Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA JULIANA MARTINS DE CASTRO ASPECTOS CULTURAIS E SOCIAIS QUE REFLETEM NA VIDA DOS MORADORES DE ÁGUAS CLARAS BRASÍLIA 2 INTRODUÇÃO Na referida pesquisa, foi buscado compreender a partir da vivência e da observação, os comportamentos dos moradores da cidade de Águas Claras, localizada no Distrito Federal. Águas Claras é uma região administrativa localizada aproximadamente a 20 km de Brasília e seu nome é uma referência ao córrego que nasce no local e abastece o Lago Paranoá. Está entre as RA’s de Vicente Pires, Taguatinga, Riacho Fundo, Park Way, Núcleo Bandeirante e Guará. Com uma população de aproximadamente 115 mil habitantes, Águas Claras se constitui como sendo uma cidade com um desenvolvimento, sobretudo, vertical. A grande quantidade de prédios residenciais com andares superiores a 10, torna a cidade um diferencial em meio ao Distrito Federal. Esse rápido crescimento fez com que a cidade se consagrasse como o maior canteiro de obras da América Latina, em 2010. Nessa perspectiva, esse crescimento repentino e acelerado vai de encontro a um mau planejamento urbano que ameaça o conforto e bem estar da população residente. A ganância das empresas imobiliárias em enriquecer por meio da contínua construção de condomínios residenciais, colabora para o aumento da densidade urbana e implica na caoticidade do trânsito na região. A EPTG (Estrada Parque Taguatinga) é, hoje, a principal via de acesso a Águas Claras e constantemente se encontra engarrafada, devido ao adensamento populacional que a cidade vem sofrendo. Dessa forma, outras alternativas como o uso de metrôs e ônibus se tornam possibilidades viáveis para evitar o congestionamento do trânsito. Mas, apesar disso, os trens e ônibus se encontram frequentemente lotados e possuem limites nas rotas, sendo muitas vezes necessário o uso de mais de um transporte público para alcançar o destino desejado. Além disso, Águas Claras é conhecida por ser uma cidade noturna, com um aporte gastronômico independente e uma grande oferta de comércio. Dessa forma, a agitação da cidade é também uma questão negativa para muitos residentes que buscam uma vida mais tranquila. Por se tratar de uma cidade de classe média a alta, porém com um valor do metro quadrado relativamente menor dos encontrados no plano piloto, além de oferecer apartamentos com uma vasta área de lazer, muitos aposentados buscam a moradia na cidade, em busca de conforto. O comércio movimentado garante a posição de um dos maiores centros gastronômicos do DF. A existência de um grande parte ecológico, o parque de Águas Claras, garante uma alternativa para aqueles que buscam uma vida mais serena e calma, em meio ao caos da 3 cidade agitada. O local garante uma conexão com a natureza e a prática de exercícios físicos, essenciais para a manutenção e preservação da saúde mental e física. A área verde em meio a tantos edifícios urbanos traz uma sensação de tranquilidade necessária para preservar os aspectos de uma vida diante da desordem urbana. Dando uma caminhada pelo parque, é perceptível que o mesmo se encontra bem frequentado mesmo em dias úteis. Em uma terça feira, o ambiente é movimentado, com crianças, piqueniques, pessoas de todas as idades praticando esportes e outros caminhando com os animais de estimação. Existem academias ao ar livre, quadras de areia, lagos com animais e oferta de quiosques com alimentos saudáveis. Esse conjunto de opções garante uma diversificação do padrão de lazer de Águas Claras. Como uma tentativa de reduzir o tráfego causada pela super população local, existem quatro estações de metrô da região administrativa, de forma bem distribuída. São elas: Arniqueiras, Águas Claras, Concessionárias e Estrada Parque. A existência do transporte em trens garante uma maior comunicação na cidade e uma alternativa viável de locomoção, apesar das lotações existentes nos horários de pico. Concomitante a isso, a circulação de pessoas pela cidade é maior, induzindo a criação de diversos grupos em redes sociais que visem a comunicação entre os moradores. É comum, quando há algum problema ou evento na cidade, a utilização dos grupos na intenção de informar os moradores. Além disso, existem pontos de encontros comunitários e até