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2017 LinGuÍstiCA ApLiCADA À LÍnGuA portuGuesA Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos Copyright © UNIASSELVI 2017 Elaboração: Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfi ca elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 469.81 S237l Santos, Abraão Júnior Cabral e Linguística aplicada à lingua portuguesa / Abrão Júnior Cabral e Santos. Indaial: UNIASSELVI, 2017. 167 p. : il. ISBN 978-85-515-0108-5 1.Linguística Aplicada. I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. Impresso por: III ApresentAção Prezado acadêmico, através da disciplina Linguística Aplicada à Língua Portuguesa você poderá observar que as relações que estabelecemos com a linguagem não são tão simples e aparentes como geralmente imaginamos. Há diversas abordagens acadêmicas – filosóficas, linguísticas, históricas etc. – que comprovam ser a linguagem muito mais do que uma ferramenta para expressão e comunicação; ela é, antes de tudo, o meio por excelência que caracteriza o ser humano, distinguindo-o dos outros animais e perpetuando relações hierárquicas não só entre espécies, mas também entre os próprios homens. A partir de uma perspectiva linguística, por exemplo, pensar a relação entre homem e linguagem implica considerar o quanto cada indivíduo se aproxima ou se afasta das normas socialmente estabelecidas em sua língua. O fato é que sempre que alguém diz algo, o diz de um determinado modo, sem ter plena consciência do como se dá esse dizer. Nesse sentido, a liberdade e a obediência a regras de uma determinada língua são dois aspectos de uma mesma moeda, que ainda que se deem inconscientemente, fazem parte do dia a dia das pessoas. Assim, nos discursos inconscientes que realizamos em nossas falas cotidianas, muitos fenômenos de linguagem estão implícitos, alguns deles constituindo-se temas centrais para se pensar o processo de ensino e aprendizagem de língua materna – como é o caso das hierarquias sociais vinculadas às normas gramaticais e o preconceito linguístico. Nessa linha de raciocínio, o profissional de letras cumpre aí um papel fundamental: abrir os olhos, fazer refletir, revelar, na infinidade de linguajares vigentes em um mesmo código linguístico, o jogo social ali presente. Convidamos você, prezado acadêmico, a desligar-se da maneira habitual de pensar a linguagem, característica do senso comum, que entende a língua quase exclusivamente como objeto de transmissão de informações, para juntos adotarmos outras perspectivas nas quais importantes estudos filosóficos e linguísticos podem contribuir para revelar, especialmente em sala de aula, diferenças e relações de poder que encerram muitos dos conflitos humanos, seus desejos e anseios. Bons estudos. Prof. Abraão Júnior Cabral e Santos IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfi m, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI V VI VII sumário UNIDADE 1 – ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM ............................................................. 1 TÓPICO 1 – LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA ............................................................... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 GRAMÁTICA: LÍNGUA E REGULARIDADE ............................................................................ 5 3 NORMA: ADEQUAÇÃO AO CONTEXTO OU À LÍNGUA DO REI? ................................... 13 3.1 NORMA: ENTRE A LÍNGUA E A FALA ......................................................................... 16 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 20 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 22 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 24 TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM ................................................ 27 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 27 2 ABORDAGEM NORMATIVA VERSUS ABORDAGEM DESCRITIVA ............................... 28 3 LINGUAGEM E APRENDIZAGEM .............................................................................................. 34 3.1 PONTO DE PARTIDA ENTRE A NORMATIVA E A DESCRITIVA: A GRAMÁTICA INTERNALIZADA..................................................................................... 36 3.2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM ..................................................................................... 38 3.2.1 Linguagem como expressão do pensamento ................................................................... 38 3.2.2 Linguagem como meio de comunicação .......................................................................... 39 3.2.3 Linguagem como forma de interação ............................................................................... 41 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 42 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 43 TÓPICO 3 – DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE .................................. 45 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 45 2 SAUSSURE E A LINGUÍSTICA MODERNA: CARACTERÍSTICAS GERAIS .................... 45 2.1 BREVE HISTÓRICO DA LINGUÍSTICA MODERNA ............................................... 46 2.2 A LINGUÍSTICA MODERNA .............................................................................................49 2.2.1 Língua e fala ......................................................................................................................... 49 2.2.2 Significante e significado .................................................................................................... 50 2.2.3 Sincronia e diacronia ........................................................................................................... 52 2.2.4 Sintagma e paradigma ........................................................................................................ 54 3 DA TEORIA À PRÁXIS LINGUÍSTICA: SAUSSURE, VYGOTSKY, BAKHTIN ................ 55 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 59 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 60 UNIDADE 2 – LINGUÍSTICA EM AÇÃO ....................................................................................... 61 TÓPICO 1 – LINGUÍSTICA E LINGUÍSTICA APLICADA ........................................................ 63 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 63 2 A LINGUÍSTICA VARIACIONISTA ............................................................................................. 64 2.1 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO .................................................................................... 67 2.2 AS VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS ....................................................................................... 70 VIII 3 LINGUÍSTICA APLICADA: O QUE VEM A SER ...................................................................... 75 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 78 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 81 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 82 TÓPICO 2 – BAKHTIN E OS GÊNEROS DISCURSIVOS .......................................................... 85 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 85 2 FUNDAMENTOS DA TEORIA EM BAKHTIN .......................................................................... 86 2.1 O DIALOGISMO ...................................................................................................................... 87 2.2 A ENUNCIAÇÃO ..................................................................................................................... 91 3 A TEORIA DOS GÊNEROS DISCURSIVOS .............................................................................. 93 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 98 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 99 TÓPICO 3 – GÊNERO DISCURSIVO EM SALA DE AULA ....................................................... 101 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 101 2 AULA COMO GÊNERO DISCURSIVO ....................................................................................... 102 3 O TEXTO COMO EIXO DE INTERAÇÃO SOCIAL .................................................................. 107 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 112 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 113 UNIDADE 3 – ENSINO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA MATERNA ................................. 115 TÓPICO 1 – LETRAMENTO E ENSINO DE LÍNGUA MATERNA .......................................... 117 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 117 2 LETRAMENTO, ALFABETIZAÇÃO E ESCOLARIZAÇÃO ..................................................... 118 3 A AULA DE LÍNGUA PORTUGUESA.......................................................................................... 123 3.1 A AULA DE LÍNGUA MATERNA E O PRECONCEITO LINGUÍSTICO ........... 125 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 129 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 132 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 133 TÓPICO 2 – A LEITURA E A FORMAÇÃO DO LEITOR ............................................................ 