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1 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal Dor abdominal crônica (DAC) ou dor abdominal recorrente Introdução • Comum na infância e adolescência. • Grande número de atendimentos ambulatoriais e de emergência; • Prevalência desconhecida (0,5% - 19%) a depender da idade e a definição; • Picos de ocorrência: 4-6 anos/7-12 anos. • DAC (>3 meses) geralmente é funcional: sem doença orgânica associada; Ou seja, a maioria dos pacientes não tem nenhuma lesão nem inflamação que justifique aquela dor. Então, depois a criança melhora e não vai sofrer tanto. • Difícil compreensão e recorrência: ansiedade nos envolvidos; Os pais, geralmente, chegam estressados, porque a dor atrapalha a dinâmica familiar, fazendo com que eles até faltem o trabalho pra cuidar da criança em casa. Importante acalmá- los e explicar que a dor provavelmente é funcional. • Grupo heterogêneo: etiologia, fisiopatologia, sintomas e abordagem variadas. Vale lembrar que essas dores têm uma tendência de reincidência e às vezes acontece com frequência elevada. Não se sabe ao certo o mecanismo exato que gera a dor abdominal funcional, então explicar isso aos pais não é fácil. As dores abdominais recorrentes, apesar de mais de 90% serem funcionais, podem ter causas orgânicas que variam bastante conforme diagnósticos, etiologia, tratamento. Definição • Primeiro conceito de DAC (Apley – 1958); ❖ 3 ou mais episódios de dor abdominal; ❖ Intensidade suficiente para interromper as atividades habituais; ❖ Período superior a 3 meses. 3 ou mais episódios em um período superior a 3 meses. Não é nos últimos 3 meses. Então, não adianta dizer que ¨teve uma dor de 1 minuto há uns 4 meses atrás e o menino continuou brincando¨. Isso não é dor recorrente!!! Tem que ter certa cautela, porque todo mundo tem dor uma vez na vida. AAP E NASPGHAN – subgrupos Academia Americana e Norte Americana de pediatria: • Dor abdominal crônica (DAC) – longa duração (> três meses), padrão contínuo ou intermitente; Quando olhamos ROMA IV, tem que ter pelo menos 4 dias por mês de episódio – por pelo menos 2 meses. As definições clássicas são pelo menos 3 meses. • Dor abdominal orgânica (DAO) – associada a causa anatômica, inflamatória ou dano tecidual (5-10%); • Dor abdominal funcional (DAF) – ausência de causa anatômica, inflamatória ou dano tecidual (sem alterações macro ou microscópicas). 90-95% são por causa funcional e 5-10% de causa orgânica por alguma inflamação, dano tecidual e pode ser dano microscópico e/ou macroscópico. • Desordens gastrointestinais funcionais (DGIFs) ROMA IV: ❖ Dispepsia funcional; ❖ Síndrome do intestino irritável; ❖ Enxaqueca abdominal; ❖ Dor abdominal funcional sem outra especificação. Às vezes, no primeiro momento, não é possível classificar nos 3 primeiros. Então, espera-se um pouco, reavalia e depois coloca como dor abdominal funcional. A principal causa de dor abdominal é funcional! Logo, dor abdominal funcional não é critério de exclusão. Então, se chega uma criança para vocês com dor abdominal, com boa anamnese e bom exame físico, sem sinal de alarme para doença de causa orgânica, a dor abdominal funcional entra como primeira hipótese diagnóstica. Não é para fazer como antigamente “exclui tudo e se não achar nada é funcional” – NÃO! A dor abdominal funcional tem que ser a primeira opção, se não tiver sinal de alarme nem outra doença que justifique o estado clínico da criança. Importante: Na avaliação diagnóstica da criança, a dor abdominal funcional por regra não precisaria de nenhum exame. Mas, uma avaliação básica é interessante (principalmente parasitose) por alta prevalência aqui no meio. Não tem estudo para dizer que no brasil a dor de parasitose é x e a funcional é y. De modo geral, o que predomina é dor abdominal funcional. 2 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal Fisiopatologia • Causa orgânica: lesão ou dano tissular (inflamação ou obstrução); • Funcionais: mecanismo complexo, multifatorial, não esclarecido; Se eu falo que a criança não tem lesão orgânica ou inflamação, por que que ela sente dor? ➢ Eixo cérebro-intestino; Ex. algumas crianças, às vezes, fazem quadros infecciosos intestinais, particularmente por rotavírus. Esse processo inflamatório mínimo, que não é o principal da fisiopatologia, ou às vezes uma alteração de microbiota, faz com que ocorra uma alteração de regulação do eixo cérebro-intestino e a criança passa a ter uma maior hiperalgesia visceral, ou seja, uma menor percepção de estímulo doloroso, de estímulo que são enviados ao cérebro. Uma criança que diz que comeu um feijão, tem uma distensão mas não sente nada. Outra criança, que tem um distúrbio funcional, come um feijão e tem uma distensão que provoca uma dor muito intensa, justamente porque ela tem um menor limiar de percepção de dor que é enviado ao cérebro. Se essa criança tiver uma predisposição genética é pior. Se tiver fatores psicológicos que influencie nesse eixo cérebro- intestino, o limiar de percepção de dor é pior ainda. Então, uma soma de fatores que vão levando uma hiperalgesia visceral. ➢ Mecanismos de forma isolada ou associada. ❖ Hiperalgesia (ou alodinia) visceral: menor limiar de percepção dos sinais do TGI enviado ao cérebro. ➢ Distúrbios na motilidade; As vezes também a alteração no eixo cérebro-intestino desregula a motilidade, podendo levar a constipação, diarreia, produção de muco. Mas não é para ter nenhuma lesão orgânica, inflamatória, nenhum dano tissular que justifique o eixo cérebro-intestino sendo modulado por alguns fatores levando a alterações e a sensação de dor pela criança. ➢ Inflamação de pouca intensidade; ❖ Predisposição genética. O que se sabe é que a predisposição genética influencia, ou seja, pai que tenha síndrome do intestino irritável, as questões de microbiota alterada também influenciam nessa regulação. A questão do comportamento da criança. ❖ Alterações na composição da microbiota intestinal (pós infecções bacterianas ou rotavírus); ❖ Perfil psicológico da criança e estresse