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Bianca Marchezi - UFES ALTERAÇÕES PULPARES As principais alterações patológicas que acometem a polpa e os tecidos perirradiculares são de natureza inflamatória e de etiologia infecciosa. A inflamação é a principal resposta da polpa e dos tecidos perirradiculares a uma gama variada de estímulos que causam injúria tecidual. A intensidade da resposta inflamatória irá variar conforme o tipo de agressão e, principalmente, a sua intensidade. Uma vez que a agressão rompe a integridade tecidual, a resposta inflamatória visa localizar e preparar os tecidos alterados para a reparação da região afetada. Na persistência do estímulo agressor, as próprias respostas de defesa do hospedeiro, específicas ou inespecíficas, podem gerar o dano tecidual. A agressão à polpa e ao ligamento periodontal apical e lateral pode ser de origem biológica, física (térmica ou mecânica) ou química. Resposta da polpa à agressão Na resposta da polpa exposta à infecção, são observados eventos vasculares típicos da inflamação, incluindo vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular, o que resulta em exsudação. sso ocasiona a formação de edema, com consequente aumento da pressão intratecidual, o que pode ser crítico para a polpa, por estar circundada por paredes duras e inextensíveis de dentina. A necrose total da polpa é resultante da acumulação gradual de focos de necrose. Após a necrose de um compartimento de tecido pulpar, o biofilme bacteriano avança no tecido pulpar em direção apical. Consequentemente, o tecido imediatamente adjacente à região infectada vai ser agredido e reagir da mesma forma. Portanto, após a exposição da polpa à cárie, compartimentos de tecido pulpar são submetidos à agressão bacteriana, se tornam inflamados, necrosados e finalmente infectados. Em resumo, estes eventos de agressão bacteriana, inflamação, necrose e infecção ocorrem na polpa por incrementos de tecido que se aglutinam e migram apicalmente até que toda a polpa esteja necrosada e infectada. Isso explica por que, em determinado momento, as diferentes etapas do processo da doença podem ser observadas por toda a polpa. Por exemplo, enquanto a região da polpa exposta pode estar necrosada e a área adjacente severamente inflamada, a polpa radicular pode apresentar inflamação mínima ou estar normal. Bianca Marchezi - UFES A, Pulpite reversível. À medida que a cárie avança na dentina em direção à polpa, aumenta a gravidade do processo inflamatório pulpar. B, Pulpite irreversível. Após exposição pulpar por cárie, a agressão exercida diretamente por microrganismos é intensa e gera inflamação severa e irreversível. C, Pulpite irreversível e necrose parcial. A infecção avança no canal em direção apical. D, Necrose e infecção de praticamente toda a polpa radicular, como resultado do avanço apical dos eventos compartimentalizados de agressão, inflamação, necrose e infecção. E, Estabelecida a infecção na porção mais apical do sistema de canais radiculares. F, O processo inflamatório se estende para os tecidos perirradiculares e uma lesão osteolítica se estabelece. PULPITE REVERSÍVEL É por definição uma leve alteração inflamatória da polpa, em fase inicial, em que a reparação tecidual advém uma vez que seja removido o agente desencadeador do processo. Se os irritantes persistem ou aumentam, a inflamação pulpar torna-se de intensidade moderada à severa, o que caracteriza a pulpite irreversível, com ulterior progresso para necrose pulpar. Características histopatológicas Em resposta a uma lesão cariosa profunda, que ainda não causou exposição, os vasos sanguíneos pulpares tornam-se dilatados, um quadro conhecido histologicamente como hiperemia. A polpa encontra-se geralmente organizada. Diagnóstico Sinais e sintomas A pulpite reversível geralmente é assintomática. Contudo, em determinadas situações, o paciente pode acusar dor aguda, rápida, localizada e fugaz, em resposta a estímulos que normalmente não evocam dor. Esta cede