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Aula 13 - Ascite, PBE e síndrome hepatorrenal

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ASCITE 
1. Conceito 
Derrame líquido na cavidade peritoneal, sendo uma 
manifestação comum a várias doenças, mas não uma doença 
em si. É importante lembrar que existe um transudato 
fisiológico de até 100mL no espaço peritoneal, responsável 
pela lubrificação das membranas e os derrames de sangue ou 
pus não representam ascite, mas hemoperitôneo e 
pioperitônio, respectivamente. A principal causa de ascite no 
Brasil e mundo é a hipertensão portal relacionada à cirrose 
hepática. 
2. Exame físico 
Quando a ascite é volumosa, o abdome apresenta-se globoso, 
tanto com o paciente em pé quanto deitado, de forma que a 
cicatriz umbilical pode se aplanar ou everter. Se a ascite for 
devido à hipertensão portal é comum a presença de circulação 
colateral evidente – cabeça de medusa. 
Quando a ascite não é muito volumosa e o tônus da 
musculatura está reduzido: 
• No paciente de pé, o abdome cai sobre o púbis – “ema 
avental” 
• No paciente deitado, o abdome se alarga para os 
flancos, “batráquio” 
Sinal do piparote (Morgani) deve ser pesquisado em pacientes 
em decúbito dorsal – o médico dá um peteleco em um dos 
flancos e tenta sentir a propagação da força no outro, de forma 
que a borda cubital da mão na região mediana. Esse sinal só é 
positivo quando a ascite é muito grande, sendo superior a cinco 
litros, podendo ser negativa em caso de distensão abdominal. 
A macicez móvel de decúbito é o melhor método semiológico 
para detecção de ascite e baseia-se na análise dos sons da 
percussão abdominal. Inicialmente deve ser feita a percussão 
em decúbito dorsal, marcando o local do flanco que o som fica 
maciço e então, o paciente deve assumir a posição de decúbito 
lateral e a percussão deve ser feita no mesmo local, se 
identificado timpanismo, o sinal é positivo. Capaz de detectar 
uma ascite a partir de um litro e meio. 
3. Classificação 
• Ascite não complicada 
✓ Estágio I – detectada apenas pela USG 
✓ Estágio II ou moderada – detectada pelo exame 
físico pelo sinal de macicez móvel 
✓ Estágio III ou grande – importante distensão 
abdominal, sinal do piparote 
• Ascite refratária 
✓ Ascite resistente 
✓ Ascite refratária 
 
