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ASCITE 1. Conceito Derrame líquido na cavidade peritoneal, sendo uma manifestação comum a várias doenças, mas não uma doença em si. É importante lembrar que existe um transudato fisiológico de até 100mL no espaço peritoneal, responsável pela lubrificação das membranas e os derrames de sangue ou pus não representam ascite, mas hemoperitôneo e pioperitônio, respectivamente. A principal causa de ascite no Brasil e mundo é a hipertensão portal relacionada à cirrose hepática. 2. Exame físico Quando a ascite é volumosa, o abdome apresenta-se globoso, tanto com o paciente em pé quanto deitado, de forma que a cicatriz umbilical pode se aplanar ou everter. Se a ascite for devido à hipertensão portal é comum a presença de circulação colateral evidente – cabeça de medusa. Quando a ascite não é muito volumosa e o tônus da musculatura está reduzido: • No paciente de pé, o abdome cai sobre o púbis – “ema avental” • No paciente deitado, o abdome se alarga para os flancos, “batráquio” Sinal do piparote (Morgani) deve ser pesquisado em pacientes em decúbito dorsal – o médico dá um peteleco em um dos flancos e tenta sentir a propagação da força no outro, de forma que a borda cubital da mão na região mediana. Esse sinal só é positivo quando a ascite é muito grande, sendo superior a cinco litros, podendo ser negativa em caso de distensão abdominal. A macicez móvel de decúbito é o melhor método semiológico para detecção de ascite e baseia-se na análise dos sons da percussão abdominal. Inicialmente deve ser feita a percussão em decúbito dorsal, marcando o local do flanco que o som fica maciço e então, o paciente deve assumir a posição de decúbito lateral e a percussão deve ser feita no mesmo local, se identificado timpanismo, o sinal é positivo. Capaz de detectar uma ascite a partir de um litro e meio. 3. Classificação • Ascite não complicada ✓ Estágio I – detectada apenas pela USG ✓ Estágio II ou moderada – detectada pelo exame físico pelo sinal de macicez móvel ✓ Estágio III ou grande – importante distensão abdominal, sinal do piparote • Ascite refratária ✓ Ascite resistente ✓ Ascite refratária 4. Exames complementares • Radiografia Possuem pouco valor diagnóstico. A presença de líquido peritoneal pode ser demonstrada na região da pequena bacia, flancos e na parte média do abdome, nas alças. Quando o líquido está nos espaços pévicos-laterais, a configuração tida é a de “orelha de cachorro”. Nos flancos, ocupa o espaço entre alças intestinais, com aspecto em forma de “pente”. Outro sinal é a obliteração do ângulo hepático, a interposição de líquido entre o fígado e o gradil costal separa essas estruturas – percebido nas radiografias oblíquas. Grandes quantidades de líquidos podem dar aspecto homogêneo ao abdome, fazendo desaparecer os contornos dos órgãos abdominais, se em quantidades maiores, ocorre separação do fundo gástrico e do cólon transverso do diafragma. • Ultrassonografia (US) Melhor método de escolha para detectar pequenas coleções líquidas no abdome, que aparecem nas imagens. Também diz se o derrame peritoneal está encisado ou faz parte de massas complexas (ao mesmo tempo sólidas e líquidas – hematomas, abscessos e tumores). De forma menos frequente, ainda pode diagnosticar a causa de ascite, demonstrando alterações compatíveis com a cirrose, uma massa abdominal ou pélvica, metástases, cistos pancreáticos. Além disso, é importante para realizar punções diagnósticas ou terapêuticas de coleções abdominais. • Tomografia computadorizada (TC) Permite o diagnóstico com segurança e também diferencia as coleções líquidas livres das massas sólidas ou císticas. As ascites de pequenos volumes podem ser detectadas pela tomografia axial computadorizada, na região do fígado e na goteira paracólica esquerda na