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Anápolis 2019 Todo trabalho, em cada uma das etapas, será submetido às ferramentas de varredura para a detecção de plágio. Assim caso seja detectado percentual acima do tolerado, seu trabalho será invalidado em qualquer uma das atividades. Antes de começar o trabalho, leia o Manual do Aluno e Manual do Plágio para compreender todos itens obrigatórios e os critérios utilizados na correção. YGOR DE OLIVEIRA SILVA POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL: A DISCUSSÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DE RESERVA DE COTAS POR CRITÉRIOS ÉTINICOS NOS CONCURSOS PÚBLICOS. Cidade Ano Anápolis 2019 POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL: A DISCUSSÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DE RESERVA DE COTAS POR CRITÉRIOS ÉTINICOS NOS CONCURSOS PÚBLICOS. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Anhanguera Anápolis, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito. Orientador: Anderson Gomes Coelho YGOR DE OLIVEIRA SILVA YGOR DE OLIVERIA SILVA POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCLUSÃO SOCIAL: A DISCUSSÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DE RESERVA DE COTAS POR CRITÉRIOS ÉTINICOS NOS CONCURSOS PÚBLICOS. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade Anhanguera de Anápolis, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito. BANCA EXAMINADORA Prof(a). Titulação Nome do Professor(a) Prof(a). Titulação Nome do Professor(a) Prof(a). Titulação Nome do Professor(a) Anápolis, 06 de junho de 2019 “Não foi a existência de ‘raças’ que gerou o racismo, mas o racismo é que fabricou a crença em ‘raças” - Maggie DE OLIVEIRA SILVA, Ygor. Políticas públicas de inclusão social: A discussão da constitucionalidade de reserva de cotas por critérios étnicos nos concursos públicos. 2019. f 40. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade Anhanguera, Anápolis, 2019. RESUMO O presente trabalho objetiva-se a promover uma análise técnico científica da eficácia das Cotas raciais na realidade social da população brasileira, passando pelo desenvolvimento histórico-cultural no país e a partir disso analisar o grau de acesso de negros no funcionalismo público. A justificativa da implantação das cotas é a compensação histórica, utilizando a ideia de que a sociedade tem um dever de reparação com a entidade negra no país pelo período escravocrata ocorrido, o que legitimada pelo Estado compensar os males vividos por esse grupo étnico. A contrária sensu desse entendimento, há posições que defendem uma violação do princípio da igualdade por tratamento desigual sem critério que desiguale de forma proporcional – para os defensores desse argumento a cor não tem azo, por si só, para diferenciar um candidato ao outro. Assim, se faz necessário uma análise mais minuciosa da validade da reparação histórica no Brasil, bem como averiguar as causas da desigualdade étnica pós-graduação e o não ingresso dos negros nos cargos públicos. Palavras-chave: cotas; raça; negro; concurso público; ações afirmativas; constitucionalidade. DE OLIVEIRA SILVA, Ygor. Public policies of social inclusion: The discussion of the constitutionality of quota reservation by ethnic criteria in public tenders. f. 40. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Faculdade Anhanguera, Anápolis, 2019. ABSTRACT The present work aims to promote a scientific and technical analysis of the effectiveness of racial quotas in the social reality of the Brazilian population, through the historical-cultural development in the country and from this, to analyze the degree of access of blacks in the civil service. The justification for the implementation of quotas is historical compensation, using the idea that society has a duty to repair the black entity in the country for the enslaved period, which legitimized by the state to compensate for the evils experienced by this ethnic group. Contrary to this view, there are positions that advocate a violation of the principle of equality by unequal treatment without proportional unequal criteria - for proponents of this argument color does not in itself have the potential to differentiate one candidate from the other. Thus, a more thorough analysis of the validity of historical reparation in Brazil is necessary, as well as to investigate the causes of post-graduation ethnic inequality and the non-entry of blacks into public positions. Key-words: quotas; breed; black; public tender; affirmative actions; constitutionality. LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Distribuição da população ocupada no setor público, por sexo, cor ou raça, segundo posição na ocupação e setor de atuação – Brasil (2011) .................30 Tabela 2 – População negra no ensino superior ...................................................... 37 Tabela 3 – Distribuição dos estudantes de acordo com a cor ou raça ..................... 38 Tabela 4 – Distribuição por cor ou raça por curso nas universidades ...................... 38 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística UNB Universidade de Brasília 13 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 14 2. A MISCEGENAÇÃO BRASILEIRA E O SUSRIGMENTO DA RAÇA NEGRA NO BRASIL. .............................................................................................................. 16 2.1 CLASSIFICÃO DE RAÇA................................................................................18 2.2 A ORIGEM DAS AÇÕES AFIRMATIVAS........................................................21 2.2.1 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL............................................................22 3. A FALÁCIA DAS COTAS RACIAIS COMO REPARAÇÃO HISTÓRICA . ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO. 4. CONCEITO E PRINCÍPIOS DO CONCURSO PÚBLICO ..... ERRO! INDICADOR NÃO DEFINIDO.2 4.1 CARGOS E FUNÇÃO PÚBLICA......................................................................33 4.2 DA IGUALDADE APÓS A CONCUSÃO DO ENSINO SUPERIOR.................34 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 40 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 43 14 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo discutir a constitucionalidade das ações afirmativas de cotas para afrodescendentes em concursos públicos, visando a aumentar a representação destes nas camadas de prestígio da sociedade, a fim de se reduzir a desigualdade racial e promover uma diminuição no racismo, fazendo que as pessoas se acostume a ver negros em todas as escalas de trabalho. Propõe-se discutir a forma de acesso dos negros aos cargos públicos, analisando a necessidade do sistema de cotas após a conclusão da graduação e posterior ingresso no mercado de trabalho. Como parâmetro, foi usado o curso de Direito para se analisar as diferencias raciais nesse extrato da sociedade. Cumpre salientar que o presente trabalho não tem o condão de discutir a existência ou não do racismo no país, somente elucidar se este é a causa do não ingresso da população negra nos cargos públicos e se o sistema de cotas raciais é ou não justo. O sistema de cotas iniciou-se no ensino superior, quando as faculdades públicas começaram a reservar uma porcentagem das vagas de seus cursos somente para os