ambiental: quadro e evolução. Dedicar uma parte da anamnese para ver os aspectos psicossociais da criança, questões relacionadas com o estudo, a escola, a questão da dinâmica familiar. Essas crianças com alterações emocionais têm quadros mais proeminentes de dor funcional e a evolução às vezes não é tão boa em termos de terapêutica. É preciso avaliar muito e sempre perguntar por essas questões. Prestar atenção naquela criança muito agitada ou agressiva na consulta. Bullying é algo importantíssimo de se perguntar. Quando é adolescente, é possível dedicar uns minutos da consulta para conversar sozinho com o paciente, o que não é possível com criança menor. ➢ Maior frequência de ansiedade, depressão e baixa autoestima; ➢ Associação com eventos estressantes: desordens familiares, hospitalização, ¨bullying¨ e abuso. Diagnóstico • Desafio diagnóstico: principalmente no primeiro momento. • Diagnóstico diferencial: orgânica X funcional; • História clínica detalhada: 90-95% da consulta da criança com dor abdominal é anamnese. Os outros 5-10% será dedicado para fazer a conduta terapêutica e diagnóstica para aquela criança. • Sinais e sintomas de alerta para doença orgânica: Importantíssimo! • Exame físico: busca por algum sinal que indique doença de causa orgânica. Tem que ser super completo, ̈ dos pés à cabeça¨ da criança. Não é pra avaliar só o abdômen! Tem que olhar saturação, mucosa, cavidade oral, pele. Tem algumas doenças da pele que são super características de doenças gastrointestinais. • Exames complementares: está em último porque se a maior parte da dor abdominal é distúrbio funcional, não haverá nada de alteração de exame. Então, não é preciso, num primeiromomento, pedir exame 3 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal para a criança, porque não vai mudar a suspeita diagnóstica. É importante explicar para os pais que o distúrbio funcional não quer dizer que a criança não tem nada. Ela tem alguma coisa, mas é alguma coisa que não tem lesão orgânica por trás. É só algo de desregulação mesmo - motilidade, sensibilidade visceral. Anamnese • Características da dor: localização, intensidade, frequência, periodicidade, relação com alimentação, dor noturna, interferência com as atividades habituais. FUNCIONAL ❖ Periumbilical ou epigástrica/raramente irradia: é mais em linha média. ❖ Duração: minutos a horas/intercalados por períodos de bem estar: muitas vezes, essas dores são aliviadas de forma espontânea, podendo ficar por até dias e voltar a sentir novamente. ❖ Ocorrem durante o dia: Não geram despertar noturno. ❖ Intensidade variável (classificar de 0 a 10 ou fazer a escala de carinha-emoctions): choro e interrupção das atividades habituais; É importante ressaltar que dor abdominal funcional não é uma dor fraca. A intensidade da dor não diferencia entre funcional ou orgânica. Pode-se ter dores intensas em distúrbios funcionais ou dores mais fracas em distúrbios orgânicos. Contudo, é essencial que se identifique a intensidade, a frequência (se há associação com os critérios de Roma IV), fatores de piora ou melhora (como o leite → intolerância a lactose). ❖ Pode ter associação com sintomas neurovegetativos: palidez, sudorese, náuseas e vômitos; ❖ Dor noturna (quando há despertar noturno por conta da dor) ou interrompe atividades prazerosas: orgânicas. Uma doença de causa orgânica, uma inflamação, acontece o dia todo e a criança pode apresentar dores constantes e acordar com dor. Uma criança com distúrbio funcional apresenta a regulação pelo eixo cérebro-intestino, com fatores estressantes, psicológicos. Então, quando a criança dorme, os fatores de estresse desencadeantes não se ativam e, por isso, não acorda com dor. Tanto dores funcionais como orgânicas podem interferir nas atividades habituais, como comer, assistir televisão. O que se deve tentar identificar? Deve-se observar se as atividades que a criança mais gosta de realizar são impedidas pela dor. Por exemplo, a criança adora brincar de casinha, mas quando alguém interrompe a atividade, a criança se estressa e começa a sentir dor. Ou seja, doença orgânica interrompe atividade prazerosas, já as doenças funcionais não, pois ao se fazer uma atividade prazerosa, o eixo cérebro- intestino também está sendo “camuflado”; a lógica é parecida com a terapia cognitivo-comportamental, onde o foco da dor está sendo deslocado para outras coisas mais prazerosas. Lembrete: se tiver despertar noturno ou interrupção de atividades prazerosas → pensar em causas orgânicas. • Sintomas associados: devem ser observados na anamnese - pirose, saciedade precoce, empachamento pós-prandial, náuseas, vômitos (a criança pode ter vômito durante a dor, como sintoma neurovegetativo, mas nos episódios sem dor, a criança não tem vômito. Se tiver, deve-se ficar aleta), diarreia, constipação, tenesmo, sangramentos digestivos, icterícia. • Sinais/sintomas de outros sistemas: sintomas urinários, cefaleia, sonolência após as crises de dor, artralgias, artrites, tosse crônica, asma, respiração bucal; • Medicações em uso ou utilizadas: medicações que podem levar a lesão de mucosa gástrica - antibióticos, AINES, corticoesteroides. O inquérito alimentar é de suma importância, pois muitas vezes a alimentação é ruim, cheio de produtos que levam a fermentação, que irritam a mucosa gástrica e acabam sendo deflagradores, às vezes, em crianças que já tem uma hiperalgesia visceral. Então, deve-se perguntar se ingere muito leite e produtos lácteos (mesmo que a criança não tenha intolerância a lactose, se a alimentação for ricamente láctea, esse indivíduo vai ter distensão, diarreia osmótica, entre outros sintomas), sucos naturais e artificiais, bebidas gaseificadas, balas e chicletes, irritantes gástricos (alimentos industrializados, condimentos picantes), conteúdo de fibra na dieta. 