hortas e jardins compartilhadas. Questões como o trânsito a ser enfrentado e a grande densidade populacional causada pela construção desenfreada afeta diretamente a qualidade de vida dos moradores e trabalhadores da região administrativa. Sendo assim, a tendência é que as pessoas se tornem mais estressadas, ansiosas e com maior chance de desenvolver doenças psicológicas. Dessa forma, no geral, os habitantes da cidade são mais impacientes e agitados. A irritação se encontra presente também no trânsito, refletido pelos frequentes acidentes de trânsito e xingamentos proferidos em plena via urbana. Em relação aos horários, Águas Claras é quase sem bem movimentada. Até mesmo aos domingos a cidade se encontra acordada, com pessoas realizando caminhadas pelos bairros, crianças nas ruas, restaurantes, bares e shoppings com uma alta demanda. Nesse viés, se formos realizar uma comparação entre outras regiões do Distrito Federal, como os bairros do Plano Piloto, é notável a diferença no que diz respeito a movimentação de pessoas. Águas Claras se configura como uma cidade agitada, popularmente densa, com vários canteiros de obras, trânsito caótico, mas que também garante boas opções de lazer e segurança aos habitantes. 4 DISCUSSÃO Ao fazer uma etnografia, eu, pelo menos, tive a primeira impressão que deveria ser feita pensando em sociedades primitivas e/ou rurais, talvez pela própria automação da mente em pensar nos estudos dos povos indígenas. Isso porque “afinal, a Antropologia é tradicionalmente associada ao estudo das sociedades consideradas simples, que em sua grande maioria são tribais e vivem no campo” (OLIVEN, 1985, p.7). Porém, ao longo da pesquisa e da percepção da cidade, concluí o quão importante é analisar a estrutura, costumes e peculiaridades dos diferentes tipos de sociedade, mesmo aquelas que se encontram mais próximas revelam características antes não percebidas por nós. É também importante salientar que a construção de Brasília é fruto de mais um abismo de desigualdades sociais e econômicas frente a nação brasileira. À época da sua construção, foi necessário uma grande capital a ser investido, ainda mais com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek, que idealizava uma grande obra em um curto período de tempo. Nessa perspectiva, Águas Claras também surgiu em um cenário contraditório, intensificando ainda mais a desigualdade estrutural da região do Distrito Federal. Próximo a cidades satélites como Ceilândia, Samambaia e Riacho Fundo, Águas Claras se destaca pelo ambiente moderno e ao mesmo tempo segregador. Assim como se deu a construção de Brasília, o alto investimento e interesse do mercado imobiliário em Águas Claras reflete na formação de um dos maiores canteiros de obras da América Latina. Sendo assim, a exploração do trabalhador é um dos aspectos que devem ser avaliados pelo rápido crescimento vertical da região administrativa. Para Karl Marx, o trabalho configura como uma importante via de conexão entre o homem e a natureza, como no trecho em que falei que “o trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é indispensável à existência do homem” (MARX, 2004b, p.64). Porém, quando há a exteriorização do ser, o homem se torna alienado pela força do trabalho, sendo afastadas do próprio bem produzido. Cabe a reflexão: os inúmeros trabalhadores envolvidos nas frequentes obras de Águas Claras, configurando a mão de obra de luxuosos prédios, são de fato capazes de se imaginar morando nesse ambiente? Nesse sentido, a região administrativa de Águas Claras passa a impressão, muitas vezes, de um ambiente intimidador, com pessoas hostis e possuidoras de um complexo de superioridade. A partir disso, para realizar uma amostraempírica na pesquisa em questão, foi 5 realizado um questionário com 56 moradores do bairro Aguas Claras Sul, localizado na parte sul de Águas Claras. Dentre o grupo de participantes, 42 se identificam como mulheres e 14 como homens. A faixa etária varia entre 24 e 61 anos, sendo o intervalo de idades de 32 a 41 anos o mais entrevistado - com 33 pessoas. Foram realizadas diversas perguntas sobre a cidade, envolvendo questões econômicas, sociais, culturais e do próprio comércio local. Quando indagados sobre o custo de vida na região, cerca de 