que se auto declaravam negros. Àquela época já se discutia a constitucionalidade de tal medida pelo critério usado como justificativa para as cotas. Tal medida é defendida como uma reparação histórica pelas disparidades e desvantagens vivenciadas pelo grupo racial de modo que dificultou a igualdade de oportunidades. Destarte, será analisada de que forma se caracteriza a discriminação social implícita no sistema de cotas racial, bem como avaliar se o sistema por cota racial é justo diante de uma sociedade miscigenada onde temos pessoas não negras que nasceram e convivem no mesmo ambiente de um negro, passando pelas mesmas deficiências de oportunidades. Este estudo investigou se a aplicação das cotas raciais em concursos públicos não viola o princípio da igualdade/isonomia, bem como aumenta a discriminação no Brasil, mormente pelo critério da diferenciação ser somente racial, hão havendo uma definição precisa de quem é considerado negro e quem é considerado branco perante a lei, ficando o critério subjetivo da autodeclaração, delimitando a evolução histórica 15 das relações raciais no Brasil, abordando a classificação racial em um país miscigenado, abordando a igualdade material após a conclusão do ensino superior. A partir disso, o primeiro capítulo abordou a ocorrência da miscigenação no Brasil e como foi o surgimento da raça negra no país, abordando as formas de classificação de raça que são adotadas pelas leis de ações afirmativas, juntamente com a impossibilidade da classificação do ser humano em raças. O segundo capítulo tratou da questão da compensação histórica, quanto a validade desse método, bem como sua eficácia, e a aplicação dele em outras situações, assim como fará uma breve análise do racismo na época colonial escravagista e da razão da utilização do negro africano como escravo. Por fim, o terceiro capítulo trouxe a análise da igualdade material após a formação no ensino superior fazendo uma análise do mercado de trabalho brasileiro, fazendo um diagnóstico e relação do sistema educacional brasileiro, analisando as causas do não ingresso de negros em cargos públicos, trazendo algumas alternativas ao método atual de ação afirmativa. Diante dos questionamentos realizados, a pesquisa foi realizada por meio de vários procedimentos metodológicos, a partir da pesquisa bibliográfica, baseando-se no exame de livros, revistas, periódicos, monografias e artigos e a utilização de dados oriundos de pesquisas e publicações existentes, a fim de se apresentar o contexto histórico, evolução e definição das ações afirmativas, fazendo uma abordagem qualitativa, com a observação e compreensão dos fenômenos sociais envoltos no tema analisado. 16 2. A MISCIGENAÇÃO BRASILEIRA E O SUSRIGMENTO DO NEGRO NO BRASIL. Antes de adentrar no mérito da questão, se faz necessário contextualizar, de forma resumida a história do Brasil, adentrando na formação da sua população. Pensamos no brasileiro como um povo miscigenado por causa das relações dos Portugueses e os povos trazidos da África, bem como com os Índios que aqui viviam, porém sempre tivemos a ideia de que os Portugueses fossem um povo majoritariamente, para não dizer na sua totalidade, branco. Essa visão é corroborada pelos quadros e descrições da época que chegaram até nós, contudo, essa visão merece ser revista. Gilberto Freyre (2002 apud KAUFMANN, 2007), assevera que o Português, à época do descobrimento do que viria a ser o Brasil, não era uma nação definida. Como Portugal é um país costeiro, saída para o caminho das navegações com o mundo, várias nações passavam por suas terras para que pudessem ter acesso ao mar, desenvolvendo uma irradiação de comerciantes ingleses, flamengos, alemães, galegos, biscainhos, ao lado de comerciantes aragoneses, catalães, franceses, italianos, etc. Ainda, como o comércio com as Índias era muito grande, essa relação também permitiu uma absorção muito grande de cultura e valores, dando origem a uma das mais miscigenadas sociedades da época (FREYRE, 2002 apud KAUFMANN, 2007). Assim, percebemos que os Portugueses já mantinham uma relação inter-racial mesmo antes do descobrimento do Brasil, havendo, naquela época, uma miscigenação tanto racial quanto cultural, onde o Português não era mais aquele homem branco dos olhos claros e cabelos louros. Tem-se a ideia que a miscigenação começou somente com a descoberta do novo mundo pelos europeus, contudo, nota- se que mesmo antes da descoberta das Américas, Portugal se caracterizava como uma sociedade altamente miscigenada, devido a sua posição geográfica. Após o descobrimento das terras que viriam ser o Brasil, demorou-se algum tempo para que Portugal iniciasse a colonização do Brasil, devido as recém terras descobertas não serem economicamente atrativas, aliado ao fato de que o comércio 17 com as Índias ainda lhe rendia um grande retorno comercial. Aliando na morosidade da colonização, estava o fato de que a população portuguesa se somava um pouco mais de um milhão de habitantes, não havendo pessoas suficientemente motivadas a exploração e povoamento da colônia brasileira (PRADO JÚNIOR, 2001 apud KAUFMANN, 2007). Em função disso, Portugal adotou o sistema de capitanias hereditárias que já havia sido utilizado com certo sucesso. Contudo, ao contrário do que aconteceu anteriormente, esse sistema fracassou quase que inteiramente, onde apenas duas capitanias desenvolveram: Pernambuco e São Vicente1. Em virtude desse quase absoluto fracasso, Portugal começou o processo de colonização por exploração a fim de incentivar a vinda de portugueses as terras brasileiras. Devido à baixa população, a vinda de famílias portuguesas para o Brasil era rara, deste modo a colonização fez-se essencialmente por homens, tanto portugueses, quanto os escravos trazidos da África. A falta de mulheres acompanhando os homens no povoamento da colônia, facilitou as relações entre os homens portugueses e as mulheres indígenas e os escravos aqui presentes. Destarte, Caio Prado Júnior (2001 apud KAUFMANN, 2007), evidencia que a formação étnica do Brasil a mestiçagem profunda das três raças: o português, o índio e o negro, fazendo da população brasileira uma das mais variadas agregações étnicas da humanidade. Em virtude disso, após anos de miscigenação ocorrem desde o descobrimento, o que tornou a raça, geneticamente falando, tão miscigenada, que no Brasil há uma dificuldade grande na determinação da raça de um indivíduo. 