4 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal História familiar: deve ser voltada para doenças do TGI. Ex. doença ulcerosa, doença celíaca, doença inflamatória, doenças autoimunes; Questionar algum distúrbio funcional dos pais - enxaquecas, quadros depressivos, ansiosos, casos de tuberculose na família, alergias. Antecedentes médicos: é importante focar na parte de quadros infecciosos recentes, uso de antibióticos ou outro medicamento recentemente, trauma abdominal (em emergências é comum a criança com dor abdominal que sofreu alguma agressão na região da barriga e não relatou aos pais), intervenção cirúrgica prévia (pensando em possibilidade de brida cirúrgica e constipação). Por fim, mas não menos importante, observar o perfil psicológico e comportamental da criança (muitas sofrem de ansiedade). Deve-se focar bastante na possibilidade de bullying, na dinâmica familiar, na ansiedade e no humor da criança. Sinais de alarme para causa orgânica ❖ História familiar de DII, doença celíaca ou péptica; ❖ Dor persistente em QS ou QI direito (distante da região mesogástrica): Quanto mais afastado da linha mesogástrica, menor a chance de ser funcional. ❖ Disfagia/odinofagia/lesões orais; ❖ Vômitos persistentes: presença de vômitos fora do episódio de dor. ❖ Sangramento TGI altos ou baixos: Hematêmese, melena, hematoquezia, enterorragia. ❖ Anemia; ❖ Doença perianal: abcessos, fístulas. ❖ Avaliação antropométrica: Perda ponderal involuntária; desaceleração do crescimento linear; ❖ Atraso da puberdade: realizar o estadiamento de Tanner. ❖ Febre sem explicação: pensar em doença inflamatória, tuberculose intestinal. ❖ Diarreia de repetição/dor noturna; ❖ Artrites/artralgias: pensar - doença inflamatória. Exame físico • Avaliação antropométrica; ❖ Peso, estatura, velocidade de crescimento; ❖ Estágio puberal: em adolescente, deve-se pedir permissão para avaliar. Se não houver autorização, pede-se para ele classifique na tabela. ❖ Exame abdominal detalhado: localização da dor, massas (ex. fezes em fossa ilíaca esquerda), fígado, baço (buscar esplenomegalia), loja renal (buscar aumento que sugira doença cística ou um sinal de Giordano); ❖ Avaliação perianal (buscar abcesso, fístula, lesão estranha) e toque retal (pensando em causa orgânica/doença inflamatória). Exames complementares • Se não tiver sinais de alarme, exames são desnecessários: Lembrar – a causa mais comum de dor abdominal crônica na pediatria é funcional. Ex. uma criança que chega ao consultório que é acompanhada por pediatra, realiza as avaliações de rotina todo ano, com tudo normal, sem alterações na anamnese e exame físico, nenhum sinal de alarme → não é necessário realizar exames. Porém, nesses casos, se a criança não tem nenhum exame recente, pode-se solicitar exames laboratoriais básicos; possibilidade de triagem para doença celíaca (não obrigatório). Exemplo - criança com erro alimentar e ansiedade, sem sinais de alarme → não é necessário, em primeiro momento, que se realize a sorologia para doença celíaca. Em pacientes com dor abdominal não há indicação de USG de rotina, apenas se estiver pensando em causas orgânicas (ex. afastar doenças de via biliar, fígado, vesícula, pâncreas, até mesmo um espessamento de alças intestinais). • Avaliação laboratorial básica: HMG (hemograma) EAS (urina) e EPF (fezes); • Avaliar solicitação: VHS, PCR, função tireoidiana, amilase e lipase; • Sorologia para doença celíaca (ROMA IV): IgA total e antitransglutaminase/anti-TTG. Não é obrigatório. • Melhora dos sintomas com a exclusão dalactose: má absorção; • Exames de imagem (Ex. USG): somente se evidências clínicas de causa orgânica. 5 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal Diagnóstico dos distúrbios funcionais • Distúrbios funcionais como primeira hipótese e não diagnóstico de exclusão; • ROMA IV. ❖ Sem alteração ao exame clínico e testes complementares: Não é necessário realizar exames, pois além de não acrescentar nada na suspeita diagnóstica, sabe-se que não se exclui outras causas para dar o diagnóstico de distúrbio funcional. ❖ Preencher os critérios de ROMA IV para cada problema; ❖ Sinais e sintomas não atribuídos a outra doença. Se preencher os critérios para distúrbio funcional, a hipótese diagnóstica é distúrbio funcional. Dentre eles, temos: dispepsia funcional; síndrome do intestino irritável; enxaqueca abdominal e dor abdominal funcional sem outra especificação. Dispepsia funcional • Um ou mais dos sintomas ao menos 4 dias por mês. ❖ Plenitude pós-prandial; ❖ Saciedade precoce; ❖ Dor epigástrica que não se associa à defecação; ❖ Os sintomas não podem ser plenamente explicados por outra doença. Pode ser em intervalos variáveis e pelo menos 2 meses antes do diagnóstico. * Na SII, há melhora da dor com evacuação ou flatos. Então, se há dor epigástrica e alívio ao defecar, não se classifica mais como dispepsia funcional e sim como provável SII. 1. Síndrome de dificuldade pós prandial: desconforto da plenitude pós-prandial ou saciedade precoce que impede o término da refeição regular. Critérios de suporte incluem distensão abdominal superior, náusea pós-prandial ou eructações excessivas. Nesse quadro, justifica-se o eixo cérebro-intestino, desencadeado por alguns fatores; deixa a motilidade do TGI mais reduzida/lenta. Então, o paciente fica empachado, com saciedade precoce, com ¨estômago alto¨. 2. Síndrome de dor epigástrica: dor ou queimação epigástrica (pode interferir com as atividades). ❖ Dor não generalizada e sem localização em outra parte do abdômen ou tórax; ❖ Dor não é aliviada pela evacuação ou eliminação de flatos. Critérios de suporte: (a) dor tipo queimação não retroesternal; ((b) dor induzida ou aliviada pela ingesta, mas pode ser em jejum. Alguns estudos mostram que talvez esse subgrupo se beneficiaria ao uso de IBPs, pois haveria mais secreção de HCL, mas não que justifique a alteração de uma pHmetria em esôfago (? Entendi nada). Em crianças maiores, quando lembramos de DRGE e não temos associação de sinais de alarme pode-se tratar, mas se tratar e não melhorar deve-se realizar EDA, e se a endoscopia estiver normal, não respondendo ao IBP, deve-se correlacionar os sintomas com episódios de refluxo, a pHmetria. Nesse caso, como os sintomas não se associam ao aumento de secreção de HCl na pHmetria