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1 Em homenagem a HUMBERTO ÁVILA. TIPOS E CONCEITOS. A INCOMPATIBILIDADE DO MODO DE PENSAR POR TIPOS AS REGRAS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA CONSTITUCIONAIS (federalismo, separação de poderes, segurança jurídica e direitos e garantias fundamentais). Misabel Abreu Machado Derzi Profa. Titular de Dir. Financeiro e Tributário da UFMG e das Faculdades Milton Campos. Pres. Honorária da ABRADT. Consultora e Advogada. Sumário: Introdução: por que razão escolher tal tema para homenagear Humberto Ávila. 2. Breve síntese da posição de Ávila. 3. Previamente, dois avisos. 4. O modo de pensar por tipos e/ou por conceitos como metodologia. 4.1. O modo de pensar por conceitos (como essência das coisas). 4.2. O modo de pensar por conceitos pela palavra/significado). 43. Os tipos abertos, como método de ordenação do pensamento. 4.4. Os pontos comuns às diversas acepções de tipo. 5. O caráter transformacional do Direito e a realidade criada pela linguagem jurídica. 6. O sistema aberto e os conceitos abertos, abstratos, obscuros e indeterminados. O caminho metodológico distintivo. 7. A parte imóvel do sistema jurídico. A escala móvel de Wilburg e os tipos. 8. Conclusão: do lógico ao extralógico (federalismo, separação de poderes, segurança, direitos e garantias fundamentais). Introdução: por que razão escolher tal tema para homenagear Humberto Ávila. Quando, há quase quarenta anos atrás, dediquei-me ao estudo do tema relativo ao modo de pensar por tipos e ao modo de pensar por conceitos, estremando-lhes as diferenças, não encontrei em língua latina, pesquisador que lhe desse atenção 1 . Enquanto jorravam há décadas, na Alemanha, trabalhos consistentes e profundos (e ainda lá estão), a América Latina adotava o “tipo”, em sentido exatamente oposto àquele que lhe emprestavam a lógica, a filosofia e a dogmática do Direito Penal alemão. As razões radicam, singelamente, na tradução livre do alemão para o espanhol. Não se justifica o equívoco, pois já em 1936, o filósofo RADBRUCH, forte em Direito Penal, publicara importante artigo sobre a matéria “Klassenbegriffe und Ordnungsbegriffe im Rechtsdenken”, em que distinguia as aludidas metodologias (a conceitual e a tipológica), para alertar, por razões de segurança, certeza e previsibilidade, sobre a inaplicabilidade do tipo ao Direito Penal 2 . A confusão terminológica adveio da tradução livre do termo Tatbestand, como consta na clássica obra de BELING, por tipo, para o espanhol 3 . Ao ser acolhido o tipo, nos povos que se serviram da aludida tradução, no Direito Penal ou Tributário (por 1 Cf. DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário, Direito Penal e Tipo. 3ª. ed. Forum, Belo Horizonte, 2018. A 1ª edição da Rev. Tribunais é de 1988, mas a defesa de tese é de 1980 e os estudos se iniciam antes de 1980. 2 Cf. RADBRUCH, Gustav. Klassenbegriffe und Ordnungsbegriffe im Rechtsdenken. Internationale Zeitschrift für Theorie des Rechts n. XII- (166-175), 1936. 3 Cf. BELING, Ernst Von. Esquema de derecho Penal. La doctrina del delito-tipo. Trad. Sebastián Soler. Buenos Aires, Depalma. 1944. 2 influência do Penal) em sentido oposto, como sinônimo de legalidade material rígida da hipótese de incidência da norma, ou pressuposto fático ou fato gerador, o tipo e o princípio da tipicidade ganharam conotação de previsibilidade, certeza e segurança, merecendo divulgação em sentido impróprio, inverso ao sentido que lhe atribui a metodologia. No Direito alemão, após estudos desenvolvidos em especial ao longo de todo o séc. XX, apesar de suas origens datarem da Grécia antiga, firmou-se o entendimento de que os tipos são um pensamento de ordem, fluido e transitivo. O próprio LARENZ, até a segunda edição de sua obra, Methodenlehre der Rechtswissenschaft, admitia os tipos “fechados” (expressão em si contraditória). A partir da terceira edição, refez o seu ponto de vista, aliás, mantido naquelas que a sucederam, afirmando que os tipos, por definição, são sempre abertos. Tipos abertos, diz ele, são uma tautologia. A confusão terminológica 4 , nos povos de língua portuguesa ou espanhola, graças à influência da obra de BELING tal como fora traduzida, não se desfez facilmente, passando o modo de pensar por tipos a designar a utilização de conceitos legais descritivos do delito penal, determinados e especificantes, voltados a garantir a confiança e a espancar a insegurança jurídica. Assim, CLASS fala em Grenzen des Tatbestandes; DAHM se refere a Verbrechen und Tatbestand; e CLAUS ROXIN deu a sua obra o título original de Offne Tatbenstände und Rechtspflichtmerkmale, mas o mesmo problema continuou, tendo sido traduzidas as expressões Tatbestand ou Offne Tatbestände, por tipos. (“Tipos abiertos y Elementos Del Deber Jurídico”, na versão castelhana de E. Bacigalupo). 5 Sabe-se que o Tatbestand, como hipótese ou pressuposto fático da norma pode conter tipos ou conceitos determinados e especificantes... Mesmo o legislador brasileiro foi contaminado pelo equívoco. Observe-se que a Lei nº 7.209, de 11/7/1984, refere-se ao tipo penal no sentido de Tatbestand, que deveria conter, pretensamente, conceitos determinados e especificantes. Como exceções, havendo apreensão correta da questão, ressaltem-se o artigo isolado de NELSON SALDANHA 6 e BRANDÃO MACHADO que influenciou a minha própria obra 7 . Em Portugal, deram notícia da complexidade do tema, sem entretanto reconhecerem o princípio da tipicidade como princípio de ordenação do conhecimento, Oliveira Ascensão, mas, posteriormente, o tema foi “descoberto” por PAIS DE VASCONCELOS. 8 Também CASALTA NABAIS consegue identificar a terceira função e sentido do tipo conferidos à praticidade. 9 No Brasil, SCHOUERI refere a metodologia 10 . Apesar dos avanços, o princípio da tipicidade, ou o tipo, continuou 4 LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissenschaft, 4ª. Ed. Berlin. Spring-Verlag., 1979, ps. 13-14. 5 Cf. ROXIN, Clauss. Tipos Abiertos y Elementos del Deber jurídico. Trad. E. Bacigalupo. Buenos Aires. Depalma, 1979. 6 Cf. SALDANHA, Nelson. Do maniqueísmo à tipologia. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. 26, 1980/82, p. 9-35. 7 BRANDÃO MACHADO, culto advogado, erudito conhecedor do tema, que gentilmente me cedeu textos e livros, no início dos anos oitenta. 8 Cf. PAIS DE VASCONCELOS. Contratos Atípicos. Coimbra. Almedina, 2002. 9 Cf. CASALTA NABAIS. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra. Almedina. 1998. 10 Cf.SCHOUERI, L. Eduardo. Direito Tributário. 5ª. Ed. Saraiva. São Paulo, 2015, p. 275, que, embora referindo-se à metodologia, confunde seus resultados, pois conceitos abstratos e indeterminados não levam aos tipos, que são claros, muito claros e especificantes por sua aproximação com a realidade. 3 sendo invocado como sinônimo de Tatbestand, ou identificado ao modo de pensar por classes e espécies, exatamente seu oposto, o conceito determinado fechado 11 . Até então, toda a polêmica parecia limitada a uma questão terminológica e a consequências dentro de certas áreas jurídicas mais restritas, como o Direito Penal e o Direito Tributário. Os danos estavam sob controle na medida em que continuavam irredutíveis os direitos fundamentais e princípios como segurança, previsibilidade, proteção da confiança. Os direitos e garantias fundamentais, inclusive o federalismo, continuavam a ser considerados independentemente da abordagem da metodologia adequada ao nosso sistema jurídico (tipos ou conceitos?). A filosofia do Direito e a dogmática, no Brasil, continuavam indiferentes ao problema. Não obstante, tanto a literatura portuguesa, como a espanhola e a italiana 12 começaram a dar notícia, depois de tantas décadas, dos estudos tedescos e a adaptar ea assimilar aquelas metodologias, algumas vezes com sentido correto, mas, em outras ocasiões, com arranhões à teoria do tipo ou como gesto de simples importação inadequada, sugerida alhures a propósito de sistema jurídico estranho. Também o Supremo Tribunal Federal passou a respirar as novas metodologias. Nem sempre de modo correto. Surgem, então, agora sim, problemas seriíssimos quer para o Direito Penal (conceito de tipo), quer para o Direito Tributário (modelação das regras constitucionais de competência, como podemos encontrar na fundamentação da decisão da Corte Suprema no RE 651.703/PR). Falemos daquilo que se abala por detrás da questão: Estado de Direito, separação de Poderes, Legalidade, Segurança, Federalismo e Democracia. Explique-se, agora facilmente, a escolha do tema dentre outros. É que HUMBERTO ÁVILA tem estudo magistral sobre segurança jurídica 13 e faz as conexões desejáveis entre federalismo 14 , democracia e garantia da liberdade. Embora ao tratar de segurança ou federalismo não aborde as questões metodológicas relativas ao conceito e ao tipo, toda a pesquisa por ele desenvolvida repousa nos mesmos pressupostos, subjacentes ao sistema constitucional brasileiro. Ao repelir a aplicabilidade do modo de pensar por tipo às regras constitucionais de competência 15 , nada mais faz do que dar validade às garantias federativas, àquelas de segurança, previsibilidade, cognoscibilidade, calculabilidade e proteção da confiança, tão claramente inerentes ao modelo nacional. É que, analisado sob o ângulo científico, o tipo não se reduz a uma figura lógico-formal. Modernamente, quando se propõe o tipo, como novo modo de pensar, de ordenar, sugere-se uma nova Metodologia jurídica. E a Metodologia não faz parte da Lógica, já que é aplicada a cada ciência especializada, segundo o modo de ser peculiar 11 Cf. Igualmente, ALBERTO XAVIER. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo. RT, 1978, que adotou a velha terminologia por influência de OLIVEIRA ASCENSÃO. 12 Cf. No campo do Direito Civil, cite-se, dentro outros, GLAZEL, Lorenzo Passerini. La Forza Normativa del Tipo. Pragmatica dell`atto giuridico e teoria dela categorizzazione. Quodlibet, MI, 2005. 13 Cf. ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica: entre permanência, mudança e realização no Direito Tributário. São Paulo, Malheiros, 2011. 14 Cf. ÁVILA, Humberto. IVA, uma proposta inconstitucional. Opinião. exame.abril.com.br . 15 Cf. ÁVILA, Humberto. Competências Tributárias. Um ensaio sobre a compatibilidade com as noções de tipo e de conceito. São Paulo, Malheiros, 2018. 4 do objeto. Está no interior de cada ciência, como alerta VILANOVA 16 e exige o extralógico. Como todo método, o tipológico tem um lado lógico-formal e outro material, extralógico. 17 A Metodologia não é uma linguagem sobre a Ciência do Direito, mas, como alertam os lógicos, está também no interior da Ciência, já que o método depende do modo de ser especial do objeto. O método tipológico de investigação do Direito e da Ciência jurídica só pode ser adequado se demonstrado que o Direito, como seu objeto de análise, comporta tipos e em que medida e extensão. A relação de interferência método-objeto, objeto-método é homóloga à relação-distinção entre tipo como metodologia, tipo propriamente dito, tipo como sinônimo de pressuposto ou Tatbestand e tipo como execução simplificadora das leis 18 . Onde o Direito tende a conceitos classificatórios, fechados, por razão de segurança jurídica, a aplicabilidade do método tipológico fica bastante reduzida, assim como se dilata nos setores onde prosperarem direitos fundamentais como a livre iniciativa e a autonomia pessoal, permeáveis às mutações contratuais e negociais, por exemplo. Portanto, a Lógica Formal em si, como magistralmente leciona LOURIVAL VILANOVA, nada decide sobre o método adequado à investigação no Direito e na Ciência. 19 Essa é uma questão que diz respeito às estruturas lógicas 20 do Direito, mas também a seu conteúdo, princípios-valores e tendências. Com isso, pretende-se dizer que a escolha entre um modo de pensar e outro, se conceitual ou tipológico, para análise das regras de competência, não provém de uma discussão singela entre lógicos, filósofos ou dogmáticos, mas de um pano de fundo constitucional, sistemático e integrativo, localizado no tempo e no espaço (empírico) dentro do qual se apresentam o federalismo, a democracia, a segurança jurídica, a separação de poderes, a legalidade, a confiança. A partir desse pano de fundo, em que pontifica HUMBERTO ÁVILA, é que a opção metodológica constitucional correta se apresenta clara e consistente. Ao explicarmos, pois, as razões da escolha do tema, com isso, já expusemos claramente o caminho que seguiremos na sua abordagem. O modo de pensar por tipos ou/e por conceitos responde a questões lógicas, que pretendemos enfocar, mas também a questões extralógicas, sem as quais não se pode responder à questão: tipos ou conceitos? Então o tratamento dado ao tema será tanto em um plano quanto em outro e a 16 Cf. JEAN PIAGET, citado por Vilanova, assim se refere: “la méthodologie ne fait pas partie de la logique et rien n’est plus équivoque que le terme de logique applíquée...” Traíté de Logique, essai de logistique opératoire, pp. 6-7. Cf. Vilanova, Lógica jurídica, S. Paulo, Bushatsky, 1976, p. 66. 17 Cf. VILANOVA, Lourival. Lógica... cit., p. 68. 18 Por questão de limitação de espaço, não desenvolveremos as três funções diversificadas referidas. Neste pequeno artigo sobre tema tão complexo, limitamo-nos a uma síntese do modo de pensar por tipos, como metodologia. 19 Cf. VILANOVA, Lourival. As Estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo, RT, 1977, p. 20. 20 Cf. As Estruturas... cit., p. 48. 5 resposta somente poderá ser dada à luz das grandes metas constitucionais, como federalismo, democracia, segurança jurídica, separação de poderes, legalidade e proteção da confiança. 2. Breve síntese da posição de Ávila 21 . Vamos realçar algumas conclusões do professor homenageado, a saber: (a) as normas constitucionais de competência são enunciados prescritivos, destinados a guiar a conduta humana, possuem significado normativo e não cognitivo, não sendo falsos nem verdadeiros, nem tampouco denotando objetos, eventos ou propriedades observáveis. Repelem assim a descritividade inerente aos tipos. (b) Já os enunciados descritivos (proposições) teriam a função de transmitir informações sobre o mundo, de significado cognitivo e não normativo, podendo ser verdadeiros ou falsos e denotando objetos e eventos observáveis. Assim sendo, o autor enquadra as regras de competência como enunciados prescritivos, normativos, destinadas a atuar direta ou indiretamente no comportamento das Pessoas estatais; são vazadas em conceitos abstratos pois dirigem-se a uma classe de fatos ou de fatos futuros; não são regras de manifestação autônoma de vontade mas heterônoma, pois seus destinatários, os Entes estatais, não são seus emissores (a rigor a norma constitucional emana do poder indiviso e soberano do Estado brasileiro, que se dá a forma federativa); e são regras coativas, pois a sua infringência atrai a imposição de penalidades/nulidades. Nessa abordagem, questões relevantes, e referidas pelo autor, se colocam. A primeira delas é a aproximação do tipo com a realidade, registrada por inumerável lista de estudiosos do tema. Esse é um dos pontos comuns na intrincada literatura especializada. Ao contrário, em regra, podemos formular conceitos, que podem ser qualificados de forma muito rica, como confusos, obscuros, ambíguos, largamente abstratos, indeterminados,ou, ainda, em oposição, individuais e concretos, determinados ou menos precisos e mais, definitórios. Podemos, ainda, formular conceitos de coisas inexistentes. Se tomarmos o conceito de existência na visão fenomenológica, de algo que se dá no mundo, sujeito à lei de causa e efeito, e à morte, teremos conceitos de coisas inexistentes, como são as regras da lógica, da matemática; como são as ficções; como são as criações artísticas em geral. Deus é um conceito de algo inexistente, no sentido de que não é causado por nada, ao contrário, ele é a causação de tudo, segundo a teologia. O modo de raciocinar por tipos é estranho a tudo isso. Só porque estamos falando de algo obscuro, abstrato e de determinação dificílima – Deus – não cairemos no raciocínio tipológico. Ao contrário o tipo não pode descrever tal objeto, não tem força descritiva. O tipo, em sua primeira função descritiva, como ordenação do conhecimento, não é útil a tal grau de abstração. Por essa razão, essa a outra questão relevante, afirma ÁVILA, a visão tipológica da regra de competência destrói a regra como dever ser e a dota de mera função veritativa do mundo do ser. O intérprete e aplicador do Direito, utilizando-se do método tipológico, 21 Cf. O texto refere-se à posição adotada por Humberto Ávila em publicação recente, a saber: Competências Tributárias. Um ensaio sobre a compatibilidade com as noções de tipo e de conceito. São Paulo, Malheiros, 2018. 6 deslocaria o mundo do dever ser normativo, ao qual é inerente a relação válido/inválido, para o mundo do ser, como fato sociológico, que se ajusta à avaliação do falso/verdadeiro. Transições indevidas e superação inadequada do velho dilema de HUME, que HANS KELSEN, LUHMANN e WEBER tão bem ilustraram 22 . É que se o Ente estatal estiver a invadir competência de outro, ou a exercer sua competência residual sem editar lei complementar por ex., não se pode encarar tal atuação fática, transgressora, como descrição de um comportamento político, que converteria a infração em regra nova. A ação ilícita que se dá no mundo do ser não desmente a regra – dever ser - mas a confirma. Impõe-se, então, a sanção (dever ser). Enfocar a regra de competência como tipo, mera descrição aberta e gradual, de notas renunciáveis, como se fosse graduação aproximativa da realidade, realidade essa que contém características variadas e unidas, provoca uma decisão aproximativa do mundo do ser, mas perde-se a força normativa própria do mundo do dever ser. E seria um convite às transgressões hodiernas dos próprios Entes estatais, instalando-se conflitos indesejados a uma convivência federativa harmoniosa, meta e pressuposto da Constituição. Exatamente por sua aproximação com a realidade, o tipo é uma construção de notas referentes ao objeto representado, em oposição ao conceito. Não por outra razão, o método tipológico começou antes para as coisas das ciências da natureza. Suas notas próprias, como abertura, graduação, sentido, inteireza e aproximação com a realidade, dotam-no de certa fluidez transitiva. Essa característica, a fluidez, não significa obscuridade, nem indeterminação, muito menos ambiguidade. Ao contrário, o tipo é claro, claríssimo, rico em notas e características do objeto, mas sua pretensão de abarcar a realidade (de variabilidade riquíssima) dispõe tais notas de modo aberto, graduável e 22 Como se sabe, a obra de HANS KELSEN se volta contra o sincretismo dos métodos sociológico e jurídico, pois a “dogmática jurídica é restrita ao mundo do dever ser (Sollen) e o seu fim é a compreensão das normas”. Cf. Tra Metodo Juridico e Sociologico. Trad. It.G. Calabrò, Napoli. 