Prévia do material em texto
0 ESCOLA SUPERIOR BATISTA DA AMAZONAS – ESBAM A ATRIBUIÇÃO INVESTIGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESFERA CRIMINAL MARCOS ANTONIO DA SILVA MANAUS 2013 1 MARCOS ANTONIO DA SILVA A ATRIBUIÇÃO INVESTIGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESFERA CRIMINAL MANAUS 2013 Monografia desenvolvida como exigência da Disciplina de Orientação Monográfica II e requisito para obtenção do grau de Bacharelado do Curso de Direito da Faculdade de Direito da Escola Superior Batista do Amazonas – ESBAM. Orientador: Prof. MSc. Dillings Barbosa Maquiné 2 FICHA CATALOGRÁFICA Bibliotecária Responsável: Sônia Maria Monteiro Rodrigues – CRB/11ª – 366 Silva, Marcos Antônio S586a A atribuição investigativa do Ministério Público na esfera criminal / Marcos Antônio Silva. -- Manaus: [s.n.], 2013. 63p. Monografia (Graduação em Direito) – Escola Superior Batista do Amazonas (ESBAM). Orientador: Prof. MSc. Dillings Barbosa Maquiné 1. Brasil – Ministério Público 2. Investigação criminal – Brasil 3. Ministério Público – Legislação – Brasil 3. Polícia judiciária - Brasil. Título CDD – 345.81053 ESCOLA SUPERIOR BATISTA DO AMAZONAS _____________________________________________________________________ TERMO DE APROVAÇÃO Esta Monografia, que tem como título: “A ATRIBUIÇÃO INVESTIGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESFERA CRIMINAL” se submeteu a Defesa Pública, sob a sujeição da banca examinadora, como parte dos requisitos à obtenção do título de graduação do Curso de Bacharel em Direito. AUTOR Marcos Antonio da Silva Monografia aprovada em 24/06/2013. ____________________________________________ Prof. MSc. Dillings Barbosa Maquiné Orientador ____________________________________________ Prof. Ivo Henrique Moreira Primeiro Examinador ____________________________________________ Prof. Fabrício Catunda da Silva Segundo Examinador 4 Aos meus pais, à minha esposa e à minha dádiva divina meu filho Gabriel, a quem tanto os amo, e não poderia deixar de retribuí-los neste momento de graça e glória, pois sempre estiveram presentes durante esse longo qüinqüênio de construção de amizades, esforços e dedicação aos estudos, onde nos momentos de fraqueza sentia-me fortalecido e estimulado em seguir em frente, e o maravilhoso é que conseguimos vencer mais uma etapa em nossas vidas, nunca esquecerei que minha família sempre acreditou no meu potencial. 5 AGRADECIMENTOS Agradeço ao Senhor Deus Todo Poderoso e Misericordioso pelo conhecimento e sabedoria, pois sem essa dádiva divina não poderia ser vitorioso. Agradeço aos meus pais, pois estiveram comigo nos momentos de tristeza e de alegria, incentivando-me e apoiando-me a concretizar meus ideais. Agradeço à minha esposa e ao meu filho pela compreensão e paciência do tempo em que estive ausente e abdicado de momentos com eles para que esse trabalho pudesse adquirir esse formato. Um agradecimento todo especial meu orientador Prof. MSc. Dillings Maquiné, uma pessoa com tamanha sabedoria, muito paciente e amiga, pois suas críticas sempre foram construtivas e em momento algum desmereceu seu orientando ou seu trabalho, pois é um grande incentivador. Meu muito obrigado ao Mestre Maquiné, valeu por tudo que o senhor proporcionou para que esse trabalho rumasse no caminho do conhecimento e da sabedoria. Agradeço a esta instituição de ensino superior que me oportunizou o curso de graduação ora cursado, e a todos os seus funcionários que colaboraram de qualquer forma. E agradeço a todas as pessoas que de forma direta ou indireta contribuíram para o meu sucesso. 6 RESUMO O presente trabalho tem por escopo demonstrar a legitimidade da investigação criminal pelo Ministério Público, demonstrando os amparos constitucionais e infraconstitucionais. Deste trabalho observamos: (a) a evolução histórica tanto do órgão ministerial como da polícia judiciária; (b) a conceituação da investigação criminal, da persecução penal e do inquérito policial, bem como os fundamentos constitucionais e infraconstitucionais da legitimidade do parquet em conduzir diretamente investigações criminais; (c) apresentação dos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a importância do Ministério Público na ampliação da sua esfera de atuação com o advento da Constituição Federal de 1988, como órgão defensor das garantias individuais e coletivas em um Estado Democrático de Direito. Este trabalho tem como objetivo principal esclarecer a não exclusividade da Polícia Judiciária nas investigações criminais, tendo como fundamento o fato de que o Ministério Público é o dono da ação penal e que para a melhor formação da opinio delicti, nada mais natural do que a realização de atos investigatórios pelo titular da ação penal. Para elaboração desta monografia foi utilizada a pesquisa, em sua essência, bibliográfica, no entanto foi realizada consulta a sites da internet sobre o tema. Palavras-chave: Ministério Público; Polícia Judiciária; Investigação Criminal; Dono (Titular) da Ação Penal. 