tem-se uma causa funcional. Porém, não é preciso fazer pHmetria para diagnóstico de dispepsia. Dor epigástrica, que não se associa com evacuação e flatos, não retroesternal, por exemplo. Lembrando que se há associação com evacuação deve-se pensar em SII. o Apresentação com predomínio do desconforto, de dificuldade pós-prandial, ou um subtipo com dor epigástrica → subtipos de dispepsia funcional. Dispepsia func – diagnóstico diferencial • Doença péptica (DRGE, gastrite erosiva, úlcera gástrica ou duodenal); • Efeito colateral de medicamento; • Doença de Crohn; • Tuberculose; • Infecções parasitárias: às vezes, parasitoses não geram sinais de alarme, além da dor abdominal. Por isso, às vezes, vale a pena fazer na avaliação básica um parasitológico de fezes e até mesmo tratar. Sempre buscar sinais de parasitose. • Doença celíaca: acomete principalmente duodeno. • Colecistite crônica; • Pancreatite crônica. 6 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal Síndrome do intestino irritável • Todos os critérios: 1. Dor abdominal ao menos 4 dias por mês associada com um ou mais dos seguintes sintomas: ❖ Relação com evacuação e/ou ❖ Alteração na frequência das fezes e/ou ❖ Alteração na aparência das fezes; Obs. Podem ocorrer esforço ou urgência pra defecar, sensação de evacuação incompleta do reto, passagem de muco (alterações na quantidade de muco) e distensão abdominal. 2. Constipação: dor pode não resolver com a resolução da constipação. Sempre surge uma dúvida: É a constipação que causa a dor abdominal ou a criança tem dor abdominal e constipação? Ele pode ser um constipado funcional, que tem dor abdominal, e ao iniciar o tratamento com polietilenoglicol tem melhora da dor e da constipação, ou seja, a melhora da constipação levou a melhora da dor → criança com constipação funcional. Porém, pode acontecer da criança chegar com os mesmos sintomas, iniciar o mesmo tratamento, conseguir uma melhora na constipação, mas o quadro de dor abdominal persistir → já não é um quadro de constipação funcional; isso é uma síndrome do intestino irritável com padrão de constipação. 3. Sintomas não podem ser plenamente explicados por outra condição médica. Ocorrer pelo menos 2 meses antes do diagnóstico. • Subtipos: ❖ SII com constipação (dor abdominal e constipação); ❖ SII com diarreia (diarreia intermitente); ❖ SII com constipação e diarreia (alternando): padrão clássico de intestino irritável. ❖ SII não especificada. Em pediatria esses subtipos não são tão característicos, pois ainda não existem estudos confiáveis pra dizer o qual que predomina, mas o que se deve ser chamado atenção. Constipação funcional x SII A diferenciação pode ser difícil. Em caso de dor abdominal e constipação, inicia-se o tratamento para constipação funcional; caso a dor desapareça → constipação funcional. SII – diagnóstico diferencial • Retocolite ulcerativa; • Doença de Crohn; • Doença celíaca; • Doenças infecciosas; • Infecções parasitárias; • Infecções bacterianas; • Intolerância à lactose. As mesmas patologias base dos demais distúrbios funcionais (qualquer alteração que cause constipação, dor abdominal e diarreia). CONTINUAÇÃO - SII ❖ Resultante da modulação bidirecional: cérebro- intestino; ❖ Fluxo sanguíneo, motilidade, secreção e imunidade; ❖ Regulada por agentes hormonais, neurais e imunológicos; ❖ Alteração na hipersensibilidade visceral relacionada a eventos psicológicos (estresse, depressão); ❖ Aumento da atividade inflamatória na mucosa (SII pós-infecciosa); ❖ Alterações no microbioma intestinal. A SII é bastante estudada em termos de fisiopatologia-tratamento. É possível notar bastante o envolvimento da modulação bidirecional cérebro- intestino com fatores psicológicos e emocionais bastante relacionados com nossa hipersensibilidade visceral, motilidade e secreção do intestino. Enxaqueca abdominal • É uma condição nova, porém com um aumento na frequência (está se diagnosticando cada vez mais): em torno de 4% da população com dor abdominal tem enxaqueca abdominal; • Semelhante a uma crise de enxaqueca convencional: Dor abdominal de forte intensidade em crises; • Sintomas prodrômicos: mudança de comportamento e humor, fotofobia e sintomas vasomotores; • Alívio dos sintomas com o uso de medicamentos para prevenção de enxaqueca: reforço diagnóstico; 7 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal • Fatores desencadeantes: mesmos que o da enxaqueca comum: estresse, fadiga e obesidade; alimentos como chocolate (75%), queijo (48%), frutas cítricas (30%) e bebidas alcóolicas (25%). Pensa-se em enxaqueca abdominal ao ser preenchido todos os seguintes sintomas, ocorrendo ao menos dois episódios de dor por no mínimo 6 meses: 1. Episódios paroxísticos de dor abdominal intensa, aguda e periumbilical, na linha média ou difusa, durando 1 hora ou mais (deve ser o sintoma mais grave e aflitivo); 2. Episódiosintercalados por semanas ou meses; 3. Dor é incapacitante e interfere com as atividades normais; 4. Padrões estereotipados e sintomas individualizados para cada paciente. 5. Dor associada a dois ou mais seguintes sintomas: anorexia, náusea, vômito, cefaleia, fotofobia, palidez; 6. Os sintomas não podem ser plenamente explicados por outra condição médica. Dor abdominal funcional sem outra especificação Quando não se consegue classificar essa criança como SII e enxaqueca abdominal, o profissional dirá que o paciente tem uma dor abdominal funcional sem outra especificação. • Todos os seguintes sintomas ao menos 4X por mês. 1. Dor abdominal episódica ou contínua que não ocorre exclusivamente durante eventos fisiológicos (ex. alimentação, menstruação, dismenorreia); 2. Critérios insuficientes para outros distúrbios funcionais; 3. A dor abdominal não pode ser plenamente explicada por outra condição médica. Ocorrer por pelos menos 2 meses antes do diagnóstico. Não consigo encaixar em nenhum distúrbio funcional + tem pelo menos 4 episódios por pelo menos 2 meses: dor abdominal funcional sem outra especificação. Diagnóstico diferencial • Doença de Crohn; • Má rotação com ou