1<http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitanias_do_Brasil> http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitanias_do_Brasil http://pt.wikipedia.org/wiki/Capitanias_do_Brasil 18 2.1 A CLASSIFICAÇÃO DE RAÇA. A ideia ligada ao racismo vem da existência de raça, mormente as diferenças entre os seres humanos, contudo, a contrário sensu, não foi a raça que criou o racismo, mas o racismo que criou a raça. Exemplificando o entendimento acima, colaciona o seguinte fragmento: Mas em verdade, e ao contrário, a ideia [de ‘raça’] que embasa essas leis (...) deveria ser extirpada da vida social”. “Não foi a existência de ‘raças’ que gerou o racismo, mas o racismo é que fabricou a crença em ‘raças’”. “O racismo contamina as sociedades quando a lei afirma às pessoas que elas pertencem a determinado grupo racial – e que seus direitos são afetados por esse critério de pertinência de ‘raça’ (SOUZA, 2011. p. 23). Nota-se que a classificação racial dos seres humanos é derivada de um processo político social. Com efeito, segundo Belisário desse processo surgiu duas classificações de raça: o sistema birracial, também chamado de genotípico e sistema multirracial, conhecido também como fenótipo, onde o primeiro sistema baseia-se na definição da raça pela ancestralidade do indivíduo, isto é, o indivíduo é considerado integrante da mesma raça que compõem seus ascendentes, mesmo que ele seja de cor diferente (2007, p. 63). Já o sistema da multirracialidade caracteriza-se pelo reconhecimento de diversas raças, havendo uma diversidade racial, onde surgiu a ideia de autoclassificação, baseado a raça na aparência física. A maior diferencia entre os sistemas está na não limitação de raças do sistema multirracial, não havendo a limitação de raça a somente brancos e negros, existindo várias outras raças dentro desse espectro, bem como não usa da ancestralidade como critério de classificação racial do indivíduo. Esse sistema é adotado no Brasil, onde o indivíduo se declara a qual raça ele pertence. Isto posto, vimos que para se definir a raça, usa-se somente a auto percepção de cada indivíduo, não levando em conta sua ancestralidade, assim, ficando a critério próprio a definição de qual grupo social pertence na sociedade. Seguindo essa 19 premissa, fica a dúvida de se a autoclassificação seria a maneira mais correta de definir a raça de alguém. Em estudo realizado pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG, Sérgio Pena, quanto à divisão racial no Brasil, concluiu-se que, 30% (trinta por cento) dos indivíduos que se declaravam brancos, também seriam afrodescendentes por conterem DNA de origem africana (PENA; BORTOLINI, 2000). No referido estudo, concluiu-se, ainda, que 87% (oitenta e sete por cento) da população brasileira, segundo o censo do ano 2000, possui 10% (dez por cento) do DNA com ancestralidade africana, onde apenas 73% (setenta e três por cento) das pessoas que se autodeclararam negras tinham, em seu DNA, mais de 50% (cinquenta por cento) de ancestralidade africana. Estudos filogeográficos2 com brasileiros brancos revelaram que a imensa maioria das patrilinhagens é europeia, ao passo que a maioria das matrilinhagens (mais de 60%) é ameríndia ou africana. Evidencia-se, assim, um padrão de reprodução assimétrico - homem europeu com mulheres indígenas ou africanas (PIOVESAN, 2008). Obstante ao estudo realizado por Pena, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE, do ano 2000, apontam que 54% (cinquenta e quatro por cento) da população brasileira seriam brancas. Para Pena tal resultado decorre do sistema de autoclassificação adotado que não corresponde à realidade do país (PENA; BORTOLINI, 2000). Ficou evidenciado, assim, que os critérios utilizados pelos estudos estatísticos, como o da autoclassificação, fazem com que a realidade social não corresponda àquela trazida pelos dados coletados. O critério fenotípico, então, cria uma zona de incerteza entre as pessoas que são mestiças ou miscigenadas, as quais o IBGE as denominas pardas. Acontece 2 Filogeografia é o estudo dos processos históricos que podem ser responsáveis pela distribuição geográfica contemporânea de indivíduos. Isto é conseguido considerando a distribuição geográfica dos indivíduos à luz dos padrões numa genealogia genética. 20 que, a Lei Federal n° 12.990/2014, que regulamenta a reserva de vagas em concursos públicos a negros, assim como o Estatuto da Igualdade Racial, definem como pessoas negras, aquelas que são classificadas como pretas e pardas, de acordo com IBGE. Partindo desse princípio, segundo o IBGE, todos aqueles que não são brancos, indígenas e amarelos, são negros. Deste modo, a população tecnicamente negra no país equivale a 50,7% da população. Assim, cria-se o vale da incerteza racial, onde estão aquelas pessoas que não possui todos os fenótipos da raça negra, mas igualmente não possui todos da raça branca, chamados, muitas vezes de morenos. Essa falha do sistema de classificação dificulta a definição das características fenotípicas que determinam alguém como negro. As definições da raça negra não foram elencadas por nenhuma lei. Contudo, suponha-se que a lei previu, dentro do critério fenótipo, quais são as características que um indivíduo deverá ter para ser considerado negro. Partindo disso, precisa-se definir como essas características serão verificados. Para isso, há duas hipóteses, a autodeclaração e o heterorreconhecimento. Na primeira hipótese o indivíduo se auto declara negro, somente isso. Se o indivíduo se reconhece como negro, o estado o reconhecerá como negro. Nesse critério, para o indivíduo valer-se do benefício da cota, basta sua autodeclaração como negro, o que ocasionou no surgimento de pessoas não negras se declarando como negras. A fim de resolver essa problemática, o Estado passou a usar o critério do heterorreconhecimento, para evitar fraudes. A Universidade de Brasília-UNB, foi a primeira a utilizar esse critério, utilizando uma comissão para julgar se os vestibulandos na condição de cotistas eram ou não negros, conduto sem divulgar quais os critérios seriam utilizados para essa verificação. Então, utilizando esse critério, que em 2007, dois irmãos gêmeos, idênticos, se inscreveram no vestibular da universidade pelo sistema de cota para negros. Após 21 a submissão das fotografias à banca avaliadora, um dos irmãos foi considerado negro e o outro não.3 Assim, como foi adotado o sistema no Brasil do fenótipo, arrolada na auto identificação pelo indivíduo, cria-se outra incerteza na classificação racial, pautado na feição do indivíduo com fenotípico branco, mas com linhagem genética negra, mormente ser a cor da pele uma mera alteração genética, variando conforme as combinações genéticas dos pais, não obstante uma pessoa pode ser branca concomitantemente em que descende de uma família negra. Como assentado alhures, apenas 73% (setenta e três por cento) dos indivíduos que se declaram negros possuem mais de 50% (cinquenta por cento) do seu DNA com genética da raça negra. Destarte, baseando-se somente no critério de autodeclaração, não permite saber, precisamente, quem é negro no Brasil, sendo um obstáculo ao sistema de cotas unicamente racial. 2.2 A ORIGEM DAS AÇÕES AFIRMATIVAS. A fim de se compreender melhor o sistema de contas ou reservas de vagas destinadas a negros em concursos públicos é de bom tom apresentar a origem desse sistema. O berço das ações afirmativas é os Estados unidos da América, após o fim da segregação racial vivenciada pelos negros, onde os mesmos eram impedidos de frequentar lugares, dificultando o acesso a estudo, trabalho, etc. Assim, as ações afirmativas são um encorajamento estatal, para que as categorias historicamente discriminadas tivessem acesso à educação e ao mercado de trabalho, promovendo, então, maior igualdade de oportunidades (BELLINTANI, 2006, p.45). 