pelve. Identifica o fígado como área mais densa, pequeno, heterogêneo e com bordas irregulares. É capaz de denunciar a etiologia. • Paracentese Possui duas finalidades principais: obtenção de material para análise (diagnóstico etiológico) e aliviar o doente dos sintomas compressivos. A paracentese diagnóstica é obrigatória no paciente com ascite, deve ser realizada com paciente em decúbito dorsal, após anestesia local, traçando uma linha imaginária entre umbigo e espinha ilíaca anterossuperiora esquerda, e dividir em terços, inserindo na junção entre o terço médio e inferior. Deve ser realizada do lado esquerdo, porque do lado direito o ceco é mais fixo em sua posição, aumento o risco de perfuração. As complicações são raras e incluem perfuração intestinal e hemorragia. A paracentese não deve ser realizada próxima a cicatrizes cirúrgicas, porque há possibilidade de alças intestinais aderidas à parede abdominal. Após a punção pode ocorrer saída constante de líquido, o que pode ser evitado realizando-se a técnica em “Z”. Após a punção deve-se colocar um curativo compressivo. Ascite, PBE e síndrome hepatorrenal Clínica Integrada de Gastroenterologia – aula 13 Nicole Sarmento Queiroga • Biópsia peritoneal Utilizado para diagnóstico de casos selecionados de ascite, deve ser feito laparoscopicamente, reduzindo riscos e orientando o melhor local para a biópsia. 5. Exame do líquido ascítico Deve incluir algumas análises para elucidação diagnóstica: • Macroscopia ✓ Seroso – claro e transparente ou amarelo-cintrino, clássico da cirrose não complicada ✓ Hemorrágico – aspecto serossanguinolento, róseo ou de cor sanguínea mais viva, observado em neoplasias e peritonite tuberculosa, de forma que o líquido vai clareando durante a drenagem e o sangue coagula no acidente de punção ✓ Turvo – sugestivo de infecção, com odor fétido ✓ Lactescente – líquido branco-amarelado, aparência leitosa. Pode ser quiloso, com presença de linfa pela obstrução ou ruptura do canal torácico ou vasos linfáticos quilíferos, causadas por neoplasias e traumatismo. Pode ser quiliforme, presença de células endoteliais e leucócitos em degeneração gordurosa, por tumores de peritônio. ✓ Bilioso – coloração esverdeada vinda de traumatismos das vias biliares ✓ Gelatinoso – amarelado e espesso, semelhante à gelatina, observado em tumores mucinosos e pseudomixoma peritonei • Bioquímica Envolve a dosagem de albumina – líquido ascítico e no plasma. Outros parâmetros podem ser úteis, como proteína total, glicose e DHL (diferenciar peritonite bacteriana primária de secundária), triglicerídeos (ascite quilosa por complicações cirúrgicas que atingem o ducto torácico), bilirrubinas, ureia e amilase (complicações de pancreatite). • Citometria Grande número de hemácias orienta para diagnóstico de neoplasias e, em menor grau, para tuberculose. Outras causas também podem ser a patologia pancreática e trombose mesentérica. Contagem elevada de leucócitos sugere presença de processo inflamatório do peritônio, de forma que a predominância de polimorfonucleares (PMN) sugere infecção bacteriana aguda e a presença de mononucleares (linfócitos/monócitos) sugere tuberculose peritoneal, neoplasia e colagenoses. • Citologia oncótica Principal exame diagnóstico de ascite carcinomatosa (cânceres gastrointestinais, de ovário). Presença de proteína total maior que 2,5g/dL. • Bacteriologia Incluem bacterioscopia e culturas. Para confirmar peritonite bacteriana espontânea deve ser colhido e introduzido na hemocultura, colocando 10mL num frasco de 100mL. 6. Etiologia das ascites • Hipertensão porta (HP) Aumento da pressão no sistema venoso porta-hepático gera ascite. Quando a pressão se eleva muito, algumas válvulas de segurança – escape pressórico – servem para reduzir esse excesso de pressão. Como essas válvulas são os sinusoides fenestrados, o aumento de pressão gera extravasamento de líquidos para a cavidade peritoneal.