4. Exames complementares 
• Radiografia 
Possuem pouco valor diagnóstico. A presença de líquido 
peritoneal pode ser demonstrada na região da pequena bacia, 
flancos e na parte média do abdome, nas alças. 
Quando o líquido está nos espaços pévicos-laterais, a 
configuração tida é a de “orelha de cachorro”. Nos flancos, 
ocupa o espaço entre alças intestinais, com aspecto em forma 
de “pente”. Outro sinal é a obliteração do ângulo hepático, a 
interposição de líquido entre o fígado e o gradil costal separa 
essas estruturas – percebido nas radiografias oblíquas. 
Grandes quantidades de líquidos podem dar aspecto 
homogêneo ao abdome, fazendo desaparecer os contornos dos 
órgãos abdominais, se em quantidades maiores, ocorre 
separação do fundo gástrico e do cólon transverso do 
diafragma. 
• Ultrassonografia (US) 
Melhor método de escolha para detectar pequenas coleções 
líquidas no abdome, que aparecem nas imagens. Também diz 
se o derrame peritoneal está encisado ou faz parte de massas 
complexas (ao mesmo tempo sólidas e líquidas – hematomas, 
abscessos e tumores). 
De forma menos frequente, ainda pode diagnosticar a causa de 
ascite, demonstrando alterações compatíveis com a cirrose, 
uma massa abdominal ou pélvica, metástases, cistos 
pancreáticos. Além disso, é importante para realizar punções 
diagnósticas ou terapêuticas de coleções abdominais. 
• Tomografia computadorizada (TC) 
Permite o diagnóstico com segurança e também diferencia as 
coleções líquidas livres das massas sólidas ou císticas. As 
ascites de pequenos volumes podem ser detectadas pela 
tomografia axial computadorizada, na região do fígado e na 
goteira paracólica esquerda na pelve. Identifica o fígado como 
área mais densa, pequeno, heterogêneo e com bordas 
irregulares. É capaz de denunciar a etiologia. 
• Paracentese 
Possui duas finalidades principais: obtenção de material para 
análise (diagnóstico etiológico) e aliviar o doente dos sintomas 
compressivos. A paracentese diagnóstica é obrigatória no 
paciente com ascite, deve ser realizada com paciente em 
decúbito dorsal, após anestesia local, traçando uma linha 
imaginária entre umbigo e espinha ilíaca anterossuperiora 
esquerda, e dividir em terços, inserindo na junção entre o terço 
médio e inferior. Deve ser realizada do lado esquerdo, porque 
do lado direito o ceco é mais fixo em sua posição, aumento o 
risco de perfuração. 
As complicações são raras e incluem perfuração intestinal e 
hemorragia. A paracentese não deve ser realizada próxima a 
cicatrizes cirúrgicas, porque há possibilidade de alças 
intestinais aderidas à parede abdominal. Após a punção pode 
ocorrer saída constante de líquido, o que pode ser evitado 
realizando-se a técnica em “Z”. Após a punção deve-se colocar 
um curativo compressivo. 
Ascite, PBE e síndrome hepatorrenal 
Clínica Integrada de Gastroenterologia – aula 13 
 
Nicole Sarmento Queiroga 
• Biópsia peritoneal 
Utilizado para diagnóstico de casos selecionados de ascite, 
deve ser feito laparoscopicamente, reduzindo riscos e 
orientando o melhor local para a biópsia. 
5. Exame do líquido ascítico 
Deve incluir algumas análises para elucidação diagnóstica: 
• Macroscopia 
✓ Seroso – claro e transparente ou amarelo-cintrino, 
clássico da cirrose não complicada 
✓ Hemorrágico – aspecto serossanguinolento, róseo 
ou de cor sanguínea mais viva, observado em 
neoplasias e peritonite tuberculosa, de forma que 
o líquido vai clareando durante a drenagem e o 
sangue coagula no acidente de punção 
✓ Turvo – sugestivo de infecção, com odor fétido 
✓ Lactescente – líquido branco-amarelado, 
aparência leitosa. Pode ser quiloso, com presença 
de linfa pela obstrução ou ruptura do canal 
torácico ou vasos linfáticos quilíferos, causadas 
por neoplasias e traumatismo. Pode ser 
quiliforme, presença de células endoteliais e 
leucócitos em degeneração gordurosa, por 
tumores de peritônio. 
✓ Bilioso – coloração esverdeada vinda de 
traumatismos das vias biliares 
✓ Gelatinoso – amarelado e espesso, semelhante à 
gelatina, observado em tumores mucinosos e 
pseudomixoma peritonei 
 
