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2 3 4 Prefácio Existem questões que são colocadas com frequência aos sacerdotes. O padre Duarte Sousa Lara recolheu-as e sintetizou-as, no presente livro, em 40 questões, às quais seguem as correspondentes respostas, dadas à luz da Sagrada Escritura, do Magistério da Igreja, da sã teologia e da sua própria experiência de sacerdote exorcista da Igreja Católica, empenhado há vários anos neste ministério, conduzido por ele com seriedade e competência. Os fiéis encontrarão, portanto, uma resposta adequada a cada questão, que cada católico deveria conhecer para poder oferecê-la também aos outros, distinguindo a verdadeira fé das “espiritualidades” – caracterizadas pela superstição, magia, esoterismo – e das devastantes modas do nosso tempo: Nova Era, pseudorreligiosidades, espiritismo, satanismo. Possa a leitura deste texto ser, para muitos, ocasião de esclarecimento, favorecendo o seu discernimento no meio da confusão da qual o demônio é o inspirador e mestre, com o fim de desviar as almas do caminho do bem. A Virgem Maria nos guie a todos nós, seus filhos, ao encontro e à união com Cristo, seu Filho, verdadeiro Deus e Senhor do universo: Aquele que dá ao homem a liberdade fundada na verdade, o único verdadeiro Salvador, fim último de toda a existência plenamente realizada. PADRE FRANCESCO BAMONTE Presidente da Associação dos Exorcistas 5 Introdução As breves 40 questões acerca do demônio, dos exorcismos e das orações de libertação aqui encontradas são fruto da minha caminhada e de reflexões pessoais nos últimos dezesseis anos. Em 1998, ainda jovem seminarista, tive a graça de começar a acompanhar o padre Gabriele Amorth em muitos exorcismos. Foi uma experiência muito enriquecedora que durou dez anos e me marcou bastante. Em 2008, ano em que regressei estavelmente para Portugal, o meu bispo nomeou-me exorcista e, desde então, exerço um intenso serviço ao povo de Deus neste ministério. As questões a que tento dar respostas são muitas daquelas com que me deparo nos vários retiros e encontros de que sou convidado a participar. Tentei dar-lhes respostas breves, claras e bem fundadas teologicamente numa perspectiva catequética e simultaneamente atenta ao ambiente paganizado em que vivem os cristãos no mundo de hoje. Antes das questões, incluí um breve tratado acerca da virtude moral da religião que escrevi há alguns anos e creio que possa integrar e contextualizar melhor as afirmações que faço ao longo das 40 questões. No final, no anexo do livro, incluí uma oração de libertação que uso com muita frequência e que elaborei a partir de uma outra feita pelo padre Gabriele Amorth. Tem uma eficácia não muito diferente do exorcismo. Além disso, indico algumas leituras sobre o assunto que poderão ser úteis aos leitores desejosos em aprofundar-se no tema. Possam estas breves reflexões ajudar-nos a seguir mais fielmente a Jesus Cristo, a conhecer melhor as exigências da Sua Palavra e a desmascarar com maior clareza todas as sedutoras propostas do “pai da mentira” (Jo 8,44). 6 “Dai a Deus o que é de Deus.” A virtude moral da religião 1. Introdução: o homem em busca de Deus Cada pessoa humana foi criada por Deus para poder gozar da Sua própria vida íntima, ou seja, para poder participar na vida de comunhão intratrinitária, por meio de uma relação pessoal, cognitiva e amorosa com o Pai, pelo Filho no Espírito Santo. Pode-se, portanto, dizer que a pessoa humana, “desde sua concepção, é destinada à bem- aventurança eterna”1 e só nela encontrará a sua plena realização. “Fizeste-nos para Ti – escrevia Santo Agostinho – e o nosso coração não tem descanso enquanto não repousa em Ti”2. Fomos todos criados para Deus, e tal fato configura de uma maneira determinante todo o agir humano, o qual se apresenta como uma resposta a tal vocação fundamental. Nós “procuramos a Tua face” (cf. Dn 3,41), Senhor! O homem procura naturalmente a Deus. De fato, “[a] razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador”3. O homem é, pois, chamado a reconhecer o seu Criador, a entrar em diálogo com Ele e a entregar-se amorosamente a Ele. Mas como poderemos alcançar a comunhão de vida com a Trindade para a qual todos fomos criados e para a qual tende o desejo mais profundo do nosso coração? Este destino último do homem de participar na vida eterna excede em grande medida as suas capacidades naturais, ele não pode mais que esperá-lo como dom da bondade divina. Tal dom vem sendo preparado por toda a história da salvação e vem-nos gratuitamente oferecido em Jesus Cristo, Filho de Deus. “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Para alcançar a vida eterna é, pois, necessário acreditar no Filho unigênito de Deus, Ele 7 “na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime”4, ou seja, aquela de se tornar, em Cristo, participante da natureza divina (cf. 2Pd 1,4). Para acolher o dom da vida eterna é necessário um coração bem disposto, que acredite em Jesus, aberto à verdade e ao amor. Este fato implica uma contínua conversão das trevas do erro e do viver “para si mesmo” (2Cor 5,15). O homem é chamado a abraçar, por meio da fé em Cristo, a “verdade de Deus” (Rm 1,25) e a acolher o Seu amor misericordioso. De fato, nós acreditamos que “o amor de Deus foi derramado em nossos corações” (Rm 5,5), e, portanto, “nós amamos, porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19). É necessário afirmar que por um lado o acesso à vida eterna é um dom gratuito que excede as forças naturais do homem, aliás, feridas pelo pecado, que a Misericórdia divina nos oferece em Cristo e precede qualquer mérito da nossa parte. Por outro lado, para receber o dom da comunhão com o Deus uno e trino na vida eterna, o homem deve dispor retamente o seu coração, por meio do ato de fé em Jesus, o que pressupõe uma honesta busca pela verdade e o desejo de viver segundo o mandamento do amor. “As faculdades do homem o tornam capaz de conhecer a existência de um Deus pessoal. Mas, para que o homem possa entrar em sua intimidade, Deus quis revelar-se ao homem e dar-lhe a graça de poder acolher esta revelação na fé”5; portanto, a participação do homem na vida eterna, ou seja, na vida íntima intratrinitária, apresenta-se simultaneamente como um dom a acolher e uma vocação a realizar. 1.1 A dimensão religiosa do homem tem uma intrínseca componente ética O homem não procura conhecer a Deus apenas para satisfazer a sua “sede” de verdade em âmbito religioso, mas também para poder orientar a própria conduta, ou seja, para poder encher de sentido a própria existência, para poder servir e amar a Deus da maneira que mais agrada a Ele. Tal como em qualquer outra relação interpessoal, o conhecimento do outro é uma premissa indispensável para poder construir uma relação de amizade. Pode-se afirmar que existe uma forte relação entre o conhecimento da verdade acerca de Deus e o comportamento moral. Quando se ignora ou se erra acerca de Deus, o agir humano corrompe-se. Não surpreende que São Paulo falando dos pagãos afirme que “eles são indesculpáveis, porque, ainda que conhecendo a Deus, não Lhe deram glória nem lhe deram graças como Deus, mas deixaram-se levar por vãos pensamentos e escureceu-se a sua mente obtusa [...] e porque desprezaram o conhecimento de Deus, 8 Deus abandonou-os a uma inteligência depravada, cometem aquilo que é indigno, repletos de todo o tipo de injustiça, de maldade, de avareza, de malícia, cheios de inveja, de homicídio, de rivalidade, de fraude, de iniquidade, difamadores, maldizentes, inimigos de Deus, ultrajosos, soberbos, fanfarrões, engenhosos no mal, rebeldes aospais, insensatos, desleais, sem coração, sem misericórdia” (cf. Rm 1,21.25.28-31). A rejeição de Deus acaba por produzir graves desordens morais, as quais, em certo sentido, tornam manifesta tal rejeição. Está agora mais claro que a dimensão religiosa da pessoa humana não se esgota na sua componente cognitiva, mas tem também uma intrínseca dimensão moral. O reconhecimento do Criador e dos Seus dons move o homem, quase instintivamente, a honrá-Lo e a manifestar-Lhe a sua gratidão, mesmo com atos externos. Nesta linha de raciocínio recorda o Concílio Vaticano II que, em “harmonia com a própria dignidade, todos os homens, que são pessoas dotadas de razão e de vontade livre e por isso mesmo com responsabilidade pessoal, são levados pela própria natureza e também moralmente a procurar a verdade, antes de mais a que diz respeito à religião. Têm também a obrigação de aderir à verdade conhecida e de ordenar toda a sua vida segundo as suas exigências”6. 