imediatamente ou poucos segundos depois da remoção do estímulo. A dor ao frio é a queixa mais comum por parte do paciente. A formação de edema, então, é discreta nestas fases iniciais da resposta inflamatória aguda na polpa, exercendo pressão subliminar sobre as fibras nervosas A-δ, responsáveis pela inervação e pela dor dentinária. Assim, não há dor espontânea nesta fase do processo inflamatório da polpa. Os níveis de endotoxinas em lesões cariosas parecem estar também diretamente relacionados com a sintomatologia pulpar. Bianca Marchezi - UFES Inspeção Pelo exame visual, detecta-se restauração ou lesão de cárie extensa. Não há ainda exposição pulpar. Entretanto, deve-se ter em mente, que em alguns casos, mesmo antes de haver exposição da polpa, pode haver o desenvolvimento de uma pulpite irreversível. Testes pulpares → Calor (bastão de guta percha aquecido ou fricção de taça de borracha na vestibular do dente: Dentes acometidos por pulpite reversível podem responder da mesma forma. Em outras ocasiões, o paciente pode relatar dor aguda e imediata, que passa logo após a remoção do estímulo. → Frio (endo ice): Evoca dor aguda, rápida, localizada, que passa logo ou poucos segundos após a remoção da fonte estimuladora. Esta resposta é bastante similar à de uma polpa normal. Com a manutenção da aplicação do estímulo, a dor diminui até desaparecer. A dentina normalmente é mais sensível ao frio do que ao calor. → Elétrico: Utilização de um Pulp Tester, a intensidade de corrente elétrica necessária para o paciente acusar um formigamento ou sensação de queimação geralmente é igual ou levemente inferior à de um dente normal, usado como controle. → Cavidade: a estimulação dentinária por meio de brocas, sonda exploradora ou colher de dentina evoca dor, indicando presença de vitalidade pulpar. Este teste é de grande valia para dentes com restaurações extensas, que podem não reagir aos demais testes. Testes Perirradiculares → Percussão e palpação: estes testes apresentam resultado negativo na pulpite reversível, uma vez que não há comprometimento dos tecidos perirradiculares. Achados radiográficos Radiograficamente, verifica-se a presença de lesões cariosas ou restaurações extensas, próximo à câmara pulpar. Na grande maioria dos casos, apenas por radiografias é arriscado afirmar se houve ou não exposição da polpa. Por exemplo, cáries ou restaurações por vestibular ou lingual podem sobrepor-se à câmara pulpar na radiografia, dando a falsa impressão de terem atingido a polpa. Tratamento O tratamento da pulpite reversível consiste, basicamente, na remoção da cárie ou da restauração defeituosa (e/ou extensa) e na aplicação de um curativo à base de óxido de zinco e eugenol, que é dotado de efeito analgésico e anti-inflamatório. O paciente é remarcado para, pelo menos, 7 dias depois, quando o caso é reavaliado, considerando-se a possibilidade de restaurar o dente definitivamente. PULPITE IRREVERSÍVEL Bianca Marchezi - UFES Mesmo a remoção de irritantes não é suficiente para reverter o quadro, havendo a necessidade de intervenção direta na polpa. Acometida por um processo inflamatório de caráter irreversível, a polpa invariavelmente progride para necrose, a qual pode dar-se lenta ou rapidamente. É imperioso ressaltar que, em alguns casos, a pulpite irreversível pode se instalar mesmo sem haver exposição da polpa à cavidade oral. Características fisiopatológicas Bactérias podem causar dano direto, por meio de seus fatores de virulência, e indireto, por evocar resposta inflamatória e/ou imunológica no tecido pulpar que, quando exacerbada, é crítica para a sobrevivência da polpa. A liberação de enzimas proteolíticas e radicais oxigenados por estas células inflamatórias promove a destruição tecidual, na maioria das vezes caracterizada por microabscessos. Quando o calor é aplicado, a dor é exacerbada. Isso ocorre porque o calor causa vasodilatação, potencializando a pressão tecidual. O frio pode causar alívio da sintomatologia, graças ao seu efeito