• Bioquímica 
Envolve a dosagem de albumina – líquido ascítico e no 
plasma. Outros parâmetros podem ser úteis, como proteína 
total, glicose e DHL (diferenciar peritonite bacteriana primária 
de secundária), triglicerídeos (ascite quilosa por complicações 
cirúrgicas que atingem o ducto torácico), bilirrubinas, ureia e 
amilase (complicações de pancreatite). 
• Citometria 
Grande número de hemácias orienta para diagnóstico de 
neoplasias e, em menor grau, para tuberculose. Outras causas 
também podem ser a patologia pancreática e trombose 
mesentérica. 
Contagem elevada de leucócitos sugere presença de processo 
inflamatório do peritônio, de forma que a predominância de 
polimorfonucleares (PMN) sugere infecção bacteriana aguda 
e a presença de mononucleares (linfócitos/monócitos) sugere 
tuberculose peritoneal, neoplasia e colagenoses. 
• Citologia oncótica 
Principal exame diagnóstico de ascite carcinomatosa (cânceres 
gastrointestinais, de ovário). Presença de proteína total maior 
que 2,5g/dL. 
• Bacteriologia 
Incluem bacterioscopia e culturas. Para confirmar peritonite 
bacteriana espontânea deve ser colhido e introduzido na 
hemocultura, colocando 10mL num frasco de 100mL. 
6. Etiologia das ascites 
• Hipertensão porta (HP) 
Aumento da pressão no sistema venoso porta-hepático gera 
ascite. Quando a pressão se eleva muito, algumas válvulas de 
segurança – escape pressórico – servem para reduzir esse 
excesso de pressão. Como essas válvulas são os sinusoides 
fenestrados, o aumento de pressão gera extravasamento de 
líquidos para a cavidade peritoneal.✓ Pré-sinusoidal 
Dificilmente geram ascite porque não envolve os sinusoides 
hepáticos, caso da esquistossomose, porque a obstrução ocorre 
no espaço-porta. São manifestações nesses casos a circulação 
colateral, varizes esofágicas e esplenomegalia severa 
✓ Pós-sinusoidal 
Produzem quadros de hipertensão porta marcada por ascite 
grave e de difícil controle, sendo menos frequentes, varizes 
esofágicas e esplenomegalia e circulação colateral. 
✓ Intrassinusoidal 
Origem de ambos mecanismos patogênicos, como na cirrose 
hepática, de forma que são encontradas ascite e sinais clínicos 
de HP grave. 
O desenvolvimento ascítico segue a lógica da hipertensão 
portal com vasodilatação esplâncnica, com ativação do SRAA 
e do sistema nervoso simpático por hipovolemia relativa, de 
forma que ocorre hiperfluxo venoso e a formação da linfa 
excede o retorno linfático – aumento da pressão hidrostática e 
redução da oncótica. 
 
Por ser formada por um mecanismo que envolve apenas 
aumento da pressão vascular, o líquido formado da ascite, é do 
tipo transudativa, ou seja, pobre em proteínas. 
✓ Cirrose não complicada – com proteína total 
< 2,5g/dL 
 
• Doença peritoneal 
Neoplasias e infecções peritoneais, em específico a 
tuberculose peritoneal. A fisiopatogenia é diferente nessa 
forma de ascite: aumento da permeabilidade dos capilares 
peritoneais por processos inflamatório, seguido de obstrução 
pelas células tumorais dos canais linfáticos que ligam a 
cavidade aos plexos linfáticos, impedindo drenagem 
adequada. Em seguida, os tumores podem liberar substancias 
 Figura 1. Esquema da disposição sinusoidal hepática. 
angiogênicas, que também podem aumentar diretamente a 
permeabilidade peritoneal. 
Em função desses mecanismos, a ascite é classicamente do 
tipo exsudativa, ou seja, com elevado teor de proteínas. 
✓ Ascite neoplásica – com citologia oncótica 
positiva e proteína total > 2,5g/dL 
✓ Tuberculose peritoneal – com proteína total 
> 2,5g/dL e testes específicos BK positivos 
 
• Formas mais raras de ascite 
✓ Ascite pancreática – tipo exsudato com proteína 
total < 2,5g/dL e amilase > 100 
✓ Ascite biliar 
✓ Ascite quilosa 
✓ Ascite nefrogênica – tipo exsudato com proteína 
total < 2,5g/dL 
✓ Ascite associada ao mixedema 
✓ Síndrome da imunodeficiência adquirida 
✓ Síndrome de Meigs 
✓ Ascite cardiogênica (insuficiência cardíaca, em 
especial, direita) – tipo transudato com proteína 
total > 2,5g/dL 
 