1971, p.41; igualmente para MAX WEBER, não se podem fundir os métodos sociológico e jurídico. WEBER admite a distinção fundamental entre o mundo do ser e o mundo do dever ser, assim como a separação entre os métodos respectivos. Por isso, ele formulou dois conceitos diferentes do Direito, um próprio da Sociologia, e outro, da Dogmática jurídica. Os objetos de ambas as ciências são heterogêneos, estão em planos diversos e, assim, não pode haver contato imediato entre eles. Quando se fala de Direito, de ordenamento jurídico, de princípio jurídico, alerta o grande sociólogo, é necessário diferenciar o ponto de vista jurídico do ponto de vista sociológico. Primeiramente se pergunta que coisa deve ser como Direito, ou seja, o que vale? Qual o significado, o sentido normativo que se deve atribuir, de modo correto, a uma formulação linguística que se apresenta como norma jurídica. A pergunta é: o que deve ser validamente? Já no campo da sociologia, o que se investiga é, de fato, que coisa realmente acontece no âmbito de uma comunidade. As várias possibilidades são investigadas, para se identificar o que os indivíduos participantes no agir da comunidade – sobretudo aqueles que exercem influência de fato nisso – consideram subjetivamente e o que tratam como ordenamento válido, orientando seu agir de acordo com ele. Enfim, indaga-se o que, na realidade fática, é norma válida, eficaz. Cf. MAX WEBER. Economia e Sociedade. R. Rossi, Milano, 1968. Vol.1, p. 310. NIKLAS LUHMANN, realçando mais as funções do Direito do que a metodologia, insurge-se contra a visão unificada dos sistemas jurídico e social. Cf. La Costituzione come acquisizione evolutiva. In: Il Futuro dela Costituzione. Org. Gustavo Zagrebelsky, Torino: Einaudi, 1996, p. 83-128. Assim, no que tange às relações entre o saber jurídico e o saber político-econômico e sociológico, ou seja, entre o sistema jurídico e sua dogmática e outros sistemas existentes no ambiente, podemos alinhar, de um lado, HANS KELSEN, NIKLAS LUHMANN e MAX WEBER, que apresentam para o problema uma solução “separatista”, como realça ALBERTO FEBBRAJO, em contraste com as teses de EUGEN EHRLICH e THEODOR GEIGER, que preconizam a investigação do output do sistema. Cf. Prefácio in NIKLAS LUHMANN. Sistema Giuridico e Dogmatica Giuridica. Trad. e Prefácio de ALBERTO FEBBRAJO, Bologna. Ed. Il Mulino, 1978, p. 8. 7 não necessário, inadaptando-se aos cortes rígidos do modo de pensar por conceitos. Como veremos, o mundo do conhecimento, a se utilizar correta e frequentemente do modo de pensar por tipos, pretende exatamente essa proximidade, como ocorre na biologia, sociologia, na psicologia, nas ciências políticas, na história. Proximidade por meio da qual se almeja captar a realidade tal como ela é, ou seja, não apenas a ordenação do conhecimento mas ainda as fluidas transições de uma ordem a outra. Ao Direito, o caráter normativo do mundo do dever ser impõe uma aproximação da realidade jurídica, já valorada e qualificada pelo legislador, não sujeita à relação verdade/falsidade. Consideramos que haverá lugar para a utilização do tipo, nas hipóteses em que o legislador quiser deixar espaço ao exercício da autonomia criativa, privada, dos destinatários da norma, dotando de validade um leque amplo de caracterizações, medidas segundo o tipo-modelo positivado. Nesse caso, o modal deôntico utilizado pela norma será o da faculdade (não o da obrigação, ou da proibição) e as normas serão de cunho dispositivo, tal como ocorre no mundo dos contratos e dos atos negociais. Finalmente, pondera ÁVILA, os conceitos podem ser obscuros ou indeterminados, mas ainda determinados, especificantes e definitórios. E declara que a Constituição de 1988 prevê conceitos nas regras de competência, define tributos e suas espécies em vários de seus dispositivos, “por meio de definições intensionais e extensionais, expressas e implícitas, diretas e indiretas.” 23 Alerta para o fato de que os conceitos ou institutos, utilizados pela Constituição, se ela mesma não os modifica, têm o significado comum, ordinário ou técnico, incorporadosno tempo em que a Constituição fora promulgada. E conclui que os dispositivos constitucionais atributivos do poder de tributar aos Entes estatais exprimem conceitos, ou seja, propriedades necessárias e suficientes para sua configuração, quer por questões federativas, quer em razão da delimitação dos direitos fundamentais em face do poder estatal. Concordamos inteiramente com tais conclusões. Minha pretensão neste artigo será a de complementação e de adição. O caráter transformacional do Direito, a que tão diretamente se referiu CARNELUTTI, parece esquecido na pretensão de se utilizarem tipos na análise da regra de competência. Igualmente o tipo normativo, propriamente dito, que perde em descritividade, merece mais atenção. Assim sendo, algumas considerações adicionais serão feitas do ponto de vista metodológico, o que significa enfoque de aspectos lógicos, dogmáticos e extralógicos. 3. Previamente, dois avisos. Para uma breve compreensão de tema tão complexo, é bom um alerta inicial, em dois pontos. O primeiro refere-se, novamente, à confusão terminológica, que continua. O fato de alguns setores da dogmática jurídica terem compreendido que Tatbestand, fattispecie ou fato gerador não são necessariamente tipos (podendo conter tipos ou conceitos), não resolve o problema. Muitos, em especial no Direito Civil ou Penal dos países latinos, passaram a tipificar todo o Direito, adotando a velha separação entre “tipos abertos” x “tipos fechados”. Os tipos cerrados não se diferenciam da metodologia de raciocinar por meio de conceitos. Como resultado, a parte conceitual, dura, do Direito Civil, como são os direitos reais e as sucessões, continua designada, por tais juristas, por tipicidade fechada. Igualmente o Direito Penal continua sendo tratado, 23 Cf. ÁVILA, Humberto. Competências Tributárias, op. cit. p.66. 8 como sempre foi, como conjunto de normas-tipo, que responde ao princípio da tipicidade cerrada. Vale dizer, o mundo dos conceitos permanece confundido com seu oposto, ignorado, convertendo-se o conceito, mesmo determinado, definido e preciso, composto de notas rígidas, necessárias e suficientes para a identificação do objeto, e mesmo fazendo-se a subsunção do conceito dos fatos ao conceito abstrato da norma, em tipo fechado 24 . A revisão, empreendida por LARENZ, ou não foi lida ou não foi absorvida. Vale o alerta, no entanto, para auxiliar a compreensão desse cipoal de pesquisas e textos contraditórios. A confusão é tão grande que há quem possa concordar – discordando - com nossas conclusões neste artigo e com as de HUMBERTO ÁVILA, nos textos citados, dizendo apenas que a metodologia a ser utilizada pelo intérprete, relativamente às regras de competência, será aquela dos tipos, mas dos tipos cerrados... O segundo aspecto relevante diz respeito à noção de conceito e de tipo. A separação entre ambos não é absoluta. A grande classe ou gênero é a dos conceitos, pois toda representação advém por meio dele, mas nem todo conceito configura um tipo, embora todo tipo contenha uma abstração inerente aos conceitos. Assim podemos ter conceitos individuais ou próprios (João, Maria, atos normativos individuais como as sentenças), até chegarmos àqueles que se elevam em grau cada vez mais abstrato, para alcançarem a ideação das coisas inexistentes. Os tipos ficam no meio e, por sua proximidade com a realidade, não se referem às coisas únicas, nem às inexistentes (como à lógica, à matemática, à literatura de ficção ou às coisas religiosas como Deus). A rigor, diz-se que o conceito pode ser “tipificado”, mesmo continuando a observar o método conceitual. Nesse caso a “tipificação” é utilizada no sentido de concreção, à moda de ENGISCH. 25 Ou seja, os conceitos podem ser ricos em dados referenciais ao mundo da realidade, sendo determinados e precisos. Mas se ele responder, apesar da concreção, ao método de pensar por conceitos, não poderemos designá-los de tipos. Ao mesmo tempo, o tipo contém, em si, conceito, por ser uma abstração. Pois ele nem é coisa única e irrepetível, nem tampouco coisa inexistente. Repetindo, nesse passo, KAUFMANN, dizemos que “conceitos sem tipos, são vazios; tipos sem conceitos são cegos”. 26 Evidentemente a palavra tipo, na frase citada, está utilizada no sentido de concreção. Os conceitos muito abstratos são vazios, pois não contêm dados referenciais do objeto. Os tipos sem conceitos são cegos, diz KAUFMANN com razão, pois os tipos que não colhem as notas características do objeto representado, separando- as, ou seja, não fazendo abstração da unidade em que se encontram tais notas na realidade, unidade que possibilita o seu existir concreto, confundem-se com ela, nada auxiliando na ordenação do conhecimento. São cegos. Feitas essas considerações, é necessário observar que os critérios diferenciais e distintivos entre conceitos e tipos são metodológicos – respondem a uma lógica própria e simultaneamente servem a metas e finalidades jurídicas fundamentais. 24 Assim, além de OLIVEIRA ASCENSÃO, já citado; ALBERTO XAVIER, já citado; BARROS CARVALHO refere-se também ao princípio da tipicidade, como legalidade precisa e segura. Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1985 e tantos outros. Na Itália, há também uma série de autores que adotam a metodologia dos conceitos como se fosse a dos tipos. Ver por todos, GLAZEL, Passerini. La forza normativa del Tipo...op. cit. 25 Cf. ENGISCH, Karl. La idea de concreción en el derecho y en la ciencia jurídica actuales. Trad. Juan José Gil Cremades. Pamplona. Universidad de Navarra, 1968. 26 Cf. ARTHUR KAUFMANN está a citar KANT. Analogia y Naturaleza de la cosa. Santiago, Jurídica de Chile, 1976. 