135 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 135 2 CONCEPÇÕES E ETAPAS DE LEITURA ..................................................................................... 136 2.1 ETAPAS DA LEITURA ........................................................................................................... 140 3 PRÁTICAS DE LEITURA EM SALA DE AULA .......................................................................... 142 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 146 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 147 TÓPICO 3 – A ESCRITA E AS PRÁTICAS DE LETRAMENTO ................................................. 149 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 149 2 CONCEPÇÕES DE ESCRITA .......................................................................................................... 150 2.1 ANÁLISE LINGUÍSTICA E REVISÃO DE TEXTOS ................................................... 153 3 DA REDAÇÃO À PRODUÇÃO TEXTUAL ................................................................................. 157 3.1 PRÁTICAS DE PRODUÇÃO TEXTUAL .......................................................................... 158 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 162 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 163 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 165 1 UNIDADE 1 ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você será capaz de: • compreender os conceitos de língua e gramática a partir da noção filosófica de regularidade linguística, relacionando-a aos usos social e político da linguagem; • entender a necessidade dos estudos de linguagem como ferramenta de transformação social; • observar, para além do olhar normativo tradicional, a importância das abordagens descritivas da língua a serem estudadas em sala de aula. Caro acadêmico! Esta unidade de estudos encontra-se dividida em três tópicos de conteúdos. Ao longo de cada um deles, você encontrará sugestões e dicas que visam potencializar os temas abordados, e ao final de cada um deles estão disponíveis resumos e autoatividades que visam fixar os temas estudados. TÓPICO 1 – LINGUAGEM, LÍNGUA EGRAMÁTICA TÓPICO 2 – CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM TÓPICO 3 – DA CIÊNCIA DA LÍNGUA À LÍNGUA EM SOCIEDADE 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 1 INTRODUÇÃO Prezado acadêmico, nesse tópico discutiremos alguns aspectos gerais da linguagem, especialmente aqueles que envolvem os conceitos de língua, norma e gramática, a partir de perspectivas filosófica, linguística e sociopolítica, que poderão ajudá-lo a melhor fundamentar os seus questionamentos ao longo desta e das outras unidades de estudo. Assim, para começar a nossa conversa, lembremos dois casos possíveis e correntes de uso da língua materna no Brasil. Para enunciarem uma mensagem de conteúdo semelhante, dois usuários, de classes sociais distintas, assim se expressam – enquanto o primeiro diz: “Deixa com nós, mano, nós faz isso ligeiro, tem menas cadeira na sala do que nós pensava”; o segundo usuário se posiciona da seguinte maneira: “Pode deixar conosco, nós o faremos rapidamente, há menos cadeiras na sala do que imaginávamos”. Para melhor refletirmos sobre os enunciados apresentados, precisamos distinguir duas atitudes possíveis que podemos assumir diante deles. Podemos adotar, por um lado, a atitude do senso comum, e reagir de modo rápido e impensado aos fatos apresentados (atitude que os gregos chamavam de doxa); ou podemos adotar, por outro lado, uma atitude acadêmica, portanto fora da tradição e da opinião corriqueira, que busca ir além da primeira impressão dos fatos para neles encontrar a verdade que os sustenta (atitude denominada, também pelos gregos, de episteme). Os conceitos de Doxa e Episteme estão presentes, de forma dialética, nos Diálogos de Platão, modificando-se ao correr de suas obras. Pode-se compreender o termo grego Doxa como simples opinião, “que encerra a significação de uma certa noção de julgamento e sentimento, no sentido de resolução e decisão parcial, baseada unicamente nos dados presentes. Isso implica que doxa é compreendida como um certo valor subjetivo que tem valor apenas momentâneo, um juízo que não poderá ser referência ética, pois tem presente a possibilidade da falsidade das crenças que suportam a ação. Sob a mesma perspectiva [...] episteme é vista como uma techné, uma habilidade para fazer algo, um tipo de saber que tem seu suporte no conhecimento especializado e preciso da coisa” (FRANKLIN, 2004, p. 374). NOTA UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 4 Assim, uma atitude seria reagir aos fatos com as nossas opiniões já formadas, vindas não se sabe ao certo de onde (de variadas fontes, quase sempre indeterminadas: conversas espontâneas, programas de televisão, redes sociais, mídias diversas etc.); outra atitude, completamente diversa, seria pensar, isto é, construir e fundamentar um ponto de vista próprio, apoiado sobre leituras e experiências consistentes, em meio a outros pontos de vista possíveis. autoativida de Que impressão se poderia ter de um usuário da língua portuguesa que falasse daquele modo: “Deixa com nós, mano, nós faz isso ligeiro, tem menas cadeira na sala do que nós pensava”. Saberia ele utilizar a gramática da sua língua? Em que nível social e qual grau de escolaridade tenderíamos a lhe atribuir? Embora ainda não tenhamos nos debruçado sobre os falares que podem coexistir em uma mesma língua, isto é, sobre as diversas variações e variedades linguísticas inerentes a qualquer língua em situações de uso, podemos antecipar- lhe, caro acadêmico, dois fatos linguísticos importantes para abordar tal questão. O primeiro é atentar para o fato de que se os falantes de uma determinada língua comunicam-se e são compreendidos nessa mesma língua, isso implica em reconhecer que eles sabem a gramática dessa língua. Trata-se, entretanto, de um saber espontâneo, internalizado, um conjunto de regras – um tipo de gramática, portanto – que aprendemos na convivência com os outros falantes e que não é melhor nem pior que o modelo de língua idealizado das gramáticas tradicionais. Um segundo fator, não menos importante, é reconhecer que as línguas são fenômenos vivos, que mudam tanto quanto mudam as pessoas e as sociedades. A língua, nesse sentido, varia de diversas formas: há formas consideradas mais cultas do que outras, mas todas elas são variações, modos distintos e aceitáveis de expressão de uma mesma comunidade linguística. Ora, independentemente da resposta que tenhamos formulado, é importante sublinhar que a passagem da nossa opinião, registrada na autoatividade anterior, em direção à formulação de um pensamento acadêmico, requer que antes façamos essa impressão inicial dialogar com o maior número de pesquisas e leituras especializadas no assunto. Dessa forma, detenhamo-nos um pouco, sem responder apressadamente, diante da primeira parte da pergunta: “Saberia ele utilizar a gramática da sua língua?”, e tratemos de ampliar nosso repertório linguístico, debruçando-nos a seguir sobre as significações possíveis dos termos Língua, Norma e Gramática – conceitos centrais para aprofundar tal reflexão. TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 5 2 GRAMÁTICA: LÍNGUA E REGULARIDADE É pelas mãos do filósofo italiano Giorgio Agamben (2005) que principiaremos a discussão em torno dos fundamentos do que seja uma gramática e uma língua. Para Agamben (2005, p. 68): Devemos observar o milenar processo de reflexão sobre a linguagem que levou ao nascimento da gramática e da lógica e à construção da língua. Estamos acostumados desde sempre a considerar a linguagem humana como linguagem “articulada”. Mas o que significa “articulado”? Ao compararmos a linguagem humana com a de outros animais, em suas semelhanças e dessemelhanças, é possível observar uma singular diferença, a saber, que algo se repete indefinidamente para uns – como se verifica na linguagem dos animais –, enquanto, para outros, algo não apenas se repete, mas, simultaneamente, repete e varia – tal como se observa na linguagem humana. Vejamos. O cão, em seu ladrar, utiliza um mesmo som aproximado e repetido, que aqui podemos didaticamente simplificar como “au-au”, sons dos quais o animal se vale para expressar uma enorme e variada gama de instintos e emoções. Seja na raiva, na dor ou na alegria, o cão apenas reitera “au-au” e faz variar a forma ou o grau de entonação, sem que as sílabas, entretanto, em nada variem. Da mesma forma, na comunicação sonora do gato, o bichano parece acrescentar a consoante bilabial “m” no início dos sons vocálicos a ponto de podermos ouvi-lo ronronar, de modo aproximado, “miau”. Ora, seguindo essa linha de raciocínio, poderíamos sucessivamente identificar os modos sonoros – expressivos e onomatopaicos – de diversos animais. No caso das representações das realizações sonoras dos animais – como no latido dos cães, no balido das ovelhas, no arrulho dos pombos – é possível observar o quanto as distinções fonéticas, próprias a cada língua, revelam distintas apreensões culturais, tal como se vê na Figura 1, na onomatopeia dos grunhidos do porco: português (óinc), japonês (boo), francês (groin), polonês (chrum), sueco (noff). UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 6 FONTE:<hattps://www.listenandlearn.com.br/blog/como-soam-os-animais-mundo-afora/>. Acesso em: 10 abr. 