✓ Pré-sinusoidal Dificilmente geram ascite porque não envolve os sinusoides hepáticos, caso da esquistossomose, porque a obstrução ocorre no espaço-porta. São manifestações nesses casos a circulação colateral, varizes esofágicas e esplenomegalia severa ✓ Pós-sinusoidal Produzem quadros de hipertensão porta marcada por ascite grave e de difícil controle, sendo menos frequentes, varizes esofágicas e esplenomegalia e circulação colateral. ✓ Intrassinusoidal Origem de ambos mecanismos patogênicos, como na cirrose hepática, de forma que são encontradas ascite e sinais clínicos de HP grave. O desenvolvimento ascítico segue a lógica da hipertensão portal com vasodilatação esplâncnica, com ativação do SRAA e do sistema nervoso simpático por hipovolemia relativa, de forma que ocorre hiperfluxo venoso e a formação da linfa excede o retorno linfático – aumento da pressão hidrostática e redução da oncótica. Por ser formada por um mecanismo que envolve apenas aumento da pressão vascular, o líquido formado da ascite, é do tipo transudativa, ou seja, pobre em proteínas. ✓ Cirrose não complicada – com proteína total < 2,5g/dL • Doença peritoneal Neoplasias e infecções peritoneais, em específico a tuberculose peritoneal. A fisiopatogenia é diferente nessa forma de ascite: aumento da permeabilidade dos capilares peritoneais por processos inflamatório, seguido de obstrução pelas células tumorais dos canais linfáticos que ligam a cavidade aos plexos linfáticos, impedindo drenagem adequada. Em seguida, os tumores podem liberar substancias Figura 1. Esquema da disposição sinusoidal hepática. angiogênicas, que também podem aumentar diretamente a permeabilidade peritoneal. Em função desses mecanismos, a ascite é classicamente do tipo exsudativa, ou seja, com elevado teor de proteínas. ✓ Ascite neoplásica – com citologia oncótica positiva e proteína total > 2,5g/dL ✓ Tuberculose peritoneal – com proteína total > 2,5g/dL e testes específicos BK positivos • Formas mais raras de ascite ✓ Ascite pancreática – tipo exsudato com proteína total < 2,5g/dL e amilase > 100 ✓ Ascite biliar ✓ Ascite quilosa ✓ Ascite nefrogênica – tipo exsudato com proteína total < 2,5g/dL ✓ Ascite associada ao mixedema ✓ Síndrome da imunodeficiência adquirida ✓ Síndrome de Meigs ✓ Ascite cardiogênica (insuficiência cardíaca, em especial, direita) – tipo transudato com proteína total > 2,5g/dL 7. Abordagem diagnóstica Deve-se partir do princípio se a origem é hipertensão porta ou doença peritoneal, de forma que o esclarecimento deve ser sobre as características do líquido ascítico: exsudativo e transudativo. Com base na análise dos níveis de proteína total e de LDH do líquido ascítico e do plasma, chegou-se à seguinte conclusão: concentração superior a 50 ou 60% de proteínas e LDH, respectivamente, temos um líquido exsudato. Também foi analisado o gradiente de albumina soroascite (GASA), feito pela subtração da concentração de albumina plasmática pela concentração de albumina no líquido ascítico, que indica a pressão hidrostática dos capilares hepáticos. Se o gradiante soroascite for inferior a 1,1g/dL, é classificado como exsudato, se maior que 1,1g/dL é transudato. Logo, temos: 8. Manejo das ascites Depende da doença de base, de forma que se a doença puder ser tratada, a ascite é revertida. • Doença hepática de base Regressão da lesão e histológica nas situações de tratamento antiviral nas hepatites crônicas B e C, doença de Wilson, hepatite autoimune e cessação do consumo de álcool na cirrose alcoólica. • Repouso, restrição de água e sal O repouso facilita a mobilização de fluidos no paciente. E aconselhável uma restrição de sódio para 2g de sódio ao dia ou 4g de NaCl, é mandatória para se induzir