9 4. O modo de pensar por tipos e/ou por conceitos como metodologia. Como alerta HASSEMER, a codificação, que se propagou por todo o séc. XIX, pretendeu vincular a atividade jurisprudencial por meio de conceituações, classificações e sistematizações, mas não conseguiu reduzi-la a um transporte puro e simples do conteúdo da lei para a sentença. Por meio da ideologia da subsunção, a “sentença judicial não teria outra tarefa senão a de concretizar o conteúdo da lei tendo em vista o caso concreto.” 27 As críticas às pretensões de precisão e univocidade dos conceitos gerais e classificatórios se multiplicaram. O modo de pensar por tipos veio como reação ao modo de pensar por conceitos, opondo-se à concepção clássica, aristotélica e escolástica que era inerente ao pensamento científico. Além disso, mesmo sem expressa menção aos tipos, no decorrer do séc. XX, surgiram também, adaptações ao modo de pensar por conceitos (sua relativização), impulsionadas pela filosofia da linguagem e pela nova semântica. Tais modificações, dentro da própria teoria dos conceitos, podem ser periféricas, levando a resultados equivalentes. Vejamos, então, três posições diferentes: o modo de pensar por conceitos, na concepção tradicional de essência das coisas; ainda o modo de pensar por conceitos, infiltrado pelo significado e suas mutações e, finalmente, o modo de pensar por tipos, seu oposto reativo, no tópico 4.3. 4.1. O modo de pensar por conceitos (como essência das coisas). Omnis definitio in iure civili periculosa est. A máxima dos juristas romanos foi também seguida pela cultura anglo-saxônica, pouco afeita às generalizações abstratas. No entanto, a Ciência Jurídica da Europa continental, assim como a latino-americana, por ela influenciada, estiveram dominadas (e ainda não estão?) pela metodologia escolástico-dedutiva. A definição, como afirma Rode, tornou-se a medida de todas as coisas. 28 Sob a influência do racionalismo, tanto a jusnaturalista como a positivista, continuou a preocupar semprea ideia de sistema cerrado e perfeito, conhecimentos exatos e adequados. As grandes codificações dos séculos XVIII e XIX levaram no seu bojo esta pretensão: a de conhecer o ser matematicamente, através do princípio cartesiano “more geometrico, clare et distincte”, univocamente e mediante subsunção lógica. 29 A Teoria Geral e a Ciência do Direito foram fortemente influenciadas pelo conceito geral abstrato, classificatório. Segundo a lógica tradicional, a abstração conceitual, desencadeada pela percepção sensível de um objeto concreto (cujas peculiaridades ou determinações múltiplas nele se “uniram”, possibilitando o seu existir concreto), vem a ser o processo pelo qual se dá a separação, a percepção isolada e, ao mesmo tempo, a denominação e a determinação genérica das características do objeto. Será omitido aquilo que não for considerado essencial para a regulamentação jurídica. 27 Cf. W. HASSEMER, Winfried. O sistema do direito e a codificação: a vinculação do juiz à lei. Direito e justiça. Revista da Faculdade de Direito da PUC/RS, Porto Alegre, vol. 09. Ano VII, 1985, p.282. 28 Cf. KARLHEINZ RODE. Begriffiche und Typologische Gesetzesinterpretation. Juristische Rundschau. Heft 11:401-407, Berlin, nov. 1968. p. 402. 29 Ver a obra meritória ARMIN KAUFMANN. Teoría de las normas. Trad. Enrique Bacigalupo e Ernesto Garzón Valdés. Buenos Aires: Depalma, 1977. pp. 62-63. 10 Para ARISTÓTELES, dois traços caracterizam toda espécie de Ciência: a abstração e a dedução. A Ciência procede por abstração, seccionando a realidade, despojando as coisas que sejam objeto de estudo dos caracteres que não lhe interessam. Da mesma forma, na Ciência, os conhecimentos derivam uns dos outros, em rigorosa sequência, obtida de maneira apodítica. 30 O conceito secciona, seleciona. Quanto maior, então, for a abstração, tanto mais abrangente será o conceito, porque abrigará um maior número de objetos e, em contrapartida, tanto mais vazio será de conteúdo e significado. LARENZ explica que a Ciência dos conceitos, como propõe PUCHTA, é exemplo da ideia de sistema formal e racional, herança da escola do direito natural e do idealismo alemão. O sistema, nesse modelo, assemelha-se a uma pirâmide, em que a largura ou base corresponde à compreensão do conceito (conteúdo semântico), e a altura à extensão. À medida que se sobe da base para o vértice, perde o conceito a abundância de matéria e riqueza de conteúdo, o que ganha, proporcionalmente, em altura, isto é, abrangência de indivíduos, de modo que o mais alto abarca os demais inferiores. 31 O conceito menos geral pertence ao gênero do mais abrangente. O menos abrangente denomina-se espécie e aquilo que diferencia uma espécie de outras, situadas sob um mesmo gênero, designa-se por “diferença de espécie”. Definir será determinar um gênero a um conceito e acrescentar a diferença de espécie. 32 Os conceitos muito abstratos, postos para abarcar um número indiscriminado de sujeitos, podem ser dotados de compreensão mínima, aí se situando os conceitos indeterminados e de compreensão muito pobre, mas podem abranger também aqueles de compreensão mais rica, se amplamente determinados e mais concretos, e que são próprios das leis tributárias ou penais. (Nesse caso, ao mesmo tempo em que as notas mais ricas de caracterização dotam de sentido especificante o conceito, um menor número de indivíduos será por ele abrangido). O legislador, que olha para o futuro e estabelece as normas gerais ou universais, utiliza-se fartamente dessas modalidades de conceitos. Já o Poder Judiciário, em suas decisões, por derivação, extrai dos conceitos abstratos e gerais formulados pelo legislador conceitos específicos, dotados de compreensão máxima, porém de extensão mínima e individualizada, para alcançar apenas as partes em juízo. Na verdade, a teoria da separação de poderes está radicada nessa possibilidade e funciona exatamente assim. Somente um conceito geral abstrato se deixa definir, para isso, é necessário fixá-lo através de determinadas características. Se o conceito A possui as notas “a, b, c”, na investigação jurídica, somente se afirma o conceito A, se o conceito do fato contiver as mesmas características “a, b, c’’. Diz-se, então, que há subsunção. Para o conceito de classe vale a proposição lógica do terceiro excluído: “cada X é A ou não-A”. Tertium non datur. Não tem cabida aqui o mais ou menos, mas a relação de exclusão “ou um ... ou outro”. Porque, ou o conceito do objeto corresponde integralmente às características do conceito abstrato nele se subsumindo, ou não. Tertium non datur. Em lógica se pode 30 Cf. FRANCISCO LARROYO. Aristóteles, Tratados de Lógica, 5.ª ed., México, Porrúa, 1979, p. XLIII. Em ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1972. p. 152, lê-se: “... o conceito é para Aristóteles idêntico à substância, que é a estrutura necessária do ser, aquilo pelo qual todo ser não pode ser diferente do que é”. 31 Cf. KARL LARENZ. Metodologia da Ciência do direito. Trad. José de Sousa Brito e outro. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1978., pp. 13-14. 32 Cf. LARROY. Aristóteles ...op.cit., pp. 6-18; V. RODE, K. Begriffiche und… op.cit.. pp. 401-407. 11 expressar o fenômeno por meio das relações de intensão e extensão, que são biunívocas. O conceito, além disso, pode referir-se a todo tipo de objeto: abstrato, concreto, universal ou individual. Ele não se refere necessariamente a coisas reais, mas pode haver conceito de coisas inexistentes. Além disso, o conceito de classe é a soma de suas partes ou características. Assim, os conceitos da lógica, da matemática, da metafísica, da literatura de ficção, entre outros, são exemplos de conceitos (e não de tipos) referidos a coisas inexistentes, que não encontramos no mundo fenomenológico, disponíveis à experimentação (se tomarmos o conceito de “existência”, como fenomenologia, coisas que se dão no mundo, sujeitas ao tempo, ao nascimento e à morte e à lei da causalidade). No Direito, de longa data, conhecemos os conceitos normativos de ficção ou de presunção. Nesse contexto, em que se presume que a lei, estando repleta de conceitos gerais abstratos, mais ou menos determinados, dotados de concreções mais ou menos ricas, represente o objeto mentado na sua essência, a sentença, tendo realizado correta ou razoavelmente a subsunção, somente poderá identificar o mesmo objeto mentado pelo legislador, presente em uma série indefinida de casos concretos. Mesmo em futuro próximo ou distante. O conceito como essência das coisas não se ajusta bem às mutações de sentido, é estático. Enfim, a sentença cumprirá o papel de tão-somente repetir a norma legal aos casos de conflitos levados para dentro do sistema. Nesse mesmo contexto, o próprio Direito utilizará, com frequência, as ficções e as presunções iuris et de iure, que são conceitos de coisas (em especial as primeiras) sabidamente inexistentes, ou que podem não existir. Esse modelo essencialístico de categorização é realístico e objetivo, mas estático. 4.2. O modo de pensar os conceitos pela palavra/significado. Mas a forma de pensar os conceitos evoluiu. Assim, (a) paralelamente, os conceitos abstratos, em lugar de configurarem a essência das coisas, dela se divorciam, casando-se com o significado, pela palavra; (b) o modo de raciocinar por conceitos persiste mas passa a conviver com a ambiguidade e a obscuridade, perdendo a ingenuidade da univocidade. O conceito é transformado em significado, pela palavra. Surge então um segundo modelo de categorização, mais relativista e convencionalista, que pressupõe uma semântica estrutural. Então, a relação entre a decisão judicial e a lei como fonte, perderá o seu caráteringênuo com que era abordada. A teoria do conceito é complexa e sofreu longa evolução. Na concepção conceito-essência, acentua-se a função de revelar a essência das coisas e na concepção de conceito-signo-símbolo, mais se destaca o papel de instrumentalidade. 