1.2 O homem, capax Dei, hoje: atualidade pós-moderna da mensagem da religião A pessoa humana, graças à sua razão e vontade, é capaz de conhecer e amar a Deus. São Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, afirma que as perfeições divinas podem ser contempladas na obra da criação (cf. Rm 1,19-20) e, portanto, “a santa Igreja, nossa mãe, defende e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido com certeza com a luz natural da razão humana a partir das coisas criadas”7. Neste sentido, pode-se dizer que o homem é um ser aberto à Transcendência, é um ser que indaga naturalmente acerca dos fundamentos e das causas últimas do criado, e esta mesma busca, que lhe é natural, o conduz a Deus e portanto configura-se como uma busca religiosa. A pessoa humana, de fato, “pela razão, é capaz de compreender a ordem das coisas estabelecida pelo Criador. Por sua vontade, ela é capaz de ir, por si, ao encontro de seu verdadeiro bem”8 e de encontrar assim a felicidade. Dizer que o homem é um ser que naturalmente procura a Deus não implica que de fato esta natural tendência venha a ser realizada na prática por todos. Pelo contrário, o homem pode renunciar livremente à procura de Deus e contentar-se com “pequenas” verdades. Contudo, “se o homem pode 9 esquecer ou rejeitar a Deus, este, de sua parte, não cessa de chamar todo homem a procurá-lo, para que viva e encontre a felicidade. Mas esta busca exige do homem todo o esforço de sua inteligência, a retidão de sua vontade, ‘um coração reto’, e também o testemunho dos outros, que o ensinam a procurar a Deus”9. Esta busca de Deus é, por sua própria natureza, uma obra exigente, que se tornou ainda mais difícil por causa da desordem introduzida pelo pecado no coração do homem. “Com efeito, para falar com simplicidade, apesar de a razão humana poder verdadeiramente, pelas suas forças e luz naturais, chegar a um conhecimento verdadeiro e certo de um Deus pessoal, que protege e governa o mundo pela sua providência, bem como de uma lei natural inscrita pelo Criador nas nossas almas, há, contudo, bastantes obstáculos que impedem esta mesma razão de usar eficazmente e com fruto o seu poder natural, porque as verdades que dizem respeito a Deus e aos homens ultrapassam absolutamente a ordem das coisas sensíveis; e quando devem traduzir-se em atos e informar a vida, exigem que nos demos e renunciemos a nós próprios. O espírito humano, para adquirir semelhantes verdades, sofre dificuldade da parte dos sentidos e da imaginação, bem como dos maus desejos nascidos do pecado original. Daí deriva que, em tais matérias, os homens se persuadem facilmente da falsidade ou, pelo menos, da incerteza das coisas que não desejariam fossem verdadeiras”10. Depois, acontece com frequência, o ambiente em que a pessoa humana cresce e se desenvolve está envenenado com erros e vícios morais que criam ainda mais obstáculos a esta busca fundamental. A atual “cultura” pós-moderna ocidental desenvolveu uma racionalidade de tipo subjetivista e antimetafísica, a qual conduz a um forte ceticismo nas capacidades naturais da razão humana e, ao mesmo tempo, propõe certos vícios como sendo verdadeiros valores que devemos procurar na nossa vida. Esta anticultura que se vem formando nos últimos séculos torna o acesso natural do homem a Deus muito difícil às novas gerações. É por demais evidente que, “nas condições históricas em que se encontra, o homem enfrenta muitas dificuldades para conhecer a Deus apenas com a luz de sua razão”11. Só o próprio Deus pode dizer-nos com certeza absoluta quem é Ele verdadeiramente, fato que se realizou ao longo da história da salvação, a qual teve o seu ápice em Jesus Cristo, que nos revelou o verdadeiro volto do Pai e nos deu a lei vivificante do Espírito. 10 2. O homem naturaliter religioso: a virtude moral da religião “O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus”12, e este fato explica por que todos os homens de todos os tempos se podem denominar “seres em busca de Deus”. A negação teórica e prática da existência de Deus, hoje difusa em alguns ambientes culturais, apresenta-se então como um fenômeno não natural e de caráter excepcional se considerarmos a história da humanidade na sua globalidade. 2.1 Os atos religiosos da Sagrada Escritura e na história É uma grande evidência que o homem, em todos os tempos, sentiu a necessidade natural de prestar culto à divindade. O homem, de fato, graças à luz natural da razão, está em condições de reconhecer Deus enquanto fonte primeira da qual derivam todos os dons e perfeições na ordem do ser. Ao mesmo tempo, deve dizer-se que a maneira na qual se concretizou historicamente tal inclinação natural é múltipla, ainda que se possam individuar alguns traços comuns entre essas. Em sentido mais amplo pode afirmar-se que “em sua história, e até os dias de hoje, os homens têm expressado de múltiplas maneiras sua busca de Deus por meio de suas crenças e de seus comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações etc.). Apesar das ambiguidades que podem comportar, estas formas de expressão são tão universais que o homem pode ser chamado de um ser religioso”13. O homem procura naturalmente a Deus e honra-O de maneira espontânea; assim, a virtude da religião deve considerar-se entre as virtudes humanas e não entre as virtudes sobrenaturais infusas. As ênfases podem mudar de religião para religião, mas em geral nota-se que o culto a Deus possui seja uma dimensão interna e externa, seja uma dimensão individual e comunitária. O homem dá culto a Deus não apenas no seu coração, mas também por meio de gestos e ritos externos; não apenas isoladamente, mas, sobretudo, enquanto membro de uma comunidade de crentes. Existem certos elementos que vemos presentes em todas as religiões, tais como: os lugares sagrados, os objetos sagrados, as pessoas sagradas, os tempos sagrados, os ritos sagrados, as orações e, por fim, os preceitos sagrados. Nas religiões reveladas, porém, o homem não procura prestar culto a Deus baseando-se nas suas próprias ideias e intuições, mas o próprio Deus toma a iniciativa e, ao longo da 11 história da salvação, ensina ao homem, de maneira gradual, o modo correto de prestar- Lhe o culto devido, revelação esta que culmina no mistério do Verbo encarnado14, que nos deu o Seu próprio Espírito, o qual nos habilita a adorar o Pai em espírito e verdade (cf. Jo 4,24), ou seja, nos introduz no modo mais perfeito de prestar culto a Deus. Seja para Israel seja para a Igreja, o culto divino torna-se “lugar” no qual se faz memória e ao mesmo tempo se proclamam as maravilhas que Deus fez pelo Seu povo, de modo especial as Suas Alianças, que incluem sempre uma dimensão cultual de modo a serem celebradas e renovadas ao longo do tempo. É interessante constatar que na história da salvação os sacrifícios aparecem só depois do pecado, e que Deus, “que examina os corações” (cf. 1Cr 28,9), considera sobretudo as disposições internas do oferente (cf. Gn 4,3-5). Algumas perversões em uso nos cultos pagãosvêm proibidas, tais como os sacrifícios humanos (cf. Gn 22,2; 2Rs 16,3; Lv 20,2s), a prostituição sagrada (cf. 1Rs 22,47; Dt 23,18) e a representação de Deus em imagens (cf. Dt 4,15-18; Ex 32,4s). Com Moisés, a legislação cultual é cada vez mais abundante e precisa. A Arca da Aliança, sinal da presença de Deus, torna-se o centro do culto. Salomão, depois, edificará o Templo onde vem deposta a Arca, e no tempo da reforma deuteronomista torna-se o lugar exclusivo para o culto sacrificial. Com a vinda de Jesus, é estabelecido o culto perfeito. Ele mesmo, sobretudo no Mistério da Sua Páscoa, presta ao Pai o ato de culto perfeito, o qual também confiará sacramentalmente à Sua Igreja com a instituição da Eucaristia, e ao mesmo tempo torna os Seus discípulos capazes de adorar o Pai em espírito e verdade (cf. Jo 4,23-24). Agora aos fiéis é oferecida a possibilidade de glorificar o Pai pelo Filho no Espírito Santo, uma vez que “o Batismo imprime na alma um sinal espiritual indelével, o caráter, que consagra o batizado ao culto da religião cristã”15. Os deveres “religiosos”, em sentido estrito, são aqueles que dizem respeito ao culto devido a Deus, mas contrariamente às religiões naturais, na tradição judaico-cristã, o próprio Deus ensinou ao Seu Povo a agradecer-Lhe e a prestar-Lhe culto do modo que mais Lhe agrada. Esta revelação da parte de Deus eleva a virtude moral natural da religião. O homem, agora, ensinado pelo próprio Deus, pode prestar-Lhe culto da maneira mais adequada, e assim Deus vem plenamente glorificado e o homem abundantemente santificado com os Seus dons. 2.2 Natureza da virtude da religião: o homem perante Deus 12 O termo “religião” deriva do termo latino religo. “Para Cícero (106-43 a.C.) o termo opõe-se a superstitio e vem derivado de re-legere […], nos dois significados que pode assumir: seja ‘reler’, seja realizar meticulosamente os atos de culto (dos quais provavelmente se conserva uma base escrita) e ‘recolher’, ‘observar’ os sinais da comunicação divina, seja prognosticar o futuro. Macróbio (séc. IV) refere a definição de Sérvio Suplício, onde o termo vem derivado de relinquere, ou seja, ‘deixar’, no sentido que o mundo vem rigorosamente diferenciado entre sacro e profano: a esfera religiosa é, portanto, rigidamente distinta daquela não religiosa, a qual deve ser ‘deixada’, ‘abandonada’. No autor cristão Lattanzio (séc. III), o termo vem derivado de religare, ou seja, de ‘ligar’, com uma clara referência ao vínculo de piedade que nos une a Deus […] e será esta a definição mais comumente utilizada em âmbito cristão”16. Aqui interessa-nos a religião não enquanto realidade antropológica, sociológica ou cultural, mas enquanto virtude moral natural, ou seja, enquanto disposição existencial que aperfeiçoa a pessoa humana enquanto tal no que diz respeito ao culto devido a Deus. “Por sua razão, o homem conhece a voz de Deus que o insta a ‘fazer o bem e a evitar o mal’17. Cada qual é obrigado a seguir esta lei que ressoa na consciência e se cumpre no amor a Deus e ao próximo”18. Para além disto, no que diz respeito à sua relação com Deus, o homem adverte naturalmente a necessidade de reconhecê-Lo partindo das Sua obras, de agradecer-Lhe por todos os Seus dons, de confiar-se à Sua proteção amorosa. Tal disposição interior em fazer “tudo para a glória de Deus” (1Cor 10,31) vem naturalmente expressa exteriormente por meio de atos de culto a Deus, por meio dos quais damos testemunho dos Seus atributos divinos e impetramos a Sua bênção. O objeto da virtude da religião é em sentido próprio o culto devido a Deus19. O homem, como já referimos, adverte naturalmente o dever de justiça20 de honrar o Criador do Céu e da Terra. Obviamente que neste caso não se trata de uma relação de justiça em sentido estrito, uma vez que falta a igualdade entre as partes. O homem e Deus, na realidade, não se encontram no mesmo plano, contudo, isto não significa que não se possa falar de algo que é devido em justiça a Alguém sumamente superior e excelente21, que se encontra num plano bem diferente do nosso. Segundo São Tomás, “à religião cabe manifestar reverência ao Deus Uno […] enquanto que é o primeiro princípio da criação e do governo das coisas”22. Reconhecer o Criador implica depois honrá-Lo por tudo o que criou e pelo modo