7. Abordagem diagnóstica 
Deve-se partir do princípio se a origem é hipertensão porta ou 
doença peritoneal, de forma que o esclarecimento deve ser 
sobre as características do líquido ascítico: exsudativo e 
transudativo. 
Com base na análise dos níveis de proteína total e de LDH do 
líquido ascítico e do plasma, chegou-se à seguinte conclusão: 
concentração superior a 50 ou 60% de proteínas e LDH, 
respectivamente, temos um líquido exsudato. 
Também foi analisado o gradiente de albumina soroascite 
(GASA), feito pela subtração da concentração de albumina 
plasmática pela concentração de albumina no líquido ascítico, 
que indica a pressão hidrostática dos capilares hepáticos. Se o 
gradiante soroascite for inferior a 1,1g/dL, é classificado como 
exsudato, se maior que 1,1g/dL é transudato. Logo, temos: 
 
 
 
8. Manejo das ascites 
Depende da doença de base, de forma que se a doença puder 
ser tratada, a ascite é revertida. 
• Doença hepática de base 
Regressão da lesão e histológica nas situações de tratamento 
antiviral nas hepatites crônicas B e C, doença de Wilson, 
hepatite autoimune e cessação do consumo de álcool na cirrose 
alcoólica. 
• Repouso, restrição de água e sal 
O repouso facilita a mobilização de fluidos no paciente. E 
aconselhável uma restrição de sódio para 2g de sódio ao dia ou 
4g de NaCl, é mandatória para se induzir balanço negativo de 
sódio. Pacientes que excretam mais de 80mEq/dia de Na na 
urina podem controlar a ascite apenas com restrição de sal na 
dieta. Somente em hiponatremia (Na < 120-125mEq/L), uma 
restrição hídrica é recomendada, em torno de 1.000-
1.500mL/dia. 
• Diuréticos 
Oferecer uma dose capaz de reduzir a ascite sem causar 
hipovolemia acentuada, devendo controlar a perda ponderal do 
paciente, em caso de ausência de edema em MMII não se deve 
ultrapassar perda de 0,5Kg/dia, já em pacientes com edema 
pode-se perder até 1Kg/dia. 
A espironolactona é o diurético de escolha, devido à sua 
relação com o hiperaldosteronismo secundário, com dose 
inical de 100mg/dia, mas podendo variar entre 100-
400mg/dia. Deve-se ter atenção a hipercalemia que essa 
medicação pode causar. Em caso de ginecomastia dolorosa, 
deve ser suspensa, podendo ser substituída por amilorida, 
triamtereno. 
A furosemida deve ser acrescentada no tratamento dos 
pacientes não responsivos às doses iniciais de espironolactona, 
com manutenção da dose de espironolactona 100mg + 
furosemida 40mg, com aumento a cada 3-5dias (200mg/80mg, 
300mg/120mg). 
• Ascite refratária 
Resistência à associação de diuréticos, com observação de 
pelo menos 12 semanas. Se a dosagem de sódio na urina for 
acima e 80mEq/dia e o paciente não está perdendo peso, trata 
de má adesão – o paciente ingere certa de 88mEq/dia de sódio, 
sendo 10mEq perdidos por via urinária, logo deveria ter uma 
menor concentração na urina. Logo, para ser refratária a 
dosagem de sódio na urina deve ser inferior a 80mEq/dia. 
✓ Paracentese de grande volume 
A paracentese pode ser realizada em pacientes com grande 
ascite, entre 5 e 15 litros, sendo necessária uma infusão de 
coloides para manutenção do volume intravascular. Pode ser 
utilizada como opção na ascite refratária, associada as demais 
medidas terapêuticas, recomenda-se a retirada de 5 a 9 litros a 
cada duas semanas, com infusão de 6-8g de albumina para 
cada litro se a retirada for superior a 5 litros. Indicados em 
pacientes Child C 
✓ TIPS (shunt portossistêmico transjugular intra-
hepático) 
Excelente efeito no tratamento da ascite refratária, com 
resultados superiores a paracentese de repetição, mas sem 
melhora importante na sobrevida. O inconveniente é a 
encefalopatia que se instala. Indicado apenas para pacientes 
com ascite refratária Child A ou B e na ausência de história 
prévia de encefalopatia. Coloca o stent para desviar o sangue 
para VCI, aliviando a hipertensão-porta, mas não ocorre 
desintoxicação sanguínea. Contraindicações são a sobrecarga 
Gradiente menor que 1,1g/dL = 
exsudato = doença peritoneal 
Gradiente maior que 1,1g/dL = 
transudato = hipertensão porta 
Figura 2. Esquema de manejo da ascite. 
cardíaca, encefalopatia pré-existente, pacientes com mais de 
70 anos. 
✓ SPV (shunt peritônio-venoso) 
Também chamado de shunt de Le Veen, em que um cateter é 
utilizado para drenar o líquido para veia jugular interna direita, 
com trajeto subcutâneo. Esse procedimento foi substituído 
pelo TIPS pelo maior risco de complicação. Contraindicações 