sem volvo; • Invaginação intestinal de repetição; • Aderências pós-cirúrgicas; • Linfoma de intestino delgado; • Tuberculose intestinal; • Parasitoses intestinais; • Desordens do trato urinários; • Dismenorreia. Os mesmos citados anteriormente; Chama atenção para os distúrbios do trato urinário e menstruais. Tem também linfoma e outras causas de abdome agudo cirúrgico. A criança chega com dor e o médico pergunta onde dói e a criança aponta para o umbigo; é a forma mais fácil de diagnosticar dor abdominal funcional sem outra especificação. Tratamento • Causa orgânica: terapêutica específica; • Funcionais: ❖ Abordagens dietéticas; ❖ Terapias farmacológicas; ❖ Suporte psicológico; ❖ Terapias suplementares; ❖ Assegurar aos pais a benignidade do quadro. A abordagem de tratamento para as dores abdominais funcionais é múltipla. Algumas crianças podem precisar de abordagem dietética, outros vão precisar de uma terapia farmacológica, outros podem precisar de suporte psicológico, outros vão precisar associar todas as abordagens, outros precisam de terapias alternativas (acupuntura, homeopatia). Quando é uma causa orgânica se sabe qual é a etiologia, então é diferente, intervêm naquilo. Se é uma doença celíaca retira o glúten da dieta, se é uma doença inflamatória utiliza imunossupressores ou corticoide. Quando é distúrbio funcional tem que atirar para todos os lados para tentar chegar na melhora da dor do paciente. Seja qual for a abordagem terapêutica escolhida é preciso que tenha um bom vínculo com os pais, incluindo os pais no processo de tratamento. Primeiro deve-se conversar com eles, falar que se trata de um tratamento para distúrbio funcional, são benignos, que tendem a melhorar, não causam nenhuma repercussão no crescimento da criança, mas que podem interferir na qualidade de vida daquela criança. É importante dizer 8 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal para os pais que essas crianças muitas vezes podem se tornar portadora de dor abdominal crônica na vida adulta (até 30%). A dor abdominal crônica na infância é fator de risco para SII na idade adulta. Então, individualizar sempre esse tratamento. A anamnese, o exame físico e essa conversa com os pais são determinantes para decidir qual linha de tratamento que será abordada. Abordagem dietética ❖ Alguns alimentos aumentam distensão abdominal e sinalização dolorosa: piora dos sintomas. A abordagem dietética é feita para todos os pacientes. Difícil achar uma criança que não tenha erro alimentar no consultório. Alguns alimentos levam a um certo grau de distensão abdominal e as crianças que têm uma dor funcional as vezes é uma hiperalgesia, então essa grave distensão abdominal ativa a via de sinalização dolorosa e leva a piora dos sintomas. No entanto, é importante pedir aos pais que façam um diário dos sintomas e naquele dia que ele referiu um sintoma fazer um inquérito alimentar, o que teve de diferente da dieta habitual e que pode ter sido um gatilho para a dor. ❖ Papel dos carboidratos fermentáveis não absorvíveis (FODMAPs – oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos, fermentáveis e polióis) principalmente em SII. Esses alimentos fermentados não são absorvidos e as vezes causam uma distensão maior na criança que tem uma dor abdominal funcional. Ex.: frutose, lactose, sorbitol, frutooligossacarídeos, glucooligossacarídeos e manintol. Com o inquérito alimentar e com o diário dos sintomas, vai tentar identificar os alimentos que provocam os sintomas e o nutricionista vai oferecer opções equivalentes e substituição. Não pode sair tirando todos os alimentos, é necessário fazer junto com a nutricionista um cardápio. ❖ Evidências para uso da dieta restrita de FODMAPs na infância ainda são restritas. • DAC com distensão abdominal, diarreia e relato de associação com leite: retirar temporariamente a lactose ou realizar teste. • Dispepsia funcional: evitar alimentos que agravem sintomas (cafeína, picantes, gordurosos) • Sensibilidade ao glúten → celíaca. • Aditivos alimentares. Outros alimentos funcionam também com um pouco de gatilho para aumentar a sinalização dolorosa como os aditivos alimentares naqueles alimentos ultra processados. Alguns pacientes podem ter também alguma sensibilidade ao glúten, uma sensibilidade não celíaca, quando ele come aumenta a distensão abdominal e acaba tendo dor abdominal. Ele pode comer o glúten, não tem problema. Os pacientes que retiram o glúten da dieta sem ter doença celíaca tem que ter muito cuidado, pois os alimentos com glúten são os que tem mais calorias. Paciente que não come nada de glúten aí naquele dia que comeu uma macarronada teve sintoma, ele pode ter uma sensibilidade não celíaca ao glúten. Então, nesse caso pode retirar da dieta, ver se melhora os sintomas e fazer um ajuste para ficar com um aporte calórico adequado. A mesma coisa com a lactose; se é identificado na história que aquela criança quando ingere coisas com leite tem diarreia, dor abdominal, distensão, fezes explosivas, pode também pensar na intolerância a lactose, mas isso seria em um caso orgânico de dor. Na verdade, não tem inflamação, é apenas pela redução da lactase; tem que colocar a intolerância a lactose como um limbo, não é algo funcional, mas também não é algo orgânico de doença. A primária é como se fosse um limbo. Já a secundária é secundária a outro processo inflamatório. Pode-se retirar a lactose da dieta para observar se melhora a sintomatologia ou pode realizar o teste de tolerância oral, ou de hidrogênio inspirado. Se tiver a associação causal importante. Mesma coisa para paciente com sintomas dispépticos → está pensando em dispepsia funcional, seja de dor epigástrica ou desconforto pós prandial → fazer investigação e observar se alguns alimentos específicos pioram os sintomas, como alimentos gordurosos (retardam o esvaziamento gástrico), chocolates, cafeínas e alimentos picantes. Às vezes se orienta de forma geral nos ambulatórios, mas tem que ser individualizado, por isso é indicado sempre buscar um nutricionista para ajuste adequado para a criança. 