balanço negativo de sódio. Pacientes que excretam mais de 80mEq/dia de Na na urina podem controlar a ascite apenas com restrição de sal na dieta. Somente em hiponatremia (Na < 120-125mEq/L), uma restrição hídrica é recomendada, em torno de 1.000- 1.500mL/dia. • Diuréticos Oferecer uma dose capaz de reduzir a ascite sem causar hipovolemia acentuada, devendo controlar a perda ponderal do paciente, em caso de ausência de edema em MMII não se deve ultrapassar perda de 0,5Kg/dia, já em pacientes com edema pode-se perder até 1Kg/dia. A espironolactona é o diurético de escolha, devido à sua relação com o hiperaldosteronismo secundário, com dose inical de 100mg/dia, mas podendo variar entre 100- 400mg/dia. Deve-se ter atenção a hipercalemia que essa medicação pode causar. Em caso de ginecomastia dolorosa, deve ser suspensa, podendo ser substituída por amilorida, triamtereno. A furosemida deve ser acrescentada no tratamento dos pacientes não responsivos às doses iniciais de espironolactona, com manutenção da dose de espironolactona 100mg + furosemida 40mg, com aumento a cada 3-5dias (200mg/80mg, 300mg/120mg). • Ascite refratária Resistência à associação de diuréticos, com observação de pelo menos 12 semanas. Se a dosagem de sódio na urina for acima e 80mEq/dia e o paciente não está perdendo peso, trata de má adesão – o paciente ingere certa de 88mEq/dia de sódio, sendo 10mEq perdidos por via urinária, logo deveria ter uma menor concentração na urina. Logo, para ser refratária a dosagem de sódio na urina deve ser inferior a 80mEq/dia. ✓ Paracentese de grande volume A paracentese pode ser realizada em pacientes com grande ascite, entre 5 e 15 litros, sendo necessária uma infusão de coloides para manutenção do volume intravascular. Pode ser utilizada como opção na ascite refratária, associada as demais medidas terapêuticas, recomenda-se a retirada de 5 a 9 litros a cada duas semanas, com infusão de 6-8g de albumina para cada litro se a retirada for superior a 5 litros. Indicados em pacientes Child C ✓ TIPS (shunt portossistêmico transjugular intra- hepático) Excelente efeito no tratamento da ascite refratária, com resultados superiores a paracentese de repetição, mas sem melhora importante na sobrevida. O inconveniente é a encefalopatia que se instala. Indicado apenas para pacientes com ascite refratária Child A ou B e na ausência de história prévia de encefalopatia. Coloca o stent para desviar o sangue para VCI, aliviando a hipertensão-porta, mas não ocorre desintoxicação sanguínea. Contraindicações são a sobrecarga Gradiente menor que 1,1g/dL = exsudato = doença peritoneal Gradiente maior que 1,1g/dL = transudato = hipertensão porta Figura 2. Esquema de manejo da ascite. cardíaca, encefalopatia pré-existente, pacientes com mais de 70 anos. ✓ SPV (shunt peritônio-venoso) Também chamado de shunt de Le Veen, em que um cateter é utilizado para drenar o líquido para veia jugular interna direita, com trajeto subcutâneo. Esse procedimento foi substituído pelo TIPS pelo maior risco de complicação. Contraindicações são lesões gástricas não tratadas, episódio prévio de PBE e doença renal crônica avançada. ✓ Cirurgia de derivação portossistêmica As derivações portossistêmicas não seletivas não seletivas ou parciais são eficazes na ascite refratária, embora possam causar encefalopatia hepática e piora hepática. Método não tão usado. ✓ Transplante hepático Terapia definitiva indicada em pacientes com reserva hepática mais comprometida. PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA OU PRIMÁRIA 1. Conceito Complicação que pode ser desenvolvida por pacientes com ascite, que surge na ausência de uma fonte contígua de contaminação, como abscessos intra-hepáticos ou perfuração de vísceras ocas. 2. Patogenia Translocação bacteriana a partir do tubo digestivo e a deficiência