7 ABSTRACT The present work has the purpose to demonstrate the legitimacy of the criminal investigation by prosecutors, demonstrating the constitutional protections and infra. In this study, we: (a) the historical evolution of both the ministerial body as judicial police, (b) the conceptualization of the criminal investigation, the prosecution and the police investigation, as well as the fundamentals of constitutional and infra-constitutional legitimacy of parquet lead directly criminal investigations, (c) presentation of doctrinal and jurisprudential understanding of the importance of the prosecution in the expansion of its sphere of action with the advent of the 1988 Constitution as national advocate of individual and collective guarantees in a democratic state. This paper aims to clarify the main non-uniqueness of the Judicial Police in criminal investigations, and is based upon the fact that the prosecutor is the owner of the prosecution and that to the best training delicti of opinion, nothing more natural than performing investigative acts by the holder of the criminal action. For preparation of this thesis research was used, in essence, bibliographic, however was held consulting internet sites on the topic. Keywords: prosecutors; Judicial Police, Criminal Investigation; Owner (Owner) of the Criminal Action. 8 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS MP – Ministério Público MPF – Ministério Público Federal PC – Polícia Civil PF - Polícia Federal Art. - Artigo Arts. - Artigos § - Parágrafo CPP – Código de Processo Penal STJ – Superior Tribunal de Justiça STF – Supremo Tribunal Federal CF – Constituição Federal EC – Emenda Constitucional PEC – Proposta de Emenda Constitucional HC – Habeas Corpus RHC – Recurso de Habeas Corpus RE – Recurso Extraordinário ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade IP – Inquérito Policial LOMPU – Lei Orgânica do Ministério Público da União LONMP – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO…….....………………………………………………………….…. 9 2 MINISTÉRIO PÚBLICO E POLÍCIA JUDICIÁRIA …………………………... 12 2.1 Ministério Público ….………………………..………………………………….... 12 2.1.1 Histórico ………………...………………………………………………………. 12 2.1.2 Origem e desenvolvimento no Brasil …...……………………………………... 13 2.1.3 Conceito…….………………………………………………………..................... 16 2.1.4 Princípios constitucionais……………….………………………........................ 17 2.1.5 Posicionamento constitucional.……………………………………………….... 18 2.2 Polícia Judiciária no Brasil………………………………………………………. 19 2.2.1 Histórico…………………………………..……..………………………………. 19 2.2.2 Posicionamento constitucional………………………………………………..... 23 3 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E A PARTICIPAÇÃO DO ÓRGÃO MINISTERIAL………………………………………………………………………... 27 3.1 Conceito……………………………………………………………………………. 27 3.2 Persecução penal………………………………………………….………………. 28 3.3 Inquérito Policial………………………………………………………………….. 32 3.4 Fundamentos constitucionais e infraconstitucionais............................................. 36 4 VALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO……………………………………………………………………………… 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………. 55 6 REFERÊNCIAS ……………………………………………………………………. 57 10 INTRODUÇÃO O Ministério Público é um órgão que sofreu profundas alterações estruturais pela Constituição Federal de 1988, e que atualmente se caracteriza pela sua independência em relação aos três poderes e por sua titularidadeexclusiva da ação penal pública. A presente monografia tem como proposta apresentar a legitimidade da investigação criminal pelo Ministério Público na fase pré-processual, com o objetivo de fundamentar a sua denúncia, sem deixar de mencionar que, trata-se de um tema atual e recorrente, e ainda, sem ter a pretensão de querer estabelecer qualquer tipo de axioma ou verdade absoluta sobre o tema. Sendo precípuo esclarecer aqui de que forma o parquet foi instituído pela nossa Constituição, que em seu Art. 127 diz o seguinte: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Analisando este artigo de nossa Carta Magna, vemos que o Ministério Público possui caráter contínuo e que sem ele, o nosso sistema jurídico seria incompleto. Dentre as suas finalidades maiores estão: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e para conseguir esses feitos são-lhe conferidas uma série de atribuições, das quais podemos destacar: “promover, privativamente, a ação penal