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Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Semiologia do Abdome Primeiramente é importante saber como o abdome é dividido, ele possui 2 divisões, em quadrantes e em regiões. Em quadrantes, ele se divide em quadrante superior direito (QSD), quadrante superior esquerdo (QSE), quadrante inferior esquerdo (QIE) e quadrante inferior direito (QID), sendo que essa sequência segue a via da peristalse. A outra divisão é em regiões, na qual o abdome é divido em 9 regiões, sendo elas o hipocôndrio direito e o esquerdo, epigástrio, flanco direito e esquerdo (ou região lateral direita e esquerda), mesogástrio, fossa ilíaca direita e esquerda e hipogástrio. É importante lembrar que os principais sintomas abdominais referidos são dor abdominal (cólica, pontada, queimação, facada), alteração do ritmo intestinal (diarreia), plenitude gástrica, vômitos e náuseas, hemorragias digestivas, icterícia, emagrecimento, distensão abdominal, halitose e alterações do apetite. Sendo que o exame físico abdominal é realizado em decúbitos dorsal (paciente deitado) e é possível fazer inspeção, ausculta, percussão e palpação. Inspeção: Primeiro de tudo temos que saber o tipo de abdome do paciente que estamos observando, o abdome atípico é aquele que não possui nenhuma doença, abdome escavado, abdome globoso (característico de ascite), o abdome batráquio é aquele que o diâmetro transversal é maior que o diâmetro anteroposterior, fica parecendo um sapo, o abdome em avental é aquele que possui camadas de pele caindo sobre o abdome (característico em paciente com grande perda de peso) e o abdome ptótico ou pendular (característico de diástase). Podemos encontrar cicatrizes, as 3 principais são: Kocher (relacionada com acesso a vesícula biliar ou fígado), laparotomia (para investigação de todo o abdome), Pfannenstiel (cicatriz relacionada com a cesariana), na última imagem também há uma cicatriz no ponto de McBurney. Temos diversos tipos de hérnias, como epigástrico, umbilical, incisional (secundária a um procedimento prévio), de Spiegel (mais rara e fica na região lateral reto abdominal, e 25% das vezes ela pode encarcerar) e hérnias inguinais direita e esquerda. Toda vez que temos um abaulamento, temos que distinguir se ela é da parede abdominal ou intra- abdominal. - Manobra de Smith-Bates: Pedir para o paciente elevar as pernas, quando em decúbito dorsal, causando uma contração da musculatura abdominal, se a massa desaparecer, ela está abaixo do músculo, se ela permanecer visível ou palpável, ela está associada a uma falha na parede. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Outra manobra utilizada para distinguir esses dois tipos de hérnias, é a manobra de Valsalva (assoprar com o dorso da mão tampando a boca). Além disso, temos que reparar se há circulação colateral, ela pode ser tipo cava ou tipo porta, a do tipo cava tem um aspecto das veias mais lateral e retilíneo, a do tipo porta tem um aspecto mais desorganizado e próxima a superfície umbilical, formando o que conhecemos como cabeça de medusa. Outro sinal importante, é o sinal de Kussmaul abdominal, nele conseguimos ver visivelmente e bem claramente a peristalse, isso pode indicar uma obstrução parcial ou total. Além disso, verificar se a cicatriz umbilical é simétrica, está no centro, se possui algum sinal de inflamação ou protrusão na região. Ausculta: É importante fazer essa antes, pois a percussão e palpação estimulam os movimentos peristálticos. Vamos investigar a movimentação de gases e líquidos no TGI, chamados de ruídos hidroaéreos (RHA) e vamos auscultar os vasos para ver se há algum sopro. Para avaliação dos RHA, auscultar os quatro quadrantes do abdome, o normal é um borborigmo a cada 4 ou 5 incursões respiratórias. Se eles estiverem intensos, pode indicar diarreia e suboclusão intestinal, se eles estiverem fracos ou inaudíveis, pode ser por conta de um pós-operatório abdominal, etc. É importante auscultar a aorta abdominal e as duas artérias renais, a aorta se escuta na região central do epigástrio, as renais são mais laterais, mas na mesma altura que a aorta. Além disso, ainda é possível auscultar as artérias ilíacas e femorais, porém não é tão usual no exame rotineiro. Percussão: Primeiramente temos que percutir o abdome de forma geral, considerando os 4 quadrantes, quando em decúbito dorsal, ao percutir os quadrantes temos que ouvir um som timpânico, ele representa vísceras ocas e ar, o som maciço representa vísceras maciças ou líquidos. Se ouvirmos um som que está entre o timpânico e o maciço, pode Lucas Melo – Medicina Ufes 103 ser por conta de uma sobreposição de uma víscera oca com uma víscera maciça, classificamos de som submaciço. Se houver uma quantidade maior de gases dentro do sistema digestivo, vamos ouvir um som hipertimpânico. Após isso, vamos fazer a hepatimetria e definir o limite superior do fígado, ir percutindo de cima para baixo na linha hemiclavicular