33 À primeira, concepção platônico-aristotélica e escolástica do conceito acima descrita, em que prevalecia a tese que o identificava à essência das coisas, opôs-se outra importante interpretação de sua natureza, que se inicia com os estoicos, identificando-o ao signo do objeto. Na concepção realista (platônico-aristotélica), o conceito é constitutivo ou essência do real, supondo-se a coincidência entre o conceito e a realidade, o quod quid erat esse de ARISTÓTELES. Assim como na visão de HEGEL, o conceito capta o 33 Cf. NICOLA ABBAGNANO. Dicionário...op.cit. pp. 153-155. 12 objeto de referência em sua essência, o que faz com que ele não possa ser diferente do que é. Já na concepção nominalista (estoica), o ponto crítico da transformação da noção de conceito foi bem resumido por QUINE quando disse: “significado é aquilo em que a essência se torna quando se divorcia do objeto de referência e se casa com a palavra”. 34 Em seu Tractatus Logico-Philosophicus, afirma WITTGENSTEIN: “O nome denota o objeto. O objeto é sua denotação” (aforismo 3.023). E ainda: “Só a proposição possui sentido; só em conexão com a proposição um nome tem denotação.” 35 Isso significa que à pergunta “qual a relação existente entre uma expressão referencial e seu referente?”, responde WITTGENSTEIN que os nomes não têm sentido; apenas na proposição representam o objeto. VILÉM FLUSSER 36 , para quem verdade e realidade são aspectos da língua e Ciência e Filosofia são pesquisas da língua, adota posição de complementaridade. Dentro dessa linha de concepção, a rigor, as categorias linguísticas é que criam a realidade. Também para MILL, os nomes – como ato de isolar um objeto – não têm sentido, apenas denotam, mas não conotam, não predicam nada a respeito do objeto, enfim, não o descrevem de algum modo. Coube a SEARLE esclarecer que o pensamento dos filósofos citados é possível a partir da distinção metafísica fundamental entre objetos e propriedades (ou aspectos dos objetos), de que deriva a cisão entre nomes (que são o objeto mesmo) e as descrições definidas (que são propriedades do 34 Cf. NICOLA ABBAGNANO. Dicionário...op.cit. pp.168. HUSSERL distingue, em conhecido texto (Investigações Lógicas, t.II. Revista de Ocidente, Madrid, 1929, p. 53), o signo ou expressão física, da significação ou conceito (pois palavras podem ser destituídas de sentido como abracadabra), do objeto transmitido pela significação (uma vez que há significações sem objeto: círculo quadrado) e da intuição sensível. CARLOS COSSIO, por sua vez, lembra que as formulações de HUSSERL já foram aplicadas ao Direito, com GARCÍA MAYNEZ (o qual, por sua vez, reproduz FRITZ SCHREIER), a saber: 1. o signo, que é o texto ou expressão escrita; 2. a significação, que vem a ser o expresso no texto; 3. o objeto mentado pela significação, ou seja, a norma. Mas não há intuição sensível que corresponda à significação. No entanto, para a teoria egológica, a significação já é a norma, o objeto da norma é a conduta intersubjetiva, havendo ainda, no Direito, uma intuição sensível dessa mesma conduta. Cf. CARLOS COSSIO. La Teoria Egolópgica Del Derecho y el Concepto Jurídico de Liberdad, 2ª. ed. Abeledo Perrot, Buenos Aires, 1964, pp.199 e segs. 35 Cf. LUDWIG WITTGENSTEIN. Tratactus Logico-Philosophicus, trad. José Arthur Giannotti. São Paulo. Ed. Universidade de São Paulo, 1968, pp.63-65. Nota: A elite intelectual européia, reunida no Círculo de Viena, a partir da década de trinta (século XX), tinha, entre seus próceres mais ilustres, RUDOLF CARNAP, JURT GÖDEL, WITTGENSTEIN e BERTRAND RUSSELL. Adotaram as idéias de EINSTEIN, investiam contra a “pretensa suficiência” das leis newtonianas, voltavam-se contra o idealismo alemão (FICHTE e HEGEL, sobretudo) e preconizavam o vigor lógico e a aplicação do método científico, próprio das ciências explicativas, à filosofia. Somente concebiam duas afirmações válidas: (a) as falsas ou verdadeiras aferidas pelo significado de seus temos e, portanto, tautológicas: “todos os triângulos têm três lados”; (b) as empíricas e possíveis de verificação, como “a água ferve à temperatura de 100ª Celsius” (Ver DAVID EDMONDS; JOHN EIDINOW. “Atiçador de Wittgenstein”. Trad. Pedro Jorgenstein Jr. Rio de Janeiro. Difel. 2003). As afirmações filosóficas válidas somente seriam aquelas aferíveis por meio de “verificação” científica, as demais, morais, religiosas, éticas ou retóricas não seriam válidas por não serem verificáveis empiricamente. Para a filosofia analítica, as afirmações matemáticas são válidas, mas são tautológicas, ou seja, nada dizem do mundo real, são apenas relações lógicas entre enunciados e equações. Demonstrada a fragilidade do método empírico e da indução, cresce a oposição ao “Círculo” com KARL POPPER, que substituiu o princípio da verificação pelo da falseabilidade em sua “Lógica da Pesquisa Científica” (1934). 36 Cf. VILÉM FLUSSER. Língua e Realidade. 3ª ed. São Paulo. Annablume. 2007. 13 objeto). Soube SEARLE extrair daí a distinção entre denotar (referir o objeto), e conotar (dar ou extrair o sentido completo, as propriedades essenciais do objeto). 37 Assim, a Lingüística e a Filosofia da Linguagem ensinam que os signos gráficos são entidades físicas, às quais associamos significações. Essas significações, que vão possibilitar mentar o objeto, a norma, são extraídas não apenas do texto legal em sua estrutura interna, mas também do contexto maior em que se insere a proposição jurídica, inclusive as circunstâncias históricas e sociológicas em que o texto foi produzido e no qual ele é colhido pelo intérprete. Sem se alterarem os signos e suas significações tópicas, presentes em um único enunciado linguístico da lei, altera-se profundamente o sentido, a norma, uma vez feitas as associações no contexto normativo e no meio histórico em que se insere. O objeto jurídico – a norma – é construído hic et nunc 38 . Na visão clássica derivada de ARISTÓTELES, a concepção em categorias, classes e espécies, pressupõe que as categorias existam na realidade. O significado da palavra é a representação da coisa em suas propriedades essenciais, categoria na qual a realidade é subdividida. As categorias linguísticas reproduzem a estrutura do real. Por isso o modelo essencialístico foi denominado por GLAZEL de modelo objetivo e realístico. Em contraposição, advém o modelo conceitual da estruturação da categoria no pressuposto de que a realidade, não sendo por si, estruturada, será ordenada pela estruturação linguística. “Nesse caso, os nomes constituem, arbitrariamente e por convenção, as categorias que venham projetadas no continuum da experiência. O significado da palavra é concebido como um valor puramente formal e diferencial, determinado internamente pelo sistema semântico, constituído pela língua; toda língua, pois, projeta sobre a realidade extralinguística, a própria estrutura categorial. Nessa perspectiva, é a realidade que toma a forma da categoria linguística: são as categorias linguísticas que impõem a própria estrutura à realidade e que, pois, dão forma à realidade... esse é pois um modelo relativístico e convencionalístico.” 39 Apesar dessa diferença forte, não obstante, como relata GLAZEL, apresentam tais teorias do método conceitual (essencialístico ou de semântica estrutural) cinco pontos comuns: (a) ambas são teorias de pensamento abstrato e desencorpado, pois independem da interação dos sujeitos com a realidade; (b) pressupõem uma correspondênciadireta entre significados léxicos e categorias, assim a semântica e a categorização coincidirão; (c) elas concebem os significados e as categorias como elementos fixos de uma estrutura (estrutura da realidade para a corrente essencialista e estrutura da linguística no modelo estrutural); (d) ambas pretendem poder determinar o significado da palavra e o pertencimento a certa classe ou categoria por meio da individualização dos conjuntos de condições necessárias e suficientes; (e) ambas se baseiam em uma concepção lógico formal da categoria.... “uma categoria concebida 37 SEARLE, J. Actes de Langage. Trad. Hélène Pouchard. Paris. Hermann, 1972. 38 Trabalhando, desde seus primeiros escritos, na mesma direção de COSSIO, ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, com rigor científico, que é redundante falarmos em normas implícitas, “posto que essas entidades estão necessariamente na implicitude dos textos, não podendo haver, por conseguinte, ‘normas explícitas’’’. Fundamentos jurídicos da Incidência Tributária,USP, 1966, inédito, p. 27. 39 Cf. GLAZEL, Passerini, op. cit. p. 80. 14 como uma extensão nitidamente delimitada dos elementos entre si... extensão que corresponde diretamente a uma intensão claramente definida.” 