são lesões gástricas não tratadas, episódio prévio de PBE e 
doença renal crônica avançada. 
✓ Cirurgia de derivação portossistêmica 
As derivações portossistêmicas não seletivas não seletivas ou 
parciais são eficazes na ascite refratária, embora possam 
causar encefalopatia hepática e piora hepática. Método não tão 
usado. 
✓ Transplante hepático 
Terapia definitiva indicada em pacientes com reserva hepática 
mais comprometida. 
PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA OU 
PRIMÁRIA 
1. Conceito 
Complicação que pode ser desenvolvida por pacientes com 
ascite, que surge na ausência de uma fonte contígua de 
contaminação, como abscessos intra-hepáticos ou perfuração 
de vísceras ocas. 
2. Patogenia 
Translocação bacteriana a partir do tubo digestivo e a 
deficiência de opsoninas (proteínas do complemento) no 
líquido ascítico. A migração dasbactérias ocorre para os 
linfonodos mesentéricos, com bacteremia e deposição do 
patógeno no líquido. Essa condição, associada com a defesa 
precária do organismo com ascite, proporciona a replicação e 
causando a PBE. A proteína total do líquido encontra-se baixa, 
sendo inferior a 1g/dL. Outros mecanismos que podem estar 
associados com a gênese do problema são o supercrescimento 
bacteriano intestinal e uma disfunção do sistema fagocitário 
reticuloendotelial. Caracteristicamente, a PBE é 
monobacteriana, sendo a maior parte dos casos é causada por 
gram-negativas entéricas, com destaque para Escherichia coli 
na cirrose hepática, Klebsiella pneumoniae e pneumococos na 
ascite nefrótica. 
Em casos multibacterianos, como gram-negativos entéricos, 
anaeróbios e Enterococcus fecalis, e com ausência de resposta 
clínica à antibioticoterapia, deve-se levantar suspeita de 
peritonite bacteriana secundária, devido a abcesso intra-
abdominal ou perfuração de víscera oca. 
3. Quadro clínico 
Os sinais e sintomas mais comuns são: 
• Febre em torno de 38ºC 
• Dor abdominal difusa 
• Alteração do estado mental por encefalopatia 
hepática 
• Dor à palpação abdominal 
• Diarreia, íleo paralitico, hipotensão arterial – menos 
frequentes 
Em alguns casos, os sinais de peritonite são inexistentes pela 
presença da ascite e em 1/3 dos casos, a ascite é assintomática, 
de forma que o diagnóstico de PBE é dado pelo exame do 
líquido ascítico. 
4. Diagnóstico 
É definido pela contagem de polimorfonucleares (PNM) no 
líquido ascítico ≥ 250/mm3, com predominância de neutrófilos 
sobre os demais leucócitos. A cultura demora, em média, 48 
horas para ter o resultado liberado, sendo o diagnóstico já 
considerado apenas pela contagem de linfócitos, já que o 
tratamento não pode esperar. Se o resultado da cultura for 
negativo, tem-se a ascite neutrofílica de cultura negativa, que 
geralmente é tratada como PBE. 
Uma variante da PBE é a bacterascite, condição definida pela 
cultura positiva monobacteriana na ausência de critério 
leucocitário, sendo uma fase precoce da PBE e que se resolve, 
na maioria das vezes, espontaneamente e, caso não se resolva, 
os pacientes sintomáticos devem ser tratados e os 
assintomáticos, observados. 
5. Diagnóstico diferencial 
O principal é a peritonite bacteriana secundária (PBS), sendo 
diferenciados pela presença de dois ou mais achados da PBS, 
indicando provável laparotomia: 
• Proteína total > 1g/dL 
• Glicose < 50mg/dL 
• LDH maior que o limite sérico normal 
Esses critérios são altamente sensíveis para peritonite com 
perfuração intestinal. Outros exames podem auxiliar no 
diagnóstico da forma perfurada são a dosagem aumentada de 
CEA (> 5ng/mL), fofatase alcalina (>240 U/L) no líquido 
ascítico. 
A peritonite bacteriana secundária também é caracterizada por 
infecção polimicrobiana e o achado é um número muito 
elevado de polimorfonucleares (em milhares) que tamém 
sugerem a origem secundária. Os casos suspeitos devem ser 
submetidos a exames de imagens como tomografia 
computadorizada. Pneumoperitônio ou extravasamento do 
contraste selam o diagnóstico. 
6. Prognóstico 
O sucesso terapêutico depende do diagnóstico precoce. Assim, 
todos os pacientes com ascite devem ser submetidos à uma 
paracentese diagnóstica, independente da manifestação de 
sintomas sugestivos de PBE. 
• Fatores preditivos de boa evolução na PBE 
✓ PBE adquirida na comunidade 
✓ Ausência de encefalopatia 
✓ Ureia < 25mg/dL 
• Fatores associados a uma má evolução na PBE 
✓ Encefalopatia hepática 
✓ Hemorragia digestiva alta 
✓ Insuficiência renal (Cr > 2m/dL) e síndrome 
hepatorrenal 
✓ Bilirrubina > 8mg/dL 
 