admirável como conduz todas as coisas 13 dentro do Seu plano de sabedoria e de amor. A virtude da religião não tem, portanto, Deus como seu objeto imediato, mas a glorificação de Deus por parte das Suas criaturas racionais, ou seja, tem como objeto próprio a glória externa de Deus, a qual vem realizada por meio de atos de culto. É muito evidente que “aquilo que é próprio da religião é manifestar reverência a Deus”23 e que, portanto, a virtude moral da religião, ao contrário das virtudes teologais da fé, esperança e caridade, não tem Deus como seu objeto próprio, mas o culto devido a Deus24, e, assim, “tudo aquilo por meio do qual vem manifestada reverência a Deus diz respeito à virtude da religião”25. A religião é uma virtude natural no homem porque “é segundo o ditame da razão natural que o homem faça alguma coisa para reverenciar a Deus, mas que faça isto ou aquilo já não procede do ditame da razão natural, mas do direito divino e do direito humano”26. Nesta linha de raciocínio é interessante notar como São Paulo considera que os pagãos capazes de reconhecer a Deus com a luz da razão natural são “imperdoáveis, porque, tendo conhecido Deus, não lhe deram glória nem lhe deram graças como Deus” (cf. Rm 1,21), ou seja, são responsáveis por não terem seguido as exigências da reta razão que nos conduz a reconhecer o Criador e a agradecer-Lhe e honrá-Lo enquanto tal. A necessidade de honrar a Deus Criador e Providente é intrínseca à natureza humana, ainda que o modo como tal necessidade venha concretizada na prática dependa de muitos fatores históricos, contextuais, tradicionais, legais etc., e não está imune a algumas ambiguidades que derivam com frequência de uma imagem de Deus distorcida em alguns aspectos. Só com a Revelação divina o homem pode finalmente prestar a Deus culto “em espírito e verdade” (Jo 4,24). O Aquinate também sublinha que “a religião não é uma virtude teologal nem intelectual, mas moral, dado que é parte da justiça”27, e que entre as virtudes morais esta encontra-se num lugar proeminente28. Procurando sintetizar e oferecer uma definição, pode-se afirmar que a religião é a virtude moral por meio da qual nos dispomos voluntária e estavelmente a prestar a Deus o culto que Lhe é devido enquanto Criador e Providente. A este ponto poderia surgir a questão: mas por que motivo precisa Deus do nosso culto? De fato, na verdade, Deus não tem necessidade dos nossos atos de culto. Ele sendo Deus não Lhe falta perfeição alguma, a Sua glória é infinita. Poder honrá-Lo e 14 glorificá-Lo é um dom da Sua bondade, que a nós, criaturas racionais, nos convém sumamente enquanto seres chamados a livremente orientarmos para Ele todo o nosso ser e agir29. De fato, “o fim do culto divino é que o homem dê glória a Deus e a Ele se submeta de corpo e mente”30, tarefa que permanece sempre de algum modo não plenamente realizada e portanto empenha o homem durante toda a sua peregrinação nesta Terra. É interessante verificar que a virtude da religião tem uma dupla relação com a virtude teologal da fé. Por um lado, ela requer e pressupõe a fé na medida em que não seria possível honrar um Deus o qual não se creia que existe. Neste sentido, pode-se afirmar que a fé torna possível e de algum modo encontra-se ordenada à virtude da religião31. Mas, por outro lado, sabemos que é por meio das virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade que todo o agir humano é ordenado à comunhão com Deus, e portanto – segundo esta perspectiva – a religião está ordenada à fé, e desta, juntamente com a esperança e a caridade, recebe a sua perfeição última. “As virtudes teologais da fé, esperança e caridade dão forma às virtudes morais e as vivificam. Assim, a caridade nos leva adar a Deus aquilo que em toda justiça lhe devemos enquanto criaturas. A virtude da religião nos dispõe a esta atitude”32. Num certo sentido pode-se afirmar que “a religião é uma certa manifestação da fé, da esperança e da caridade, pelas quais o homem é principalmente ordenado a Deus”33. Para além deste sentido estrito de religião que acabamos de caracterizar, pode-se também falar de religião num sentido mais amplo e genérico, o qual abraça todos os atos das virtudes teologais, os quais, ainda que muitas vezes não sejam atos de culto em sentido estrito, são atos que dizem respeito à nossa relação pessoal com o Deus vivo. Neste sentido mais amplo pode-se afirmar que todo o agir humano está destinado a tornar-se, por meio da fé, da esperança e da caridade, um ato religioso, um “culto espiritual” (cf. Rm 12,1) a Deus. O natural sentido religioso do homem impele-o a procurar a Deus, porém, a imagem que o homem, com as suas próprias forças, constrói de Deus não está isenta de erros que induzem em formas, mais ou menos pervertidas, de superstição. Deus, porém, com a Revelação, iluminou o homem com uma nova luz, uma verdade certa, que procede do Alto e ilumina de maneira definitiva a identidade de Deus e o modo com que o homem é chamado a prestar-Lhe culto. Em Cristo vem-nos revelado o rosto do Pai (cf. Jo 14,9) e 15 nos é dada “a plenitude do culto divino”34. Como já afirmamos, a virtude da religião é uma virtude moral, ou seja, é um hábito que torna estável uma disposição da vontade em relação ao culto devido a Deus. Os atos emanados pela virtude da religião não se esgotam apenas em disposições interiores, mas por causa da natureza espiritual e corpórea da pessoa humana manifestam-se externamente de variados modos, como o demonstra a história da humanidade. Não são apenas as pessoas, consideradas isoladamente, que advertem a necessidade de exteriorizar as disposições internas e portanto de dar a Deus um culto externo, mas também as diversas comunidades humanas, pertencentes às mais variadas tradições religiosas, sentem esta necessidade de, enquanto comunidade, prestar a Deus culto público. Às autoridades civis compete a obrigação de garantir um tal direito fundamental, tendo sempre presente as exigências do bem comum e simultaneamente reconhecendo a sua não competência em matéria de verdade religiosa. De fato, “cada um tem o dever e consequentemente o direito de procurar a verdade em matéria religiosa”35. 2.3 Os principais atos religiosos do homem A virtude da religião, tal como todas as outras virtudes, gera diversos atos que a tornam operativa, os quais não têm todos a mesma importância. De fato, é imperioso afirmar que “a adoração é o primeiro ato da virtude da religião. Adorar a Deus é reconhecê-lo como Deus, como o Criador e o Salvador, o Senhor e o Dono de tudo o que existe, o Amor infinito e misericordioso”36. A especial importância da adoração funda- se no fato de que esta “é a primeira atitude do homem que se reconhece criatura diante de seu Criador”37. É, por assim dizer, um ato de fundamental justiça em relação a Deus que a criatura racional reconheça a verdade da sua condição de criatura perante a grandeza do seu Criador. Este ato de verdade envolve todas as dimensões da pessoa humana e exprime-se na adoração, que é principalmente um ato interno, mas que também tem uma dimensão externa38. A adoração devida a Deus tem, por assim dizer, um mínimo que se pode exprimir com o conceito bíblico de “temor de Deus”, pelo qual respeitamos as Pessoas divinas enquanto tais. “A deferência para com o nome de Deus exprime o respeito que é devido ao mistério do próprio Deus e a toda a realidade sagrada que ele evoca. O sentido do sagrado faz parte do âmbito da religião”39. 16 Outro importante ato da virtude da religião é a devoção, que consiste na disposição da vontade pela qual o homem se dedica com prontidão e generosidade a tudo aquilo que diz respeito ao serviço divino40. A consideração dos atributos divinos, a Sua majestade, a Sua misericórdia etc., é aquilo que move o homem à devoção, porém a mente humana, por causa da sua finitude e debilidade, tem dificuldade em considerar as coisas divinas diretamente. Normalmente, tem necessidade de partir das realidades sensíveis mais próximas a ela, entre as quais tem o primeiro lugar a humanidade santíssima de Jesus41. A devoção tem como efeito próprio a alegria do coração. Por outro lado, a soberba e a presunção obstaculizam a devoção, razão pela qual São Tomás afirma que “nos simples e nas mulheres a devoção abunda”42. Outro ato importante e próprio da virtude da religião é a oração. Dada a sua importância e variedade de tipos, estudaremos com maior profundidade mais adiante. Por agora, é suficiente dizer que através da oração o homem honra Deus de diversas maneiras, porque louva a Sua excelência, reconhece a Sua Providência, confia-se à Sua Misericórdia etc. Também os sacrifícios oferecidos a Deus são um ato próprio da virtude da religião. Segundo São Tomás, “oferecer sacrifícios pertence à lei natural”43, como o atesta a história da humanidade, “mas a determinação de quais sejam os sacrifícios a oferecer é de instituição humana ou divina”44. Os sacrifícios externos oferecidos a Deus são sinal dos sacrifícios internos e espirituais por meio dos quais o homem se oferece a Deus45. Nesta linha, o Catecismo afirma que “é justo oferecer a Deus sacrifícios em sinal de adoração e de reconhecimento, de súplica e de comunhão”46. Finalmente, temos o voto e o juramento, que se podem considerar atos extraordinários da virtude da religião e que teremos ocasião de examinar com mais detalhes brevemente. Convém também recordar que existem muitos atos de outras virtudes que com frequência são imperados pela virtude da religião, como, por exemplo, o jejum, que de sua natureza pertence à virtude da abstinência47, ou a esmola, que de sua natureza é um ato de misericórdia48. Assim, em sentido amplo, também se pode afirmar que, por exemplo, a esmola e o jejum, quando estão ordenados a dar glória a Deus, são atos religiosos49. 