40 O conjunto dos traços essenciais de um conceito constitui o total das notas ou condições necessárias (singularmente) e suficientes, bastantes no todo (em sua extensão), em relação biunívoca. Ou o objeto mentado/significado corresponde em intensidade e extensão às notas do conceito, ou não. Tertium non datur. Os princípios da não contradição e do terceiro excluído são vitais em tais modelos teóricos. O que se mostra similar, tanto na teoria essencialística dos conceitos como naquela do significado/sentido estrutural, é que, em ambas, os elementos componentes formam condições necessárias e suficientes. Quem supõe, pois, que a ambiguidade, a obscuridade, a mutação de sentido e a abstração converteriam os conceitos em tipos abertos, equivoca-se. Igualmente a aquisição dos sofisticados conceitos da Linguística ou da Filosofia da Linguagem, que trouxeram a significação da palavra para o centro do palco, conferindo dinamicidade e dialogicidade aos conceitos, em oposição ao estático método conceitual clássico, forjado na representação da essência das coisas, não configuram justificação para adoção dos tipos abertos. A metodologia empregada por ambas teorias é muito similar, como argumentou GLAZEL e não leva aos modos de pensar por tipos abertos. Forte na própria essência da coisa, representada nos conceitos (primeira versão clássica) ou forte na estrutura linguística que modela a realidade (segunda versão dinâmica, assentada no significado dos conceitos), a teoria dos conceitos – em sua dupla versão - é uma metodologia que se sujeita aos princípios da não contradição e do terceiro excluído, onde quer que se busquem precisão e segurança. Veremos que a regra de competência somente deve ser suportada por essa metodologia – a dos conceitos. Aqueles juristas, afeitos aos conceitos como essência das coisas, terão apenas a dificuldade de explicar as mutações. Mas aqueles afeitos aos conceitos, casados com o significado, estarão presos à estrutura semântica e linguística utilizadas pela Constituição. Conceitos e estruturas linguísticas, utilizados pela Constituição, é que criam a realidade e não podem ser, arbitrariamente, modificados pelo intérprete. 4.3. Os tipos abertos, como método de ordenação do pensamento. Coube a ERICH HEYDE 41 , em publicação de 1941, elaborar a melhor contribuição ao conhecimento da história dos diversos significados da palavra tipo e, sobretudo, explicar o uso atual do termo na acepção que lhe vem emprestando a Metodologia moderna. A forma latina typus adveio da correspondente palavra grega. Originariamente, na acepção grega, tem o sentido de impressão de uma forma, forma oca, relevo, impressão, batida, cunhagem. Também passa a significar estátua, imagem, esboço, aparência, forma. 42 Tem, inicialmente, dois sentidos próprios e pacíficos: 40 Cf. GLAZEL, Passerini, op. cit. p. 78. 41 V. “Ein Beitrag zur Bedeutungsgeschichte des Wortes Typus” in Forschungen und Fortschritte, 19/20: 220-223, jul., 1941. 42 Cf. JOHS. ERICH HEYDE, ob. e loc. cits. 15 • de cópia, contorno ou molde determinante da forma de uma série de objetos que dele derivam. A cunhagem de moedas ou o selo e sua impressão exprimem a ideia de um tipo em correlação com a ideia de seus exemplares ou empregos; 43 • de exemplo ou modelo, em acepção mais valorativa, derivando para protótipo ou arquétipo. As duas acepções acima, jamais se perderam, até os dias de hoje. Ou dizem respeito à cópia ou forma de objetos semelhantes que se repetem em série, ou a modelo, protótipo ou arquétipo. O termo adquire outras conotações em PLATÃO, ARISTÓTELES ou THEOPHRAST sem que atinja a riqueza de teor atual. PLATÃO emprega a palavra tÚpoj no sentido de uma representação esquemática ou essência de uma coisa. 44 Com sua recepção no vocabulário latino, CÍCERO E PLINIUS o utilizam como figura ou imagem. Os dicionários franceses do século XVIII registram a palavra type com o sentido de modelo, totalidade da forma, modelo para coisas, totalidade da forma básica, natureza, espécie nas coisas etc. 45 Também a literatura médico-psicológica dos franceses dos séculos XVIII e XIX, em HALLÉ (1797), CABANIS (1802), THOMAS DE TROISVÈVRE (1821) e ROSTAN (1826), usa o termo type no sentido de forma básica (tipo torácico ou respiratório, muscular, abdominal ou digestivo, etc.), sentido esse que tem aplicação até hoje na pesquisa psicológico-caracterológica. 46 Não obstante, alerta HEYDE, quem quiser encontrar as origens do atual conceito de tipo das Ciências humanas, sobretudo na Alemanha, como ordenação do conhecimento que guarda a possibilidade de transições fluidas e ininterruptas, não deve voltar à mesma raiz, mas buscá-las nas Ciências naturais especialmente na Zoologia e Botânica. Nesse campo do conhecimento, passou-se da rígida distinção entre si das espécies ou gêneros animais ou vegetais (por exemplo, em CUVIER, LINNÉ) baseada no pensamento conceitual aristotélico, à questão cada vez mais debatida (por exemplo, em DECANDOLLE) sobre a relação das variedades, tipos ou espécies (Abarten), até que se buscou um “sistema natural”, com transições graduais entre os tipos isolados. 47 43 Cf. A. LALANDE, Vocabulaire de la Philosophie, PUF, Paris, 1951, p. 1.155. 39. Cf. JOHS. ERICH HEYDE, ob. cit., p. 220. 45 Observa HEYDE que, embora a Medicina, em aquisição unilateral da língua grega, se utilizasse da palavra typus para designar conjunto de febres e doenças semelhantes, o latim eclesiástico posterior foi importante na fixação do termo como componente da língua latina. Foi decisivo para o desdobramento de sentido da palavra, a introdução gradual da forma latina typus nas línguas romanas, especialmente no francês (type ou tipe). Apesar de o primeiro aparecimento, em língua francesa, datar do ano de 1327, apenas no século XVII o uso da palavra é registrado com maior freqüência, generalizando-se a partir do século XVIII. No século XVIII, a palavra type ainda significava Uhr (inicial, primeiro) ou “forma básica”. Nesse sentido, aliás, a teoria dos tipos orgânicos de Geoffroy Saint-Hilaire e sucessores, segundo a qual os seres vivos são construídos segundo um plano único ou um pequeno número de planos. Afirma ainda Heyde que, com essa mesma conotação, a palavra é introduzida, nesse período, na língua alemã. Kant fala, mesmo ocasionalmente, na “Kritik der praktischen Vernunft”, a propósito da “typik der reinen praktischen Vernunft”(tipologia da razão prática pura), ou do tipo da lei natural ou leis da liberdade e semelhantes, a que Mellin se refere em seus dicionários. Cf. ob. cit., p. 222. 46 Sobre o conceito de tipo atual nesse campo, fala Willwoll: “O conceito de tipo desempenha importante papel em quase todos os domínios particulares da psicologia, especialmente na caracterologia, pois permite operar diferenciações melhores e mais próximas da realidade, entre homem e homem, entre grupo e grupo, do que o permitem as noções de gênero e espécie, dotadas de rigor lógico, mas também de rigidez”. V. Walter Brugger, Dicionário de Filosofia, trad. Antônio Pinto de Carvalho, S. Paulo. Herder, 1962, p. 523. 42 .V. ob. e loc. cits. 16 Resultou, então, que os tipos, em comparação com sua forma de transição mais ou menos próxima, mais imperfeita, surgiriam como formas plenas, nas quais a essência da espécie ou do gênero aparece como forma exemplar. No curso desse pensamento comparativo, certos representantes especiais foram considerados como formações plenas de um tipo-padrão. A tulipa, por exemplo, como representante das monocotiledôneas. 48 A admissão de transições contínuas e ininterruptas entre as espécies e a relação com formas comparativas menos “marcantes” penetravam cada vez mais no significado da palavra tipo e, já na metade do século XIX, em Botânica, torna- se reconhecido esse sentido da palavra. Não deixam de ser uma derivação do segundo sentido de tipo, como modelo ou exemplo, herdado desde os gregos. Observe-se que os protótipos, em psicologia, muito depois, vão marcar essa forma de ordenar o pensamento, a exemplo dos trabalhos dos norte-americanos, como ELEANOR ROSCH, ao retomar os estudos antropológicos de BERLIN e PAUL KAY. Dá notícia aprofundada da teoria dos protótipos, GLAZEL em sua Forza Normativa del Tipo 49 . Não obstante, ensina ainda HEYDE, no campo das Ciências humanas, não se utilizava o termo, à mesma época, nessa acepção. Foi graças aos estudos de Lógica que, posteriormente, foi empregada a palavra tipo como alternativa ao tradicional conceito de classe e espécie, ao qual se opõe. HEYDE atribui ao prestígio que JOHN STUART MILL desfrutou nos meios intelectuais alemães, a disseminação do uso do termo tipo, nas Ciências humanas, no sentido que a Lógica moderna lhe confere. É que, em 1893, em seu “Sistema de lógica dedutiva e indutiva”, MILL criticou o novo conceito de tipo, e, com isso, involuntariamente, impulsinou a discussão que, então, se instalou na Lógica. A partir daí, SIGWART, LOTZE, WUNDT, B. ERDMANN e outros tratam do tipo em seus escritos de Lógica; MENGER, JELLINEK e MAX WEBER abordam o tema em Economia; igualmente, a Psicologia se apodera do conceito – de que são exemplos os tipos psicológicos de JUNG – e, finalmente, a História passa a discuti-lo. Em resumo, HEYDE conclui que, hoje, a palavra tipo é usada no sentido geral de forma básica (Grundform) ou essência, tanto na acepção mais específica de “plano de construção”, como, por outro lado, no significado mais lato de forma plena como padrão. 50 Percebe-se, pois, que o sentido originário da palavra, como forma básica, molde ou modelo, nunca se perdeu. Com a incorporação da palavra grega no léxico latino e a sedimentação de seu uso pelo Latim eclesiástico, foram-lhe acrescentando novas conotações. As concepções teológicas da Idade Média e a importante teoria platônica das idéias como modelos (tipos) das coisas, como existiu no neoplatonismo, reforçaram o uso do termo como modelo ou padrão. 51 Não obstante, o tipo, como forma de ordenação lógica do conhecimento que admitia, por comparação, as transições fluidas e contínuas, somente se firma no século XIX, no campo das Ciências naturais e se instala, já no século XX, no domínio das Ciências sociais. Em última análise, porém, há pontos comuns entre os significados da 43. Ob. e loc. cits. 49 Cf. GLAZEL, Pa 50 V. ob. e loc. cits., p. 223. 