2017. FIGURA 1 – ONOMATOPEIA DOS GRUNHIDOS DO PORCO A palavra onomatopeia advém do grego arcaico e significa originalmente “criar um nome” ou “fazer um nome”, e está classificada gramaticalmente como uma figura de linguagem que visa reproduzir sons ou ruídos através de um fonema ou palavra, por exemplo, o som do telefone: trrrim-trrrim, ou de uma explosão: bum! Dentre as figuras de linguagem – que são recursos utilizados, tanto na fala quanto na escrita, para tornar mais expressiva a mensagem a ser transmitida – a onomatopeia situa-se entre as sete Figuras de Palavras: catacrese, metáfora, comparação, metonímia, perífrase e sinestesia. Eis alguns exemplos comparativos entre representações dos mesmos sons no português e noinglês: buzina: bi-bi / beep-beep, espirro: atchim / atchoo. NOTA Cabe lembrar que a onomatopeia surge como um recurso de linguagem criado para aproximar o que cada cultura convenciona escutar dos animais, dos sons da natureza, ou dos ruídos presentes em determinado contexto geográfico: Algumas pessoas criticam a concepção da arbitrariedade do signo, mostrando que as onomatopeias, como ai, oh, ah, são motivadas. No entanto, é preciso dizer que, em primeiro lugar, as onomatopeias ocupam um lugar marginal na língua e, depois, que também elas são submetidas às coerções fonológicas de cada língua, o que explica que os sons produzidos pelos animais, por exemplo, variam de língua para língua (FIORIN, 2011, p. 60-61). Ao compararmos as articulações sonoras dos homens e dos animais, pretendemos revelar um estágio anterior a representações como a onomatopeia, e desse modo dar conta dos aspectos “inarticulados/articulados” da linguagem, TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 7 que caracterizariam as especificidades da linguagem humana, isto é, essa forma “primitiva” de linguagem faz parte do arcabouço sonoro humano – quando chora, ri, soluça etc. – que também emite sons impossíveis de determinar, a não ser de forma aproximada. Aqui importa-nos reconhecer que esses sons indeterminados são manifestações sonoras que, embora possam realizar-se oralmente, entretanto não se escrevem. Assim, haveria uma passagem, mediada pela linguagem, entre a criança em seu estágio animal – quando ela ainda não aprendeu uma língua particular e participa dessa forma de linguagem comum a outras espécies – e a criança cultural, propriamente humana. Para o nosso estudo basta retomarmos, comparativamente ao homem, um dos exemplos citados acerca das expressões sonoras dos animais. Se, ao ditongo decrescente “au”, emitido pelos cães, observarmos o animal humano acrescentar as consoantes m, n, p, v no início de cada sílaba, chegaríamos a uma série de monossílabos de valores distintos: “mau” (m+au), “nau” (n+au), “pau” (p+au), “vau” (v+au), ou seja, um adjetivo e três substantivos que não têm qualquer significado comum entre si. Por isso, Ferdinand de Saussure (2006), pai da linguística moderna, anotaria que todo o sentido captado na linguagem humana seria um sentido diacrítico, isto é, que só se revela na diferença entre os significantes: A língua, para Saussure, é um sistema de signos em que um signo se define pelos demais signos do conjunto. Por isso, ele desenvolveu o conceito de valor, isto é, o sentido de uma unidade, que é definida por suas relações com outras da mesma natureza. Em “comer”, o radical só tem o seu valor linguístico em relação aos demais radicais da língua portuguesa, como o beb- de beber, o viv- de viver etc. (PIETROFORTE, 2011, p. 83). Simplificando, para sermos mais didáticos, diríamos que sobre um mesmo número de letras do alfabeto, entre a repetição de algumas letras e a modificação de outras emergem novos sentidos, assim como, de modo similar, quando uma palavra é reposicionada ou alterada de lugar em uma determinada frase, ela apanha um novo contexto capaz de promover, também na frase, um sentido novo. Nessa comparação didática entre a linguagem humana e a dos cães, os novos sentidos se dariam entre os diferentes arranjos formados a partir da sílaba “au” com os valores diacríticos armados pelas consoantes m, n, p, v, fato que nos permitiria uma primeira conclusão: sobre o som repetitivo do animal – “au-au” – o homem constrói o que varia – “mau”, “nau”, “pau”, “vau” – e abre distintas significações que, para além daquela linguagem indeterminada, fazem a linguagem humana se realizar como sistema, ou seja, como uma língua. UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 8 Daí, a pensar com Petter (2011, p. 13), chegaríamos ao “reconhecimento de que as línguas naturais, notadamente diversas, são manifestações de algo mais geral, a linguagem”, que notadamente se diferenciaria da linguagem indeterminada das outras espécies: Um estudo clássico sobre o sistema de comunicação usado pelas abelhas [...] revela que a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de alimento, regressa à colmeia e transmite a informação às companheiras por meio de dois tipos de dança: [...] se o alimento está próximo, a menos de cem metros, a abelha executa uma dança circular; se está distante, realiza uma dança em forma de oito. [...] Os dois tipos de dança apresentam-se como verdadeiras mensagens que anunciam a descoberta para a colmeia [...] e fazem uma importante revelação sobre o funcionamento da “linguagem animal”, que permite avaliar pelo confronto a singularidade da linguagem humana. [...] O sistema de comunicação das abelhas – ou de qualquer outro animal cuja forma de comunicação já tenha sido analisada – ele não constitui uma linguagem, no sentido em que o termo é empregado quando se trata de linguagem humana (PETTER, 2011, p. 15-16). Dito de outro modo, essa capacidade de promover pequenas variações em meio à repetição de certos sons ou sílabas possibilitou ao homem transformar parte de sua linguagem em língua. Nesse sentido, podemos dizer que o homem tem linguagem própria, assim como se poderia dizer dos outros animais, mas só ele possui uma língua, que torna sua comunicação mais complexa e – o que é surpreendente – sempre inusitada. Nessa linha de pensamento, é espantoso notar que com um número limitado de sons e letras, isto é, que na regularidade linguística possa o homem ser capaz de, através de pequenas variações morfológicas ou fonéticas, produzir infinitos significados: A mensagem das abelhas não se deixa analisar, decompor em elementos menores. É esse último aspecto a característica mais marcante que opõe a comunicação das abelhas à linguagem humana. Num enunciado linguístico como “Quero água” é possível identificar três elementos portadores de significado: quer– (radical verbal) + o– (desinência número-pessoal), água, denominados morfemas. Prosseguindo a decomposição, pode-se chegar a elementos menores ainda. [...] Essa é a propriedade da articulação, que é fundamental na linguagem humana, pois permite produzir uma infinidade de mensagens novas a partir de um número limitado de elementos sonoros distintivos (PETTER, 2011, p. 16-17). Nesse ponto de nossa reflexão, em que estamos próximos de uma primeira diferença fundamental entre língua e linguagem a partir de um ponto de vista filosófico, retomemos a discussão em torno do que seja a capacidade humana de articular os sons, fenômeno que ainda não se fez visível entre outras espécies. “Os gramáticos antigos, efetivamente, iniciavam seus tratados com a definição de voz, da phoné. Distinguiam, primeiramente, da voz confusa (phoné synkechiméne) dos animais a voz humana, que é, ao contrário, phoné énarthros, voz articulada” (AGAMBEN, 2005, p. 68). TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 9 Esse termo que Agamben filosoficamente anotará como “linguagem articulada”, ulteriormente se estabeleceria como gramática. Assim, se pensávamos a gramaticalidade como essa forma de expressão sonora que pode não apenas se repetir, mas na regularidade variar, a partir de agora, com a distinção entre a “voz confusa“ dos animais e a “voz articulada” humana – “phoné engrámmatos” –, articulada passará a ser toda expressão que não é apenas falada, mas que, sendo falada, pode também ser escrita. Antes de tudo, deve-se entender o que é articulação. Em latim, a palavra articulus significa “parte, subdivisão, membro”. Portanto, quando se diz que uma língua é articulada, o que se quer dizer é que as unidades linguísticas são suscetíveis de ser divididas, segmentadas, recortadas em unidades menores. Para Martinet, todo enunciado da língua articula-se em dois planos. No primeiro, articulam-se as unidades dotadas de sentido. A menor dessas unidades é o morfema. [...] Cada morfema pode, por seu turno, articular-se, dividir-se em unidades menores desprovidas de sentido. Essas unidadessão os fonemas. O morfema lob– pode articular-se nos fonemas / l /, / o / e / b /. Nesse plano as unidades têm apenas valor distintivo. Assim, quando se substitui o / l / do morfema lob– por / b / se produz um outro radical, bob–, que aparece na palavra bobo. A dupla articulação da linguagem é um fator de economia linguística. Com poucas dezenas de fonemas, cujas possibilidades de combinação estão longe de serem todas exploradas em cada língua, formam-se milhares de unidades de primeira articulação (PIETROFORTE, 2011, p. 91-92). UNI Dito de outro modo, a voz articulada, apenas emitida pelo gênero humano, é na verdade voz gramatical, enquanto