7. Tratamento 
No tratamento da PBE é fundamental que a antibioticoterapia 
seja indicada antes dos resultados dos estudos 
microbiológicos, porque reduzem a mortalidade. 
A terapia de escolha é uma cefalosporina de terceira geração 
venosa: Cefotaxime 2g IV 12/12h, com duração de 5 dias de 
tratamento, quando deve haver reavaliação do paciente. O 
ceftriaxone é uma alternativa. Em pacientes com PBE 
adquirida na comunidade, sem encefalopatia e com função 
renal normal, a ofloxacina oral é uma alternativa válida. 
Se houver melhora sintomática dramática, a terapia se encerra, 
se não, uma nova paracentese deve ser realizada 
• Se PNM < 250/mm3, terapia encerrada 
• Se PNM > 250/mm3, porém menor que a contagem 
da anterior, completar 7 dias e realizar uma nova 
paracentese 
• Se PNM aumentar em relação à anterior: reavaliar 
possibilidade de peritonite secundária 
Se existe possibilidade de peritonite secundária, a paracentese 
deve ser realizada mais precocemente, com 48 horas do 
tratamento. A paracentese de acompanhamento (em 48 horas) 
está reservada para pacientes que possuem evolução inicial 
insatisfatória. 
A expansão plasmática com albumina é usada como terapia 
adjuvante, diminuindo a incidência de insuficiência renal e 
melhorando a sobrevida dos cirróticos com PBE. A dose 
recomendada é de 1,5g/Kg no primeiro dia e 1,0g/Kg no 
terceiro dia. 
8. Profilaxia 
Todos os pacientes que desenvolveram PBE devem receber a 
profilaxia secundária com norfloxacina 400mg/dia, 
ciprofloxacina 500mg/dia ou sulfametazol/trimetoprim 
(800/160mg/dia) até o desaparecimento da ascite. 
A profilaxia primária aguda é indicada após qualquer 
hemorragia por varizes esofágicas em um paciente cirrótico 
com ascite, sendo a opção a administração de norfloxacina 
400mg 12/12h por 7 dias, tendo como alternativa ceftriaxone 
1g/dia, preferencialmente IV pelo mesmo período. 
A profilaxia primária crônica é utilizada em pacientes 
cirróticos com níveis de proteína total no líquido ascítico 
<1g/dL e também nos pacientes com insuficiência hepática 
avançada, com bilirrubina sérica > 2,5mg/dL. 
A sobrevida média após o primeiro episódio de PBE é de 9 
meses, com isso, a infecção deve motivar a colocação do 
paciente na lista de transplante hepático. 
 