76% dos entrevistados (43) afirmou ser relativamente alto, enquanto 18% (10 pessoas) disse considerar médio e o restante, cerca de 5% do total (3 pessoas), considera baixo o custo de vida. O fato da maioria dos entrevistados achar que para morar na região é exigido um maior aporte financeiro, revela a criação de abismos sociais cada vez maiores dentre as regiões administrativas do Distrito Federal. Ao fazer uma comparação entre uma kitnet em um local barato da Asa Norte, a média de preço é de 390 reais mensais, enquanto em uma região barata de Águas Claras, o aluguel da kitnet se encontra em uma faixa de 890 reais. Uma das dificuldades em realizar o questionamento entre os moradores, foi a falta de interesse, adesão ou até mesmo de tempo por parte dos indivíduos. Perguntei sobre como os entrevistados enxergam a “personalidade” de grande parte dos moradores da região, levando em consideração ações como cumprimentos no dia a dia, recepção e afins. Para cerca de 44% dos indagados (26 pessoas), os moradores de Águas Claras, em uma visão mais geral, são arrogantes/ríspidos, sendo que boa parte utilizou como referência o fato de não receberem bom dia ou boa tarde nos elevadores sociais da área do condomínio residencial. Apesar disso, 19 destes (73%) afirmaram que não sairiam da cidade para outra região do DF. Nos últimos meses, Águas Claras foi vítima de frequentes assaltos, sobretudo no shopping DF Plaza, onde é concomitantemente um condomínio residencial. O shopping, que possui boa estrutura e está localizado em uma área nobre da região, foi local de dois assaltos a mão armada em um intervalo inferior a um mês. Ao citar esse fato aos entrevistados, 64% (36 pessoas) afirmou que a segurança da região administrativa já foi melhor e vem sofrendo um sucateamento, devido a má administração governamental e descaso das autoridades cabíveis. Apesar do shopping ter reforçado a segurança, o fato preocupou boa parte dos moradores, que já não se sentem seguros em trafegar no local como antes. Quando questionados sobre as opções de lazer da região, 83% afirmou ter variadas alternativas de passatempos em Águas Claras, dando enfoque a ambientes como shoppings, o próprio parque local e, principalmente a grande oferta de bares e restaurantes, sugerindo um alto porte gastronômico. Apesar do parque ecológico ter sido citado por boa parte dos entrevistados, cerca de 21% (12 pessoas) revelou nunca ter realizado uma visita ao local. 6 CONCLUSÃO Assim, a partir do trabalho realizado pensando na cidade de Águas Claras, é possível concluir que se trata de um local com uma diversidade gastronômica, boas opções de lazer a serem realizadas nos fins de semana e/ou tempo livres. Apesar disso, por se tratar de uma região com alta densidade populacional associada ao crescimento desenfreado gerado pela ganância das construtoras imobiliárias em gerar cada vez mais capital. Além disso, há toda a problemática envolvendo a alienação dos trabalhadores e possível exploração sofrida por eles. A partir da pesquisa é notável que também é importante realizar coleta de dados e análise estrutural de sociedades urbanas e não primitivas. Dessa forma, cabe associar as particularidades da região administrativa com o comportamento e visão de vida dos moradores. Ou seja, o local de residência de um indivíduo reflete direta e indiretamente em suas possibilidades financeiras e também em seus aspectos sociais e culturais. REFERÊNCIAS OLIVEN, Ruben George. Antropologia de grupos urbanos. Petrópolis, Vozes, 2007. SCOTT, Parry. Poder, pluralidade estratégica e hierarquização interna em antropologias nacionais. In: SCOTT, Parry; CAMPOS, Roberta Bivar; PEREIRA, Fabiana. Rumos da Antropologia no Brasil e no Mundo: geopolíticas disciplinares. Recife: EDUFPE, 2014. VELHO, Gilberto. A utopia urbana: um estudo de antropologia social. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. VELHO, Gilberto. Antropologia urbana: interdisciplinaridade e fronteiras do conhecimento. Mana, Rio de Janeiro, 17(1): 161-185, 2011. WIRTH, Louis. O Urbanismo como Modo de Vida. In: VELHO, Otávio (Org.). O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987 [1938]. 7 HANNERZ, Ulf. Explorando a cidade: em busca de uma antropologia urbana. Ed. Vozes, 1980.
Compartilhar