a voz inarticulada dos animais é voz confusa, que não pode ser escrita, e eis um dos motivos para o surgimento da onomatopeia, ou seja, circunscrever na língua alfabética o que a excede em princípio: os grunhidos dos animais, os sons indeterminados do gênero humano. Mas se questionamos hoje em que consiste este caráter articulado da voz humana, vemos que phoné énarthros, vox articulata, significa simplesmente phoné engrámmatos, ou seja, na tradução latina, vox quae scribi potest ou quae litteris compreendi potest: voz que se pode escrever, que se pode compreender, aferrar com as letras (AGAMBEN, 2005, p. 68). Assim, ao observarmos essa “voz confusa” ser amarrada à escrita de uma onomatopeia, resta claro que ela não se pressupõe ou está necessariamente inscrita em tal escrita, senão que é essa mesma escrita que, por um princípio de economia linguística inerente à comunicação, emoldura e restringe um fenômeno expressivo maior, no qual o que está escrito passa a condicionar o que está expresso, ou seja, a condicionar aquilo que migra do som e do ruído àquilo que no homem pode ser, mais do que expresso, falado. UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 10 Assim, a transformação dos sons inarticulados em figuras de linguagem, como as onomatopeias, ou ainda a transformação desses mesmos sons em uma fala que pode ser escrita, isto é, nos “grámmatas”, seria o passo decisivo para a posterior estruturação hierárquica, não apenas entre o homem e os animais, mas também nas diferenças valorativas que se dariam entre os homens através da história. A gramática tradicional, ao fundamentar sua análise na língua escrita, difundiu falsos conceitos sobre a natureza da linguagem. Ao não reconhecer a diferença entre língua escrita e língua falada passou a considerar a expressão escrita como modelo de correção para toda e qualquer forma de expressão linguística. A gramática tradicional assumiu desde sua origem um ponto de vista prescritivo, normativo em relação à língua (PETTER, 2011, p. 19). Ora, se atentarmos para o significado do termo “gramatical” ao longo do tempo, veremos que dele foi erigido um preconceito secular contra a oralidade, ao privilegiar a modalidade escrita sobre a modalidade falada da língua. Entretanto, agora sabemos, trata-se de um fenômeno anterior a qualquer perspectiva sociopolítica, pois a partir da especulação filosófica foi possível observar a gramática, em sua origem, como ponto de diferenciação do homem em relação às demais espécies do planeta. Com isto está de acordo o próprio Darwin, que assim se externa: “A linguagem articulada pertence especialmente ao homem, se bem que, como os outros animais, possa ele exprimir as suas intenções por gritos inarticulados”. [...] Só metaforicamente se pode afirmar que os animais possuem linguagem. Os sons que eles emitem não passam de ruídos uniformes, designativos dos vários sentimentos de dor, espanto, alegria, de que estão possuídos (COUTINHO, 2011, p. 14). Assim a gramática, muito mais do que marcar distinções entre o que é “certo” e o que é “errado”, tal como ficou conhecida por meio das abordagens prescritivas tradicionais, pretendeu antes marcar uma distinção singular entre o animal-homem e o animal-animal. Destarte o humano, cuja linguagem comporta uma língua, pôde distanciar-se cada vez mais da natureza, a qual, em sua limitação, embora possua linguagens animais diversas, não possui nenhuma língua sistemática. Uma primeira consequência dessa perspectiva é que todo ser incapaz de articular uma “língua” poderia ser tratado como coisa, tal como se deu com os animais alienados em suas formas “rudimentares” de linguagem. Dessa asserção decorre outra que está na raiz do que se chamará de preconceito linguístico – temática que será aprofundada na segunda unidade do livro didático –, a saber: o homem que, como um animal, baseia sua expressão na oralidade, geralmente na oralidade de uma fala “incorreta”, “normativamente pouco gramatical”, este “exemplar humano” a um animal se assemelharia. TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 11 Como se vê, estamos a um passo de justificar os tratamentos dados a pessoas menos favorecidas socialmente e tratadas como “animais”, tal como foi perpetrado por séculos de escravidão: Ela deve ser sempre invocada como sinal distintivo do ser humano: “É a faculdade da linguagem articulada que se deve invocar, de modo definitivo, para distinguir o homem dos seus irmãos inferiores”. Onde quer que ele se encontre, em estado selvagem ou civilizado, revela sempre o conhecimento de um sistema especial de sinais articulados, o que importa dizer, usa uma linguagem própria (COUTINHO, 2011, p. 14). Entretanto, se a escravidão encontrou historicamente o seu fim, o preconceito a ela ligado permaneceria nas línguas como marcas de distinção hierárquica – dadas por meio de regras e usos de linguagem que se mantêm segmentados conforme os estratos sociais de cada cultura – entre os homens de valor e o que seria uma subespécie de homens inferiores. Nesse sentido, os estudos linguísticos a partir de Saussure revelariam que as motivações inerentes aos usos e regras espontâneas da comunicação cederam lugar à imposição dos valores de determinados grupos sociais de maior prestígio. Assim, se a partir de um ponto de vista especulativo pudemos investigar o surgimento da gramática como um expediente capaz de amarrar sons articulados às letras e à escrita alfabética, se pudemos distinguir, na linguagem, o humano do não humano ao diferenciar a língua (linguagem especificamente humana) de outras formas de linguagem (humana e animal), daí não decorreu uma progressão dos estudos filosóficos em direção à sistematização dos usos concretos em que a gramática aparecesse sob o ponto de vista da regularidade. Entretanto, se tais fenômenos ainda têm ocorrência e se essa ocorrência se dá por razões não mais filosóficas, mas devido à imposição de uma abordagem única, tradicional e sem ancoragem científica – por abordagem científica da língua, leia-se Linguística, disciplina conceituada como ciência da linguagem – foi devido a razões sociopolíticas, pela imposição de uma abordagem tradicional de gramática que caracterizaria as perspectivas normativas de língua: Começou-se por fazer o que se chamava de “Gramática”. Esse estudo, inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente pelos franceses, é baseado na lógica e está desprovido de qualquer visão científica e desinteressada da própria língua; visa unicamente a formular regras para distinguir as formas corretas das incorretas; é uma disciplina normativa, muito afastada da pura observação e cujo ponto de vista é forçosamente estreito (SAUSSURE, 2006, p. 7). Dessa forma, se a história da língua não seguiu o curso esperado da filosofia à ciência, mas da filosofia à política, é porque havia uma forma de política que demarcava hierarquicamente diferenças entre as espécies como meio de justificar os usos de umas pelas outras, mais especificamente o uso dos animais, vistos como “coisas” ou “res extensa”, pelos humanos. UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 12 FIGURA 2 – HOMEM VERSUS ANIMAL FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/2d/18/03/2d1803d4a3923e6a2c0fe5ed09736c47.jpg>. Acesso em: 31 ago. 2017. Os homens, qualificados enquanto animais especiais,alçariam a condição de “pessoas”, isto é, de sujeitos dotados de alma e não apenas de linguagem corporal, portanto de algo mais elevado, complexo, abstrato, quer dizer: seres dotados de uma língua. Descartes, filósofo da Idade Moderna, consagrou essa diferença hierárquica entre a “res cogitans” – substância pensante, sujeito ou espírito – e o seu contrário, a “res extensa”, coisa extensa, corpo ou matéria, substância que não pensa. O atributo principal dos corpos seria a extensão, ou seja, estar no espaço em seus modos de quantidade, forma e movimento. Em razão disso, os corpos estariam submetidos à quantidade e poderiam ser quantificados. Os seres humanos, possuidores de mentes, “res cogitans”, portanto não sendo pura extensão, se oporiam aos animais, seres de pura extensão, que apenas possuem corpos, “res extensa”, consequentemente aptos a serem tratados como meras coisas a serviço do ser humano. NOTA Após essa breve incursão, apoiada sobre um ponto de vista da filosofia contemporânea, observamos como Agamben – ao partir das asserções filosóficas de Aristóteles acerca da existência humana dentro e fora da linguagem, nas quais o pensador grego estabeleceu distinções entre a “voz inarticulada ou confusa” dos animais e a “voz articulada” dos seres humanos – pôde auxiliar-nos a estabelecer uma primeira distinção, fundamental, entre língua e linguagem. A língua, nesse sentido, em sendo um dos atributos da linguagem, e mesmo a ela pertencendo, de certo modo a supera na medida em que, ao caracterizar o que é mais próprio do humano, confere a esse homem um valor de superioridade em relação aos demais animais, desde então vistos como coisas. Como diria Descartes, pai do subjetivismo filosófico: o pensamento, isto é, a linguagem precede a existência. TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 13 A partir de agora, migraremos para um ponto de vista mais próprio à ciência, linguístico, buscando situar a língua como forma convencional de linguagem, para além de um diferencial entre o homem e os demais seres: “poder- se-ia dizer que não é a linguagem que é natural ao homem, mas a faculdade de constituir uma língua, vale dizer: um sistema de signos distintos correspondentes a ideias distintas” (SAUSSURE, 2006, p. 18). Assim, ao observarmos o comportamento da língua em sociedade, cujos vetores sociopolíticos passam a ser determinantes, ver-se-á notória a imposição dos valores de um determinado grupo social sobre outros de menor poder econômico. Em razão disso, os modos de linguagem pertinentes aos contextos de uso, que em princípio possuem uma eficácia gramatical própria, ver-se-iam historicamente afetados pela imposição de uma norma gramatical padronizadora e de ordem prescritiva. 