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Resenha ISABELA TURMA - PDF

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Bento. B. Corpos e Próteses: dos Limites Discursivos do Dimorfismo. Sexualidades, 
corporalidades e transgêneros: narrativas fora da ordem. UNB 
Helaine Borges
i 
 
 Berenice Bento adota a experiência transexual como recorte empírico, a fim de 
desenvolver uma reflexão sobre o significado do gênero e como ele se articula com o 
corpo. A autora argumenta que não existe um nível pré-discursivo, ou pré-social, fora das 
relações de poder-saber (bio-poder), na estruturação das performances de gênero. O 
gênero, portanto, não é pensado como um conjunto de formações discursivas que atuam 
sobre o corpo-sexual. Os corpos já nascem maculados pela cultura, já nascem cirurgiados 
por tecnologias discursivas precisas que irão determinar e validar as formas apropriadas 
e impróprias dos gêneros. 
 Para Bento todos já nascemos cirurgiados, não existem corpos livres de 
investimentos e expectativas sociais. A autora explica esta proposição ao falar da mulher 
grávida que aguarda o resultado da ecografia para o sexo de seu bebê. Muitas mulheres 
saem do consultório e vão em direção as lojas para comprarem o enxoval da criança. Ou 
seja, quando este corpo vir a luz do dia, carregará um conjunto de expectativas sobre seus 
gostos, seu comportamento e sua sexualidade. Então, se pode afirmar que todos já 
nascemos operados, que somos todos pós-operados. Todos os corpos já nascem 
“maculados” pela cultura. 
 A interpelação que “revela” o sexo do corpo tem efeitos protéticos: faz os corpos-
sexuados. Analisar os corpos enquanto próteses significa livrar-se da dicotomia entre 
corpo-natureza versus corpo-cultura e afirmar que, nesta perspectiva as/os 
mulheres/homens biológicas/os e as/os mulheres/homens transexuais se igualam, pois, 
nossos desejos, sonhos, papéis não são determinados pela natureza. Todos nossos corpos 
são fabricados: corpo-homem, corpo-mulher. A fabricação dos corpos sexuais é algo que 
nunca é concluído, na infância os brinquedos e cores delicadas são direcionadas as 
meninas, enquanto brinquedos e cores fortes são para os meninos. Segundo a autora, é a 
preparação para a vida heterossexual, o projeto que articula a panóptica dos gêneros. 
Além da família, o Estado também naturaliza as relações heterossexuais mediante a 
normatização da vida, a medicina, a igreja, a escola. Observa-se como o sujeito caminha, 
gesticula, senta, fala, etc. 
 Nesse sentido, a experiência transexual põe em funcionamento os valores que 
estruturam os gêneros na sociedade, uma vez que a sociedade afirma que o normal é a 
heterossexualidade. Os/as transexuais que reivindicam as cirurgias, em sua maioria, 
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buscam inteligibilidade social. A sociedade divide-se em corpos-homens e corpos-
mulheres, sendo assim, aqueles que não apresentam essa correspondência fundante 
tendem a estar fora da categoria do humano. Segundo Butler, a experiência transexual 
revela a possibilidade de ressignificar o masculino/feminino, mostrando seu caráter 
performático, ou seja, as performatividades queer. 
 
