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Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO PROBLEMA 6 – ABERTURA: INFLUENZA H1N1: O vírus influenza corresponde ao único representante da família Ortomyxoviridae, que apresenta como características a presença de envelope e de genoma em forma de RNA. Graças a processos de mutagenicidade, podem ser encontrados três tipos virais, a saber: Tipo A: é a forma mais prevalente, responsável pela ocorrência de epidemias e pandemias, como a gripe suína (H1N1), em 2009. Tem como reservatório natural não só o homem, como também aves selvagens, galinhas, porcos, cavalos e até mesmo baleias e focas (não é frequente a transmissão direta entre espécies). Esse vírus circula durante todo o ano, podendo haver epidemias a cada triênio. Nos seres humanos, os subtipos de maior relevância são H1, H2, H3; e N1, N2, que compõem as combinações H1N1, H2N2 e H3N2, sendo que a primeira variante é a que mais circula na população. A ocorrência de drifts genéticos (explanados posteriormente) faz com que o desenvolvimento de resposta imunológica seja defasado, mantendo a susceptibilidade geral a novas infecções. Tipo B: responsável por infecções anuais na população humana, não apresentando capacidade de mudanças antigênicas; Tipo C: é um vírus endêmico, causando infecções esporádicas normalmente brandas ou assintomáticas. Devido a essas características, tais estruturas não apresentam relevância epidemiológica. Todos esses vírus apresentam elevada transmissibilidade, destacando-se a influenza A. Os grupos mais vulneráveis a esse agente são idosos, crianças (idade < 5 anos), gestantes e pacientes comórbidos (hipertensos, diabéticos ou imunodeprimidos, por exemplo). FISIOPATOLOGIA E QUADRO CLÍNICO: A etapa inicial da influenza é a infecção do epitélio respiratório a partir da inalação de secreções respiratórias aerossolizadas com o vírus (tosse, espirros, fala), ou, de forma menos representativa, pelo contato com objetos e superfícies contaminadas, seguido pela interação com o rosto. Esse processo ocorre por meio da ligação de hemaglutinina (HÁ) ao ácido siálico presente na membrana plasmática, que estimula a fusão do envelope viral à célula. É essa a glicoproteína que age como epítopo para a atração de anticorpos em reinfecções. Após essa conexão, a neuraminidase (NA, alvo dos antivirais oseltamivir e zanamivir) cliva os sítios de ligação, promovendo a liberação do vírus para o meio intracelular. Estrutura do vírus influenza Ambas as glicoproteínas supracitadas podem sofrer alterações gênicas, que são divididas em menores (deriva) ou maiores (rearranjo). Essas últimas ocorrem apenas nos vírus influenza A, e são responsáveis pelas Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO nomenclaturas H1, H2... H16 e N1, N2... N9. Esquema representativo dos processos de rearranjo e deriva genética antigênica As proteínas M1, M2 e NP são utilizadas para diferenciar os vírus influenza A (causador de epidemias), B e C. As primeiras favorecem a montagem de novas partículas virais, ao passo que as segundas permitem a liberação dos vírus pela criação de canais iônicos e pelo enfraquecimento da membrana, tornando-se alvo dos antivirais amantadina e rimantadina. Após a internalização, no meio intracelular, o meio ácido causa o dobramento da HÁ, expondo sítios de fusão proteica, ligando as proteínas virais ao endossomo formado, fusionando o envelope do vírus. Esse microambiente favorece a criação de canais de prótons e a dissociação de proteínas estruturais, levando à dispersão do nucleocapsídeo no citoplasma. Essa estrutura migra em direção ao núcleo, sendo primeiramente transcrito em mRNA, utilizando para isso segmentos celulares do hospedeiro como primers, o que garante a interação adequada com ribossomos. Todo o registro viral será transcrito em proteínas individuais, exceto as já mencionadas proteínas M e NS, que sofrem splicing de forma a gerar dois filamentos distintos, processados no citoplasma. A HÁ e a NA, importantes para a infectividade viral, são sintetizadas no complexo de Golgi, enquanto a proteína M2 passa a interagir com a membrana celular. A montagem final dos novos vírus ocorre no citoplasma, com brotamento na superfície apical após a consolidação dos nucleocapsídeos, o que se dá cerca de 8 horas após a infecção. Penetração e replicação do vírus influenza no interior de uma célula hospedeira O foco primário da infecção pelo vírus influenza são células do epitélio colunar ciliado (secretoras de muco), mas também pode ser direcionado a outras células do trato respiratório, inclusive células alveolares, células das glândulas mucosas e macrófagos. Esse trofismo visa reduzir a efetividade desse sistema de defesa inicial. A NA pode facilitar ainda mais esse comprometimento ao interagir com resíduos de ácido siálico no muco. As estruturas afetadas sofrem necrose e descamam, podendo haver a substituição epitelial por células metaplásicas e achatadas. Esse processo pode estimular a infecção secundária do trato respiratório por bactérias ou outros vírus, comprometendo ainda mais seu arcabouço celular. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO A resposta do organismo a esse quadro de infecção se dá com a deflagração de respostas inflamatórias membranares em células mucoides, com recrutamento de monócitos, linfócitos e neutrófilos. Diversas citocinas são secretadas, principalmente o TNF-α, o IFN-α, a Il-6 e a Il- 8, apresentando pico quase que simultaneamente ao aumento da concentração de partículas virais nas secreções respiratórias, causando os sintomas gripais sistêmicos (febre, mialgia, cefaleia e mal-estar). Fluxo da patogênese por influenza O quadro clínico da gripe normalmente cursa com o desenvolvimento súbito de calafrios, mal-estar, cefaleia, mialgia, dor de garganta, artralgias, prostração, rinorreia, e tosse seca, que podem ou não estar associados a sintomas de irritação gastrintestinal. Após essa fase inicial, pode haver maior susceptibilidade para infecções bacterianas, decorrentes da alteração da morfologia do epitélio respiratório, que tem déficits em mecanismos de batimento ciliar e produção de muco, favorecendo a inoculação de patógenos. Principais sintomas associados à infecção primária e a complicações decorrentes do vírus influenza As respostas dos anticorpos séricos, majoritariamente direcionados para a hemaglutinina, detectáveis na segunda semana após a infecção primária, são específicas para cada cepa, ao passo que medidas celulares apresentam espectro de ação maior, abrangendo infecções por um mesmo tipo viral. De forma geral, os sintomas e a duração da doença são diretamente proporcionais ao dano causado pelo vírus e à resposta inflamatória do hospedeiro, normalmente apresentando caráter autolimitado. Manifestações extrapulmonares são raras, e a reparação tecidual se inicia de forma breve com o início dos sintomas, ainda que possa se estender por mais de um mês, principalmente em imunossuprimidos. Cronologia da infecção pelo vírus influenza. Destaca- se o curto período de incubação e a presença precoce de sintomas gripais DIAGNÓSTICO: De modo geral, o diagnóstico de infecção pelo vírus influenza H1N1 é clínico, baseado na sintomatologia típica, no contexto sazonal e epidemiológico. No entanto, de forma a descartar outras Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO possíveis causas de síndrome gripal, testes laboratoriais podem ser indicados, como: Teste rápido: tem como objetivo a detecção de antígenos nucleoproteicos do vírus, que podem estar dispersos em amostras coletadas por swab nasal/orofaríngeo, submetidas à imunofluorescência direta; Cultura viral:utilizando as mesmas amostras descritas acima, visa isolar o vírus influenza; RT-PCR: permite identificar bandas genéticas do material coletado após o swab, identificando o subtipo viral específico (A e B, bem como as divisões do primeiro). TRATAMENTO E PREVENÇÃO: Após a confirmação diagnóstica, o paciente deverá ser manejado conforme a intensidade dos sintomas. Em uma gripe leve- moderada, as principais orientações concernem à evitação da transmissão (higiene respiratória, por exemplo), ao repouso relativo, maior atenção à dieta/hidratação e à realização de nebulização sempre que necessário. O uso de medicamentos sintomáticos pode ser indicado para minimizar a febre e a dor. Ainda na consulta, o indivíduo deve ser informado a retornar à Unidade frente a qualquer sintoma sugestivo de insuficiência respiratória, metabólica ou alteração hemodinâmica. O internamento hospitalar será indicado para pacientes com sinais de insuficiência respiratória ou de piora clínica, marcada por elevação da FR, tiragem intercostal, dispneia com estertores, cianose, alterações do nível de consciência, sinais de sepse e desidratação grave. Quadros mais graves de gripe devem ser conduzidos por meio da administração de antivirais, capazes de reduzir a duração e a intensidade dos sintomas, bem como diminuir o risco de complicações associadas. Seu uso também está indicado para casos suspeitos em indivíduos epidemiologicamente vulneráveis. As classes medicamentosas usadas são os inibidores da neuraminidase (Oseltamivir e Zanamivir), havendo resistência aos Adamatanos. O uso de antivirais em gestantes deverá ser ponderado de forma individual, de forma a identificar possíveis benefícios que se sobreponham à saúde do feto. Posologia dos antivirais utilizados no tratamento específico contra o vírus influenza Os principais efeitos adversos associados ao uso de antivirais variam conforme o fármaco em questão. O Oseltamivir é associado à ocorrência de náuseas/vômitos, dispepsia, desconforto abdominal e diarreia (reação ao veículo utilizado, em pacientes sensíveis), reações de hipersensibilidade, cefaleia, insônia, fadiga, e possível ocorrência de alucinações e delírio. O Zanamivir apresenta reações semelhantes, porém acrescidas de risco de broncoespasmo e obstrução dos circuitos de ventilação pessoal. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Alguns grupos específicos podem se valer da quimioprofilaxia pós-exposição para o vírus influenza, baseada na administração de Oseltamivir. Os alvos desse método profilático são profissionais da área da saúde, pacientes imunossuprimidos e indivíduos que passam muito tempo em locais fechados, de forma a prevenir surtos. De modo geral, no entanto, a prevenção coletiva para a gripe é alcançada por meio de medidas de higiene respiratória e das mãos, além das campanhas de vacinação. O agente imunizante é alterado anualmente conforme os relatórios epidemiológicos globais, selecionando uma ou duas das cepas mais prevalentes de influenza B no mundo, que integram, junto à influenza A, as vacinas tri e tetravalentes. Após a pandemia de gripe suína em 2009, o plano de vacinação da gripe foi dividido em três etapas, tendo como objetivo a imunização prioritária de indivíduos com risco elevado de complicações ou óbito. Fases das campanhas pós-pandêmicas de vacinação contra a influenza NOTIFICAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA COMPULSÓRIA EM SRAG: O monitoramento de infecções virais respiratórias importantes para a saúde pública é fundamentado em duas organizações distintas, a Rede de Vigilância Sentinela de Síndrome Gripal, e a Rede de Vigilância de Síndrome Respiratória Aguda Grave. Esse controle é realizado a partir do envio de amostras de nasofaringe coletadas em pacientes suspeitos ou hospitalizados por SG/SRAG, bem como dos óbitos possivelmente relacionados a esse quadro. O material é encaminhado para laboratórios de referência, de onde os resultados partem para serem reportados ao Sistema de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe). A Vigilância Sentinela de Síndrome Gripal foi criada em 2000 com o objetivo de analisar e monitorar casos de Influenza. Atualmente, permite a identificação de novos subtipos virais, bem como a virulência e a distribuição anual de casos destes. Todos os dados coletados são encaminhados para a OMS, de forma a adequar a vacina sazonal para a gripe. De preferência, as unidades afiliadas a essa rede devem ter atendimento 24h e atender todas as faixas etárias (evitar perda de dados) A Vigilância de Síndrome Respiratória Aguda Grave, por sua vez, foi instituída em 2009 como reflexo da pandemia de influenza H1N1, realizando a coleta e notificação de casos de hospitalização ou óbito por SRAG causada por vírus relevantes para a saúde pública. Estão inseridos nesse programa todos os hospitais, públicos ou privados, que apresentam condições de conduzir casos de SRAG. Alguns conceitos devem ser bem consolidados de forma a compreender melhor o processo de notificação epidemiológica, como: Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Caso suspeito de síndrome gripal (SG): todo indivíduos com quadro respiratório agudo obrigatoriamente acompanhado por ao menos dois dos seguintes achados: febre (aferida ou não), calafrios, dor de garganta, cefaleia, tosse, coriza e distúrbios do olfato ou paladar; Caso de SRAG: corresponde a um indivíduo com SG que manifeste desconforto respiratório OU dor torácica persistente OU saturação de O2 ambiente > 95% OU cianose em lábios/face; Casos confirmados de COVID-19: representam pacientes que tiveram diagnóstico positivo para a infecção pelo SARS-Cov-2 determinado por diversos critérios: o Critérios clínicos (SG ou SRAG associado à perda do olfato ou paladar sem causa prévia); o Critério clínico-epidemiológico (contato próximo e recente com indivíduos confirmados para a doença, manifestando sintomas em até 14 dias); o Critério laboratorial: pode ser aplicado tanto em pacientes sintomáticos quanto assintomáticos: Indivíduos não vacinados: clínica compatível com SG ou SRAG associada à resultado detectável para o vírus em RT- PCR ou detecção de antígeno OU reagente para IgG/IgM em imunocromatografia, ELISA ou eletroquimioluminescência; Indivíduos vacinados: presença de quaro sugestivo de SG/SRAG após vacinação, confirmado por meio de prova molecular detectável OU pesquisa de antígeno reagente, utilizando os mesmos métodos diagnósticos acima. o Critério clínico-radiológico (pacientes com sintomatologia condizente com o quadro de COVID-19, porém resultados laboratoriais inconclusivos E com a presença de vidro fosco ou halo reverso) Casos descartados para COVID-19: representa quadros de SG com identificação de outro agente etiológico em exames laboratoriais OU que não puderam ser confirmados por outros critérios. Apenas um exame negativo para COVID-19 de forma isolada não é motivo para descarte da suspeita; o Caso de SG/SRAG não especificada: ocorre quando não houve identificação de nenhum outro agente etiológico OU não houve coleta/processamento laboratorial OU que não atendeu a nenhum critério de confirmação. Preceitos fundamentais para os programas de violência epidemiológica para síndromes gripais e SRAG DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS EM SÍNDROME RESPIRATÓRIA AGUDA GRAVE: A *PÁG. 133-140 HARISON*
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