3 NORMA: ADEQUAÇÃO AO CONTEXTO OU À LÍNGUA DO REI? Ainda que de passagem, observamos no item anterior a aparição de uma abordagem normativa da língua que, embora tivesse sua origem situada nas distinções hierárquicas entre a linguagem inarticulada do animal e a linguagem articulada do ser humano, continuou a se expandir em sociedade na medida em que manteve graus semelhantes de distinção, agora não mais entre seres de espécies diferentes, mas entre homens de classes sociais e de níveis hierárquicos distintos: No grupo que se mantinha diretamente em torno do poder, formada a golpes de decisões dogmáticas, depurada rapidamente de todos os procedimentos gramaticais que tinham podido ser elaborados pela subjetividade espontânea do homem popular, e erigida, ao contrário, num trabalho de definição, a escrita burguesa foi inicialmente dada, com o cinismo habitual dos primeiros triunfos políticos, como a língua de uma classe minoritária e privilegiada (BARTHES, 2004, p. 49). Essa dimensão histórica, observou-a Saussure (2006, p. 7), para quem o estudo gramatical fora “inaugurado pelos gregos, e continuado principalmente pelos franceses [...] e visava unicamente a formular regras para distinguir as formas corretas das incorretas”. À medida que as sociedades se desenvolviam e tornavam-se mais complexas, embora houvesse condições para uma maior assimilação dos avanços linguísticos, tais avanços, comuns em outras ciências, entretanto não ocorriam no território da língua, no qual persistiu a tentativa de grupos sociais de maior poder em preservar traços linguísticos que os opõem e os diferenciam aos grupos por eles considerados inferiores. UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 14 Assim, através do tempo – como no período de ascensão burguesa na França do século XVII – é possível notar a permanência da imposição do poder do maior sobre o menor, que reverberaria, para além do plano social e político, para o plano da linguagem: Essas duas histórias se associam e mantêm relações recíprocas. [...] Os costumes duma nação têm repercussão na língua e, por outro lado, é em grande parte a língua que constitui a Nação. Em segundo lugar, cumpre mencionar as relações existentes entre a língua e a história política. Grandes acontecimentos históricos, como a conquista romana, tiveram importância incalculável no tocante a inúmeros fatos linguísticos (SAUSSURE, 2006, p. 29). Tratar-se-ia de uma forma de continuidade das relações desiguais observadas originalmente entre o homem e os animais, que migraria para as desigualdades sociais entre os próprios seres humanos. Assim, como anotou Barthes (2004), os procedimentos gramaticais espontâneos, que atendiam à subjetividade popular, ver-se-iam substituídos, ou mesmo contidos, por uma ordem de procedimentos gramaticais – quer dizer: um conjunto de regras a ser partilhado e seguido – notadamente mais próximos às esferas do poder. FIGURA 3 – CASTELO DE VERSAILLES – SÍMBOLO DE NOBREZA E SUPERIORIDADE DA ELITE FRANCESA DO SÉC. XVII FONTE: <http://www.richesheures.net/epoque-16-18/chateau/78/versailles/versailles-v03.jpg>. Acesso em: 1 maio 2017. Assim, um conjunto de regras e procedimentos linguísticos, impostos de cima para baixo, formaria a base do que viria a ser a norma gramatical tradicional, cujo intento seria não apenas evitar as modificações inerentes à própria língua – que modifica-se e evolui de diversas formas: no tempo, nos estratos sociais, nos registros formal ou informal, em regiões geográficas distintas –, como também TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 15 corrigi-las e apontá-las como erro, desvio, falha. “Existe uma regra de ouro da Linguística que diz: ‘só existe língua se houver seres humanos que a falem’. E como o velho e bom Aristóteles nos ensina que o ser humano ‘é um animal político’. [...] chegamos à conclusão de que ‘tratar da língua é tratar de um tema político’” (BAGNO, 1999, p. 9). Destarte, as diversas variações linguísticas que ocorrem espontaneamente na fala dos usuários de uma determinada comunidade linguística seriam obstaculizadas pela modalidade escrita da língua – admitida enquanto forma clássica ou culta de linguagem – e doravante convertida em lugar ideal para a estabilização das desigualdades inerentes às instâncias sociais e políticas. Em 1647, Vaugelas recomenda a escrita clássica como um estado de fato, não de direito; a clareza ainda não é senão um uso da corte. Em 1660, ao contrário, na gramática de Port-Royal, por exemplo, a língua clássica vem revestida das características do universal, a clareza se torna um valor. [...] A autoridade política, o dogmatismo do Espírito e a unidade da linguagem clássica são portanto as figuras de um mesmo movimento histórico (BARTHES, 2004, p. 50). A Gramática de Port-Royal refere-se à publicação de um conjunto de fundamentos da arte de falar de modo claro e racional, que surgiu na França do século XVII em uma região associada ao monastério jansenista de Port-Royal-des-Champs. Influenciados pela filosofia de René Descartes, os seus criadores preocupavam-se com uma abordagem lógica da linguagem, na qual prevalecessem fatores linguísticos universais, como a clareza e a coerência. Nesse sentido, a gramática de Port-Royalse opõe à ideia de “bom uso” da linguagem associado aos falares da corte francesa, tal como era preconizado por Claude Vaugelas. NOTA Entretanto, para melhor nos debruçarmos sobre tal fenômeno, faz-se necessário deslocar o olhar não mais para observar o comportamento da língua em seu funcionamento atual – eixo da sincronia, a dizer com Saussure (2006) –, mas na direção que põe em destaque as modificações e os contextos nos quais as línguas sofrem modificações ao longo do tempo – eixo da diacronia. Neste caso, passamos a aderir aos estudos linguísticos desde um ponto de vista histórico, por meio do qual é possível capturar as motivações sociais que levaram à eleição de uma variedade normativa de língua em detrimento de outras variedades possíveis, e assim buscar compreender como se deu o embate e a substituição dos saberes linguísticos que evoluíam desde os questionamentos filosóficos da Grécia antiga até a imposição de uma normatização clássica, tal como observada na corte francesa. UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 16 Assim, será possível entender a recusa dos saberes de uma gramática especulativa e racional, como a realizada por Port-Royal na França, em nome de uma dimensão simultaneamente mítica e política da história, na qual Vaugelas, membro da aristocracia francesa, pôde afirmar que a língua falada pelo rei seria, ela própria, a língua de Deus na França. Ora, se o rei era a lei, esse poder ao mesmo tempo terreno e divino seria capaz de conferir à variedade da língua francesa falada na corte uma espécie de elevação, cujos usos e modulações caberiam ao vulgo imitar. O Rei Sol, ou “Le Roi Soleil”, foi como o rei Louis XIV se autoproclamou ao governar a França do século XVII. Como monarca absolutista, ele detinha todos os poderes do Estado, poderes que, para ele, provinham de um direito divino, de ele ser o representante direto de Deus sobre a França. Em sua megalomania, pretendeu igualar-se ao astro rei, tornando o Sol seu símbolo e emblema. Destarte, assim como os seres sobre a Terra se guiavam pela luz solar, os franceses deveriam guiar-se por seu rei, imitando não apenas os seus modos nobres de existência, que deveriam ser públicos: acordar, vestir-se, fazer refeições etc., como também os seus usos de linguagem. Sua obra mais notória foi a construção de Versailles, um suntuoso castelo situado nos arredores de Paris, e que hoje em dia abriga um dos maiores museus históricos e de arte da Europa. NOTA De modo completamente diverso, a linguística moderna retomaria, com Saussure, o debate científico contra essa espécie de estreiteza dos usos sociais da linguagem, que desde a Idade Antiga buscou substituir as regras espontâneas da comunicação e da interação social, expressivas para determinadas populações e adequadas aos contextos de uso, por certos usos da linguagem, muitas vezes não tão lógicos, mais próprios às classes de maior prestígio sociocultural. 