9 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal Terapia farmacológica • Manutenção do microbioma intestinal: potencial alvo terapêutico; • Probióticos (pp na SII): lactobacillus rhamnosus GG, Lactobacillus reuteri DSM 17938 e o VSL #3 (não disponível no Brasil); • Diminuem a intensidade da dor; • Uso controverso; • Anticolinérgicos: sem evidência para controle da dor nas causas funcionais. Algumas crianças, àsvezes, mesmo que se faça o ajuste de dieta, não tem melhora da sintomatologia. Naquelas crianças em que se identifica que apenas o manejo terapêutico não é eficaz, ou que já tem dieta boa e não melhora, pode-se tentar o uso de probióticos. Probióticos Principalmente quando relacionado a SII (mais estudo e melhores resultados). No geral, os estudos de probiótico são bem controversos. Sobre o distúrbio funcional está sendo muito estudado o papel da microbiota na modulação das vias de sensitividade. Então, seu uso em alguns pacientes realmente melhora os episódios de dor. Porém não pode ser usado como tratamento de primeira linha ainda. Os probióticos estudados e que possuem melhor grau de evidência para distúrbio funcionais são o Lactobacillus reuteri, provance, o colidis que bebê usa. O Lactobacillus rhamnosus GG é novo no brasil. O VSL não tem no Brasil por enquanto. Se for utilizado no distúrbio funcional por 2 semanas e não haver melhora, não precisa mantê-lo, já que é caro. Mas como tentativa para SII pode tentar fazer. Em termo de evidência científica o floratil não é indicado para distúrbio funcional, mas sim para diarreia aguda. Anticolinérgicos Buscopan, antiespasmódicos. Não há evidência de controle de dor nos pacientes com distúrbio funcional, muitas vezes tem um efeito mais placebo do que eficácia. Lógico que alguns pacientes podem ter alteração de motilidade associada e nesse caso fazer algum efeito. Antidepressivos • Antidepressivos: benéficos na DAF; • Diminui o trânsito intestinal; • Trata a depressão (enquanto comorbidade); • Melhora a sono; • Induz analgesia; • Usar com cautela: efeitos colaterais; • Enxaqueca abdominal: tratamento medicamentoso profilático (ciproheptadina, amitriptilina, propranolol, pizotifeno e flunarizina). Pacientes em que se tenta o manejo dietético, testa- se o probiótico, além do suporte psicológico e ainda assim mantem a dor, é interessante tentar fazer o uso de antidepressivos, principalmente se já identifica comorbidade na história como transtorno de humor, depressão. A maioria não é indicado para menores de 12 anos, pois tem muito efeito colateral. Então, não tem recomendação de qual é o melhor antidepressivo. Os mais usados são os tricíclicos, amitriptilina, mas não há uma recomendação em termo de qual é o de escolha. Geralmente encaminha-se para psiquiatra para que ele escolha a melhor medicação para aquele determinado paciente. Profiláticos São bastantes estudados e mostram ser bem benéficos em pacientes com enxaqueca abdominal: Propanolol, flunarizina e amitriptilina (mais usados na pediatria). ❖ Dispepsia funcional: antagonistas (H2) ou IBP: por quatro semanas em crianças maiores e adolescente. ❖ Baixas doses de antidepressivo tricíclico e ciproheptadina em casos difíceis. ❖ Náuseas, distensão e saciedade precoce são sintomas mais difíceis de tratar: procinéticos podem ser prescritos. Nos pacientes com mais sintoma de dispepsia funcional, com quadro de dificuldade pós prandial são mais difíceis de tratar e podem se beneficiar do uso de procinéticos, por um tempo mais curto, mas para aumentar a motilidade. Em pacientes com empachamento, saciedade, talvez aumentando o trânsito intestinal isso melhore um pouco – NÃO SÃO TODOS OS PACIENTES QUE RESPONDEM. 10 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal Já nos pacientes com dor epigástrica talvez se beneficie com uso de IBP. Por que uso de IBP pode melhorar o distúrbio funcional? Não é que ele tenha aumento de secreção e refluxo de maneira orgânica, mas ele tem uma sensibilidade maior à secreção gástrica. Ao fazer pHmetria nesse paciente (não é indicado, mas caso fizesse), seria como em paciente com refluxo com o índice de fluxo normal, mas com dor epigástrica. Então, reduzir um pouco essa secreção talvez melhore. Mas alguns pacientes não respondem a essa terapêutica. Em SII em adultos, existem várias opções de tratamento, a depender do padrão – antidiarreicos, medicamentos para episódios de dor... não existe muita experiência quanto a isso em pediatria. Apesar de dor abdominal funcional ser a principal causa de dor abdominal em ped, esses subtipos de classificação do Roma IV não são tão frequentes de diagnosticar e acabam ficando como dor abdominal não especificada. Não há tanto trabalho de eficácia desses medicamentos em pediatria. Suporte psicológico • Estabelecimento de uma boa relação médico- paciente-família; • Fatores psicológicos efetivas: suporte familiar, terapia cognitivo comportamental (TCC) e psicoterapia. Essencial no tratamento de pacientes com distúrbio funcional. É uma terapia não só para a criança, mas também todas as pessoas que fazem parte do convívio da criança – não adianta a criança ir à terapia e ao chegar em casa a família proporcionar um ambiente tóxico. Trabalhar em conjunto criança X família. Os fatores psicológicos podem piorar o quadro da criança, agravar e piorar o prognóstico de melhora da criança. A terapia cognitiva comportamental é a que se mostra mais efetiva, mas pode tentar psicoterapia ou terapia familiar. • TCC é mais efetiva: focar em outro pensamento ou imagem = bloqueia ou diminui percepção da dor – ativação do sistema opioide e não-opioide de supressão dolorosa. • Práticas comportamentais: amenizam tensão muscular e/ou comportamentos restritivos, impulsos sensoriais inadequados e aumento da percepção dolorosa. • Modificam comportamentos no paciente e nos cuidadores, que iniciam, mantêm e/ou exacerbam a dor. • Exemplos: exercício físico, relaxamento e condicionamento operante. A TCC é como se tentasse mudar o padrão de comportamento e oferecer estratégias para que a criança