17 2.3.1 Culto a Deus Genericamente falando, pode-se dizer que “a religião consiste, de fato, no culto divino”50, uma vez que a este todos os seus atos estão ordenados de um modo ou de outro. Mais concretamente, diríamos que “o fim do culto divino é que o homem dê glória a Deus e a Ele se submeta de corpo e mente”51, donde deriva que os atos da religião têm uma dupla finalidade intrínseca: a glorificação de Deus e o ordenamento de todo o homem a Deus. Os atos de culto podem distinguir-se segundo diversos critérios: a) Atos de culto públicos e privados. Os atos de culto públicos são aqueles nos quais a comunidade dos crentes presta culto a Deus seguindo ritos e orações determinados pela autoridade competente. Por exemplo, aos atos de culto públicos pertencem os atos litúrgicos, e aos atos de culto privados pertencem as orações pessoais. b) Atos de culto obrigatórios e atos de culto recomendados. Por exemplo, são atos de culto obrigatórios para os fiéis católicos a participação na Eucaristia nos domingos e festas de preceito52, ou o jejum na quarta-feira de cinzas e na sexta-feira santa53. Por outro lado, é recomendado aos sacerdotes a celebração cotidiana da Eucaristia54. c) Atos de culto ordinários e atos de culto extraordinários. São atos de culto ordinários, por exemplo, a celebração eucarística ou a recitação do terço em família, e são considerados atos de culto extraordinários o juramento e o voto, que examinaremos com mais detalhes mais adiante. d) Atos de culto supremos (ou absolutos) e inferiores (ou relativos). O culto supremo ou absoluto, também chamado de látria, diz respeito apenas a Deus; contrariamente, o culto inferior ou relativo, também chamado de dúlia, é aquele com o qual são veneradas pessoas ou coisas santas e por meio delas é honrado Deus, que é a “fonte de toda a santidade”55. Um ato de culto supremo é, por exemplo, a adoração eucarística, visto que na Eucaristia está presente o próprioJesus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade56. Um ato de culto inferior ou relativo é, por exemplo, a veneração da cruz ou dos santos, por meio de orações a esses dirigidas, ainda que se deva dizer que os santos não se encontram exatamente no mesmo plano das coisas sagradas. Na verdade, por causa da sua livre colaboração com a ação divina, eles são responsáveis, ainda que de maneira secundária, pela sua excelência. Entre todos eles, tem um lugar singularíssimo a Mãe de Deus, à qual é devida uma veneração especial, também denominada hiperdulia. 18 2.3.2 A oração “A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de bens convenientes”57, ou, dito de um modo mais preciso, “a oração cristã é uma relação de Aliança entre Deus e o homem em Cristo”58. Tal relação de aliança implica que os fiéis “nele creiam, celebrem-no e dele vivam numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro”59, fonte de todos os bens. Cada homem tem “sede” desta relação vital (cf. Sl 42,3; 63,2) e portanto adverte a necessidade natural da oração. Esta inclinação natural ao diálogo com Deus que encontramos no nosso coração é obra do Criador, e, portanto, pode dizer-se que “o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro misterioso da oração”60. Ele espera o olhar de cada coração. Ali onde estão os homens61, em quaisquer que sejam as circunstâncias, Deus faz nascer a oração nos corações humildes. O homem reza com todas as dimensões da sua pessoa: “Meu coração e a minha carne exultam no Deus vivo” (Sl 84,3). Em primeiro lugar com a sua inteligência, que vem alimentada através dos sentidos. O homem consegue ver por trás dos acontecimentos cotidianos a “mão” Daquele que tudo governa. “A oração [...] é a relação com Deus nos acontecimentos da história”62. Depois, tal como em qualquer outra relação interpessoal, também a afetividade está envolvida e pode elevar e humanizar este diálogo humano- divino. Finalmente, também a corporeidade, o canto, os trajes, o lugar, o tempo e tantos outros fatores ajudam a realizar com fruto este encontro entre o homem e Deus que é a oração. No Livro dos Salmos – livro de orações que tem Deus por autor principal – está presente esta antropologia integral da oração que atingiu a sua maior realização e expressão em Jesus, modelo máximo para todo o orante. “Rezados e realizados em Cristo, os Salmos são sempre essenciais à oração de Sua Igreja”63. A oração pode assumir diversas formas. As principais são: a adoração, a bênção, a petição (ou súplica), a intercessão, a ação de graças, a meditação e o louvor. Todas estas formas em vez de se excluírem entre elas complementam-se umas às outras. A Eucaristia é a oração mais perfeita que existe. Na verdade, ela “contém e exprime todas as formas de oração”64. A oração pode ainda distinguir-se entre oração vocal ou mental. A oração vocal deve 19 ser expressão externa de um coração em oração, de outro modo tornar-se-ia vã. Disto mesmo repreendeu o Senhor o Seu povo quando disse: “Esse povo me procura só de palavra, honra-me apenas com a boca, enquanto o coração está longe de mim” (Is 29,13). Todos os homens são chamados ao diálogo amoroso com Deus que é a oração. A oração é necessária para a salvação, uma vez que no Seu plano de salvação Deus quer conceder muitas das Suas graças através da oração65. Jesus exorta-nos a pedir: “Pedi e recebereis” (Jo 16,24), e também a perseverar na oração: “Ficai atentos e orai a todo momento” (Lc 21,36)66. São Paulo insiste na mesma linha com os discípulos acerca da necessidade de perseverar incessantemente na oração: “Sede [...] perseverantes na oração” (Rm 12,11-12)67. Santo Afonso resume a necessidade da oração com a famosa máxima: “Quem reza salva-se, de certeza; quem não reza condena-se, de certeza”68. “Orar é uma necessidade vital”69 para o homem enquanto tal e que se faz ainda mais incumbente naqueles que receberam o dom da adoção filial com o batismo. Para os filhos de Deus, toda a sua oração tem uma conotação filial, graças ao Espírito que geme em nós: “Abbá, Pai!”70. “A vida de oração [...] consiste em estar habitualmente na presença do Deus”71, que é nosso Pai. “A oração de Jesus faz da oração cristã uma súplica eficaz. É Ele o seu modelo. Jesus reza em nós e conosco”72. “Se nossa oração está resolutamente unida à de Jesus, na confiança e na audácia filial, obteremos tudo o que pedirmos em seu nome; bem mais do que pequenos favores, receberemos o próprio Espírito Santo, que possui todos os dons”73. A oração produz vários frutos: a conversão do coração a Deus, a iluminação da parte de Deus, o aumento da graça, o crescimento nas virtudes teologais e morais, o recolhimento e o fortalecimento da alma e o repouso da alma em Deus74. Existem diversas condições que favorecem a oração. Essa deve ser feita na graça de Deus75, com o coração, com a mente atenta76, com a vontade devota, com humildade77, de preferência expressa também externamente78, acompanhada com o canto79, feita comunitariamente80, de modo contínuo81 e perseverante82. Com frequência surgem disposições afetivas (sentimentos, estados de ânimo, tentações, preocupações etc.) que facilitam ou obstaculizam a oração. Estas disposições, 20 na medida em que não dependem da nossa vontade, não têm relevância moral, o que não significa que se tenha uma atitude de indiferença a seu respeito. O homem reza com todo o seu ser e, portanto, é chamado a integrar também a dimensão afetiva na oração, de um modo ativo e positivo. Isso significa que cada qual deve empenhar-se, tanto quanto lhe for possível, em favorecer aquelas disposições afetivas que ajudam a oração e a superar aquelas que a obstaculizam. Entre todas as formas de oração, merece uma atenção especial a oração de súplica devido à sua importância para a vida humana e às suas características peculiares. Com frequência, quando falamos de “oração”, não temos em mente a oração em sentido amplo, mas referimo-nos à oração de súplica. Este modo de falar é também comum entre os Padres da Igreja e na liturgia, onde “oratio” significa com frequência súplica. A oração de súplica exprime por um lado o reconhecimento da nossa finitude e incapacidade para vencer o mal pelas nossas próprias forças, e por outro a confiança em Deus, para quem “nada é impossível” (Lc 1,37), e na Sua bondade e compaixão pela nossa miséria. Seguramente, na raiz da súplica está o amor pelo próprio bem, o qual não é necessariamente desordenado, que nos leva num segundo momento a olhar para o Céu e a confiar-nos à onipotência e à bondade do Criador. Este ato da virtude da religião glorifica Deus, pois implica reconhecer-se criatura e confiar-se às mãos do Criador83. O Senhor Jesus exorta-nos com insistência à oração de súplica: “Pedi e vos será dado! Procurai e encontrareis! Batei e a porta vos será aberta! Pois todo aquele que pede recebe, quem procura encontra, e a quem bate, a porta será aberta” (Mt 7,7-8); “Se pedirdes ao Pai alguma coisa em meu nome, ele vos dará. Até agora, não pedistes nada em meu nome. Pedi e recebereis” (Jo 16,23-24). E também São Paulo, na mesma linha, exorta os discípulos dizendo: “Em toda ocasião, apresentai a Deus os vossos pedidos, em orações e súplicas” (Fl 4,6). A oração que Jesus nos ensinou é fundamentalmente uma oração de súplica, na qual – segundo a versão de São Mateus84 – existem sete petições. “Existe uma hierarquia nos pedidos: primeiro o Reino, depois o que é necessário para acolhê-lo e cooperar para sua vinda”85. Isso não impede, no entanto, que cada um dirija ao “céu diversas orações segundo as suas necessidades, mas começando sempre pela oração do Senhor, que continua a ser a oração fundamental”86. A oração de súplica deve ter algumas características especiais: deve ser feita com confiança87, sem vacilar no coração88, com abandono89 e especial perseverança90. 21 O fruto próprio da oração de súplica é a realização do pedido por parte de Deus, especialmente se este vem realizado no nome de Jesus91. Em alguns casos, a nossasúplica não é atendida, não porque Deus não nos escute, mas porque Deus é Pai e sabe melhor do que nós o que mais nos convém em vista da nossa salvação92. Outras vezes não recebemos porque pedimos sem as devidas disposições93. 