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história não é mais que o disfarce de uma preferência por esta ou aquela modalidade de conceitualização histórica.” “E por fim, a conclusão mais geral – mesmo para além da concepção de história no século XIX – é que a obra do historiador é uma forma de atividade simultaneamente poética, científica e filosófica”. “Vejo aqui duas possibilidades interessantes de reflexão. A primeira é a que contribui para esclarecer a crise do historicismo no fim do século XIX, da qual falarei mais adiante. A segunda é que ele permite pôr – com base num exemplo histórico – o problema das relações entre a história como ciência, como arte e como filosofia.” “Parece-me que estas relações se exprimem antes de mais nada historicamente e que, onde Hayden White vê uma espécie de natureza intrínseca, há a situação histórica de uma disciplina; podemos dizer, em resumo, que a história, intimamente misturada até o fim do século XIX com a arte e com a filosofia, se esforça (o que consegue parcialmente) por se tornar mais específica, técnica e científica e menos literária e filosófica.” “Devemos, no entanto, notar que alguns dos maiores historiadores contemporâneos reivindicam ainda para a história o caráter de arte. Para Georges Duby, "a história é acima de tudo uma arte, uma arte essencialmente literária. A história só existe pelo discurso. Para que seja boa, é preciso que o discurso seja bom"[Duby e Lardreau, 1980, p. 50]. Mas, como ele próprio afirma: "A história, se deve existir, não deve ser livre: ela pode muito bem ser um modo do discurso político, mas não deve ser propaganda; pode muito bem ser um gênero literário, mas não deve ser literatura"[ibid., pp. 15-16]. Torna-se pois claro que a obra histórica não é uma obra de arte como as outras, que o discurso histórico tem a sua especificidade”. “A resposta de Roland Banhes, em termos linguísticos, é que" na história "objetiva" o "real" não é mais que um significado não-formulado, abrigado à sombra da aparente onipotência do referente. Essa situação define aquilo a que se poderia chamar o efeito do real.... o discurso histórico não segue o real, apenas o significa, sem deixar de repetir aconteceu, sem que esta asserção possa ser mais que o significado inverso de toda a narração histórica" [1967, p. 74]. Barthes acaba o seu estudo esclarecendo a atual decadência da história-conto pela procura de uma maior cientificidade: "Assim se compreende que o esbater (senão o desaparecer) da narração na ciência histórica atual, que procura falar mais de estruturas que de cronologias, mais que uma simples mudança de escola, implica uma verdadeira transformação ideológica: a narração histórica morre porque o signo da história é, daqui em diante, menos o real que o inteligível" [ibid., p. 75]”. Ambiguidade referente ao termo história: “Sobre uma outra ambiguidade do termo "história" que, na maior parte das línguas designa a ciência histórica e um conto imaginário, a história e uma história (o inglês distingue story ehistory [cf. Gallie, 1963, pp. 150-72]), Paul Veyne estabeleceu uma visão original da história”. “Para ele a história é um conto, uma narração, mas "um conto de acontecimentos verdadeiros" [1971, p. 16]. Ela interessa-se por uma forma particular de singularidade, de individualidade, que é o específico: "A história interessa-se por acontecimentos individualizados dos quais nenhum é a inútil repetição do outro, mas não é a sua individualidade enquanto tal que a interessa: ela procura compreendê-los, isto é, reencontrar neles uma espécie de generalidade ou mais precisamente de especificidade" [ibid., p. 72].” Tipos de imaginação que o historiador pode recorrer: “A que consiste em animar o que está morto nos documentos e faz parte do trabalho histórico, pois que este mostra e explica as ações dos homens.” A explicação na história: “Finalmente, em história as explicações são mais avaliações doque demonstrações, mas incluem a opinião do historiador em termos racionais, inerentes ao processo intelectual de explicação: "Algumas formas de análise causal são nitidamente indispensáveis para qualquer tentativa de estabelecer relações entre acontecimentos; tal como temos de distinguir entre acaso e necessidade, o historiador tem de decidir se cada situação é regulada por fatores de longo termo ou curto termo. Mas, tal como as suas categorias, esses fatores são conceituais. Não correspondem a entidades empiricamente confirmadas ou infirmadas. E, por isso, as explicações da história são avaliações" Sentidos da história: “A noção de um sentido da história pode decompor-se em três tipos de explicação: a crença em grandes m0ovimentos cíclicos, a ideia de um fim da história consistindo na perfeição deste mundo, a teoria de um fim da história situado fora dela [Beglar, 1975]. Podemos considerar que as concepções astecas ou, de certo modo, as de Arnold Toynbee, se integram na primeira opinião, o marxismo na segunda e o cristianismo na terceira.” Função do trabalho histórico: “A minha convicção é que o trabalho histórico tem por fim tomar inteligível o processo histórico e que está inteligibilidade conduz ao reconhecimento da regularidade na evolução histórica.” “Estas regularidades devem ser reconhecidas primeiro no interior de cada série estudada pelo historiador, que a toma inteligível descobrindo nela uma lógica, um sistema, termo que prefiro a intriga, pois ele insiste mais no caráter objetivo da operação histórica.” “O acaso tem naturalmente um lugar no processo da história e não perturba as regularidades, pois que o acaso é um elemento constitutivo do processo histórico e da sua inteligibilidade.” “Montesquieu declarou que "se uma causa particular, como o resultado acidental de uma batalha, conduziu um estado à ruína, é porque existia uma causa geral que fez com que a queda desse estado dependesse duma só batalha"; e Marx escreveu numa carta: "A história universal teria um caráter muito místico se excluísse o acaso. Este acaso, bem entendido, faz parte do processo geral de desenvolvimento e é compensado por outras formas de acaso. Mas a aceleração ou o atraso do processo dependem desses "acidentes", incluindo o caráter "fortuito" dos indivíduos que estão à cabeça do movimento na sua fase inicial" [citado em Carr, 1961, p.95].” Objetivo da verdadeira história: Limitar-me-ei a dizer que, se o objetivo da verdadeira história foi sempre o de ser uma história global ou total – integral, perfeita como diziam os grandes historiadores do fim do século XVI –, a história, à medida que se constitui como corpo de disciplina científica e escolar, deve encarnar-se em categorias que, pragmaticamente, a fracionam. Estas categorias dependem da própria evolução histórica: a primeira parte do século XX viu nascer a história econômica e social, a segunda, a história das mentalidades. Alguns, como Perelman [1969, p. 13], privilegiam a história periodológica, outros, as categorias sistemáticas. Cada uma tem a sua utilidade, a sua necessidade. São instrumentos de trabalho e exposição. Não têm qualquer realidade objetiva, substancial. Por isso, a aspiração dos historiadores à totalidade histórica pode e deve adquirir formas diferentes que, também elas, evoluem com o tempo. O quadro pode ser constituído por uma realidade geográfica ou por um conceito: assim fez Fernand Braudel, primeiro, com o Mediterrâneo no tempo de Filipe II e, depois, com a civilização material e o capitalismo.
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