3.1 NORMA: ENTRE A LÍNGUA E A FALA Para pensarmos a língua em sua natureza social – e, posteriormente, observarmos sua evolução para o conceito de norma – cabe antes perguntar, em um sentido estritamente humano: o que vem a ser propriamente uma língua? Dirá Saussure (2006, p. 17): Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos. TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 17 Ao admitirmos, com o linguista suíço, a natureza convencional da linguagem, é admitir que a língua não existe por si só, que é um sistema de signos posto em movimento por um determinado indivíduo quando este indivíduo fala. Se quisermos resumir, diríamos que quando dois indivíduos conseguem comunicar-se – por exemplo, em um telefonema entre um cidadão português e um brasileiro – é porque, apesar de falarem de modos diferentes, utilizam um sistema em comum, ou seja, uma mesma língua – a língua portuguesa, nesse caso. Assim, a especificidade da linguagem humana – que doravante denominaremos apenas “língua” – é pensada não como língua ou fala alternativamente, mas simultaneamente, e embora elas operem juntas, suas naturezas permanecem opostas: a língua, de natureza coletiva e social; a fala, de natureza particular e individual: Se pudéssemos abarcar a totalidade das imagens verbais armazenadas em todos os indivíduos, atingiríamos o liame social que constitui a língua. Trata-se de um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos pertencentes à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum, e só na massa ela existe de modo completo (SAUSSURE, 2006, p. 21). Importou-nos introduzir essa primeira dicotomia saussuriana para explorarmos a ideia de norma gramatical, situando-a a partir da distinção original, formulada por Saussure, que compreende os estudos linguísticos segundo polaridades – língua/fala, dentre outras – que faz situar a língua, enquanto sistema de signos, em relação à execução desse mesmo sistema por um determinado indivíduo, isto é, em relação à fala. Nesses termos, de onde surge e em que consiste a ideia de norma? Foi o linguista Eugene Coseriu que reformulou a dicotomia saussuriana língua/fala ao observar que os indivíduos não realizam propriamente uma fala individual a partir de um sistema maior chamado língua, mas individualizam um sistema menor da língua, uma espécie de subsistema também falado por um grupo mais próximo, no qual o próprio indivíduo está inserido: Os diferentes sotaques, o uso de vocabulários próprios de alguns grupos sociais, a presença ou não de concordâncias verbais e nominais etc., caracterizam modos de realização linguística que não são próprios nem de um só indivíduo nem de todos os falantes de uma língua, mas caracterizam variantes linguísticas de uma mesma língua (PIETROFORTE, 2011, p. 92). Observa-se – ainda no exemplo do telefonema entre um português e um brasileiro – que se o português perguntasse: “estás a fazer o teu trabalho?”, o brasileiro, ao invés de utilizar uma estrutura sintática semelhante, com o verbo auxiliar seguido do infinitivo do verbo principal: “sim, estou a fazer”, responderia, UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 18 entretanto conforme a norma sintática do português brasileiro – que, no caso presente, consiste no emprego de verbo auxiliar seguido do gerúndio do verbo principal – ele provavelmente diria: “sim, estou fazendo”. Nesse exemplo aparece um tipo de variante regional da língua. Assim, quando um usuário brasileiro vai ao sistema “Língua Portuguesa”, ele não acessa diretamente a língua portuguesa como um todo, mas a “norma regional” dessa mesma língua, a praticada no Brasil, que consistiu, no caso visto anteriormente, do emprego do gerúndio e não do infinitivo após o verbo auxiliar, tal como ocorreria de modo oposto se o usuário em questão fosse um cidadão português. Portanto, antes de acessar propriamente a língua portuguesa, o usuário acessa a norma de seu grupo local, realizando-a, em seguida, enquanto fala individual. Tais eventos gramaticais se dão não apenas no plano sintático, morfológico ou fonológico, mas em diversas ocorrências da língua em situação de uso: O que Coseriu chama língua é o sistema articulado com suas normas, ou seja, com suas variantes linguísticas. Assim, o conceito de língua, para Coseriu, abrange o sistema, que é do domínio de todos os falantes de uma mesma língua, e as normas, que, como variantes desse sistema, são do domínio dos grupos sociais, regionais etc. (PIETROFORTE, 2011, p. 92). Cabe considerar, para Coseriu (1980), que a estratificação da língua se dá em quatro tipos de variantes: as variantes diacrônicas, que apontam as diferenças linguísticasao longo do tempo e verificáveis nos linguajares de faixas etárias distintas; as variantes diatópicas, que distinguem os usos regionais da mesma língua; as variantes diafásicas, que concernem aos usos formais ou informais da língua; e as variantes diastráticas, que referem-se aos usos de diferentes grupos sociais de falantes, tal como observamos no embate entre a variante “nobre” da língua praticada em Versailles e as demais variantes em uso na França da época. Destarte, a dicotomia Língua/Fala, inicialmente verificada por Saussure, passa a ser efetivamente realizada, no dizer de Coseriu, na tricotomia Língua/ Norma/Fala: “Coseriu propõe que a dicotomia língua e fala seja redefinida para sistema versus norma versus fala, de modo que as variantes linguísticas sejam descritas nos domínios da norma. Na tríade proposta por Coseriu, a fala continua da ordem do individual, mas o conceito de língua é modificado” (PIETROFORTE, 2011, p. 92). Dessa forma, as variantes diastráticas que mais interessam à presente análise ligam-se à estratificação social, marcando diferenças culturais dentro de uma mesma comunidade linguística, que conformará distintos tipos de norma: em um primeiro nível hierárquico, a norma culta, mais próxima à escrita e que está baseada na variante linguística de maior prestígio sociocultural, por exemplo, no uso do verbo haver em lugar do verbo ter na sentença: “Há menos cadeiras na sala”. TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 19 Em segundo nível hierárquico, a norma coloquial reporta-se aos falares espontâneos da classe média escolarizada, cujos desvios variam conforme a situação de uso, como na substituição, no mesmo exemplo, do verbo haver pelo verbo ter: “Têm menos cadeiras na sala”. Por último, em nível hierárquico inferior, a norma vulgar ou popular, ligada às classes populares não escolarizadas ou semiescolarizadas, na qual se observam desvios expressivos em relação à norma padrão a ponto de serem caracterizados como “erro” gramatical, tal como na concordância inadequada entre o advérbio “menos”, aqui tratado como adjetivo, e o substantivo “cadeiras” em: “Têm menas cadeiras na sala”. Ora, entre as primeiras intuições gregas acerca do funcionamento da linguagem, e suas consequentes especulações filosóficas, até as formulações de caráter científico da linguística moderna em Saussure, passou-se por um longo período de submissão da objetividade do saber às imposições sociopolíticas das classes sociais abastadas. É o que se verificou no estabelecimento da norma padrão clássica na corte do rei Luis XIV na França do sec. XVII, recorte histórico que tornou possível observar como um padrão dominador de uso da língua migra da esfera do humano/animal para a esfera do homem bem-sucedido para o malsucedido socialmente. UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 20 LEITURA COMPLEMENTAR NASCIMENTO DA GRAMÁTICA É por esse ângulo que devemos observar o milenar processo de reflexão sobre a linguagem que levou ao nascimento da gramática e da lógica e à construção da língua. Estamos acostumados desde sempre a considerar a linguagem humana como linguagem “articulada”. Mas o que significa “articulado”? Articulado, articulatus, é a tradução latina do termo grego énarthros, que pertence ao vocabulário técnico da reflexão estoica sobre a linguagem, que influenciou profundamente os gramáticos antigos. Os gramáticos antigos, efetivamente, iniciavam seus tratados com a definição de voz, da phoné. Distinguiam, primeiramente, da voz confusa (phoné synkechiméne) dos animais a voz humana, que é, ao contrário, phoné énarthros, voz articulada. Mas se questionamos hoje em que consiste este caráter articulado da voz humana, vemos que phoné énarthros, vox articulata, significa simplesmente phoné engrámmatos, ou seja, na tradução latina, vox quae scribi potest ou quae litteris compreendi potest: voz que se pode escrever, que se pode compreender, aferrar com as letras. A voz confusa é aquela, “inescrivível”, dos animais (equorum hinnitus, rabies canum, rugitus ferarum) ou então aquela parte da voz humana que não se pode escrever, como o assovio, o riso, o soluço (utputa oris risus vel sibilatus, pectoris mugitus et cetera tália). A voz articulada não é, portanto, nada além de phoné engrámmatos, a voz que foi transcrita e compreendida nas letras. Aqui podemos captar a incidência fundamental da escrita alfabética sobre nossa cultura e sobre a concepção da linguagem. Somente a escrita alfabética pode, efetivamente, criar a ilusão de ter capturado a voz, de tê-la compreendido e inscrito nos grámmata. Para dar conta plenamente da importância fundadora desta “captura” da voz, graças à escrita alfabética, devemos liberar-nos da representação ingênua, e todavia tão comum, segundo a qual as letras, os grámmata, estariam verdadeiramente na voz como elementos seus, como stoicheía, assim como o número estaria realmente nas coisas (pense-se na proximidade, na Grécia, entre escritura alfabética e matemática, entre reflexão gramatical e reflexão geométrico-matemática). O desenvolvimento da fonética e o impasse ao qual ela chegou