2.3.3 Atos extraordinários da virtude da religião: o voto e o juramento O voto e o juramento são considerados atos extraordinários da virtude da religião porque pela sua natureza não são atos tão frequentes quanto os outros que vimos acima e, em certo sentido, podemos dizer que não são tão necessários nem devidos. Todos os homens são chamados à oração e à adoração, mas fazer votos, juramentos ou promessas depende da livre iniciativa de cada um. O voto é “a promessa deliberada e livre feita a Deus de um bem possível e melhor”94. Uma vez assumido, o voto cria uma verdadeira obrigação de justiça em relação a Deus e portanto “deve cumprir-se por virtude da religião”95. “A fidelidade às promessas feitas a Deus é uma manifestação do respeito devido à majestade divina e do amor para com o Deus fiel”96. Que significa exatamente a expressão “bem possível e melhor”? Segundo São Tomás, tal bem possível “diz-se que é um bem melhor em relação ao bem comumente exigido para a salvação”97, e portanto pode dizer-se que é algo que vai para além dos mínimos “olímpicos” necessários para a salvação eterna. Obviamente que estes bens possíveis e melhores devem ser considerados exclusivamente entre aqueles bens que de fato se encontram sob o domínio de quem realiza o voto. Não faz sentido prometer a Deus qualquer coisa que não está sob o nosso poder realizar98. No Antigo Testamento existem muitas passagens que nos ajudam a compreender que fazer votos ao Senhor era algo bastante frequente e difuso junto ao povo eleito. No Novo Testamento tais atestações são menos frequentes, porém revelam uma continuidade com as tradições de Israel99. As razões pelas quais se fazem votos são muito variadas. Pode dizer-se que por meio do voto uma pessoa torna estável o seu empenho no serviço divino, suplica o divino auxílio e torna as suas obras virtuosas um ato especial de culto100. 22 Os votos podem ser de diferentes tipos: a) Votos absolutos ou condicionados, dependendo da existência ou não de uma condição que limita a disposição da vontade. b) Votos pessoais, reais ou mistos. Aqueles pessoais dizem respeito a uma ação a realizar, enquanto que os reais prometem um valor material101. c) Votos determinados ou disjuntivos. No primeiro o conteúdo da promessa é feito com determinado detalhe, enquanto que no segundo admite-se uma multiplicidade de concretizações. d) Votos públicos ou privados. “O voto é público se for recebido em nome da Igreja pelo legítimo Superior; de contrário, é privado”102. e) Votos solenes ou simples. É “solene se pela Igreja for reconhecido como tal; de contrário, é simples”103. A autoridade eclesiástica pode por motivos razoáveis dispensar os votos assumidos pelos fiéis. “Além do Romano Pontífice, por justa causa podem dispensar dos votos privados, contanto que a dispensa não lese o direito adquirido por outros: § 1o. o Ordinário do lugar e o pároco, relativamente a todos os seus súbditos e também aos peregrinos; § 2o. o Superior do instituto religioso ou da sociedade de vida apostólica, se forem clericais e de direito pontifício, relativamente aos súbditos e aos noviços e às pessoas que dia e noite residem na casa do instituto ou sociedade; § 3o. aqueles a quem a Sé Apostólica ou o Ordinário do lugar tiverem delegado o poder de dispensá-los”104. No que diz respeito à possibilidade de comutar o voto por outra boa obra deve dizer-se que “[a] obra prometida por voto privado pode ser comutada pelo próprio vovente em um bem maior ou igual; em um bem menor, por aquele que dispõe da faculdade de dispensar”105. O outro ato extraordinário da virtude da religião é o juramento. O juramento é “a invocação do Nome de Deus como testemunha da verdade”106. Tal ato, pelo fato de envolver explicitamente o testemunho de Deus, deve ser realizado “com verdade, retidão e justiça” (cf. Jr 4,2), ou seja, para “invocar a veracidade divina como garantia de nossa própria veracidade”107 devem existir motivos proporcionados. “A santidade do nome 23 divino exige que não se recorra a ele para coisas fúteis”108. “Quem jura livremente haver de fazer qualquer coisa, tem obrigação peculiar de religião de cumprir aquilo que confirmou com juramento”109. Podem dividir-se os juramentos em diferentes tipos: a) Juramento assertório ou promissório. Aquele assertório tem como objetivo garantir a veracidade de fatos passados ou presentes; o promissório diz respeito a um compromisso futuro para o qual Deus vem invocado como garante. b) Juramento invocatório ou execratório. No primeiro invoca-se Deus como testemunha, mas no segundo Deus vem também invocado expressamente como juiz da falsidade ou da infidelidade. c) Juramento simples ou solene. O juramento solene distingue-se do simples porque é realizado em determinadas cerimônias religiosas ou civis e vem acompanhado de algumas ações simbólicas, como, por exemplo, colocar a mão sobre a Bíblia. d) Juramento com invocação direta de Deus ou com invocação indireta. Na invocação indireta utilizam-se realidades sagradas ou relacionadas com Deus, por exemplo, jurar pela Cruz ou pelo Céu. São atos gravemente contrários à virtude da religião seja o juramento falso, seja o perjúrio, ou seja, as falsas promessas feitas sob juramento. 2.4 Os pecados contra a virtude da religião Pode-se pecar contra a virtude da religião seja por omissão, não fazer os atos religiosos que são devidos a Deus e convenientes à natureza humana, seja por comissão, ou seja, cometendo atos que objetivamente são contrários aos fim da virtude da religião. É habitual dividir estes últimos ainda em dois grandes grupos: aqueles que se afastam do fim da virtude da religião por excesso e aqueles que se afastam do fim da virtude da religião por defeito. O vício que se opõe à virtude da religião por excesso é denominado por superstição, pelo qual se diviniza indevidamente algo que na realidade não é divino110. A superstição compreende a idolatria, a adivinhação e a magia. O vício que se afasta do fim da virtude da religião por defeito, e que portanto consiste em não tratar com o devido respeito e honrar realidades divinas ou sagradas, denomina- se irreligião e inclui as blasfêmias, as imprecações, o sacrilégio, a simonia e o ateísmo. Sintetizando, pode afirmar-se que “a superstição representa de certo modo um excesso 24 perverso de religião; a irreligião é um vício oposto por deficiência à virtude da religião”111. 2.4.1 As formas de superstição “A superstição é um desvio do culto que rendemos ao verdadeiro Deus. Ela se mostra particularmente na idolatria, assim como nas diferentes formas de adivinhação e de magia”112. Entre os vícios que se opõem à virtude da religião por excesso temos em primeiro lugar a idolatria. “A idolatria não diz respeito somente aos falsos cultos do paganismo. Ela é uma tentação constante da fé. Consiste em divinizar o que não é Deus. Existe idolatria quando o homem presta honra e veneração a uma criatura em lugar de Deus, quer se trate de deuses ou de demônios (por exemplo, o satanismo), do poder, do prazer, da raça, dos antepassados, do Estado, do dinheiro etc.”113. O Senhor admoestou com frequência o Seu povo em relação a este perigo: “Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti ídolos, nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, nem do que há embaixo, na terra, nem do que existe nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento” (Dt 5,7-9). Na sua essência “a idolatria nega o senhorio exclusivo de Deus; é, portanto, incompatível com a comunhão divina”114. Nesta linha, o Senhor Jesus nos recorda que: “Ninguém pode servir a dois senhores: ou vai odiar o primeiro e amar o outro, ou aderir ao primeiro e desprezar o outro. Não podeis servir a Deuse ao Dinheiro!” (Mt 6,24). A idolatria pode dividir-se em formal, quando a vontade tem intenção de prestar culto a um ídolo, ou material, quando por qualquer motivo é simulado um ato de idolatria que externamente tem a aparência de culto idolátrico. Também a idolatria material, a qual é obviamente menos perversa que a formal, deve ser considerada um grave pecado, porque ainda que a idolatria neste caso não seja desejada diretamente pela vontade, jamais se encontra um motivo razoável que a torne lícita em determinada circunstância. Isto acontece seja porque a honra devida a Deus é de fato o maior dos bens, seja porque temos o preceito divino de testemunhar a nossa fé com coragem: “Todo aquele, pois, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante do meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também eu o renegarei diante de meu Pai que está nos céus” (Mt 10,32-33). 25 A adivinhação é o curioso desejo de conhecer eventos futuros ou desconhecidos – os quais só Deus pode conhecer – por meio da ajuda explícita ou implícita dos demônios115. Segundo São Tomás, os anjos, bons ou maus, pela sua natureza, têm um certo domínio sobre as realidades materiais, podem iluminar os homens com imagens sensíveis, agindo em sua imaginação e em outros sentidos externos e internos, e ainda induzir os homens a agir numa certa direção excitando as suas paixões116. Podem ainda fazer prodígios surpreendentes, mas são impotentes para fazer verdadeiros milagres117. A adivinhação trata-se, pois, de um ato que pela sua natureza implica sempre um pacto com os demônios, e daqui deriva sempre a sua especial gravidade118. Portanto, não admira que Deus tenha repetidamente advertido o Seu povo a este respeito: “Não recorrais aos que evocam os espíritos, nem consulteis os adivinhos, para não vos tornardes impuros. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 19,31); “O homem ou a mulher que evocarem espíritos ou praticarem adivinhação serão mortos por apedrejamento. Seu sangue cairá sobre eles” (Lv 20,27); “Quando tiveres entrado na terra que o Senhor teu Deus te dá, não imites as práticas abomináveis dessas nações. Não haja em teu meio quem faça passar pelo fogo o filho ou a filha, nem quem consulte adivinhos, ou observe sonhos ou agouros, nem quem use a feitiçaria; nem quem recorra à magia, consulte oráculos, interrogue espíritos ou evoque os mortos. Pois o Senhor abomina quem se entrega a tais práticas” (Dt 18,9-12). São Tomás divide a adivinhação em vários tipos dentro de dois grandes grupos, distintos pela existência ou não de uma invocação explícita dos demônios. Quando existe a invocação explícita dos demônios, então a adivinhação pode fazer-se por meio de aparições ou vozes aparentemente humanas (praestigium), por meio de sonhos (divinatio somniorum), invocando os mortos (nigromantia), através de médiuns (pythones)119, mediante a interpretação de sinais que aparecem em coisas inanimadas (geomantia), ou no ar (aeromantia), ou na água (hidromantia), ou no fogo (piromantia), ou nas vísceras de animais imolados aos demônios (aruspicium). Quando não existe a invocação explícita dos demônios, a adivinhação faz-se por meio da interpretação do movimento e da posição do astros (astrologia), do comportamento das aves (augurium), dos presságios pronunciados por pessoas (omen), por meio da disposição figurativa de corpos que se observam (figura), da leitura das linhas da palma da mão (chiromantia), da interpretação das costas de alguns animais (spatulimantia), da disposição causal de 26 certos objetos (sortes)120. Não fazendo uma análise assim tão detalhada, o Catecismo da Igreja Católica simplesmente declara que “todas as formas de adivinhação hão de ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demônios, evocação dos mortos ou outras práticas que erroneamente se supõe ‘descobrir’ o futuro. A consulta aos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e da sorte, os fenômenos de visão, o recurso a médiuns escondem uma vontade de poder sobre o tempo, sobre a história e, finalmente, sobre os homens, ao mesmo tempo que um desejo de ganhar para si os poderes ocultos. Essas práticas contradizem a honra e o respeito que, unidos ao amoroso temor, devemos exclusivamente a Deus”121. Finalmente, a superstição encontra-se também na magia. A magia consiste na tentativa de obter determinados efeitos fazendo qualquer coisa que por si mesma não tem capacidade natural para alcançar o efeito desejado e, portanto, tal ação é acompanhada de um pedido de ajuda ilícito, explícito ou implícito, aos demônios122. Normalmente distingue-se a magia negra, em que se procura causar um dano a alguém, da magia branca, em que se procura determinado efeito bom. Em qualquer destes casos, a magia apresenta-se como sendo gravemente imoral, porque implica, à semelhança da adivinhação, um pacto implícito ou explícito com os demônios123. Ligado à magia, encontramos o uso de amuletos, ou seja, o uso de certos objetos que se consideram capazes de produzir determinados efeitos benéficos, mas para os quais não têm capacidade natural124. A Igreja, intérprete autêntica da Palavra de Deus, ensina que “todas as práticas de magia ou de feitiçaria com as quais a pessoa pretende domesticar os poderes ocultos, para colocá-los a seu serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo – mesmo que seja para proporcionar a este saúde –, são gravemente contrárias à virtude da religião”125, e que “o uso de amuletos também é repreensível. O espiritismo implica frequentemente práticas de adivinhação ou de magia”126. 2.4.2 As formas de irreligião Contra a virtude da religião pode pecar-se por defeito quando não se dá a devida honra a Deus ou às coisas sagradas. É nisto que consiste o vício da irreligião, que pode assumir formas diversas127. 27 A primeira forma de irreligião é a blasfêmia. A blasfêmia “consiste em proferir contra Deus – interior ou exteriormente – palavras de ódio, de ofensa, de desafio, em falar mal de Deus, faltar-lhe deliberadamente com o respeito ao abusar do nome de Deus”128. Implica sempre tratar sem o devido respeito – profanar – as coisas divinas. Encontra-se, por exemplo, “em usar o nome de Deus, de Jesus Cristo, da Virgem Maria e dos santos de maneira injuriosa”129. Pela sua natureza intrínseca, a blasfêmia implica sempre um ato grave contra a virtude da caridade e da religião e, portanto, deve afirmar-se que é sempre (ex toto genere suo) um pecado grave, mesmo quando o seu motivo próximo é a ira ou o desespero. “E quem blasfemar o nome do Senhor será punido de morte” (Lv 24,16). Distintas da blasfêmia são as pragas. “As pragas, que fazem intervir o nome de Deus, sem intenção de blasfêmia, são uma falta de respeito para com o Senhor”130. Tratam-se de invocações inoportunas do Nome de Deus que ferem a honra e o respeito a Ele devidos. As maldições, por meio das quais se deseja o mal a alguém envolvendo de algum modo o Nome de Deus, são também atos de irreligião. Estas pretendem associar a onipotência divina às nossas más intenções em relação ao próximo, e normalmente são movidas pelo desejo de vingança ou pela inveja. Outra forma de irreligião seria duvidar ou colocar à prova os atributos divinos. É a isto que chamamos de tentar a Deus131. Tal ato é contra a virtude da religião porque implica duvidar da excelência divina, que é uma falta de respeito em relação a Deus132. Mas quando se coloca à prova a Deus, por exemplo, pedindo o Seu auxílio numa dificuldade, movidos não pela dúvida na Sua bondade, mas apenas por uma reta intenção, então tal ato não será de nenhuma forma um ato de irreligião, mas um ato de virtude. Isto significa que nem todos os pedidos de intervenção divina são um ato de tentar a Deus. “Tentar a Deus consiste em pôr à prova, em palavras ou em atos, sua bondade e sua onipotência”133. O sacrilégio é também uma forma de irreligião. Este “consiste em profanar ou tratar indignamente os sacramentos e as outras ações litúrgicas, bem como as pessoas,as coisas e os lugares consagrados a Deus. O sacrilégio é um pecado grave, sobretudo quando cometido contra a Eucaristia, pois neste sacramento o próprio Corpo de Cristo se nos torna substancialmente presente”134. O sacrilégio implica sempre uma falta de 28 respeito no trato daquilo que de algum modo é sagrado. Não foi por acaso que Jesus, movido por justa indignação, repreendeu e expulsou aqueles comerciantes que profanavam a casa de Seu Pai (cf. Jo 2,14-16; Mt 21,12). A simonia é também um ato de irreligião que faz derivar o seu nome de Simão, o mago, o qual tentou comprar dos Apóstolos o poder de conferir o Espírito Santo por meio da imposição das mãos (cf. At 8,18-24). “A simonia é definida como a compra ou a venda de realidades espirituais”135. As realidades espirituais não são objetos de comércio, mas dons de Deus, e ainda que estejam em posse dos ministros de Deus, estes não são os seus proprietários, mas apenas os seus administradores (cf. 1Cor 4,1). Por isso, Jesus os exorta: “De graça recebestes, de graça deveis dar” (Mt 10,8). A pretensão de querer comprar as realidades espirituais supõe, erroneamente, que se poderia dar qualquer coisa de valor equivalente a estas. Tal atitude faria dos ministros de Deus não mais ministros, mas comerciantes dos dons de Deus, comércio este que ofende a honra devida ao Criador. Os dons de Deus são dons que devem ser acolhidos como tal e mover-nos à gratidão e ao louvor: “Que retribuirei ao Senhor por todo o bem que me deu? Vou te oferecer um sacrifício de louvor e invocarei o nome do Senhor” (Sl 116,12.17). Ao mesmo tempo são dons de Deus e, portanto, os ministros que os detêm em seu poder devem ter sempre presente que não são sua propriedade136. Isto não é contrário ao fato de que os ministros sagrados possam receber ofertas dos fiéis por ocasião dos dons sagrados que recebem por intermédio do seu ministério. Tais ofertas não têm intenção de “comprar” os dons de Deus, mas simplesmente de ajudar no sustento daqueles que consagraram a sua existência a ser dispensadores destes dons para bem dos seus irmãos. O próprio Senhor recorda que “o trabalhador tem direito a seu salário” (Lc 10,7), e São Paulo diz que “também o Senhor estabeleceu para os que pregam o evangelho, que vivam do evangelho” (1Cor 9,14). É nesta linha que a Igreja ensina que os fiéis têm a obrigação de sustentar os seus ministros sagrados137. Por último, temos o ateísmo, que se configura como uma atitude de não reconhecimento da existência do Criador; portanto, exatamente “na medida em que rejeita ou recusa a existência de Deus, o ateísmo é um pecado contra a virtude da religião”138. Mais concretamente, deve dizer-se que é uma forma de irreligião. Entre aqueles que possuem tal disposição existencial, encontramos aqueles que “negam expressamente Deus”139 e aqueles que não O negam explicitamente, mas que acabam 29 por negá-Lo na sua vida cotidiana, vivendo como se Deus de fato não existisse140. Merece referência o fato de que no ambiente da cultura ocidental o fenômeno do ateísmo, teórico ou prático, se difundiu notavelmente, contudo, ele, “considerado no seu conjunto, não é um fenômeno originário”141. O homem, como dissemos anteriormente, graças à luz natural da razão, é um ser religioso e, portanto, não é naturalmente ateu. Razão pela qual pode afirmar-se que “sem dúvida que não estão imunes de culpa todos aqueles que procuram voluntariamente expulsar Deus do seu coração e evitar os problemas religiosos, não seguindo o ditame da própria consciência”142. 30 Demônio, exorcismo e oração de libertação em 40 questões 1. Os demônios existem? Sim, existem. “A existência dos seres espirituais, não-corporais, que a Sagrada Escritura chama habitualmente de anjos, é uma verdade de fé”143. Alguns desses anjos, criados bons por Deus, liderados por Satanás, também chamado Diabo, “se tornaram maus por sua própria iniciativa”144, e, portanto, deve-se afirmar que, “de fato, o Diabo e os outros demônios foram por Deus criados naturalmente bons; mas eles, por si próprios, é que se fizeram maus”145. 