vasoconstrictor ou anestésico. Pacientes acometidos por pulpite irreversívelsintomática comumente procuram o auxílio do profissional portando uma bolsa de gelo ou relatam o seu uso para alívio dos sintomas. Cumpre salientar, entretanto, que a dor em pulpite irreversível nem sempre está presente, podendo ser considerada exceção, e não regra. Na verdade, tem sido sugerido que o papel principal das fibras nervosas pulpares seria controlar o fluxo sanguíneo e participar da inflamação neurogênica. Bactérias agridem uma região, que se torna inflamada e necrosa. Bactérias, então, avançam e ocupam esta região, passando a agredir a porção tecidual adjacente, em direção apical, que sofrerá os mesmos eventos da inflamação, necrose e invasão bacteriana. Assim, cada compartimento tecidual experimenta os seguintes eventos: agressão, inflamação, necrose e infecção. Tais eventos ocorrem gradativamente, por compartimentos teciduais, até que toda a polpa esteja necrosada e infectada. Sabe-se atualmente que o processo inflamatório e a necrose pulpar são compartimentalizados, sendo que a necrose total da polpa origina-se da coalescência de focos localizados de tecido necrosado. Em determinadas situações, a inflamação aguda da polpa pode tornar-se crônica, sem progredir diretamente para a necrose. Isto acontece quando a agressão bacteriana tem sua intensidade reduzida e/ou quando há drenagem satisfatória do exsudato inflamatório, que pode ocorrer por meio de vênulas, linfáticos ou por uma área de exposição pulpar extensa. Uma polpa acometida por inflamação crônica pode levar anos para tornar-se necrosada. As alterações degenerativas da polpa, como fibrose e reabsorção interna, podem eventualmente se desenvolver durante o curso de um processo inflamatório crônico na polpa. Em suma, uma polpa agredida por bactérias torna-se inflamada. A inflamação poderá ser aguda e/ou crônica, dependendo de uma série de fatores, e, se o agente agressor não for eliminado, invariavelmente, progredirá para a necrose do tecido. Uma vez que a necrose e a colonização bacteriana se Bianca Marchezi - UFES estendem para a porção mais apical do canal, aproximando-se do forame apical, a agressão e a resposta passam a envolver os tecidos perirradiculares. Diagnóstico Sinais e Sintomas A maioria dos pacientes que são acometidos por pulpite irreversível não se queixam de dor. Por esta razão, a dor em pulpite irreversível pode ser considerada uma exceção, e não regra. Poucos pacientes relatam episódios de dor prévia. A ausência de sintomas pode se dar em virtude da exposição pulpar, que possibilita a drenagem do exsudato inflamatório e/ou liberação de substâncias analgésicas na região inflamada. Quando presente, a dor associada a uma inflamação aguda da polpa, em estágios intermediários, pode ser provocada, aguda e localizada e persiste por um longo período de tempo após a remoção do estímulo. Em casos mais avançados de inflamação pulpar aguda, a dor relatada pelo paciente pode ser pulsátil, excruciante, lancinante, contínua e espontânea. O emprego de analgésicos comuns pelo paciente geralmente não apresenta eficácia para debelar os sintomas. Inspeção Pelo exame clínico-visual, geralmente, se observa a presença de cáries ou restaurações extensas. Uma vez removidas, na grande maioria das vezes, observa-se exposição pulpar. O profissional deve estar consciente de que a exposição pulpar não é condição sine qua non para se estabelecer o diagnóstico de pulpite irreversível. Se a causa da exposição for de origem microbiana, pela cárie, considera-se que a polpa está inflamada irreversivelmente, necessitando de tratamento invasivo, representado pela pulpotomia ou pelo tratamento endodôntico. Entretanto, em casos de exposições traumáticas recentes (máximo de 48 horas) ou iatrogênicas assépticas, pode-se considerar que a inflamação pulpar tem caráter de reversibilidade, podendo o tecido ser salvo pelo capeamento direto, uma vez que não houve ainda tempo hábil para maciça colonização e invasão