em sua tentativa de captar os sons da palavra no seu aspecto articulatório e acústico são, deste ponto de vista, particularmente instrutivos. Um filme realizado pelo foneticista alemão Paul Menzerath mostra como é impossível descobrir qualquer sucessão e qualquer subdivisão no ato da fala, que do ponto de vista articulatório, apresenta-se como um movimento ininterrupto, no qual os sons não se sucedem, mas entremeiam- se mutuamente. Mesmo uma análise rigorosamente acústica revela em cada som da fala uma tal quantidade de particularidades que se torna impossível ordená-la em um sistema. Justamente a tomada de consciência da impossibilidade de reter, de capturar os sons da linguagem, do ponto de vista articulatório ou acústico, possibilitou o nascimento da fonologia, ou melhor, a desencarnação da língua a partir da voz e TÓPICO 1 | LINGUAGEM, LÍNGUA E GRAMÁTICA 21 a ruptura do vínculo entre língua e voz que permanecera inquestionável desde o pensamento estoico até a fonética dos neogramáticos. Com a consumação desta ruptura torna-se evidente a radical autonomia da língua no que diz respeito à voz e ao ato concreto de fala (retomando um jogo de palavras de Bréal, seria possível dar uma etimologia fantástica do termo “fonologia”, vislumbrando aí um assassínio – em grego: phonos – da palavra). Justamente por isso, a saber, que rompeu a relação originária com a voz, deve agora procurar para si um outro lugar, e é o que faz reportando-se a uma estrutura incônscia, a um inconsciente, ou seja, a um saber que não se sabe, a um saber sem sujeito. Os fonemas da fonologia, a estrutura de Lévi-Strauss, a gramática gerativa de Chomsky, situam- se todos no inconsciente. Enquanto a ciência clássica, de Descartes até o século XIX, colocava o logos, isto é, o mediador entre Homo sapiens e Homo loquens, em um Eu, em uma consciência que não era mais que o sujeito da linguagem, hoje em dia a ciência não tem mais necessidade deste sujeito e prefere situar o logos no inconsciente, em um saber oculto, que não se sabe. Permanece, contudo, o fato de que este inconsciente, não importa como seja caracterizado, é um logos no seu aspecto lógico de língua, no caso da fonologia e do inconsciente lévi-straussiano, pura estrutura matemático-diferencial, ou logos no seu aspecto de fala, como no caso da psicanálise. FONTE: AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história. Trad. Henrique Burigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. p. 68-70. 22 Neste tópico, você viu que: • As relações que se estabelecem entre língua e linguagem podem ser observadas de diversas maneiras, dentre as quais destacamos os pontos de vista filosófico, linguístico, histórico e político, que demonstram não haver uma verdade única acerca dos domínios da linguagem. • De um ponto de vista filosófico, a língua é compreendidacomo uma propriedade exclusivamente humana, decorrente de uma atividade expressiva e comunicativa maior – a linguagem – comum tanto ao homem quanto aos demais animais. • A língua, enquanto modalidade humana de linguagem, é apreendida simultaneamente na variação e na regularidade. Assim, a voz confusa do animal passa a adquirir, na linguagem especificamente humana, uma gramática que regula um fenômeno linguístico indeterminado na determinação alfabética da oralidade e da escrita. • A tomada de consciência de uma gramática surge com a possibilidade de capturar os sons da voz animal inarticulada, que só o homem é capaz de delimitar através de uma fala e de uma escrita que, do ponto de vista articulatório, possibilitou o nascimento da fonologia a partir da ruptura do vínculo entre a voz articulada (fala) e a voz confusa ou inarticulada (urros, gemidos, uivos etc.). • As diferenças presentes na linguagem, que originalmente marcaram uma hierarquia entre o homem, ser capaz de língua, e os demais animais, permaneceria – ao refletirmos a língua sob um prisma histórico e político – na sociedade humana por meio de variedades da língua mais privilegiadas do que outras, conforme elas estivessem mais ou menos próximas às classes sociais melhor posicionadas socioeconomicamente. • A variedade da língua culta ou padrão, desde um ponto de vista histórico, como na França do século XVII, não é aquela que tem maior lógica, coerência ou saber, mas sim a praticada pela nobreza que circundava o rei, cuja voz considerava-se consagrada por um poder divino. • Caberia à Linguística, enquanto ciência da língua, desmistificar os aspectos míticos da linguagem, demonstrando que a língua dita “elevada” é apenas uma das variedades possíveis de uma língua, eleita entre outras variedades, também válidas, em uma determinada comunidade linguística. RESUMO DO TÓPICO 1 23 • Segundo a linguística moderna, as variedades da língua não são captadas diretamente entre a língua (sistema autônomo) e a fala (concretização individual da língua), mas a partir do tripé “língua/norma/fala”, no qual o falante, ao concretizar sua expressão, a faz segundo a norma adequada ao contexto de uso: formal, informal, familiar, público etc. • A ciência linguística alarga as noções dogmáticas e estereotipadas do senso comum, fundamentando-as com dados objetivos dos estudos da linguagem, que validam o discurso acadêmico e repercutem, inclusive, no ensino de língua materna e na postura metodológica dos professores em sala de aula. 24 1 A tese filosófica de origem da gramática assenta-se na distinção aristotélica da “voz articulada” do ser humano – isto é, língua – e a “voz confusa” do ______. Gramatical, nesse sentido, seria aquela voz que, por ser articulada, pode ser escrita. Assim, enquanto os animais “relincham”, “urram”, “latem”, o homem “______ ”. Nesse sentido, pode-se dizer que tanto o homem como o animal têm _______, mas só o homem fala uma ______. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) animal – chora – linguagem – língua b) ( ) ser – fala – língua – linguagem c) ( ) animal – fala – linguagem – língua d) ( ) ser – chora – língua - linguagem 2 O linguista romeno Eugenio Coseriu atualizou a dicotomia saussuriana Língua/Fala ao observar que os falantes não internalizam diretamente uma língua, mas o modo como essa mesma língua é usada pelo grupo social mais próximo do falante. Assim, o esquema de Saussure seria transformado em Língua/Norma/Fala. É o caso quando observamos uma mesma língua falada em distintas regiões geográficas, por exemplo, quando um usuário da língua portuguesa nascido em Florianópolis/SC – conhecido como “manezinho” – interpreta a seu modo a sentença da Língua Portuguesa “se tu o dizes”, que segundo a variedade da língua portuguesa dos “manezinhos”, transformar- se-ia em “se tu dix”, expressão adequada ao plano informal da oralidade, já que consiste em uma variedade linguística diatópica, isto é, geográfica. A partir dessa reflexão, é correto afirmar: a) ( ) Que a existência de diversas formas geográficas de variar uma mesma língua revelaria a falta de cultura de um povo. b) ( ) Que a norma-padrão é a única válida, mesmo na expressão oral de uma comunidade linguística. c) ( ) Que a norma-padrão, por ser considerada a variedade da língua de maior prestígio social, é a única correta do ponto de vista da Linguística. d) ( ) Que as normas são variações da língua aceitáveis quando utilizadas adequadamente ao contexto de uso. AUTOATIVIDADE 25 3 No percurso histórico das abordagens prescritivas das línguas, o aristocrata francês Claude Vaugelas destacou-se ao publicar “Observações sobre a língua francesa, úteis àqueles que querem falar e escrever bem”, indicando a variedade linguística que deveria ser cultivada pelos franceses. Para ele, falar bem seria falar como o rei Luis XIV em 1647, época em que se acreditava que o rei tinha origem divina, portanto falar a língua do rei era como falar a língua de Deus. Considerando a variedade da língua falada pelo rei como norma-padrão, e a variedade da língua falada concretamente pelo povo francês como norma-popular, associe os itens, utilizando o código a seguir: I- Norma-padrão II- Norma-popular ( ) Forma desprestigiada de uma língua, embora linguisticamente tal desprestígio não se sustente objetivamente. ( ) Forma da língua considerada como depositária do verdadeiro saber e do valor de um povo. ( ) Tipo de norma cultivada ao longo da história pelas classes sociais nobres ou mais abastadas. ( ) Forma mais livre da língua, em geral falada por pessoas com baixo grau de escolaridade. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) I – II – I – II. b) ( ) II – I – I – II. c) ( ) I – II – I – I. d) ( ) II – II – I – II. 26 27 TÓPICO 2 CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Em épocas remotas, anteriores ao nascimento de Cristo até meados do século XIX – em pensadores como Aristóteles na Antiguidade, Santo Agostinho no período medieval, René Descartes na Idade Moderna, Isaac Newton no séc. XVII –, havia a certeza, partilhada tanto por pensadores quanto pelo senso comum, de que alguns seres vivos poderiam nascer espontaneamente e não exclusivamente a partir de outros existentes. De fato, Aristóteles acreditava que a vida podia ser gerada espontaneamente pela ação de um princípio ativo que, em contato com a matéria, seria capaz de produzir vida. Por esse motivo, tal teoria foi batizada de “abiogênese” e seu escopo serviu para justificar o aparecimento de novas espécies no planeta, permanecendo válida por muitos séculos. autoativida de Alguns médicos partilhavam da tese da abiogênese. Van Helmont (1579-1644) a comprovou em um experimento no qual colocou uma camisa suja embebecida em suor e misturada com germe de trigo, em seguida fechada em uma gaveta. Resultado: antes de completar um mês do experimento, nasceram “espontaneamente” vários camundongos. Estava comprovada a hipótese de Aristóteles, segundo a qual o suor teria agido como um princípio ativo que resultara na vida dos camundongos. Mas, essa hipótese ainda teria algum fundamento nos dias de hoje? Ora, é bem plausível que nós e você, caro acadêmico, enquanto habitantes do século XXI, não mais acreditemos na validade de tais experiências – houve outras além da de Van Helmont –, pois sabemos que sua veracidade foi há muito anulada pelo desenvolvimento das ciências com seus métodos de verificação mais precisos, que pôs abaixo qualquer relevância científica para a hipótese da abiogênese, inclusive para o senso comum. Ao nos referirmos ao senso comum, queremos com isso afirmar que, uma vez que aspectos de algum fenômeno sejam demonstrados ou verificados pela objetividade científica, de pronto não só o homem de conhecimento acadêmico, UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 28 mas a pessoa mais simples, ou de baixo graude escolarização, passa a não mais crer em hipóteses refutadas, como na antiga tese da geração espontânea de vida. Fato curioso, entretanto, é que o mesmo fenômeno não ocorre tão facilmente nos domínios da linguagem: “na vida dos indivíduos e das sociedades, a linguagem constitui fator mais importante que qualquer outro; [...] mas – consequência paradoxal do interesse que suscita – não há domínio onde tenham germinado ideias tão absurdas, preconceitos, miragens, ficções” (SAUSSURE, 2006, p. 17). De fato, a ciência linguística atravessa décadas e décadas comprovando a eficácia dos variados usos das línguas, dos dialetos, das variantes das línguas, que, de modo geral, realizam com eficácia o processo comunicativo. Entretanto, se perguntássemos hoje, em pleno século XXI, a algum usuário de língua portuguesa, se a expressão comunicativa “nós vai com vocês” comunica seu sentido, as respostas poderiam até variar, mas provavelmente escutaríamos: “Que gente burra! O certo é dizer ‘nós vamos’, e não ‘nós vai’”. Quanto a esse preconceito secular, ao dogmatismo, à ignorância implícita em tais pontos de vista, reagiria Saussure (2006, p. 7), ainda em pleno século XIX: “a tarefa do linguista, porém, é, antes de tudo, denunciá-los e dissipá-los tão completamente quanto possível”. 2 ABORDAGEM NORMATIVA VERSUS ABORDAGEM DESCRITIVA Compreendia Saussure que a ciência linguística deveria desempenhar um papel social esclarecedor ao distinguir e fundamentar, por um lado, o que seria uma visão normativa da língua, de caráter prescritivo e condicionada por determinantes históricos, políticos e socioculturais, e, por outro lado, uma abordagem descritiva da língua, mais próxima à objetividade científica e, dessa forma, encarregada de substituir as situações comunicacionais estigmatizadas em “certo” ou “errado” pela adequação ao contexto interativo e de comunicação. Duas abordagens, duas formas distintas de lidar com o fenômeno da linguagem humana. Na abordagem normativa – para alguns a única conhecida e, muitas vezes, a única aceita como a verdadeira – observa-se uma valorização excessiva do cumprimento de regras e normas em detrimento da liberdade combinatória e expressiva dos usuários de uma determinada comunidade linguística: A visão prescritiva da linguagem não admite mais de uma forma correta, nem aceita a possibilidade de escolha, que uma forma seja mais adequada para um uso do que para outro, como seria o caso de uma expressão mais apropriada à língua escrita do que à falada, ao uso coloquial do que a uma situação formal de comunicação (PETTER, 2011, p. 21). TÓPICO 2 | CARACTERÍSTICAS GERAIS DA LINGUAGEM 29 Ao aproximar-se da modalidade escrita da língua, os defensores da abordagem normativa buscavam sua natureza estável, ao mesmo tempo capaz de manter e perpetuar os conhecimentos adquiridos por determinada cultura. Tal virtude decorreria de que, muito embora a escrita não pudesse dar conta da complexidade da fala, ela consegue, mesmo parcialmente, representá-la. Nesse ponto, o discurso literário abre uma exceção, um contraponto a tal tese, pois malgrado a sua natureza predominantemente escrita, ele consegue muitas vezes ultrapassar em complexidade a própria fala. Ainda que a literatura encerre um nível de complexidade similar à fala, suas virtudes também depuseram em favor de abordagens prescritivas na medida em que elevou-se a norma-padrão à norma culta, de viés notadamente estético: “as formas e usos são incluídos ou excluídos da norma culta por critérios tais como: elegância, colorido, beleza, finura, expressividade, eufonia, harmonia; devendo-se evitar vícios como a cacofonia, a colisão, o eco, o pleonasmo vicioso” (TRAVAGLIA, 2006, p. 25). Assim, devido a esse valor de autoridade espelhado nos grandes escritores de uma língua, promulgador das verdades ou “inverdades” características das abordagens normativas, muitos professores de letras têm a impressão de estar tratando não especificamente dos assuntos pertinentes ao ensino de língua, mas de discussões sobre a liberdade: a liberdade de dizer, de comunicar, ou da sua falta, que é o mesmo que dizer: a obediência a normas por vezes inadequadas às situações concretas de comunicação. A tarefa do gramático se desdobra em dizer o que é a língua, descrevê- la, e ao privilegiar alguns usos, dizer como deve ser a língua. Na verdade, a conjunção do descritivo e do normativo efetuada pela gramática tradicional opera uma redução do objeto de análise que, de intrinsecamente heterogêneo, assume uma só forma: a do uso considerado correto da língua. Na maioria dos casos, é esse uso o único que vai ser estudado e difundido pela escola, em detrimento de um conhecimento mais amplo da diversidade e variedade dos usos linguísticos (PETTER, 2011, p. 19). Importa considerar que a abordagem normativa não seria um mal em si por eleger uma variedade da língua como variedade padrão, se tal escolha não estivesse ancorada, entretanto, em critérios políticos, se não fosse de natureza prescritiva nem estivesse apoiada em variadas formas de preconceito: de região, de estrato social, de escolaridade, de faixa etária etc.: Além disso, ignorando e depreciando outras variedades da língua com base em fatores não estritamente linguísticos, cria preconceitos de toda espécie, por basear-se em parâmetros, muitas vezes, equivocados, tais como: purismo e vernaculidade, classe social de prestígio (de natureza econômica, política, cultural), autoridade (gramáticos, bons escritores), lógica e história (tradição) (TRAVAGLIA, 2006, p. 25). UNIDADE 1 | ASPECTOS GERAIS DA LINGUAGEM 30 Nesse sentido, a linguística busca apontar os excessos da abordagem normativa, malfadada numa natureza revisional e centrada quase exclusivamente na correção dos desvios praticados em relação à norma eleita como variedade padrão da língua: Nesse primeiro sentido afirma-se que a língua é só a variedade dita padrão ou culta e que todas as outras formas de uso da língua são desvios, erros, deformações, degenerações da língua e que, por isso, a variedade dita padrão deve ser seguida por todos os cidadãos falantes dessa língua para não contribuir com a degeneração da língua de seu país (TRAVAGLIA, 2006, p. 24). Por outro lado, na contramão da abordagem normativa-prescritiva, a abordagem descritiva valoriza a complexidade de cada língua, suas diferenças e semelhanças. Assim, as diferenças socioculturais dos indivíduos, marcadas nas variedades e nas formas próprias de uso da linguagem, passam a ser vistas não como erro, mas como valor, como sinônimo de riqueza. De fato, nessa abordagem a noção de erro se dá apenas quando um fato linguístico não ocorre de forma sistemática. Nesse sentido, não se pode classificar de erro, por exemplo, a expressão “a gente vai”, e considerar correta apenas a expressão normativa “nós vamos”, pois se a primeira expressão aparece de modo sistemático em diversas regiões do Brasil, constitui-se mais como fato linguístico verificável do que como falta gramatical. É necessário observar que, fora da abordagem normativa, o erro não é verificável senão em um contexto específico, eis o porquê da importância de descrever os fatos linguísticos em relação à situação comunicativa, posto que uma abordagem descritiva preza pela objetividade, pela verificação científica, isto é, o viés “descritivo” reporta-se a como funciona a língua concretamente, enquanto o viés “normativo” a como a língua deveria funcionar. Na expressão “ligeiro, suba para cima”, por exemplo, em princípio condenável pela redundância, já que o verbo “subir” pressupõe que a ação seja “para cima”, se entretanto utilizada em um caso real de incêndio, quando um oficial chama por alguma vítima localizada mais embaixo e aturdida pela fumaça, nesse caso a expressão “subir para cima”, enquanto reforço devido à situação de perigo, torna-se positivo, já que tais situações requerem reiterada ênfase nas mensagens. Vejamos, então: o que significa
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