direita, vai ouvir o som claro pulmonar, depois um som maciço, normalmente, esse limite superior está no 5º ou 6º espaço intercostal, se estiver abaixo disso, representa uma ptose hepática ou redução do volume hepático. Realizando o mesmo processo só que de baixo para cima, você encontra o limite inferior do fígado. OBS: Nem sempre vai ouvir um som verdadeiramente maciço, mas se você notar alguma diferença no som timpânico que você estava ouvindo antes, já é bom ser considerado. A percussão a nível de linha hemiclavicular direita nos dá a noção do lobo direito do fígado, quando fazemos isso na linha esternal média, vamos estar analisando o lobo esquerdo do fígado. O lobo esquerdo possui o processo xifoide como limite superior, então é necessário fazer apenas o limite inferior dele. A ausência de macicez pode estar relacionada com atrofia hepática (cirrose), interposição de alça intestinal e parede costal, pneumoperitônio (sinal de Jobert, que é o timpanismo na região que é normalmente maciça), e a dor a percussão pode ser causada por um abcesso hepático (sinal de Torres-Homem). Após a hepatimetria, vamos percutir o espaço de Traube, que possui como limites a linha axilar anterior esquerda, o rebordo costal inferior esquerdo e a linha imaginária transversal a partir do apêndice xifoide. Nesse espaço vamos investigar o baço, normalmente o som é timpânico e esse lugar vai estar ocupado pelo estômago, é sempre importante perguntar ao paciente quando ele comeu, pois se o estômago estiver com alimentos, o som não vai ser timpânico, mas não representa uma esplenomegalia. Se o som se apresentar maciço, considerar uma esplenomegalia, tirando a hipótese da alimentação claro. A próxima é a pesquisa de ascite, existem 3 técnicas usadas para fazer essa pesquisa dependendo do nível de ascite que o paciente possui, a primeira é a macicez móvel, é para aquele paciente que você não sabe se tem ascite ou não, pede para o paciente deitar em decúbito lateral e percutir a lateral, como é um liquido, quando o paciente deita lateralmente, ele deve escoar para a parte mais inferior, então de um lado vai estar timpânico (lado que está mais superior) e do outro vai estar maciço por conta do líquido (lado que está mais inferior). Se realizar essa manobra e o a macicez continuar na parte superior, deve-se mudar a aposta de ascite para outra suspeita. Outra técnica é o semicírculo de Skoda, que em decúbito dorsal o liquido ascitico ira escoar para a periferia, então o centro e a região Lucas Melo – Medicina Ufes 103 periumbilical vão estar timpânicos e a periferia vai estar maciça. Esses dois são indicados para avaliar um nível médio de ascite. Para um nível de ascite de grande volume, é necessário fazer o piparote, que você vai pedir para o paciente colocar a superfície ulnar da mão de forma vertical no centro do abdome e apertar, de um lado você golpeia com um peteleco e do outro lado você vai sentir asondas liquidas chegando se houver ascite de grande volume. Outro exame que pode ser feito é a punho-percussão das lojas renais para ver o sinal de Giordano, nesse caso é feito com o paciente sentado no ângulo costovertebral, coloca a mão espalmada e dá um soco com a outra mão, quando o paciente sente apenas uma dorzinha de incômodo ou não sente nada, significa que a punho-percussão das lojas renais está normal (não é sinal de Giordano positivo), quando ele está presente se escreve apenas sinal de Giordano, pois ele já significa uma dor intensa a punho-percussão, o paciente normalmente grita, chora, é uma dor intensa, como numa pielonefrite por exemplo. Palpação: Há dois tipos que devem ser feitas, a superficial e a profunda. A superficial é mais geral, vamos analisar palpando de leve todos os quadrantes se há alguma sensibilidade, resistência, continuidade (hérnia, diástase), pulsações, reflexo cutâneo abdominal, massas, etc. Já a palpação profunda vamos utilizar para definir a localização, forma, volume, sensibilidade, consistência, mobilidade, pulsatilidade dos órgãos abdominais, massas palpáveis e Lucas Melo – Medicina Ufes 103 tumorações, a técnica para isso vai ser em decúbito dorsal, como paciente respirando pela boca e você vai palpar com as duas mãos, uma em cima da outra, fazendo uma depressão de 5 cm mais ou menos (em pessoas obesas, recomenda-se usar as duas mãos separadas). Palpação superficial vs palpação profunda. OBS: O abdome normal é liso, com consistência macia, não tenso, não doloroso, sem órgãos aumentados ou massas. Palpação hepática: Podemos usar 3 técnicas diferentes, normalmente não se palpa muito o fígado normal, ele consegue ser sentido de forma mais definida se há um processo patológico que aumenta ele de volume. É sempre importante fazer a palpação do fígado no momento da inspiração profunda, pois o diafragma vai tracionar o fígado para baixo, outra dica é palpar o fígado mais lateral, pois no meio, a musculatura reto abdominal atrapalha. 1. Palpação manual: Uma mão em cima da outra na parte onde você já definiu a borda inferior do fígado. 