31 2. Por que existem alguns cristãos que negam a existência do demônio? Alguns cristãos146, entusiasmados com as grandes descobertas científicas dos últimos séculos, colocaram, erroneamente, uma confiança excessiva no método próprio das ciências experimentais e acabaram por negar a existência de realidades que, pela sua natureza, não são passíveis de estudo empírico, tais como, por exemplo, os seres puramente espirituais a que chamamos anjos. 32 3. Satanás pode causar todos os males que quer? Não. “O poder de Satanás não é infinito. Ele não passa de uma criatura, poderosa pelo fato de ser puro espírito”147, isto é, um anjo que tal como todos os anjos “superam em perfeição todas as criaturas visíveis”148. 33 4. Qual é o maior mal que podem causar os demônios? Os demônios “esforçam-se por associar o homem à sua rebelião contra Deus”149, por induzir o homem ao pecado mortal o qual “acarreta a perda da caridade e a privação da graça santificante, isto é, do estado de graça. Se este estado não for recuperado mediante o arrependimento e o perdão de Deus, causa a exclusão do Reino de Cristo e a morte eterna no inferno”150. 34 5. Quais são os pecados com os quais o demônio leva mais pessoas para o inferno? Só Deus o sabe. Na nossa cultura, porém, sobressaem pela sua difusão dois vícios especialmente graves: 1) A luxúria, idolatria do prazer sexual, em todas as suas formas (contracepção, masturbação, adultério, relações pré-matrimoniais, relações entre pessoas do mesmo sexo etc.), que destrói a capacidade humana de amar, ou seja, de a pessoa se dar a Deus e aos outros151; 2) A superstição pela qual divinizamos alguma criatura ou força criada, caindo assim na idolatria152, na adivinhação153 ou na magia154. Por meio destes pecados o demônio corrompe a nossa relação com Deus155. 35 6. Como saber se determinado comportamento é supersticioso ou não? Se, em determinado comportamento, “se usam apenas coisas naturais para alcançar determinados efeitos para os quais se conhece terem capacidade natural, então [tal comportamento] não é supersticioso nem ilícito. Se, porém, se acrescentam determinadas coisas, ou nomes, ou quaisquer outras ações que claramente não possuem eficácia natural, [tal comportamento] será supersticioso e ilícito”156. 36 7. Um cristão pode recorrer a médiuns, curandeiros, bruxos ou a centros espíritas para pedir ajuda? Nunca, porque “toda a adivinhação é obra dos demônios”157 e são “os anjos prevaricadores [...] que conferem à magia todo o poder que essa tem”158. Na Sagrada Escritura Deus proíbe explicitamente qualquer forma de adivinhação e magia: “Não recorrais aos que evocam os espíritos, nem consulteis os adivinhos, para não vos tornardes impuros. Eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 19,31). “Quando tiveres entrado na terra que o Senhor teu Deus te dá, não imites as práticas abomináveis dessas nações. Não haja em teu meio quem faça passar pelo fogo o filho ou a filha, nem quem consulte adivinhos, ou observe sonhos ou agouros, nem quem use a feitiçaria; nem quem recorra à magia, consulte oráculos, interrogue espíritos ou evoque os mortos. Pois o Senhor abomina quem se entrega a tais práticas. É por tais abominações que o Senhor teu Deus deserdará diante de ti estas nações” (Dt 18,9-12). “O homem ou a mulher que evocarem espíritos ou praticarem adivinhação serão mortos por apedrejamento. Seu sangue cairá sobre eles” (Lv 20,27)159. 37 8. Que formas de adivinhação existem? Existem muitas, as quais se podem agrupar em dois grandes tipos. “Um primeiro tipo é aquela forma de adivinhação em que se faz uma invocação ou pacto expresso com o demônio, que se denomina genericamente espiritismo (necromantia), e que se dá quando o demônio ensina por meio de adivinhos, [...] sob a aparência de pessoas mortas ou vivas, ou por meio de outros sinais no ar, na água, no fogo ou nos espelhos. A outra forma de adivinhação é aquela na qual existe uma invocação ou umpacto apenas tácito [com o demônio], também designada por adivinhação interpretativa, na qual a partir das linhas do corpo, da voz, do sons das aves e coisas semelhantes, nas quais o demônio muitas vezes interfere, se busca um conhecimento para o qual tais coisas são desproporcionadas”160. 38 9. Atualmente, qual é a posição da Igreja Católica? É a mesma há dois mil anos. Diz o Catecismo: “Todas as formas de adivinhação hão de ser rejeitadas: recurso a Satanás ou aos demônios, evocação dos mortos ou outras práticas que erroneamente se supõe ‘descobrir’ o futuro. A consulta aos horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de presságios e da sorte, os fenômenos de visão, o recurso a médiuns escondem uma vontade de poder sobre o tempo, sobre a história e, finalmente, sobre os homens, ao mesmo tempo que é um desejo de ganhar para si os poderes ocultos”161. “Todas as práticas de magia ou de feitiçaria com as quais a pessoa pretende domesticar os poderes ocultos, para colocá-los a seu serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo – mesmo que seja para proporcionar a este a saúde –, são gravemente contrárias à virtude da religião. Essas práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas de uma intenção de prejudicar a outrem, ou quando recorrem ou não à intervenção dos demônios”162. 39 10. Sendo assim, um cristão não pode recorrer à magia para alcançar coisas boas, tais como curar uma doença, restabelecer a paz num casamento, arranjar emprego, ou ter um filho? Não, porque qualquer forma de magia ou adivinhação implica sempre em um pacto com o demônio e “de nenhum modo é lícito aos homens recorrer à ajuda dos demônios por meio de pactos tácitos ou expressos”163. 40 11. Um cristão pode usar amuletos? Não. “O uso de amuletos também é repreensível”164 porque é uma forma de superstição e, portanto, um pecado que ofende a Deus165. 41 12. Um cristão pode recorrer à astrologia? Não. A astrologia é uma falsa ciência (pseudociência) que não passa de mais uma forma de adivinhação166, por meio da qual se pretende, a partir da posição relativa dos astros celestes, obter informações desconhecidas ou futuras, mediante um pacto implícito com o demônio. A comunidade científica é unânime na crítica negativa que faz do caráter supostamente científico da astrologia. 42 13. Um cristão pode recorrer às cartas do tarô? Não. O tarô é mais uma forma de adivinhação que pretende, a partir da interpretação de certas cartas especiais, obter informações desconhecidas ou futuras mediante um pacto implícito com o demônio. 43 14. Um cristão pode praticar o reiki? Não. O reiki é uma “medicina alternativa”167, de inspiração oriental, em que se pretende, por meio da imposição das mãos e da invocação de certas “forças espirituais” curar as doenças e aliviar os sofrimentos humanos. A eficácia das terapias de reiki continua por demonstrar e explicar a nível científico, contudo, na verdade, não passa de mais uma forma de magia branca168. Muitas pessoas que praticam o reiki acabam por ficar possuídas pelo demônio. 44 15. Um cristão pode praticar yoga? Não. O conjunto de crenças do yoga é indissociável do hinduísmo. O yoga, que significa literalmente “união”, pretende levar o homem à união com a divindade impessoal (iluminação) por meio de determinados ritos e invocações (entoação de mantras) aos quais vem atribuída uma eficácia “espiritual”. Não se tratam apenas de determinadas técnicas de relaxamento, como pensam muitos; são na realidade gestos carregados de significados espirituais que afastam as pessoas da verdade e da graça que Jesus169 nos trouxe e abrem o seu coração à ação diabólica, como se pode constatar em tantos casos de exorcismo. 45 16. Um cristão pode recorrer à acupuntura? É melhor não. A acupuntura provém da medicina tradicional chinesa e, consequentemente, justifica a sua relativa eficácia recorrendo a uma visão da divindade, do homem e do mundo inconciliáveis com o cristianismo (energia, chacras, meridianos etc.). Mais recentemente, alguns estudos científicos parecem ter conseguido demonstrar que as agulhas usadas na acupuntura, que agem sobre o sistema nervoso, podem, em alguns casos, interferir na percepção da dor e, portanto, ter uma certa eficácia analgésica. 46 17. Um cristão pode recorrer à homeopatia? Desaconselho. Se um cristão se encontra doente, e a doença é grave, então sugiro vivamente que receba com fé o Sacramento da Unção dos Enfermos e que recorra a um médico. A homeopatia apresenta-se como mais uma “medicina alternativa” que, na realidade, não passa de uma falsa ciência (pseudociência). A homeopatia defende, erroneamente, que uma substância que causa determinados sintomas de uma doença numa pessoa sã irá curar os mesmos sintomas numa pessoa doente. Ainda que muitos dos “medicamentos” homeopáticos sejam feitos à base de produtos naturais, fato que por si só não levanta problemas morais, é preciso ser muito prudente, pois, com muita frequência, nas lojas homeopáticas, além destes seus produtos, vêm propostas às pessoas formas de magia branca e uso de amuletos. 47 18. Um cristão pode utilizar o eneagrama? É melhor não. O eneagrama é um modelo de estudo da personalidade que agrupa os diferentes caráteres em nove ( ) tipos. Do ponto de vista científico, ainda não existe nenhum consenso acerca da sua validade entre os vários estudiosos. Do ponto de vista da fé, apresenta-se como uma prática que induz ao gnosticismo, ou seja, a procurar a salvação no conhecimento, e nesta linha foi criticado abertamente num documento do Pontifício Conselho para a Cultura, em que se afirmava que: “[A] gnose nunca se retirou completamente do terreno do cristianismo, mas sempre conviveu com este, às vezes sob a forma de corrente filosófica, mais frequentemente com modalidades religiosas ou pararreligiosas, em convicto, se não mesmo em declarado, contraste com aquilo que é essencialmente cristão. Pode ver-se um exemplo disto no eneagrama, o instrumento para a análise do caráter segundo nove tipos, o qual, quando vem utilizado como meio de crescimento espiritual, introduz ambiguidade na doutrina e na vida da fé cristã”170. 