de opsoninas (proteínas do complemento) no líquido ascítico. A migração dasbactérias ocorre para os linfonodos mesentéricos, com bacteremia e deposição do patógeno no líquido. Essa condição, associada com a defesa precária do organismo com ascite, proporciona a replicação e causando a PBE. A proteína total do líquido encontra-se baixa, sendo inferior a 1g/dL. Outros mecanismos que podem estar associados com a gênese do problema são o supercrescimento bacteriano intestinal e uma disfunção do sistema fagocitário reticuloendotelial. Caracteristicamente, a PBE é monobacteriana, sendo a maior parte dos casos é causada por gram-negativas entéricas, com destaque para Escherichia coli na cirrose hepática, Klebsiella pneumoniae e pneumococos na ascite nefrótica. Em casos multibacterianos, como gram-negativos entéricos, anaeróbios e Enterococcus fecalis, e com ausência de resposta clínica à antibioticoterapia, deve-se levantar suspeita de peritonite bacteriana secundária, devido a abcesso intra- abdominal ou perfuração de víscera oca. 3. Quadro clínico Os sinais e sintomas mais comuns são: • Febre em torno de 38ºC • Dor abdominal difusa • Alteração do estado mental por encefalopatia hepática • Dor à palpação abdominal • Diarreia, íleo paralitico, hipotensão arterial – menos frequentes Em alguns casos, os sinais de peritonite são inexistentes pela presença da ascite e em 1/3 dos casos, a ascite é assintomática, de forma que o diagnóstico de PBE é dado pelo exame do líquido ascítico. 4. Diagnóstico É definido pela contagem de polimorfonucleares (PNM) no líquido ascítico ≥ 250/mm3, com predominância de neutrófilos sobre os demais leucócitos. A cultura demora, em média, 48 horas para ter o resultado liberado, sendo o diagnóstico já considerado apenas pela contagem de linfócitos, já que o tratamento não pode esperar. Se o resultado da cultura for negativo, tem-se a ascite neutrofílica de cultura negativa, que geralmente é tratada como PBE. Uma variante da PBE é a bacterascite, condição definida pela cultura positiva monobacteriana na ausência de critério leucocitário, sendo uma fase precoce da PBE e que se resolve, na maioria das vezes, espontaneamente e, caso não se resolva, os pacientes sintomáticos devem ser tratados e os assintomáticos, observados. 5. Diagnóstico diferencial O principal é a peritonite bacteriana secundária (PBS), sendo diferenciados pela presença de dois ou mais achados da PBS, indicando provável laparotomia: • Proteína total > 1g/dL • Glicose < 50mg/dL • LDH maior que o limite sérico normal Esses critérios são altamente sensíveis para peritonite com perfuração intestinal. Outros exames podem auxiliar no diagnóstico da forma perfurada são a dosagem aumentada de CEA (> 5ng/mL), fofatase alcalina (>240 U/L) no líquido ascítico. A peritonite bacteriana secundária também é caracterizada por infecção polimicrobiana e o achado é um número muito elevado de polimorfonucleares (em milhares) que tamém sugerem a origem secundária. Os casos suspeitos devem ser submetidos a exames de imagens como tomografia computadorizada. Pneumoperitônio ou extravasamento do contraste selam o diagnóstico. 6. Prognóstico O sucesso terapêutico depende do diagnóstico precoce. Assim, todos os pacientes com ascite devem ser submetidos à uma paracentese diagnóstica, independente da manifestação de sintomas sugestivos de PBE. • Fatores preditivos de boa evolução na PBE ✓ PBE adquirida na comunidade ✓ Ausência de encefalopatia ✓ Ureia < 25mg/dL • Fatores associados a uma má evolução na PBE ✓ Encefalopatia hepática ✓ Hemorragia digestiva alta ✓ Insuficiência renal (Cr > 2m/dL) e síndrome hepatorrenal ✓ Bilirrubina > 8mg/dL 7. Tratamento No tratamento da PBE é fundamental que a antibioticoterapia seja indicada antes dos resultados dos estudos microbiológicos, porque reduzem