51 De acordo com Heyde, o pensamento teológico, segundo o qual determinadas pessoas, negócios ou acontecimentos do Velho Testamento correspondem, no Novo Testamento, a Cristo e seu destino, desempenhou importante papel. Dicionários dos séculos XVI a XVIII, especialmente Forcellini, registram o uso da palavra archetypus em Tertuliano, Ambrósio e Irineu (v. Heyde, ob. e loc. cits.). 17 palavra, embora enriquecidos por vertentes diferentes. É que a constatação das transições fluidas e ininterruptas da realidade recrudesceu o sentido de tipo como modelo, padrão ou forma plena, do qual as diferentes variedades entre as espécies são, por comparação, o preenchimento mais ou menos imperfeito de suas características. Nessa linha de raciocínio, tanto o tipo representativo da espécie, como o tipo médio ou frequente, o tipo ideal weberiano, o tipo ideal normativo e o total ou pleno, embora conceitualmente distintos entre si, pressupõem, exatamente, a diversidade entre fatos humanos reais (que se dão no mundo) e a impossibilidade de sua redução, sem mais, ao princípio da identidade. Na ideia de tipo, subjaz a noção daquilo que é comum ou semelhante a vários seres distintos e, por isso, repetitivo. Como se vê, é enorme a literatura, no campo das Ciências sociais, sobre tipo. Na Biologia, na Psicologia, na Filosofia, na História, na Metodologia e no Direito, a palavra tipo tornou-se moda já na primeira metade do século XX, podendo-se dizer que pouquíssimos termos técnicos gozaram de tamanha popularidade. E, a partir de então, como todo modismo, cresceu e se expandiu, a ponto de causar incômodo em certos ramos do conhecimento humano. Ambigüidade, polissemia e sentidos contraditórios são fenômenos que LEENEN denomina de “o mal-estar na tipológica”. 52 Enumerar todos os usos que da palavra são feitos ou os diversos matizes de sentido que lhe vem emprestando a literatura é tarefa, para nós, impossível 53 , e infrutífera. Tipo e seus derivados, típico, tipificador, tipificante, tipificar, tipológica e tipologia são empregados em campos distintos e, via de regra, com notável imprecisão de sentido. Sendo assim, para os objetivos desse pequeno artigo, interessa destacar tão- somente alguns significados que o termo adquiriu dentro das Ciências sociais os quais, em maior ou menor grau, são comuns à Ciência ou à Metodologia Jurídica. No início do século XX, GEORGE JELLINEK observava que o mesmo indivíduo jamais se repete na imensa variedade das individualidades humanas. O tipo se ajustaria às peculiaridades das Ciências sociais porque, embora não se pudesse falar em identidade junto aos elementos individuais, existiriam caracteres comuns, semelhanças e analogias. Propunha, então, as modalidades básicas de tipo empírico e de tipo ideal como instrumento de análise em sua Teoria Geral do Estado. 54 Pois bem, essas observações de JELLINEK são pontos nucleares dos quais partem distintos significados e usos de tipo. A constatação da realidade e o contato com a vida, como quer KARL ENGISCH, 55 confirmando a extrema variedade entre os indivíduos, em diversos graus de intensidade, assim como suas semelhanças analógicas, exigiram a busca de uma forma de pensamento que, em Filosofia, representou a libertação das “botas espanholas 52V. Typus und Rechtsfindung, Berlin, Duncker & Humblot, 1971, p. 17. 53 De relevância, a leitura da revista Studium Generale que dedicou dois números ao conceito de Tipo (v. Cadernos IV e V, anos 1951 e 1952), assim como a obra de Karl Engisch: La Idea de Concreción en el Derecho y en La Ciencia Jurídica Actuares, trad. Juan José Gil Cremades, Pamplona, Ed. Universidad de Navarra, 1968, 542 ps. 54 “En los fenómenos de orden natural, el interés que prevalece para el científico es el de los elementos idénticos; pero en losfenómenos sociales no existe lo idéntico, sino lo análogo”. Cf. Teoría General del Estado, trad. Fernando de Los Ríos, Buenos Aires, Albatrós, 1954, p. 22. Já observamos que a constatação de Jellinek, válida para as Ciências sociais, o foi também para a Zoologia e Botânica, desde o século XVIII (v. tópico anterior). Observou-se que, no mundo da natureza, as espécies são de infinita variedade, formando um “sistema natural” de transições graduais e fluidas de uma a outra, então designadas por tipo. 55 V. ob. cit., p. 422. 18 da confusa lógica escolástica de conceitos de classe”, 56 ou seja, a forma de pensamento do tipo 57 . Finalmente, é de se ressaltar o importante caminho trilhado pelo tipo, como forma de ordenação do conhecimento diversa da Lógica conceitual e classificatória (tanto a essencialística, como a estrutural de bases linguísticas). Na lógica tipológica, impera a lex continui, à qual se adequam os tipos, como ordens ajustadas à variabilidade e transição lenta de uma a outra espécie. Parece ter sido ERDMANN o primeiro que, explicitamente, usou o termo tipo para designar espécies que estão em relação fluida. 58 Segundo HEYDE, no século XVIII, em Zoologia e Botânica, o tipo já se tinha firmado com o significado de uma ordem que, por comparação, admitia as formas mistas e as transições de uma espécie a outra. A partir do início desse século, igualmente, trabalhos de Lógica começam a multiplicar-se, tecendo considerações semelhantes. 59 Em geral, aborda-se a oposição entre o conceito tradicional de classe e o de tipo. Enquanto o conceito classificatório é seletivo e rígido, excluindo ou incluindo o objeto que, de acordo com suas propriedades, pertença ou não ao conjunto, o tipo é um conjunto não delimitado, fluido que não trabalha com a relação de exclusão “ou ... ou” mais, sim, com um comparativo “até um certo grau” ou “mais ou menos”. 56 Cf. Johs Erich Heyde, “Typus. Ein Beitrag zur Typologik”, Studium Generale, IV-7:235-240, ag., 1951. 57 O tipo freqüente ou empírico de G. JELLINEK é obtido por abstração das notas comuns que a maioria dos casos singulares oferece (op. cit. p. 25). Igualmente, tipo médio ou frequente, de que nos fala RICKERT ou WEBER, representa uma construção que leva em conta a média das diferenças de grau entre ações qualitativamente semelhantes em seu sentido (ver MAX WEBER, Economia y Sociedad, assim como ENGISCH, op. cit., p. 420. No tipo médio e no frequente sempre se pressupõe que, realmente, objetos com notas típicas se apresentaram, embora em diferentes graus de intensidade. O tipo representativo designa a espécie mais expressiva dentro da série, ou aquela que contém com especial intensidade as notas típicas, permanecendo ligado à concretude, pois não é imaginado, mas obtido a partir da realidade. Como exemplifica HEYDE, a tulipa pode ser considerada a representante das monocotiledôneas (cf. Ein Beitrag, op. cit), conceito muito similar aos protótipos de ROSCH, referidos acima. O tipo pode ser utilizado, pois, como protótipo, essência, forma básica, ou construção saturada de realidade. É plano, ou ordenação que serve de base para a edificação do organismo (também genótipo e fenótipo). Para ARTHUR KAUFMANN não é um universal ante ou post rem, mas in re. As relações entre o tipo e a realidade são evidentes, sendo tipológico o pensamento a partir da “natureza da coisa” (op. cit. p. 94). O tipo total, ou o tipo como imagem total, é um conceito fundamental. Para LEENEN, por exemplo, é o que efetiva e definitivamente caracteriza o pensamento tipológico (cf. op. cit. p. 24). Também KARL ENGISCH e LARENZ realçam o tipo como totalidade, uma conexão de notas, partes ou funções em relação recíproca (ENGISCH, op. cit. p. 430 e LARENZ, Methodenlehre... op. cit. p. 445. O tipo como forma ou imagem total vincula-se à intuição, necessariamente, razão pela qual tipo e intuição, tipo e totalidade são conceitos que se complementam. JELLINEK utilizou o tipo ideal, no sentido normativo, como um dever ser e, ao mesmo tempo, como critério valorativo do dado. PETERS e RICKERT também o mencionam como modelo (por exemplo: o juiz ideal, o comerciante modelo). Observe-se que, com relação à validez do tipo ideal propriamente dito, é secundário se já se realizou ou se há de se realizar, acentuando-se, pois, seu caráter fictício. MAX WEBER, entretanto, emprega a expressão tipo ideal em sentido distinto, que não é normativo, mas lógico (op. cit. p. 17). O tipo ideal weberiano é ideal no sentido lógico, porque não quer ser uma diretriz ou norma; nele se acentua, artificialmente, a peculiaridade do fenômeno, tornando-se útil ao conhecimento das formas mistas ou menos puras encontráveis na realidade. 57 58 V. “Theorie der Typeneinteilungen”, Philosophie Monatshefte XXX, 1894, p. 15, apud Karl Engisch, ob. cit., p. 422. 59 V. Engisch (ob. cit., p. 423) que enumera, além dos autores já citados: E. Husserl, Logische Untersuchungen II, 1, p. 87 e ss.; Höfler, Logik, 2.ª ed., 1922, p. 135, n. 2; a importante obra de Carl Hempel e Paul Oppenheim, Der Typusbegriff im Lichte der neuen Logik, 1936; E. Seiterich, Die logische Struktur des Typusbegriffs bei W. Stern, E. Sprenger und M. Weber, Tesis en la Universidad de Friburgo, 1930. 