Citações contextualizadas e descontextualizadas 
 
 O sistema binário dos gêneros produz e reproduz a ideia de que o gênero reflete, 
espelha o sexo e que todas as outras esferas constitutivas dos sujeitos estão amarradas a 
essa determinação inicial: a natureza determina as sexualidades e posiciona os corpos de 
acordo com as supostas disposições naturais. No entanto, como aponta Butler (1999), 
quando a condição de gênero se formula como algo radicalmente independente do sexo, 
o gênero mesmo se torna vago e, talvez, neste momento, se tenha de pensar que o sexo 
sempre foi gênero e que não existe uma história anterior à própria prática cotidiana das 
reiterações. Reiterar significa que é através das práticas, de uma interpretação em ato das 
normas de gênero, que o gênero se faz, existe. 
 O gênero adquire vida através das roupas que cobrem o corpo, dos gestos, dos 
olhares, de uma estilística corporal e estética definida como apropriada. São estes sinais 
exteriores, postos em ação, que estabilizam e dão visibilidade ao corpo, que é basicamente 
instável, flexível e plástico. Essas infindáveis repetições funcionam como citações e cada 
ato é uma citação daquelas verdades estabelecidas para os gêneros, tendo como 
fundamento para sua existência a crença de que são determinados pela natureza. 
 Butler apoia-se na tese da citacionalidade de Derrida (1991) para afirmar que é a 
repetição que possibilita a eficácia dos atos performativos que sustentam e reforçam as 
identidades hegemônicas; mas, também são as repetições descontextualizadas do 
“contexto natural” dos sexos, consideradas pela autora enquanto “performatividades 
queer" (Butler, 1999, 1998, 2002) que possibilitam a emergência de práticas que 
interrompam a reprodução das normas de gênero e abre espaço para produção de contra-
discursos à naturalização das identidades. 
 As performances de gênero seriam ficções sociais prevalentes, coactivas, 
sedimentadas, gerando um conjunto de estilos corporais que aparecem como uma 
organização natural (e daí deriva seu carácter ficcional) dos corpos em sexos, em uma 
relação binária e complementar. A performatividade não é um “ato” único, singular, são 
as reiterações das normas ou conjunto de normas. O fato de adquirir o status de um ato 
no presente gera o ocultamento das convenções das quais ela deriva. 
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 A repetição estilizada formará o cimento das identidades dos gêneros, mas essas 
repetições em atos não são originalmente inventadas pelo indivíduo. Nas diferentes 
maneiras possíveis de repetição, na ruptura ou na repetição subversiva desse estilo, é que 
se encontrarão possibilidades para subverter as normas de gênero. 
 As performances de gênero seriam ficções sociais prevalentes, coactivas, 
sedimentadas, gerando um conjunto de estilos corporais que aparecem como uma 
organização natural (e daí deriva seu carácter ficcional) dos corpos em sexos, em uma 
relação binária e complementar. A performatividade não é um “ato” único, singular, são 
as reiterações das normas ou conjunto de normas. O fato de adquirir o status de um ato 
no presente gera o ocultamento das convenções das quais ela deriva. 
 A repetição estilizada formará o cimento das identidades dos gêneros, mas essas 
repetições em atos não são originalmente inventadas pelo indivíduo. Nas diferentes 
maneiras possíveis de repetição, na ruptura ou na repetição subversiva desse estilo, é que 
se encontrarão possibilidades para subverter as normas de gênero. 
 Os discursos das/os transexuais revelam, entre outros aspectos, a eficácia do 
processo de interiorização de um discurso assumido enquanto verdade, o que lhes provoca 
sofrimentos uma vez que interpretam suas dores como problema individual. No entanto, 
e contraditoriamente, esses sentimentos também revelam os limites discursivos do 
modelo dimórfico, uma vez que aqui o gênero significará o corpo, revertendo assim um 
dos pilares de sustentação das normas de gênero. Para os/as transexuais, estes conflitos 
são inexplicáveis e muitos/as dizem que alimentam a esperança de que algum dia se 
descobrirá uma causa biológica para explicar suas condutas. 
 Os corpos dos transexuais e dos não transexuais são fabricados por tecnologias 
precisas e sofisticadas que têm como um dos mais poderosos resultados, nas 
subjetividades, a crença de que a determinação das identidades está inscrita em alguma 
parte dos corpos. A experiência transexual realça que a primeira cirurgia que nos 
constituiu em corpos-sexuados não conseguiu garantir sentidos identitários, apontando os 
limites discursivos dessas tecnologias e a possibilidade rizomática de se criar fissurasnas 
normas de gênero. 
 
Referência Complementar: 
Bento, B. (2003) Transexuais, corpos e próteses. Labrys. Estudos feministas. Número 
4. Recuperado em: http://www.labrys.net.br/labrys4/textos/berenice1.htm, acessado em 06, 
setembro, 2018) 
i Síntese apresentada a Professora Drª Isabela Saraiva de Queiroz na disciplina de Gênero e Direitos Humanos, como parte das 
avaliações do 2º semestre letivo do ano de 2018. 
 
 
http://www.labrys.net.br/labrys4/textos/berenice1.htm
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