a mortalidade. A terapia de escolha é uma cefalosporina de terceira geração venosa: Cefotaxime 2g IV 12/12h, com duração de 5 dias de tratamento, quando deve haver reavaliação do paciente. O ceftriaxone é uma alternativa. Em pacientes com PBE adquirida na comunidade, sem encefalopatia e com função renal normal, a ofloxacina oral é uma alternativa válida. Se houver melhora sintomática dramática, a terapia se encerra, se não, uma nova paracentese deve ser realizada • Se PNM < 250/mm3, terapia encerrada • Se PNM > 250/mm3, porém menor que a contagem da anterior, completar 7 dias e realizar uma nova paracentese • Se PNM aumentar em relação à anterior: reavaliar possibilidade de peritonite secundária Se existe possibilidade de peritonite secundária, a paracentese deve ser realizada mais precocemente, com 48 horas do tratamento. A paracentese de acompanhamento (em 48 horas) está reservada para pacientes que possuem evolução inicial insatisfatória. A expansão plasmática com albumina é usada como terapia adjuvante, diminuindo a incidência de insuficiência renal e melhorando a sobrevida dos cirróticos com PBE. A dose recomendada é de 1,5g/Kg no primeiro dia e 1,0g/Kg no terceiro dia. 8. Profilaxia Todos os pacientes que desenvolveram PBE devem receber a profilaxia secundária com norfloxacina 400mg/dia, ciprofloxacina 500mg/dia ou sulfametazol/trimetoprim (800/160mg/dia) até o desaparecimento da ascite. A profilaxia primária aguda é indicada após qualquer hemorragia por varizes esofágicas em um paciente cirrótico com ascite, sendo a opção a administração de norfloxacina 400mg 12/12h por 7 dias, tendo como alternativa ceftriaxone 1g/dia, preferencialmente IV pelo mesmo período. A profilaxia primária crônica é utilizada em pacientes cirróticos com níveis de proteína total no líquido ascítico <1g/dL e também nos pacientes com insuficiência hepática avançada, com bilirrubina sérica > 2,5mg/dL. A sobrevida média após o primeiro episódio de PBE é de 9 meses, com isso, a infecção deve motivar a colocação do paciente na lista de transplante hepático. SÍNDROME HEPATORRENAL 1. Conceito É uma forma de insuficiência renal funcional, ou seja, não está acompanhada de alterações histopatológicas, em pacientes com hepatopatia crônica avançada, insuficiência hepática grave e hipertensão portal. Caracterizada pela perda progressiva da função renal (AKI), secundária à vasoconstrição renal e vasodilatação extrarrenal, havendo queda da resistência vascular periférica e, eventualmente, hipotensão arterial. 2. Patogênese Germes gram-negativos do lúmen intestinal atravessam a mucosa lesada e se direcionam à circulação sistêmica, como a circulação hepática está comprometida, as bactérias alcançam linfonodos mesentéricos e induzem a secreção de citocinas como IL-6 e TNF-alfa pelos macrófagos locais. Com isso, uma das citocinas produzidas é o oxido nítrico, que promove vasodilatação esplâncnica, reduzindo o volume circulante efetivo e hipovolemia relativa. Assim, os sistemas renina-angiotensina-aldosterona e noradrenérgico são ativados, promovendo aumento da resistência vascular renal, vasoconstrição renal, diminuição da TFG e retenção de água e sódio (geralmente < 10mEq/dia) A SHR reflete um desequilíbrio entre fatores vasoconstritores e vasodilatadores, podendo ser desenvolvida espontaneamente ou precipitada por fatores agudos. 