bacteriana da superfície pulpar exposta. Por outro lado, mesmo que não se observe inflamação pulpar, mas o paciente queixa-se de dor lancinante, espontânea, pulsátil e contínua, há fortes indícios de que o tecido pulpar está inflamado irreversivelmente e o tratamento endodôntico convencional está indicado. Testes pulpares → Calor: resultado positivo → Frio: nos estágios iniciais da pulpite, pode haver resposta positiva. Entretanto, nos estágios mais avançados da inflamação pulpar, geralmente, não há resposta positiva em virtude da perda de atividade por hipóxia e degeneração das fibras A-δ. → Elétrico: em geral, observa-se que a polpa apenas responde a altas correntes do teste elétrico. → Cavidade: geralmente positiva Bianca Marchezi - UFES Testes perirradiculares → Percussão: geralmente negativo, pois a resposta inflamatória normalmente é localizada e restrita à polpa. → Palpação: a palpação da mucosa ao nível do ápice gera resposta negativa. Achados radiográficos Pela radiografia, podem ser detectadas lesões cariosas e/ou restaurações extensas, geralmente sugerindo exposição pulpar. O espaço do ligamento periodontal (ELP) apresenta-se normal ou, algumas vezes, ligeiramente espessado. Tratamento O tratamento consiste na remoção do tecido pulpar, total (tratamento endodôntico convencional) ou parcial (tratamento conservador pulpar. NECROSE PULPAR A necrose é caracterizada pelo somatório de alterações morfológicas que acompanham a morte celular em um tecido. Dependendo da causa, a necrose pulpar pode ser classificada como: a) Necrose de liquefação: comum em áreas de infecção bacteriana. Resulta da ação de enzimas hidrolíticas, de origem bacteriana e/ou endógena (neutrófilos), que promovem a destruição tecidual. b) Necrose de coagulação: geralmente é causada por uma lesão traumática, com interrupção do suprimento sanguíneo pulpar por causa do rompimento do feixe vasculonervoso que penetra pelo forame apical, ocasionando isquemia tecidual. Embora se perca o núcleo, a morfologia celular geralmente é mantida, a despeito da morte. Este modelo de necrose resulta de extensa desnaturação proteica, não apenas de proteínas estruturais, mas também de enzimas autolíticas, impedindo a proteólise e a total destruição da célula. c) Necrose gangrenosa: quando o tecido que sofreu necrose de coagulação é invadido por bactérias que promovem a liquefação. Ocorre em dentes traumatizados, cujas polpas sofreram necrose de coagulação asséptica e que se tornaram infectadas posteriormente. Os modelos de coagulação e liquefação coexistem na gangrena pulpar. Diagnóstico Sinais e sintomas ● A necrose pulpar geralmente é assintomática, sendo que o paciente pode relatar episódio prévio de dor. Entretanto, dependendo do status dos tecidos perirradiculares, a dor Bianca Marchezi - UFES pode estar presente, como nos casos de periodontite apical aguda ou abscesso perirradicular agudo Inspeção ● Pelo exame clínico-visual detecta-se a presença de cáries e/ou restaurações extensas que alcançaram a polpa. Em outras situações, quando a causa de necrose foi traumática, a coroa dentária pode estar hígida. A necrose pulpar também pode promover o escurecimento da coroa. Testes pulpares: ● Calor: geralmente não evoca dor. ● Frio: negativa ● Elétrico: não há resposta ● Cavidade: negativo Testes perirradiculares ● Percussão e palpação: podem evocar resposta positiva ou negativa, dependendo do status dos tecidos perirradiculares. Achados radiográficos Pela radiografia de diagnóstico, observa-se a presença de cárie, coroa fraturada e/ou restaurações extensas. Se a causa de necrose foi traumática, a coroa dentária pode apresentar-se hígida ou com pequenas restaurações. O ELP pode apresentar-se normal, espessado ou uma lesão perirradicular caracterizada por reabsorção óssea pode estar presente. Tratamento O tratamento da necrose pulpar consiste na remoção de todo o tecido necrosado, e possivelmente infectado, medicação intracanal e obturação do sistema de canais radiculares.