores de letras têm a impressão de estar 
tratando não especificamente dos assuntos pertinentes ao ensino de língua, mas 
de discussões sobre a liberdade: a liberdade de dizer, de comunicar, ou da sua 
falta, que é o mesmo que dizer: a obediência a normas por vezes inadequadas às 
situações concretas de comunicação.
A tarefa do gramático se desdobra em dizer o que é a língua, descrevê-
la, e ao privilegiar alguns usos, dizer como deve ser a língua. Na 
verdade, a conjunção do descritivo e do normativo efetuada pela 
gramática tradicional opera uma redução do objeto de análise que, 
de intrinsecamente heterogêneo, assume uma só forma: a do uso 
considerado correto da língua. Na maioria dos casos, é esse uso o 
único que vai ser estudado e difundido pela escola, em detrimento de 
um conhecimento mais amplo da diversidade e variedade dos usos 
linguísticos (PETTER, 2011, p. 19).
Importa considerar que a abordagem normativa não seria um mal em si 
por eleger uma variedade da língua como variedade padrão, se tal escolha não 
estivesse ancorada, entretanto, em critérios políticos, se não fosse de natureza 
prescritiva nem estivesse apoiada em variadas formas de preconceito: de região, 
de estrato social, de escolaridade, de faixa etária etc.:
Além disso, ignorando e depreciando outras variedades da língua 
com base em fatores não estritamente linguísticos, cria preconceitos de 
toda espécie, por basear-se em parâmetros, muitas vezes, equivocados, 
tais como: purismo e vernaculidade, classe social de prestígio (de 
natureza econômica, política, cultural), autoridade (gramáticos, bons 
escritores), lógica e história (tradição) (TRAVAGLIA, 2006, p. 25).
UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM
30
 Nesse sentido, a linguística busca apontar os excessos da abordagem 
normativa, malfadada numa natureza revisional e centrada quase exclusivamente 
na correção dos desvios praticados em relação à norma eleita como variedade 
padrão da língua:
Nesse primeiro sentido afirma-se que a língua é só a variedade dita 
padrão ou culta e que todas as outras formas de uso da língua são 
desvios, erros, deformações, degenerações da língua e que, por isso, a 
variedade dita padrão deve ser seguida por todos os cidadãos falantes 
dessa língua para não contribuir com a degeneração da língua de seu 
país (TRAVAGLIA, 2006, p. 24).
Por outro lado, na contramão da abordagem normativa-prescritiva, a 
abordagem descritiva valoriza a complexidade de cada língua, suas diferenças e 
semelhanças. Assim, as diferenças socioculturais dos indivíduos, marcadas nas 
variedades e nas formas próprias de uso da linguagem, passam a ser vistas não 
como erro, mas como valor, como sinônimo de riqueza.
De fato, nessa abordagem a noção de erro se dá apenas quando um fato 
linguístico não ocorre de forma sistemática. Nesse sentido, não se pode classificar 
de erro, por exemplo, a expressão “a gente vai”, e considerar correta apenas a 
expressão normativa “nós vamos”, pois se a primeira expressão aparece de modo 
sistemático em diversas regiões do Brasil, constitui-se mais como fato linguístico 
verificável do que como falta gramatical. 
É necessário observar que, fora da abordagem normativa, o erro não é 
verificável senão em um contexto específico, eis o porquê da importância de 
descrever os fatos linguísticos em relação à situação comunicativa, posto que uma 
abordagem descritiva preza pela objetividade, pela verificação científica, isto é, o 
viés “descritivo” reporta-se a como funciona a língua concretamente, enquanto o 
viés “normativo” a como a língua deveria funcionar.
Na expressão “ligeiro, suba para cima”, por exemplo, em princípio 
condenável pela redundância, já que o verbo “subir” pressupõe que a ação seja 
“para cima”, se entretanto utilizada em um caso real de incêndio, quando um 
oficial chama por alguma vítima localizada mais embaixo e aturdida pela fumaça, 
nesse caso a expressão “subir para cima”, enquanto reforço devido à situação 
de perigo, torna-se positivo, já que tais situações requerem reiterada ênfase nas 
mensagens.
Vejamos, então: o que significa

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