48 19. Um cristão pode pertencer à Maçonaria? Não pode171. Abraçar a visão que a Maçonaria tem de Deus e do homem implica renunciar às promessas batismais e a apostasia da fé católica. “Os fiéis que pertencem às associações maçônicas estão em estado de pecado grave e não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão”172. A Maçonaria foi condenada explicitamente por doze Papas em mais de 23 documentos pontifícios, o que a torna a organização mais condenada de toda a história da Igreja. 49 20. Por que a Igreja condena tanto a Maçonaria?173 Porque a Maçonaria é uma sociedade secreta iniciática que, sob a veste aparente da filantropia e da beneficência, promove: 1) Um relativismo religioso e moral, profundamente antidogmático, que coloca a razão acima de qualquer revelação divina e promove um antropocentrismo subjetivista que acaba por chamar ao mal bem e ao bem mal; 2) Rituais mágicos e idolátricos que, em certos casos, são explicitamente satânicos e incluem profanações da Santíssima Eucaristia; 3) O esoterismo, no sentido de que as “verdades” maçônicas são segredos aos quais se vai acedendo gradualmente e que não são do domínio público, mas apenas de uma elite de iluminados. É um esoterismo gnóstico, pois é por meio destes conhecimentos secretos que, segundo a maçonaria, o homem se autotranscende, aperfeiçoa, realiza e salva; 4) Um especial ódio a Jesus Cristo e à Igreja por Ele fundada, a Igreja Católica Apostólica Romana, o que se tem verificado historicamente em várias ocasiões: Revolução Francesa, Revolução Russa, Guerra Civil Mexicana e Espanhola, Revoluções Liberal e Republicana em Portugal etc. 5) Discriminações e favoritismos injustos. Os maçons protegem-se e ajudam-se uns aos outros sem quaisquer escrúpulos. Se for preciso, mentem, cometem injustiças, entre tantos outros comportamentos imorais, para favorecer e ajudar outrosmaçons. 50 21. Por que a Maçonaria tem tanto poder? Porque recruta – só se entra por convite – e coloca os seus membros, por meio de um sistema de ajuda mútua, nas posições chave do tecido social, nomeadamente, na política, na magistratura, na diplomacia, nos serviços secretos de informação, no exército, nos media, nas finanças, no mundo do espetáculo etc. 51 22. Um cristão pode ouvir qualquer tipo de música? Não. Atualmente, cada vez há mais músicas cuja letra ou melodia incita ao pecado de várias maneiras. Tais músicas são inaceitáveis para quem ama e segue Jesus Cristo. Infelizmente, são cada vez mais numerosos os cantores que confessam publicamente terem feito um pacto com o demônio e que durante os seus espetáculos lhe tributam culto explícito. 52 23. O demônio é o instigador de todos os nossos pecados e a causa de todos os males? Não. Como ensina Jesus na parábola do semeador174, às vezes somos levados a pecar movidos pelas seduções do mundo ou pelas nossas próprias más inclinações. “Não se deve acusar o Diabo em todas as coisas que acontecem; de fato, às vezes, o próprio homem faz de Diabo para si mesmo”175. 53 24. Jesus Cristo já venceu o Diabo e os seus anjos? Sim, “foi para destruir as obras do diabo que o Filho de Deus se manifestou” (cf. 1Jo 3,8). “Cristo, pelo mistério pascal da sua morte e ressurreição, livrou-nos da escravidão do Diabo e do pecado, derrubando o seu domínio e livrando todas as coisas dos contágios malignos”176. Porém, o Diabo, embora já definitivamente vencido por Cristo na cruz, continua a exercer a sua ação maléfica no mundo, e “esta ação é permitida pela Divina Providência”177, que do mal sabe tirar bens maiores178. “Um duro combate contra os poderes das trevas atravessa, com efeito, toda a história humana; começou no princípio do mundo e, segundo a Palavra do Senhor, durará até ao último dia”179. 54 25. Que tipo de ação exercem os demônios sobre este mundo? “A maléfica e adversa ação do Diabo e dos demônios afeta pessoas, coisas e lugares, manifestando-se de diversos modos”180. 55 26. Que tipo de capacidades naturais têm os anjos e os demônios? Têm um certo domínio sobre as realidades materiais; por exemplo, podem mover objetos181 e têm a capacidade de atuar sobre os nossos sentidos externos ou internos182. 56 27. Os demônios podem fazer verdadeiros milagres? Não, só Deus pode fazer milagres propriamente ditos, mas os demônios, em decorrência de suas capacidades naturais, podem fazer coisas prodigiosas e extraordinárias que parecem milagres aos homens. De fato, por vezes, “quando os demônios realizam algo pelo seu poder natural, nós o chamamos de milagre, não de modo absoluto, mas em relação à nossa capacidade [humana], e é assim que os bruxos realizam milagres graças aos demônios”183. 57 28. O que é a parapsicologia? É uma falsa ciência (pseudociência) que se propõe a estudar os fenômenos ditos “paranormais”, como, por exemplo, a telepatia, a clarividência, a mediunidade, as experiências extracorpóreas e os espíritos, com o método científico das ciências experimentais184. A comunidade científica mundial é unânime na crítica negativa que faz do valor científico, dos métodos e dos resultados obtidos pela parapsicologia. Contrariamente, a teologia sempre soube explicar, partindo da Palavra de Deus, as verdadeiras causas dos fenômenos hoje chamados “paranormais”, denominados tradicionalmente por “preternaturais”, apoiando-se sobretudo na angelologia. 58 29. Os demônios podem possuir as pessoas? Geralmente aos demônios é apenas permitido pela Providência Divina tentar os homens ao pecado, mas por vezes encontram-se casos de ataques diabólicos que vão muito além de simples tentações. A maior parte destes distúrbios extraordinários estão diretamente relacionados com formas de adivinhação185 ou magia186 em que, explícita ou implicitamente, os homens pedem a ajuda dos demônios187. Tais pactos, muitas vezes, conferem aos demônios a possibilidade de causar distúrbios que vão além das simples tentações. 59 30. Que sinais podem indicar a presença de distúrbios de origem diabólica? Conhecer línguas desconhecidas à pessoa, bem como fatos ocultos, manifestar uma força acima do normal e ter aversão às coisas sagradas188. Ver, ouvir, sentir, cheirar e imaginar coisas inexplicáveis à luz das ciências psicológicas. Ter doenças ou distúrbios somáticos inexplicáveis à luz das ciências médicas189. Acontecimentos estranhos com objetos e animais inexplicáveis à luz da ciência, como, por exemplo, coisas que se movem do lugar sozinhas, eletrodomésticos que se acendem e desligam sozinhos etc. 60 31. O que é um malefício? “O malefício é o poder de fazer mal a outros, graças a um pacto e com a ajuda dos demônios. Distingue-se da magia, a qual tem como objetivo realizar prodígios, enquanto este vem direcionado a fazer mal a alguém”190. “O malefício contém uma dupla malícia. Por um lado é contrário à virtude da religião, pois trata-se de culto ao demônio, por outro é contrário à caridade e à justiça, pois causa um dano injusto ao próximo”191. 61 32. Como se pode destruir um malefício? Por meio de uma vida construída na graça de Deus, da frequência dos sacramentos, principalmente da Eucaristia e da Reconciliação, dos sacramentais, de modo especial dos exorcismos, dos objetos religiosos abençoados, das peregrinações a lugares santos, da invocação dos santos, da destruição dos objetos utilizados no malefício e das orações de libertação192. 62 33. Como podemos defender-nos dos ataques diabólicos? Vivendo unidos a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, pela fé, esperança e caridade193. Quem vive na graça de Deus é um templo vivo da Santíssima Trindade194. Esta graça santificante de Deus recebe-se por meio dos sacramentos e da oração, e por isso são tão importantes a Confissão e a Comunhão frequentes. Um cristão que luta pela santidade, para conseguir amar cada vez mais a Deus com todo o coração e amar cada vez melhor os seus irmãos, sente a necessidade de ir à Missa e comungar todos os dias, de se confessar todas as semanas, de rezar o Terço mariano todos os dias, de meditar com frequência na Palavra de Deus e de adorar Jesus realmente presente na Eucaristia. Tudo isto nos une a Deus e, consequentemente, nos defende dos ataques do demônio. 63 34. O que é um exorcismo? O exorcismo é um sacramental. Trata-se de uma celebração litúrgica em que “a Igreja exige publicamente e com autoridade, em nome de Jesus Cristo, que uma pessoa ou objeto seja protegido contra a ação do Maligno e subtraído a seu domínio [...]. Sob uma forma simples, o exorcismo é praticado durante a celebração do Batismo. O exorcismo solene, chamado ‘grande exorcismo’, só pode ser praticado por um sacerdote, com permissão do bispo”195. 64 35. De onde vem o poder de expulsar os demônios? Vem de Deus, e por isso Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, afirma: “Se é pelo dedo de Deus que eu expulso os demônios, é porque o Reino de Deus já chegou até vós” (Lc 11,20). Este mesmo poder Jesus comunicou-o aos doze apóstolos quando os enviou em missão196; mais tarde comunicou também aos setenta e dois discípulos197 e, por fim, a todos os que acreditaram Nele quando disse: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa-Nova a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado. Eis os sinais que acompanharão aqueles que crerem: expulsarão demônios em meu nome; falarão novas línguas; se pegarem em serpentes e beberem veneno mortal, não lhes fará mal algum; e quando impuserem as mãos sobre os doentes, estes ficarão curados” (Mc 16,15-17). 65 36. Os fiéis podem rezar o pequeno exorcismo do Papa Leão XIII? “Não é lícito aos fiéis cristãos utilizar a fórmula de exorcismo contra Satanás e os anjos apóstatas, contida no Rito que foi publicado por ordem do Sumo Pontífice Leão XIII; muito menos lhes é lícito aplicar o texto inteiro deste exorcismo”198. Os fiéis batizados, embora tenham pelo batismo a capacidade de exorcizar os demônios,
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