mude o foco da dor, para que a sinalização não seja tão intensa. Às vezes só a terapia já resolve o quadro, sem precisar de medicação. A professora gosta de enviar todos os pacientes com dor abdominal ao psicólogo, mesmo sem ter achado nada na anamnese. Se a psicóloga achar que não tem necessidade, ela encaminha de volta com um relatório. Prognóstico É importante intervir nesses pacientes, pois eles podem ficar com dor abdominal crônica para o resto da vida, inclusive SII. Casos clínicos Cenário 1 Paciente 9 anos, trazida por seu genitor ao ambulatório de gastropediatria com relato de dor abdominal periumbilical sem irradiação há 5 meses. Refere que episódios ocorrem somente durante o dia, cerca de 2- 3 vezes na semana, com duração de 10-20 minutos, às vezes acompanhada de náuseas e palidez e que melhora com uso de chás. Refere que criança apresenta dejeções diariamente (1-2/dia) cilíndricas, sem esforço e de consistência normal. Refere que dor abdominal não melhora com as dejeções. Já fez uso de diversos antiparasitários sem melhora da dor. Criança não tem alimentação adequada para a idade, ingerindo grande quantidade de biscoitos recheados, salgadinhos e frituras. Ao exame físico: paciente com sobrepeso; abdômen: semigloboso às custas de panícula adiposo. Conversando sobre o caso: é uma dor abdominal crônica (>2 meses pelo critério de Roma). Ausência de sinais de alarme – náusea e palidez não é sinal de alarme. Provavelmente são sinais neurovegetativos associados no episódio de dor. Agora se fosse palidez o tempo todo, 11 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal fora da dor, náuseas e vômitos frequentes fora dos episódios de dor, você iria ver como um sinal de alarme, mas a palidez referida no caso é durante o episódio de dor, depois está bem. Sobre o caso acima, marque a alternativa correta: a) A principal hipótese diagnóstica para o quadro de dor abdominal crônica acima é distúrbio gastrointestinal funcional; b) Devem ser investigadas causas orgânicas de dor abdominal para essa paciente, umavez que a mesma possui sinais de alarme como palidez e náuseas. c) Desordens gastrointestinais funcionais não devem ser consideradas nesse paciente, uma vez que são raras em pediatria como causa de dor abdominal crônica. d) A paciente preenche critérios de ROMA IV para SII. e) O quadro clínico é compatível com doença péptica, condição geralmente associada a infecção por HP. COMENTÁRIOS a) VERDADEIRA. É uma dor abdominal crônica, em que a principal hipótese diagnóstica é dor abdominal funcional por dois motivos funcionais: 1º é o mais comum - 90 a 95% e 2º porque não foi achado nenhum sinal de alarme na história. b) FALSO. A palidez e a náusea durante a crise de dor podem acontecer. Se fossem fora do episódio de dor, aí seria considerado como um sinal de alarme. c) FALSO. Ridícula! d) FALSO. Pode ser SII? Tem mais de 4 dias por mês de dor? Sim. Tem mais de dois meses de dor? Sim. Tem dor abdominal? Sim. Tem associação com a evacuação? NÃO. Tem associação com mudança do padrão –frequência ou aparência - de fezes? Não. Cuidado com a definição da SII: dor que melhora com a evacuação. Pois as vezes a criança não traz isso pra você, mas ela traz que tem dor e tem alteração do padrão de fezes, e então por isso você não considera SII? É um dos critérios, mas a criança pode ter só diarreia com a dor abdominal que as vezes alivia, mas ela não consegue trazer esse relato. EX: é o tempo todo constipada, toda hora refere dor, a dor até pode aliviar quando defecar, mas volta depois que passou, porque às vezes continua não eliminando as fezes direito. e) FALSO. Pela sintomatologia pode se pensar em doença péptica, só que não estou pensando em doença orgânica. Doença péptica é uma doença orgânica, tem lesão de mucosa. Não vou pensar nisso a princípio. OBS.: Doença péptica nunca é funcional, é orgânica: lesão associada a ação cloridopéptica. Se tem lesão, não é funcional! A paciente do caso anterior não entra em SII, não entra em dispepsia e não entra em enxaqueca. Ela vai ficar como distúrbio gastrointestinal funcional não especificado. OBS.: Dispepsia funcional não é diagnóstico de exclusão; é para estar como principal suspeita diagnóstica se não houver sinais de alarme. Diarreia de repetição com dor noturna. Lembrando que na SII é possível verificar padrão de diarreia. Diarreia de repetição, com dor abdominal principalmente noturna, com perda de ponderal como sinal de alarme. Sobre o caso acima, assinale a correta: a) Essa paciente irá apresentar uma calprotectina fecal elevada. b) Não há necessidade a princípio de realização de exames para essa paciente. c) Está indicada realização de ultrassonografia de abdome. d) Deve ser realizada endoscopia digestiva alta com pesquisa de HP. e) Há indicação de realização de colonoscopia e investigação laboratorial para doença celíaca e intolerância a lactose COMENTÁRIOS a) FALSO. Calprotectina fecal é uma proteína de citosol de neutrófilo, então qualquer condição que leve a um infiltrado de neutrófilo para a região do trato gastrointestinal pode elevar a calprotectina fecal. Porém, em distúrbio funcional não existe lesão ou inflamação de estrutura, então não há migração de neutrófilos e não há aumento da calptrotectina fecal; Resumindo, não é necessário solicitar a calprotectina para esse paciente, apenas quando há dúvida entre distúrbio funcional e distúrbio orgânico, que funciona como triagem e indicação para colonoscopia. Se for 12 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal feito no distúrbio funcional, a calprotectina não virá elevada. b) VERDADEIRO. Distúrbio funcional não necessita de exame, apenas avaliação laboratorial básica de pediatria (hemograma, urina, fezes), mas não é obrigatório no primeiro momento. O Roma IV traz que poderia realizar a triagem celíaca nesse paciente, mas não é obrigatório; c) FALSO. Pedido de USG de forma desregulada onera o sistema de saúde. Se não existe sinais de doença orgânica não é necessário solicitar exames para essa criança; d) FALSO. Não existe sinais