3 https://www.estadao.com.br/noticias/geral,para-unb-um-era-branco-e-outro-negro-imp-,951965 https://www.estadao.com.br/noticias/geral,para-unb-um-era-branco-e-outro-negro-imp-,951965 22 John F. Kennedy, no seu primeiro mandato, implementou políticas sociais, sendo a primeira delas o Right Act (Lei de Direitos Civis) de 1964. Ainda, no seu primeiro ano, Kennedy expediu a Executive Order n. 10.925, que trouxe, pela primeira vez, o uso da expressão affirmative action, ação afirmativa. Com isso, o presidente Kennedy visava estabelecer uma igualdade de oportunidades entre as raças. A ordem de número 10.925 determinava que nos contratos realizados com o governo federal: O contratante não discriminará nenhum funcionário ou candidato a emprego devido a raça, credo, cor ou nacionalidade. O contratante adotará ação afirmativa para assegurar que os candidatos sejam empregados, como também tratados durante o emprego, sem consideração a sua raça, seu credo, sua cor ou nacionalidade. Essa ação incluirá, sem limitação, o seguinte: emprego; promoção; rebaixamento ou transferência; recrutamento ou anuncia de recrutamento, dispensa ou término; índice de pagamento ou outras formas de remuneração; e seleção para treinamento, inclusive aprendizado (MENEZES, 2011, p. 88). Posteriormente, foi expedido o Civil Rights Act de 2 de julho de 1964, onde previa a proibição de qualquer discriminação no ambiente de trabalho. Contudo, os resultados pretendidos não foram alcançados. O fim da segregação racial se deu com o julgamento do caso Rose Parks, mulher negra que se negou ceder o espaço destinados as pessoas brancas no ônibus, resultando na sua prisão, onde o caso terminou na Suprema Corte Americana obtendo decisão favorável, ordenado o fim da discriminação, o que, até aquele momento, era legitimada pelo Estado (PALMARES, 2011). E nesse contexto, surgiu as ações afirmativas como forma de se buscar a igualdade de oportunidades, exigindo do estado uma postura ativa para a condição da população negra. 2.2.1 ações afirmativas no brasil. No Brasil, tomou-se como base o modelo adotado nos países segregacionistas, como foram os Estados Unidos, onde a população negra foi vedada, com o aval do estado, o acesso a diversos setores e direito que o resto da sociedade detinham. 23 As ações afirmativas, no Brasil, como política de estado, surgiram com a Consolidações das Leis Trabalhistas-CLT, no governo do Presidente Getúlio Vargas, onde as mulheres ganhavam benefícios legais (SILVA 2000). Em 1995, o então Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, anunciou o desenvolvimento de um programa de valorização da população negra. Em seu governo, foram criadas algumas ações afirmativas, tais como: Grupo de Trabalho para a Eliminação da Discriminação no Emprego e na Ocupação, o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra e o lançamento do Programa Nacional de Direito Humanos (SILVA 2000). O Brasil adotou as ações afirmativas como medidas de compensação a fim de se atingir a igualdade de oportunidades entre as raças, por um período histórico do país, onde a raça negra foi utilizada como mão de obra escrava. Nesse diapasão, Gomes define ação afirmativa: Inicialmente, as ações afirmativas se definiam como um mero “encorajamento” por parte do Estado a que as pessoas com poder decisório nas áreas pública e privada levassem em consideração, nas suas decisões relativas a temas sensíveis como o acesso à educação e ao mercado de trabalho, fatores até então tidos como formalmente irrelevantes pela grande maioria dos responsáveis políticos e empresariais, quais sejam, a raça, a cor, o sexo, e a origem nacional das pessoas. (...) Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego (2001, pág. 39/40). Diante do exposto, o surgimento das ações afirmativas no Brasil e a sua implementação, tem por objetivo a compensação visando combater as desigualdades materiais, sejam elas econômicas ou de outra natureza, promovendo os direitos dos grupos vulneráveis, bem como as minorias. 24 3. A FALÁCIA DAS COTAS RACIAIS COMO REPARAÇÃO HISTÓRICA. O maior argumento utilizado para a implementação das cotas raciais modernas é a dívida histórica que o Brasil possui com a população negra, ao passo que os negros atuais estão em desigualdade com as demais raças em virtude da negação de direitos sofridos durante a escravidão. Assim, as cotas raciais, tanto no ensino superior, quanto no ingresso ao serviço público, teriam a função de compensar por essa restrição de direitos. Destarte, os negros deveriam ser compensados por esse período vivido, contudo, fica o questionamento de quem vai compensar, ou ainda, quais são os aptos a serem compensados. Em páginas alhures, restou demonstrado o degrade da raça no Brasil devido ao alto grau de miscigenação ocorrido no país, não dificultando a identificação do negro, mas, sim, a do não negro. Se é os brancos que vão compensar, como determinar quem é o responsável pela escravidão, os brancos com parte de linhagem portuguesa e parte africana, eles devem ser compensados pela parte africana ou compensar pela parte portuguesa, ou deve se auto compensar? E como se determina quem é 100% branco sem linhagem afrodescendente? E se for o caso de Estado que irá compensar, para isso ocorrer o Estado precisará tirar de algum lugar a compensação, no caso de reserva de vagas para negros, o número de vagas para as demais raças diminui. Com efeito, antes da colonização do Brasil, o negro africano já era utilizado como mão de obra escrava pelos países europeus, bem como já eram alvo do tráfico de pessoas. Como no início da colonização do que viria a ser o Brasil, Portugal não dispunha de uma população suficiente para realizar essa colonização, por isso também foi utilizado o negro africano como mão de obra escrava. Ademais, a escravidão começou muito antes do período colonial no mundo, na Idade Antiga era muito comum a prática da escravidão. Além de ser um trabalho compulsório, muitas vezes por serem os escravos o povo que foi vencido em alguma guerra, também havia o trabalho escravo por endividamento, que se caracterizava pela responsabilização pessoal de dívidas contraídas e não pagas. 25 Deste modo, a escravidão era mais uma forma de dominação de pessoas e de exploração de trabalho e que a condição de escravo, naquela época, era apenas mais uma circunstância da vida e não configurava uma anomalia social. Assim, Noberto Luiz Guarinello (2006) observa que: De modo geral, não é possível falar de uma cultura escrava no Império Romano. Ou, ao menos, é muito mais complexo do que, talvez, no caso da escravidão brasileira. Os escravos romanos não tinham nenhuma identidade étnica ou racial. Pelo contrário, as fontes ressaltam, precisamente, a estratégia de diversificar as origens da escravaria para impedir o surgimento dessas identidades. Observa-se, assim, que o critério racial para identificar o escravo surgiu depois do surgimento da própria escravidão. A escravidão do negro africano começou no Brasil Colonial a partir do século XVI quando os portugueses deixaram de utilizar a mão-de-obra indígena passando a utilizar a mão-de-obra africana (HISTÓRIA DO BRASIL, 2016). Olhando a história de outro país que também utilizou a mão-de-obra escrava do negro africano, temos que no Estados Unidos, o escravo era tratado com uma res do seu senhor, uma simples propriedade, não mais que uma ferramenta de trabalho sem diferença dos cavalos e das carroças utilizadas. Os escravos norte-americanos, por sua condição de coisa, haviam normas que o impediam de casar, ter filhos e de obter a liberdade. Por seu turno, no Brasil, havia o convívio mais social e íntimo do escravo com os seus senhores, e mesmo no período da escravidão haviam negros livres, tanto porque se permitia a sua libertação, tanto como permitia que os escravos comprassem a sua liberdade (KAUFMANN, 2007). Assim, no Brasil, os negros livres também possuíam escravos, como pode ser observado na passagem do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, do grande autor, que também era negro, Machado de Assis, escritor do movimento Realista no Brasil. No capítulo LXVIII de seu livro temos a seguinte transcrição (Memórias Póstumas de Brás Cubas, pág. 76): 26 CAPÍTULO LXVIII / O VERGALHO. Tais eram as reflexões que eu vinha fazendo, por aquele Valongo fora, logo depois de ver e ajustar a casa. Interrompeu-mas um ajuntamento; era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: — “Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!” Mas o primeiro não fazia caso, e, a cada súplica, respondia com uma vergalhada nova. — Toma, diabo! dizia ele; toma mais perdão, bêbado! — Meu senhor! gemia o outro. — Cala a boca, besta! replicava o vergalho. Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, — o que meu pai libertara alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a bênção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele. — É, sim, nhonhô. — Fez-te alguma coisa? — É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixei ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber. — Está bom, perdoa-lhe, disse eu. — Pois não, nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado! Ainda durante a escravidão, havia a participação de negros nas camadas de prestígio da sociedade, visto o próprio Machado de Assis, e que não foi o critério racial que foi o responsável pela não ascensão social. Nesse sentido, temos a passagem histórica citada Kaufmann (2007, p. 41), a seguir transcrita: Relevante exemplo pode ser extraído da Ordem de 1731, emanada por D. João V, que revela, pelo menos, magnífico exemplo de recusa à discriminação e a postura contrária da autoridade máxima ao manifestado preconceito de cor. Por meio dessa norma, o Rei conferiu poderes ao Governados da Capitania de Pernambuco, Duarte Pereira, para que empossasse um mulato no cargo de Procurador da Coroa, de grande prestígio na época, afirmando que a cor não lhe servia como um impedimento para exercer tal função. Resta demonstrado, deste modo, que a utilização da mão-de-obra negro africana não se deu por questão racial. A explicação da utilização do negro africado como escravo em maior proporção do que o escravo indígena, aqui o índio brasileiro, vem do mesmo motivo da sua abolição: interesse econômico ligado ao tráfico de escravos da África para a Coroa portuguesa e para os mercadores (VICENTINO, p. 183). A motivação para o fim do tráfico negreiro, na época, eram as dívidas contraídas e um possível desequilíbrio populacional em relação a população não escrava. 27 A proibição do tráfico de pessoas que a Inglaterra defendia no século XIX tinha a pretensão de prejudicar a economia da Espanha e de Portugal, já que a aquela tinha a mercantilização da mão-de-obra negra e este fazia grande uso do negro africano como escravo. Nessa época, também na Inglaterra, estava acontecendo a revolução industrial (MOTA, 2007, p. 487), o que permitia menor utilização na mão de obra humana. Nesse diapasão, a Coroa Britânica fez pressão para que a Coroa Brasileira parasse com o tráfico negreiro como condição para o reconhecimento da independência e da identificação do Brasil como outro país e não mais como colônia (MULTIRIO, 2016). Resta mais que claro que a escravidão do negro africano não se deu por questão racial da cor da pele, que sua raça seria inferior as outras. Essa parte triste da história do Brasil se deu unicamente por motivos econômicos, uma vez que a mão- de-obra nativa do país deixou de ser opção viável. Contudo, entre as décadas de 80 e 90, destacaram, no Brasil, movimentos antirracistas com o argumento da reparação das vítimas da escravidão. Nas palavras de Ronaldo Jorge A. Vieira Júnior, o intuito desses movimentos foi “aprofundar a reflexão sobre a impunidade de autores de atos atentatórios aos direitos dos negros no Brasil, especialmente a impunidade do Estado e seus agentes diretos e indiretos” (JÚNIOR, 2007, p. 94). Assim, as ações afirmativas vêm para tentar reparar essa degradação de direitos sofrida durante a escravidão, Dworkin (2002, p. 345) entende que as ações afirmativas são prejudiciais e que agravam cada vez mais o preconceito: [...] Argumentam que qualquer discriminação racial – mesmo aquelas com o propósito de beneficiar minorias – termina na verdade por prejudicá-las, pois o preconceito é fomentado, sempre que as distinções raciais são toleradas, seja com que objetivo for. [...] A compensação histórica proposta pelas ações afirmativas tem um fato de discriminação que pode provocar uma injustiça maior ao invés de solucionar. Como trabalhado em páginas alhures, é muito difícil determinar a raça de uma pessoa, ainda mais determinar o não negro. Então, como será direcionado as cotas 28 raciais, quem seria o destinatário? Ainda mais utilizando o critério da autodeclaração para se determinar a raça, fica o questionamento de que quem não tem os traços da raça negra, mas, mesmo assim descende diretamente de negros se poderá estar apto ao sistema de cotas. Como já mencionado, o critério da autodeclaração não é confiável e nem conduz com a realidade. Também, não há alguma exigência para qualificar o candidato a cotas raciais, como faz-se no requerimento das pessoas carentes quando se busca a obtenção da assistência judiciária. Outro ponto já mencionado são as comissões “julgadoras da raça”, que foram constituídas em algumas universidades brasileiras, justamente porque o critério da autodeclaração não é confiável, mas, mesmo assim, diante do degrade de cor, aliado ao lugar onde a pessoa vive, gera disparidades na determinação racial do indivíduo, como o caso que ocorreu na UNB comentado no primeiro capítulo. Ainda tem os pardos, os mulatos e os mestiços, que, a depender do local onde vive, pois, uma mesma pessoa que é considerada parda, inserida numa sociedade onde majoritariamente é composta por negros, ela poderá se reconhecer como branca, ou ao contrário, estando inserida em uma sociedade majoritariamente branca poderá se identificar como negra, assim, não sendo destinatários das cotas raciais. Os pardos são a maior parte da população não branca do Brasil, serão excluídos sob a vigência da preferência pela categoria étnico-racial. A associação da fusão das categorias “pardo” e “preto/negro” em única classificação sob a designação de “negros”, por aferição do IBGE e de outras instituições nacionais, verifica-se uma manipulação dos dados e dos seus significados reais, bem como vai ao encontro da autodeclaração, já classificando todos como negros. Conforme pesquisa realizada pelo IBGE, entre 2012 e 2016, a população brasileira cresceu 3,4%, alcançando a taxa de 205,5 milhões de habitantes, o número dos que se declaravam brancos teve uma redução de 1,8%, totalizando 90,9 milhões. 