2. Lemos-Torres: Palpação bimanual, colocar a mão esquerda no dorso do paciente, fazendo uma elevação para anteriorizar o fígado, e com a mão direita palpa no rebordo costal direito, ao mesmo tempo que você anterioriza o fígado, você afunda sua mão anteriormente. 3. Mathiew ou em garra: Utilizada em pacientes mais obesos, pois consegue se afastar o panículo adiposo e palpar o fígado, é só se direcionar um pouco para trás do paciente, e fazer o movimento de garra no rebordo costal direito enquanto o paciente faz uma inspiração profunda. O que vamos ver na palpação do fígado: A borda (que dever ser romba, ou arredondada), o contorno e superfície (contorno arredondado e superfície lisa, na cirrose é nodular), tamanho e sensibilidade (palpações profundas do abdome são desconfortáveis, mas não devem causar dor). Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Palpação do baço: O baço normalmente não é palpável, só quando acometido por um processo patológico. 1. Bimanual: Segue o mesmo princípio da palpação de Lemos- Torres, porém no quadrante superior esquerdo, com a mão direito flexibilizado o abdome para cima e com a mão esquerda palpando o abdome para baixo, isso durante uma inspiração profunda. 2. Posição de Schuster: É uma posição para sensibilizar a palpação do baço, paciente em decúbito lateral direito, com a perna direita estendida e a perna esquerda flexionada em 90 graus, o braço direito segurando o joelho e o braço esquerdo para cima da cabeça, coloca uma mão nas costas do paciente a nível de hipocôndrio esquerdo, e com a outra mão angulada no rebordo costal e afunda os dedos. Palpação do intestino grosso: É importante seguir o sentido da peristalse, palpando com uma mão só e afundando. Lucas Melo – Medicina Ufes 103 Palpação da bexiga: Ela não é normalmente palpável, mas quando está distendida por algum processo patológico se torna dolorosa e palpável, o que chamamos de bexigoma, colocar as duas mãos um pouco acima do púbis e afundar os dedos. Pontos dolorosos do abdome: O ponto xifoidiano fica logo abaixo do apêndice xifoide e pode indicar cólica biliar, afecções de esôfago, estômago e duodeno. O ponto epigástrico fica na metade da linha traçada entre o processo xifoide e o umbigo, pode indicar processos inflamatórios (gastrite), tumorais e ulcerosos do estômago. O ponto cístico fica no ângulo entre o rebordo costal direito e a borda lateral do reto abdominal, indica afecções da vesícula biliar. O ponto apendicular fica na extremidade dos 2/3 da linha que fica entre o umbigo e a espinha iliaca anterossuperior direita, indica afecções de apêndice (apendicite), também é chamado de ponto de McBurney. O ponto esplênico fica no início do terço externo do rebordo costal esquerdo, dor nesse local pode indicar infarto esplênico. Os pontos ureterais ficam na borda lateral do reto abdominal na altura da linha transversal que passa pelo umbigo e na linha transversal que passa nas duas espinhas ilíacas anterossuperiores, dos dois lados. Além de saber os pontos dolorosos clássicos, é importante lembrar que a dor pode ser referida, ou seja, se espalhar para outros lugares, como mostra a imagem ao lado. Manobras especiais: 1. Manobra do rechaço: Comprimir a parede abdominal no hipocôndrio direito com a palma da mão, com a face ventral dos dedos e polpas digitais, provoca-se um impulso rápido da parede anterior, retorna os dedos Lucas Melo – Medicina Ufes 103 na posição inicial sem afrouxar a compressão abdominal, se houver um choque na palma da mão que provocou o impulso, é rechaço positivo e indica a presença de tumor sólido ou órgão flutuando em meio líquido, como em um abdome globoso com ascite de grande volume. 2. Descompressão brusca: Paciente que está com o peritônio irritado, na hora que você comprime o local ele sente dor, mas quando você tira a mão rapidamente da região, a dor é muito mais intensa. 3. Sinal de Blumberg: Fazer a compressão no ponto apendicular ou ponto de McBurney e solta rapidamente, essa descompressão dolorosa nesse ponto é o sinal de Blumberg positivo, normalmente está relacionada a apendicite no ponto apendicular, bem comum. 4. Sinal de Rovsing: Palpação no lugar como se fosse o “ponto apendicular esquerdo”, isso faz o deslocamento dos gases pelo colo retrogradamente, até chegar no ceco, distende essa região e provoca a dor. 5. Sinal de Murphy: Dor pela palpação do ponto cístico durante uma inspiração profunda, isso corresponde a uma dor na vesícula biliar, que indica uma colecistite) – Imagem 1. 6. Sinal ou regra de Courvoisier-Terrier: Ocorre quando em um paciente ictérico, ao palparmos o hipocôndrio direito, encontramos uma massa ovalada, que é a vesícula biliar distendida que se torna palpável por efeito de massa de neoplasia de vias biliares extra-hepáticas, portanto, a presença de icterícia associada com vesícula palpável constitui essa regra – Imagem 2.
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