de alarme nessa criança para pensar em causas orgânicas, então não é necessário solicitar endoscopia. e) FALSO. Não é necessário realizar diversas doenças para eliminar causar orgânica para classificar em causa funcional. O diagnóstico de distúrbio funcional deve sempre ser considerado como primeira hipótese quando a criança não apresenta sinais de alarme. Como iremos realizar o tratamento? a) Probiótico estão indicados para essa paciente como terapêutica de primeira linha. b) Orientação dietética, estímulo a atividade física e acompanhamento psicológico fazem parte da terapêutica para o caso acima. c) Caso a pesquisa de HP seja positiva, na ausência de doença ulcerosa, está indicada erradicação com esquema tríplice e uso de IBP por 2-4 semanas após término do ATB. d) Atualmente não há disponível terapêutica medicamentosa que possa ser utilizada para reduzir os episódios de dor. e) Suporte psicológico não tem demonstrado resultados favoráveis em casos como o do paciente acima. COMENTÁRIOS a) FALSO. Probiótico não é primeira linha, não existe grau de evidência cientifica; dieta é o principal. b) VERDADEIRO. Existe sobrepeso e erro alimentar, então é necessário. c) FALSO. Não existe indicação de endoscopia ou pesquisa de H. pylori. Mesmo que a mãe venha com endoscopia e H. pylori positivo não é necessário tratar na ausência de úlcera. Não é para realizar esquema de teste. A causa da dor não é a presença de H.pylori, não é necessário tratar. d) FALSO. Os probióticos podem ser utilizados ou antidepressivo. e) FALSO. Sempre o suporte psicológico demostra uma eficácia boa para distúrbio funcional. Cenário 2 Paciente 13 anos, sexo feminino, com história de dor abdominal em região periumbilical há 1 ano. Refere que dor ocorre somente durante o dia, 2-3X na semana, com intensidade variável, mas às vezes impedindo de ir à escola. No mesmo período referiu que as fezes se tornaram endurecidas e ocorrem a cada 3-4 dias. Refere que apresenta distensão abdominal, mas que a dor melhora com evacuação. Já fez uso de antiparasitários por diversas vezes sem melhora. Genitora refere que adolescente está com humor deprimido desde o início dos sintomas. Ao exame físico: eutrófica. ABD; fezes palpáveis em fossa ilíaca esquerda. Toque retal não realizado por não colaboração do paciente. Alimentação: pouca ingesta de frutas e verduras, ingere grande quantidade de massas, refrigerantes, doces e leites e derivados. Ingesta hídrica: 500ml/dia. Conversando sobre o caso: É um adolescente com dor abdominal crônica. Os principais diagnósticos diferenciais será intestino irritado e constipação. Obs.: ela pode ser uma criança que tem dor porque é constipada ou ela pode ser uma criança que tem dor e é constipada ??, ela é uma criança que tem dor e constipação; a constipação pode ser a causa da dor dela, ou ela pode ter a dor e também ser constipada.. Relembrando: esse caso provavelmente será um distúrbio funcional porque não tem nenhum sinal de alarme, mas pela HMA dela não dá pra diferenciar se tem constipação funcional ou SII; o humor deprimido pode estar associado ao SII, mas ainda assim não dá pra falar logo de cara, porque é uma paciente que pode ter constipação funcional e a dor ser só da constipação ou pode ter SII com padrões de constipação, pois ela tem dor que alivia com evacuação, tem alteração de frequência de fezes, tem alteração de aspecto das fezes então também pode ter SII. 13 Beatriz Machado de Almeida Gastropediatria – Dor abdominal Ao primeiro momento será conduzida como um processo de constipação funcional, prescrever medicamentos para constipação. No retorno: se ela melhorou da dor e da constipação, ela tinha uma constipaçãofuncional. Mas se essa criança voltar referindo que melhorou o padrão de evacuação, mas ainda tem dor, ela tem uma SII. Então, a princípio não será definido nada do diagnóstico inicial. Ao primeiro momento, será conduzida como constipação funcional, mas ela pode ser um SII. Lembrar: SII não é diagnostico de exclusão, mas nesse caso tem que ser conduzido como constipação funcional. Sobre o caso acima, assinale a alternativa correta: a) A paciente deve ser conduzida inicialmente como portadora de constipação funcional. b) Trata-se de um quadro de SII. c) A única hipótese diagnóstica para essa paciente é de constipação funcional. d) Devem ser investigadas inicialmente causas de constipação orgânica como hipotireoidismo, doença celíaca e distúrbios eletrolíticos. e) Devem ser afastadas causas orgânicas para a dor abdominal como doença inflamatória, doença péptica. COMENTÁRIOS a) VERDADEIRO. Se fosse só uma dor abdominal que melhora com a evacuação ou dor abdominal com diarreia e alterando com constipação, poderia se pensar logo no primeiro momento na SII. b) FALSO. Entra no diagnóstico diferencial. c) FALSO. d) FALSO. Não se pensa em causa orgânica para esse caso. e) FALSO. Se a constipação não melhorar: fecha com constipação funcional e investiga causa orgânica, agora se a constipação e a dor melhoram: constipação funcional e se a constipação melhora e a dor continua fecha como SII. Sobre o caso, assinale a correta: a) Inicialmente não há necessidade de realização de exames. Devem ser prescritas terapias de desimpactação e manutenção com polietilenoglicol. b) Inicialmente devem ser solicitados os seguintes exames complementares: TSH/T4L/triagem para doença celíaca e eletrólitos. c) Antidepressivos são a medicação de escolha para esse paciente. d) Suporte psicológico e orientação dietética são as únicas medidas necessárias. e) Deve ser solicitada calprotectina fecal e se normal devem ser solicitadas EDA e colono. COMENTÁRIOS a) VERDADEIRA. Primeiro considera como funcional, não precisa realizar exames, vai conduzir como funcional. Ela está impactada já que possui fezes palpáveis, deve-se fazer a desimpactação. b) FALSA. c) FALSA. Se tratou algumas vezes com probiótico e ela continuou com dor pode pensar em antidepressivo como causa. d) FALSA. e) FALSA. NÃO precisa pedir esses exames...
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