29 Já o número de pardos autodeclarados cresceu em 6,6% e o de pretos, em 14,9%, alcançando a taxa 95,9 milhões e 16,8 milhões, respectivamente.4 Entre 2012 e 2016, a pesquisa mostra que a população de brancos na população do país caiu de 46,6% para 44,2%, enquanto a população parda aumentou de 45,3% para 46,7% e a dos pretos, de 7,4% para 8,2%. Há marcantes diferenças regionais na distribuição da população por cor ou raça, o que pode ser explicado pelo processo de ocupação do território. No Sul, 76,8% da população se declarou branca, 18,7% parda e apenas 3,8% preta. Por outro lado, na região Norte, 72,3% da população se declarou parda, 19,5% branca e 7,0% preta. Essa redução da população branca no país e o aumento de pretos e pardos, segundo a pesquisadora Maria Lucia Vieira, é uma tendência verificada ao longo do tempo. “Até o Censo Demográfico 2010, os brancos representavam mais da metade da população e naquele ano, pretos e pardos ultrapassaram”, afirmou. Isso decorre de dois fatores principais segundo a pesquisadora: “Há a tendência da miscigenação, ou seja, que a população se misture e o grupo pardo cresça. E, no caso do aumento da autodeclaração de pretos, tem um fator a mais: o reconhecimento da população negra em relação à própria cor, que faz mais pessoas se identificarem como pretas”. Nisso vemos o quão frágil é o sistema e autodeclaração, ao vermos que o mesmo indivíduo muda sua raça ao longo do tempo. Em um momento da vida ele pode se considerar branco e, com a mudança do meio social onde vive poderá se auto identificar como negro, havendo, ainda, o aumento da miscigenação gradamente no país. No Brasil, os negros, são considerados como o conjunto de pretos e pardos, e representam, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)5 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), 51,3% da população. 4 https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/18282- populacao-chega-a-205-5-milhoes-com-menos-brancos-e-mais-pardos-e-pretos. 5 RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 30 Conforme a Tabela abaixo, a taxa de ocupação da população negra em cargos públicos é de 44,5%, enquanto a taxa de ocupação nos mesmos cargos pela população branca é de 54,6%, apresentando uma taxa de ocupação superior em 10,1%, ou seja, a cada 10 cargos públicos, 6 seriam ocupados por brancos e 4 por negros, uma diferença tão ínfima que não se justifica a reserva de vagas, essa diferença está ligado a diversos fatores externos a sociedade, não pode afirmar, categoricamente, com base em uma diferença pequena, que o racismo e a dívida histórica é que está impedindo o aumento da taxa de negros no serviço público. Depreende-se, ainda, da tabela acima, que, sobre representação das mulheres é mais marcante no setor público municipal, no qual as mulheres concentram 63,7% das ocupações – com destaque para as mulheres negras: cerca de 64% das mulheres negras ocupadas no setor público estão no nível municipal. Ou seja, em nível municipal, do universo de vagas 64% destas são ocupadas por negras, em contrapartida no setor público federal, a sua participação é de 38,5%, mas vê-se que tanto as mulheres, quanto as mulheres negras estão bem representadas no setor público, e que a diminuição do percentual de ocupação no Disponível em: <httprepositorio.ipea.gov.brbitstream1105874611RP_Reserva_2016.pdf>. Acesso em: 03 maio. 2019. 31 setor federal não se deve exclusivamente pelo racismo ou pela negação de direitos aos antepassados, mas pode ser baseados em fatores mais concretos, como já ser ocupante de cargo municipal, ou ainda, não escolheram ingressar na carreia pública. Destarte, resta evidenciado que a participação da população negra nos cargos públicos é correspondente com a parcela destes na população, assim, tem-se que o sistema de cotas raciais em concurso público não está sendo utilizado como compensação histórica, mas sim como uma ferramenta de combate ao racismo, realizando uma equiparação social. As desvantagens do negro em relação ao branco deveriam terminar após a formação no curso superior, pois, ambos saem igualmente qualificados para o mercado de trabalho. Inegável falar que não há casos de racismos no mercado de trabalho, ocorre sim casos em que negros não são contratados mesmo tendo a mesma qualificação que seus concorrentes e em algumas vezes até uma maior qualificação. Contudo, quando falamos de concurso público, isso já não ocorre, porque não é o trabalhador do Recursos Humanos que estará selecionando os candidatos, mas sim a administração pública. No concurso o candidato será selecionado pela sua capacidade técnica, não havendo na seleção nem contato pessoal com a administração. Assim, não há que se falar em combate ao racismo em concurso, ficando mais evidente a falha da cota racial nessa categoria de avaliação. 32 4. CONCEITOS E PRINCÍPIOS DO CONCURSO PÚBLICO. Já que o presente trabalho tem por objetivo expor a inconstitucionalidade das cotas raciais em concurso público, faz-se necessário uma breve explicação do conceito de concurso público. Primeiramente, para uma melhor compreensão do instituto do concurso público e sua constitucionalidade, é necessário explanar sobre seus princípios. O concurso público, bem basicamente, é mais um ato administrativo para contratação de pessoas, e como todo ato administrativo, devem observar os princípios gerais do direito administrativo, além de princípios próprios, como os princípios da competitividade, da seletividade, da obrigatoriedade, proibitivo da ordem de classificação, princípio do julgamento objetivo e do duplo grau de jurisdição, todos presentes na Constituição Federal de 1988. Destes princípios, alguns são mais relevantes e, por isso, será dado mais destaque a eles. A Constituição Federal determina que, para o ingresso no serviço público tem- se a obrigatoriedade de ser por meio de concurso público de provas e títulos ou só provas, mas nunca somente de títulos, conforme disposição do artigo 37, inciso II da Constituição, in verbis: Art. 37. A administração pública federal direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte: (...) II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Portanto, a investida em cargos ou emprego público depende da aprovação em concurso público. O princípio proibitivo da quebra da ordem de classificação está na Constituição Federal, no inciso I do artigo 93, in verbis: 33 Art. 93. Lei complementar de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação. Em relação ao concurso público, o princípio mais importante é o da impessoalidade. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, a impessoalidade consiste em: “na Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia” (Curso de direito administrativo, 30a. ed, p. 117). “ Deste princípio extrai-se que a administração não poderá fazer diferenças entre os candidatos do concurso. Aquela máxima de que a justiça é cega para que seja imparcial se amolda perfeitamente ao caso, ao passo que a administração não enxerga o candidato para que não o venha beneficiar. 4.1 CARGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS. Os cargos e funções públicas são acessíveis a todos os brasileiros natos e naturalizados que preencham os requisitos estabelecidos pela lei, assim disposto no supramencionado artigo 37, no seu inciso primeiro, da Constituição Federal: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei; Os cargos públicos são criados por lei, havendo diferença entre cargo e função pública. Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello, o cargo público “é uma denominação dada a mais simples unidade de poderes e deveres estatais a serem expressos por um agente. 34 Hely Lopes Meirelles (1999, p. 79) conceitua cargos como: Os cargos são apenas os lugares criados no órgão para serem providos por agentes que exercerão as suas funções na forma legal. O cargo é lotado no órgão e o agente é investido no cargo. Por aí se vê que o cargo integra o órgão, ao passo que o agente, como ser humano, unicamente titulariza o cargo para servir ao órgão. Órgão, função e cargo são criações abstratas da lei; agente é a pessoa humana, real, que infunde vida, vontade e ação a essas abstrações legais. Já a função pública é a atribuição ou conjunto de atribuições que a administração confere a cada categoria profissional ou a determinados servidores de serviços eventuais. Assim, todos os cargos têm função pública, mas a recíproca não é verdadeira, a função pública nem sempre decorre de um cargo. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles (1999, p. 79), a função pública: “...são os encargos atribuídos aos órgãos, cargos e agentes. O órgão normalmente recebe a função in genere e a repassa aos seus cargos in specie, ou a transfere diretamente a agentes sem cargo, com a necessária parcela de poder público para o seu exercício. Toda função é atribuída e delimitada por norma legal. Essa atribuição e delimitação funcional configuram a competência do órgão, do cargo e do agente, ou seja, a natureza da função e o limite de poder para o seu desempenho. Daí por que, quando o agente ultrapassa esse limite, atua com abuso ou excesso de poder. ” Deste modo, cargo público é aquele ocupado por servidor público, já a função pública é um conjunto de atribuições destinadas aos agentes públicos, abrangendo à função temporária e a função de confiança. 4.2 DA IGUALDADE APÓS A CONCLUSÃO DO ENSINO SUPERIOR. O princípio basilar de um estado democrático é o da igualdade, sem ela voltamos aos tempos do Império. Adotada pela Constituição Federal, o princípio da igualdade de direitos, prescreve uma igualdade de aptidão, onde todos os cidadãos têm a prerrogativa de ter um tratamento igualitário perante a lei, em conforme com os critérios abraçados pelo ordenamento jurídico. Destarte, busca-se a vedação de diferenciações arbitrárias, porque o trato dado ao desigual em casos desiguais, na medida em que 35 se desigualam, é mínima exigência do próprio conceito de justiça, uma vez que o que se busca proteger são certas finalidades. O princípio da igualdade pode ser dividido em igualdade forma e igualdade material. É possível conceituar a igualdade formal como uma norma de caráter negativo, que impõe restrições e vedações na aplicação da norma. É aquela igualdade genérica, elencada no artigo 5° da Constituição, onde diz que todos são iguais perante a lei, sem qualquer descriminação. Assim, nas palavras de José Afonso Silva, “igualdade perante a lei, enunciado que, na sua literalidade, se confunde com a mera isonomia formal” (DA SILVA, 2014, p. 216). No que tange à igualdade material, devemos partir da máxima aristotélica de que “os iguais devem ser tratados como iguais e os desiguais, na medida de suas desigualdades”. Nesse sentido temos os ensinamentos de HESSE: A igualdade jurídica material não consiste em um tratamento sem distinção de todos em todas as relações. Senão, só aquilo que é igual deve ser tratado igualmente. O princípio da igualdade proíbe uma regulação desigualdade de fatos iguais; casos iguais devem encontrar regra igual. A questão é quais fatos são iguais e, por isso, não devem ser regulados desigualmente. (1998, p. 330) Nessa toada, tem-se que a igualdade possui três finalidades limitadoras, as quais segundo para Alexandre de Moraes (2009. p. 37-38.): limitação ao legislador; ao intérprete/autoridade pública e ao particular. Em relação à primeira limitação, o autor fez as seguintes ponderações: O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a constituição federal. Deste modo, tem-se que podem ser tratados igual e desigualmente, ao mesmo tempo, dois indivíduos, tendo em vista que todos têm semelhanças e diferenças que possa justificar tratamentos diferenciados. 36 Partindo deste princípio, conclui-se pela existência de discriminação quando uma norma diferencia de modo não legítimo ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. De outro modo, para que uma iniciativa normativa seja considerada não discriminatória, ou seja, que busque efetivar a igualdade material, faz-se necessário a existência de uma justificativa objetiva e razoável, fundados em critérios amplamente aceitos, sendo possível visualizar razoabilidade entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada. Quanto à limitação destinada ao intérprete/autoridade pública, Alexandre de Moraes assim a apresentou: A intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Ressalte-se que, em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas. (2009. p. 37-38) Seguramente, a maior dificuldade na apreensão do princípio da igualdade está precisamente em evitar que distinções que não possuam uma fundamentação razoável sejam aplicadas, ocasionando na ampliação da desigualdade que se pretende combater, bem como na discriminação reversa desequilibrando, ainda mais, as relações sociais (MORAES, 2006). Nessa seara, para que haja compatibilidade entre critério de Cotas Raciais e o princípio da igualdade, é necessário um nexo de causalidade entre a causa de discrímen praticado e a desigualdade que se visa combater por meio da norma, que se traduz na falta de representação da população negra nas camadas sociais de maior prestígio. Em seu livro de Direito Constitucional, José Afonso da Silva explicou que: “haverá ofensa ao princípio da igualdade gerando uma inconstitucionalidade quando houver benefício que seja legítimo, mas a pessoas ou grupos que esteja em igual situação que outras – não justificando então a sua discriminação para com os demais – e também quando discriminar pessoas em situações iguais e assim gerando condições mais favoráveis para uns (DA SILVA, JOSÉ. 2014, p. 230-231)”. 37 Aqui surge um dos problemas das cotas raciais em concurso público. Como já evidenciado em linha pretéritas, o conceito de cotas não coaduna com a argumentação da reparação histórica. Deste modo, fica claro que o objetivo das cotas raciais não é compensar pelo período da escravidão, mas sim ser uma ferramenta de combate ao racismo. Esclarecendo bem, não se nega a existência do racismo, nem da necessidade de seu combate, mas a forma de se fazer, quando gera mais injustiças do que resolve sim merece ser criticada. Como já demonstrado alhures, em alguns setores do serviço público, não só o negro, mas como a mulher negra tem uma maior expressividade na categoria do que a população branca. Ademais, tem-se, também, que a diferença de brancos e negros ocupantes de cargos públicos são de apenas 10%. Essa diferença não pode ser baseada exclusivamente na questão racial. Conforme a tabela abaixo6, vê-se que a população negra, assim aquela definida pelo IBGE como preto e pardos, já superou a população branca no ensino superior. 