19 Pergunta-se: o que há de comum por detrás dessa multiplicidade de sentidos e usos da palavra tipo? 4.4. Os pontos comuns às diversas acepções de tipo. Ainda se deve observar o que há de comum por detrás desses distintos significados e usos de tipo que acabamos de citar. É que as apreciações que guardam são mais próximas do concreto, da realidade, sobretudo se comparadas ao conceito geral abstrato. O que há de comum oscila sempre entre aqueles três núcleos de sentido já apontados: cópia ou forma básica de repetição de fenômenos semelhantes, parecidos, que se dão na realidade – daí as aproximações que o tipo guarda com o concreto, em grau maior de intensidade, se comparado ao conceito geral abstrato; modelo ou padrão não reprodutivo da realidade, mas uma valoração dotada de sentido, o que se dá, em especial, no tipo ideal normativo, o qual, embora não construído arbitrariamente, passa a ser um fim ou uma diretriz, não encontrável, porém, em sua pureza, na realidade; forma total ou íntegra, somente compreensível a partir da percepção de sua totalidade. Originário das Ciências naturais, o tipo, como visto, tornou-se uma ordem, contraposta ao conceito de classe (e sua alternativa), um conjunto não rígido e delimitado, adequado a apanhar a realidade, onde os objetos estão em relação comparativa, fluida e contínua. Uma generalização, uma abstração. O tipo, entretanto, é concebido como uma ordem mais próxima da especificidade do que o tradicional conceito classificatório. Essa “aproximação” com a realidade, no plano material, leva à ideia de tipo descritivo, que dá passagem à intuição, à totalização, à percepção imediata. Até mesmo o tipo ideal (que se afasta da realidade na medida em que sublima determinados elementos reais) nasce do contato com a realidade empírica, pois não se concebe arbitrariamente. Deriva ainda para aquele conjunto não finito de objetos e, em Lógica, para a ordem contínua e fluida, cujas características não são rígidas ou limitadas e, na qual, não se pode subsumir o objeto correspondente, mas apenas ordená-lo. 5. O caráter transformacional do Direito e a realidade criada pela linguagem jurídica. Como anotou CARNELUTTI 60 , o direito tem caráter transformacional. Certos campos podem conter relações jurídicas, que nascem, espontaneamente, de forma direta, do tráfego social, graças à autonomia da vontade. É o caso do direito comercial ou civil. Novos contratos surgem, no dia a dia, atípicos ou de forma mista, que acabam por se impor à tipologia legal (Shopping Center,Leasing, etc.). Outros ramos, como o direito penal e o tributário, transformam ou têm como base outras relações jurídicas. São ramos jurídicos, não raramente, de superposição sobre outros. Muitos dos delitos existentes (furto, roubo, esbulho, bigamia) pressupõem vínculos regrados pelo direito civil, em especial o direito de propriedade. Uma das causas excludentes da antijuridicidade do delito é exatamente o exercício regular do Direito, que não se conhece dentro do próprio 60 Cf. CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Trad. A. Rodrigues Queiró e outro. São Paulo, Saraiva, 1942, p. 485. No mesmo sentido. A.A. BECKER. Teoria Geral do Direito Tributário. 2ª. Ed. São Paulo, Saraiva. 1972. 20 direito penal, mas decorre de todos os outros ramos, ou da totalidade do sistema. Também o direito tributário atua, em muitos casos, sobre fatos já juridicizados pelo direito civil, comercial, do trabalho, etc. Parece-nos, pois, inadequado, propor interpretar as regras de competência tributária por meio do modo de raciocinar por tipos, desprezando-se os conceitos e os institutos do direito privado utilizados pela Constituição, como se fez na fundamentação da decisão da Corte Suprema no RE 651.703/PR. Nela, foi considerado irrelevante estarem a prestação de serviços e o contrato de seguro expressamente regulados no Código Civil. Nega-se o caráter transformacional do Direito. Além disso, o significado dos conceitos utilizados pela Constituição (mesmo quando são abertos, indeterminados ou abstratos) supõe a construção da realidade jurídica por meio da estrutura linguística. Como já assinalamos, anteriormente, a metodologia empregada pela teoria dos conceitos, em qualquer de suas versões, é muito similar, como argumentou GLAZEL e não leva ao modo de pensar por tipos abertos. Forte na própria essência da coisa, representada nos conceitos (na primeira versão clássica) ou forte na estrutura linguística que modela a realidade (segunda versão dinâmica, assentada no significado dos conceitos), a teoria dos conceitos – em sua dupla versão - é uma metodologia que se sujeita aos princípios da não contradição e do terceiro excluído, onde quer que se busquem precisão e segurança. Assim sendo, repetimos, a regra de competência somente deve ser suportada por essa metodologia – a dos conceitos. Aqueles juristas, afeitos aos conceitos como essência das coisas, terão apenas a dificuldade de explicar as mutações. Mas aqueles afeitos aos conceitos, casados com o significado, estarão presos à estrutura semântica e linguística utilizadas pela Constituição. Conceitos e estruturas linguísticas, utilizados pela Constituição, é que criam a realidade e não podem ser, arbitrariamente, modificados pelo intérprete. 6. O sistema aberto e os conceitos abertos, abstratos, obscuros e indeterminados. O caminho metodológico distintivo. Constatar-se a existência de conceitos abertos, abstratos, obscuros ou indeterminados não leva necessariamente ao modo de raciocinar por tipos. Acresce ainda que a busca da natureza da coisa, dos tipos sociais, por detrás dos conceitos (como no modelo de KAUFMANN), ou das coisas fluidas da vida (como em HASSEMER), ultrapassa os limites da forma, da seleção e da diferenciação com que o sistema jurídico demarca o seu ambiente interno, para simplificar e possibilitar a vida. É evidente que, em todo sistema, não será possível cobrir todo o mundo real. O buraco do real é algo inerente até mesmo à matemática, como tão bem ensina o teorema de GÖDEL. Pretender, por causa disso, superar o papel do legislador e anular o pensamento conceitual é absolutamente inútil. Para preencher a lacuna em certas áreas do Direito, onde proliferam os tipos propriamente ditos, o sistema autoriza o preenchimento da lacuna pelo juiz e/ou a validação de novos tipos, transitivos e fluidos (o mundo das obrigações contratuais e dos negócios jurídicos). Em outras áreas, não obstante, o preenchimento das lacunas pelo juiz e o pensamento tipológico de validação das novas formas fluidas e transitivas são vedados, como ocorre no direito penal e tributário. Esse o mundo dos conceitos, da lógica do terceiro excluído ou...ou. Ao perder os limites, o sistema se projeta no ambiente externo, econômico, social e político altamente complexo da realidade. A questão é sensível, pois não podem 21 ficar perdidas as funções insubstituíveis que o sistema jurídico deve cumprir, de garantir as expectativas normativas de conduta e de solucionar conflitos. Por isso, para nós, não tem maior utilidade, nem é nosso objetivo demonstrar que, logicamente, tipo é ainda um conceito. Parece-nos que o modo de pensar por conceitos e o modo de pensar por tipos são metodologias muito diferentes. O que importa é que (conceito ou não), tipo é o nome que se dá à ordem que, comparativamente, ordena objetos, segundo características nem rígidas, nem fixas, em sistema graduável, voltado à realidade de valor e de sentido. Portanto, convém deixar claro que, como nossos juízos a respeito das coisas são conceitos (em toda modalidade possível, gerais, específicos, individuais, abstratos, concretos, determinados, indeterminados, obscuros), o tipo é ainda um conceito, mas não individual; o tipo é uma abstração, há de colher não o indivíduo isolado, em sua ininteligível concretude, mas o que há de comum ou repetitivo em um grupo, selecionando as características relevantes, segundo o ponto de vista normativo; o tipo, ao ser valorado pelo Direito, seleciona e corta também a realidade como o conceito, mas de modo muito mais determinado e especificado, de tal forma que a sua proximidade à realidade, abertura, flexibilidade e graduação de notas características decorrem do sistema jurídico e não diretamente da complexa e promíscua realidade social que o inspira (tipo real/social); não se confunde com princípio indeterminado (pobre de conteúdo e de proximidade à realidade); nem tampouco com cláusula geral (vaga e fluida em notas e características); nem com conceitos obscuros (também carentes de conteúdo significativo); o tipo distingue-se do conceito amplamente determinado (que também é rico em notas e características), não do ponto de vista da proximidade à realidade, mas do ponto de vista de sua flexibilidade, graduação e combinação variável de notas e características, enfim de sua abertura à realidade. LEENEN oferece o melhor caminho metodológico para distinguir o pensamento conceitual da lógica binária ou...ou do pensamento tipológico. Trata-se de indagar se as características usadas na determinação são necessárias e suficientes para delimitar o conteúdo do pensamento de outros conteúdos. 61 Assim, quanto mais irrenunciável e necessária se torna uma característica, mais perto estamos do conceito fechado. Se, ao contrário, as características são renunciáveis e graduáveis, falamos de tipo. Esse deve ser o critério distintivo. Em certos ramos jurídicos, a norma delimita espécies, atribuindo consequências jurídicas diferentes a cada uma delas. O intérprete não pode, indiferentemente, graduar ou admitir transições fluidas e contínuas de uma espécie a outra. Há, via de consequência, esforço na Ciência Jurídica, no sentido de conceituar, por meio de poucas notas fixas, rígidas e irrenunciáveis, cada uma dessas espécies. Foi o que percebeu RADBRUCH, já em 1936, a propósito do Direito Penal. 62 Aí, não é dado ao juiz, diante de uma situação vital, rica em detalhes e fluida em seus contornos, 61 Cf. ob. cit., pp. 53-54. 62 Cf. ob. cit. 22 concluir que se trata mais de um furto do que de um roubo, embora seja em parte apropriação indébita... O relacional não pode ser mais ou menos, mas deve ser o excludente ou...
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