SÍNDROME HEPATORRENAL 
1. Conceito 
É uma forma de insuficiência renal funcional, ou seja, não está 
acompanhada de alterações histopatológicas, em pacientes 
com hepatopatia crônica avançada, insuficiência hepática 
grave e hipertensão portal. Caracterizada pela perda 
progressiva da função renal (AKI), secundária à 
vasoconstrição renal e vasodilatação extrarrenal, havendo 
queda da resistência vascular periférica e, eventualmente, 
hipotensão arterial. 
2. Patogênese 
Germes gram-negativos do lúmen intestinal atravessam a 
mucosa lesada e se direcionam à circulação sistêmica, como a 
circulação hepática está comprometida, as bactérias alcançam 
linfonodos mesentéricos e induzem a secreção de citocinas 
como IL-6 e TNF-alfa pelos macrófagos locais. 
Com isso, uma das citocinas produzidas é o oxido nítrico, que 
promove vasodilatação esplâncnica, reduzindo o volume 
circulante efetivo e hipovolemia relativa. Assim, os sistemas 
renina-angiotensina-aldosterona e noradrenérgico são 
ativados, promovendo aumento da resistência vascular renal, 
vasoconstrição renal, diminuição da TFG e retenção de água e 
sódio (geralmente < 10mEq/dia) 
A SHR reflete um desequilíbrio entre fatores vasoconstritores 
e vasodilatadores, podendo ser desenvolvida espontaneamente 
ou precipitada por fatores agudos. 
3. Estágio de AKI ou IRA 
• AKI 1 – aumento da creatinina ≥ 0,3mg/dL ou 1,5 a 
2x em relação à basal 
• AKI 2 – aumento > 2-3x m relação ao basal 
• AKI 3 – aumento superior a 3x em relação ao basal 
de creatina ou ≥ 4mg/dL com aumento agudo ≥ 
0,3mg 
 