6 http://cadernodoenem.com.br/fique-ligado/26-11-2014/sistema-de-cotas-nas-universidades-entenda- como-funciona.html http://cadernodoenem.com.br/fique-ligado/26-11-2014/sistema-de-cotas-nas-universidades-entenda-como-funciona.html http://cadernodoenem.com.br/fique-ligado/26-11-2014/sistema-de-cotas-nas-universidades-entenda-como-funciona.html 38 Nas universidades públicas, são a maioria, conforma a tabela abaixo7. Nessa tabela, vemos a distribuição da população por cor em cada curso8. 7 https://g1.globo.com/educacao/noticia/apos-cotas-universidades-federais-ficam-mais-populares-e- negras-diz-estudo.ghtml 8 http://mercadopopular.org/como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de- renda-fatos-dados-e-solucoes/ https://g1.globo.com/educacao/noticia/apos-cotas-universidades-federais-ficam-mais-populares-e-negras-diz-estudo.ghtml https://g1.globo.com/educacao/noticia/apos-cotas-universidades-federais-ficam-mais-populares-e-negras-diz-estudo.ghtml http://mercadopopular.org/como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de-renda-fatos-dados-e-solucoes/ http://mercadopopular.org/como-as-universidades-publicas-no-brasil-perpetuam-a-desigualdade-de-renda-fatos-dados-e-solucoes/ 39 Vemos que em alguns cursos há predominância da população negra, enquanto outros ocorre o inverso. Aqueles cursos em que a população negra é menos expressiva não ocorre exclusivamente por questão racial, uma discriminação, um impedimento da população negra ao ingresso nesses cursos. Concluir que essa é a causa desse efeito é uma desonestidade intelectual. Ao analisarmos o gráfico, se pegarmos o curso de direito, vemos que a população não branca soma-se quase a metade dos estudantes desse curso, que um dos mais visados para o ingresso no serviço público. Assim, não há justificativa para dizer que negros e brancos não estão em condições de igualdade após a conclusão do ensino superior, ainda mais se analisar a obrigatoriedade da observância do princípio da igualdade dos atos administrativos, onde não há como ocorrer a impossibilidade de um negro não ingressar no cargo público devido a sua cor, basta ter sido classificado dentro no número de vagas. Vê-se, assim, que as cotas no serviço público estão sendo usadas como ferramenta de combate ao racismo, mesmo havendo uma boa representação da população negra no serviço público. Não impede, ainda, que a representação seja maior, mas que não seja aumentada em detrimento de outras pessoas. 40 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No presente trabalho foi trabalhado como surgiu a população negra no Brasil, demonstrando que mesmo antes da colonização do que viria ser o Brasil, já havia a mistura de raças entre os portugueses e os negros africanos, onde os colonizadores já estavam acostumados com a miscigenação racial. Na falta de população para colonização da colônia brasileira, a grande maioria dos colonizadores que vieram para as novas terras eram homens, proporcionando o desenvolvimento das relações inter-raciais, ou seja, os homens portugueses acabaram por se relacionarem com as mulheres negras e indígenas, o que propiciou a miscigenação desde nossas origens. Analisando a história do negro no Brasil, pode-se observar que, mesmo no período da escravidão, a raça não era o critério que impedia o acesso aos diversos setores de nossa sociedade, visto que na mesma época tinham negros nas camadas altas da sociedade, como Machado de Assis. Em resumo, a miscigenação no Brasil decorreu de um processo natural desde o início da colonização, ao contrário do que ocorreu nos Estados Unidos, onde a miscigenação além de ser combatida, houve uma segregação racial estimulada pela sociedade e positivada pelo Estado. Verificou-se no presente trabalho, que há um consenso na comunidade científica quanto à impossibilidade em se classificar os seres humanos em raças, ou seja, independentemente da cor da pele ou feições, todos pertencem a mesma raça. Após, viu-se que as ações afirmativas, surgiram nos Estados Unidos em meados da década de 30. Nesse período, tinham a função de promover medidas de erradicação da discriminação e promover um tratamento igualitário entre as raças. Em virtude da severa segregação racial, nas décadas de 60 e 70 surgiram os programas de cotas raciais, promovendo uma integração racial permitindo a miscigenação. 41 Somente nas décadas de 60 e 70, diante da grande segregação racial que havia, sugiram os programas de cotas raciais, onde se permitia uma maior interação inter-racial promovendo a miscigenação entre as raças. Não se tem dúvidas da existência do racismo no Brasil, contudo, os números apresentados mostram uma equidade na ocupação dos cargos públicos, bem como no ensino superior por negros. A diferença, além de não ser muito grande, não pode ser toda atribuída pela ocorrência da escravidão no país. É certo que a população negra vive em uma situação precária, mas isso não é exclusividade da raça, essa situação decorre essencialmente da situação econômica, que atinge todos, sejam negros, brancos ou pardos, esses então inseridos em uma classe econômica menos favorecida não conseguem ascender socialmente pela falta de acesso à saúde, alimentação, moradia, educação e preparo adequado para o mercado de trabalho. Destarte, no que concerne especificamente às cotas raciais, pode se concluir que elas são inconstitucionais por afronta ao princípio da igualdade, ao passo que o critério eleito para a aplicação da discriminação não condiz com a realidade social brasileira, ou seja, o fator principal é o sócio econômico, isso resulta no tratamento desigual aos materialmente iguais, além de incentivar a disputa e o ódio racial e institucionalizar o racismo em afronta ao disposto nos incisos IV e VIII do artigo 5º da Constituição Brasileira. Pode observar durante o presente trabalho que no Brasil não houve um sistema segregacionista, com a divisão de nossa sociedade em brancos e negros, mas, sim em pobres e ricos, de modo que o modelo de ação afirmativa adequado à nossa realidade deve levar em consideração tal fator e não a cor da pele como pregam as cotas raciais. Diante do exposto, conclui-se que as Cotas Raciais são inconstitucionais por afronta, sobretudo, ao princípio da isonomia, na medida em que o fator de discrímen usado para implementação das cotas raciais não corresponde à nossa realidade social. Conclui-se, também, que vivemos numa sociedade com alarmante divisão socioeconômica, na qual são latentes a precária situação e dificuldades enfrentadas 42 pelas classes sociais menos favorecidas, figurando as cotas sociais, nas quais se leve em consideração a situação socioeconômica dos beneficiários, como ação afirmativa adequada a propiciar desenvolvimento e ascensão social dos negros, indígenas e demais integrantes das classes sociais menos favorecidas. 43 6. REFERÊNCIAS Assis, Machado de: Memórias Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. Disponível em:< http://machado.mec.gov.br/obra-completa lista/item/download/16_ff646a924421ea897f27cf6d21e6bb23> Acesso em BELISÁRIO, Bethânia Silva. Políticas de Ação Afirmativa e o Direito Fundamental à Igualdade: o Sistema de Cotas Raciais para o Ingresso dos Negros no Ensino Superior Brasileiro. Disponível em <http://www.redeacaoafirmativa.ceao.ufba.br/uploads/fdv>_dissertacao_2007_BSB elisario.pdf>. 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