3. Estágio de AKI ou IRA • AKI 1 – aumento da creatinina ≥ 0,3mg/dL ou 1,5 a 2x em relação à basal • AKI 2 – aumento > 2-3x m relação ao basal • AKI 3 – aumento superior a 3x em relação ao basal de creatina ou ≥ 4mg/dL com aumento agudo ≥ 0,3mg 4. Apresentação clínico-laboratorial • SHR tipo 1 É caracterizado pela rápida progressão da insuficiência renal (<2 semanas), havendo aumento da creatinina sérica para além de duas vezes do valor inicial (níveis superiores a 2,5mg/dL), ou uma queda no clearance de creatinina para <50% do valor inicial, atingindo nível absolutode <20mL/min. O quadro clínico é compatível com o de uma insuficiência renal aguda oligúrica, com prognóstico extremamente ruim na ausência de tratamento. • SHR tipo 2 Apresenta valores de creatinina sérica >1,5mg/dL e/ou clearance de creatinina <40mL/min. A evolução é mais insidiosa, com o prognóstico a curto prazo, mesmo sem tratamento, é melhor. Os pacientes apresentam-se com “ascite refratária” ao tratamento clínico. 5. Diagnóstico Foram definidos alguns critérios diagnósticos da síndrome hepatorrenal: • Cirrose com ascite • Creatina sérica >1,5mg/dL ou aumento ≥ 0,3mg/dL em 48h ou ≥ 50% do valor basal em até 7 dias • Ausência de melhora da creatinina sérica após 2 dias de retirada de diuréticos e expansão volêmica com albumina (1g/Kg/dia) • Ausência de choque • Ausência do uso recente ou atual de drogas nefrotóxicas • Ausência de doença parenquimatosa renal definida por: proteinúria > 500mg/dia, hematúria > 50 células por campo de grande aumento, US renal anormal A realização de USG com Doppler, ao avaliar a resistência arterial, forneceu informações importantes para entender a SHR. Os valores aumentados já são encontrados em pacientes cirróticos em ascite ou uremia, mas são evidenciados valores ainda maiores nos ascíticos. 6. Fatores precipitantes • Sangramento gastrointestinal • Infecção, especialmente PBE • Diurese intensa com rápida perda de peso • Paracentese de grande volume sem reposição de albumina É importante entender que todos os fatores acima podem explicar a injuria renal por outros fatores, mas a precipitação da SHR ocorre após serem resolvidos. Apesar da correção dos eventos, a injuria renal não pode ser resolvida, ela pode apenas assumir curso progressivo, apresentando melhora apenas com tratamento direcionado aos distúrbios hemodinâmicos ou com transplante hepático. 7. Tratamento O tratamento compreende medidas gerais como repouso, manutenção doe estado euvolêmico e retirada de agentes nefrotóxicos (como aminoglicosídeos e anti-inflamatórios). O tratamento farmacológico está baseado na combinação de drogas com ação vasoconstritoras esplâncnicas + infusão de albumina (1g/Kg no primeiro dia, seguido de 20-40g/dia por até 14 dias). O vasoconstritor de escolha é terlipressina, atingindo creatinina sérica abaixo de 1,5, ou seja, respostas de 60%. Alternativas possíveis são noradrenalina ou combinação de miodrina (agonista α1-adrenérgico seletivo) com octreotide (análogo de somatostatina). A resposta inicial deve ser observada em três dias, podendo manter o esquema por 14 dias ou até resolução completa do quadro. Apesar do tratamento farmacológico reduzir a progressão, não altera a sobrevida, já que o paciente apresenta insuficiência hepática grave. Pode ser realizada uma paracentese de pequeno volume, a fim de reduzir os sintomas ascíticos. O TIPS (shunt portossistêmico transjugular intra-hepático) é uma alternativa para pacientes sem resposta farmacológica boa, porém com uso limitado devido ao risco de encefalopatia e da exclusão para o procedimento dos pacientes com história de EH severa, bilirrubina >5mg/dL, Child-Pugh > 11 e disfunção cardíaca ou pulmonar importante. O transplante hepático é o tratamento de escolha, sendo o único que apresenta efetivamente aumento da taxa de sobrevida em três anos de 60%. A reversão da SHR com tratamento farmacológico antes do transplante parece melhorar a sobrevida. 8. Profilaxia • Peritonite bacteriana espontânea: infusão de albumina (1,5g/Kg de peso corporal no primeiro dia, seguido de 1g/Kg no terceiro dia) • Hepatite alcoólica aguda: pentoxifilina (inibidor de TNF-α) Figura 3. Esquema de manejo da síndrome hepatorrenal.
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