4. Apresentação clínico-laboratorial 
• SHR tipo 1 
É caracterizado pela rápida progressão da insuficiência renal 
(<2 semanas), havendo aumento da creatinina sérica para além 
de duas vezes do valor inicial (níveis superiores a 2,5mg/dL), 
ou uma queda no clearance de creatinina para <50% do valor 
inicial, atingindo nível absolutode <20mL/min. O quadro 
clínico é compatível com o de uma insuficiência renal aguda 
oligúrica, com prognóstico extremamente ruim na ausência de 
tratamento. 
• SHR tipo 2 
Apresenta valores de creatinina sérica >1,5mg/dL e/ou 
clearance de creatinina <40mL/min. A evolução é mais 
insidiosa, com o prognóstico a curto prazo, mesmo sem 
tratamento, é melhor. Os pacientes apresentam-se com “ascite 
refratária” ao tratamento clínico. 
5. Diagnóstico 
Foram definidos alguns critérios diagnósticos da síndrome 
hepatorrenal: 
• Cirrose com ascite 
• Creatina sérica >1,5mg/dL ou aumento ≥ 0,3mg/dL 
em 48h ou ≥ 50% do valor basal em até 7 dias 
• Ausência de melhora da creatinina sérica após 2 dias 
de retirada de diuréticos e expansão volêmica com 
albumina (1g/Kg/dia) 
• Ausência de choque 
• Ausência do uso recente ou atual de drogas 
nefrotóxicas 
• Ausência de doença parenquimatosa renal definida 
por: proteinúria > 500mg/dia, hematúria > 50 células 
por campo de grande aumento, US renal anormal 
A realização de USG com Doppler, ao avaliar a resistência 
arterial, forneceu informações importantes para entender a 
SHR. Os valores aumentados já são encontrados em pacientes 
cirróticos em ascite ou uremia, mas são evidenciados valores 
ainda maiores nos ascíticos. 
6. Fatores precipitantes 
• Sangramento gastrointestinal 
• Infecção, especialmente PBE 
• Diurese intensa com rápida perda de peso 
• Paracentese de grande volume sem reposição de 
albumina 
É importante entender que todos os fatores acima podem 
explicar a injuria renal por outros fatores, mas a precipitação 
da SHR ocorre após serem resolvidos. Apesar da correção dos 
eventos, a injuria renal não pode ser resolvida, ela pode apenas 
assumir curso progressivo, apresentando melhora apenas com 
tratamento direcionado aos distúrbios hemodinâmicos ou com 
transplante hepático. 
7. Tratamento 
O tratamento compreende medidas gerais como repouso, 
manutenção doe estado euvolêmico e retirada de agentes 
nefrotóxicos (como aminoglicosídeos e anti-inflamatórios). 
O tratamento farmacológico está baseado na combinação de 
drogas com ação vasoconstritoras esplâncnicas + infusão de 
albumina (1g/Kg no primeiro dia, seguido de 20-40g/dia por 
até 14 dias). O vasoconstritor de escolha é terlipressina, 
atingindo creatinina sérica abaixo de 1,5, ou seja, respostas de 
60%. Alternativas possíveis são noradrenalina ou combinação 
de miodrina (agonista α1-adrenérgico seletivo) com octreotide 
(análogo de somatostatina). A resposta inicial deve ser 
observada em três dias, podendo manter o esquema por 14 dias 
ou até resolução completa do quadro. Apesar do tratamento 
farmacológico reduzir a progressão, não altera a sobrevida, já 
que o paciente apresenta insuficiência hepática grave. 
Pode ser realizada uma paracentese de pequeno volume, a fim 
de reduzir os sintomas ascíticos. 
O TIPS (shunt portossistêmico transjugular intra-hepático) é 
uma alternativa para pacientes sem resposta farmacológica 
boa, porém com uso limitado devido ao risco de encefalopatia 
e da exclusão para o procedimento dos pacientes com história 
de EH severa, bilirrubina >5mg/dL, Child-Pugh > 11 e 
disfunção cardíaca ou pulmonar importante. 
O transplante hepático é o tratamento de escolha, sendo o 
único que apresenta efetivamente aumento da taxa de 
sobrevida em três anos de 60%. A reversão da SHR com 
tratamento farmacológico antes do transplante parece 
melhorar a sobrevida. 
8. Profilaxia 
• Peritonite bacteriana espontânea: infusão de 
albumina (1,5g/Kg de peso corporal no primeiro dia, 
seguido de 1g/Kg no terceiro dia) 
• Hepatite alcoólica aguda: pentoxifilina (inibidor de 
TNF-α) 
 
Figura 3. Esquema de manejo da síndrome hepatorrenal.

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