pública; zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição; exercer o controle externo da atividade policial.” A investigação criminal é atividade constitucionalmente atribuída à Polícia Judiciária, seja Polícia Civil ou Federal, dentro de suas atribuições, respectivamente. Nesse sentido, do ponto de vista prático parece absolutamente lógico que a função de investigar infrações penais seja privativa das Polícias Judiciárias. Tal afirmação é subsidiada por diversos fatores, quais sejam: trata-se de um órgão especializado na investigação criminal; a polícia, por sua essência, está muito mais próxima da atividade criminosa; por fim, a polícia é um órgão estatal que se faz presente em todas as cidades do território brasileiro, o que possibilita uma maior interação com os problemas de uma comunidade. Contudo, não se tratando de atribuição exclusiva de polícia judiciária, pode o parquet atuar diretamente, em casos específicos, nas investigações criminais. Atualmente, o tema não 11 se encontra pacificado, ocorrendo inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais a cerca da questão, havendo corrente favorável e contrária à atribuição do Ministério Público à frente de investigações criminais. Para tanto, utilizando como bússola a Carta Constitucional, procura-se navegar no conturbado cenário nacional, em que posições antagônicas são defendidas por renomados doutrinadores, bem como pelos mais variados Tribunais e entidades de classe, descortinando a contemporaneidade e relevância da temática. Neste contexto, deve-se destacar que as posições contrárias à atuação do Ministério Público na investigação criminal ganharam força quando a elite brasileira, anteriormente, “imune” ao Direito Penal, passou a ser trazida à Justiça Criminal. Superada a impunidade secular de uma elite econômica, que sempre elogiou a atuação ministerial no combate aos crimes, sobretudo patrimoniais, cometidos contra a mesma, passa a ser o Ministério Público, a partir de então, alvo de investidas, buscando aplacar a investigação ministerial, como colocar medo, freio e, até mesmo, mordaça nos seus membros, como se numa ditadura estivesse o Brasil. Mas pode-se perceber que na atual conjuntura social, com a sensação de impunidade e da falta de segurança pública que assola a país, é normal e natural que a sociedade aceite toda e qualquer providência administrativa por parte dos órgãos e instituições públicas voltadas a bater de frente com a crescente onda de criminalidade. A soma de esforços parece não constituir nenhuma infringência ao ordenamento jurídico em vigor. As investigações criminais conduzidas pelo Ministério Público, em determinados casos, e mais, sendo esta uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, presume-se haver isenção e imparcialidade na condução de investigações criminais. Existe uma decisão pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) do Recurso Extraordinário (RE) 593727, sobre a atribuição do MP em tais investigações, onde o voto do relator Min. Cesar Peluso, datado de 21.06.2012, foi no sentido que a instituição em questão apenas poderá realizar investigações criminais quando a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito policial. Esse procedimento investigatório deverá obedecer, por analogia, as normas que regem o inquérito policial, que deve ser, em regra, público e sempre supervisionado pelo Poder Judiciário. E voto este acompanhado por outros ministros. O reconhecimento pela Corte Suprema, indubitavelmente, trará uma grande contribuição ao ordenamento jurídico no sentido de pacificar e orientar tribunais pátrios 12 quanto à legitimação do parquet na condução de investigações na esfera criminal em determinados casos, possa diminuir as divergências funcionais ou, até mesmo, o conflito de vaidades entre este e a Polícia Judiciária. Sem contar que, essa atribuição já se encontra prevista no ordenamento jurídico, portanto, como tal, não há que se falar de uma usurpação de atribuição, ou ainda, de uma inconstitucionalidade ou ilegalidade pelo Ministério Público. E creio que o valoroso guardião da ordem constitucional pátria, e que, com certeza, qualquer que seja ele, não retirará do Ministério Público a nobre missão de velar pela promoção da Justiça. Além do mais, muita celeuma tem sido provocada por conta de discussões acerca deste tópico, tanto entre os membros do Poder Judiciário como também entre os legisladores. Alguns acreditam que a investigação seja um monopólio da polícia, em contrapartida, outros entendem que quanto maior o número de órgãos investigadores, mais eficiente e legítima será a investigação, de forma que haja um maior cuidado na garantia da não violação dos direitos fundamentais individuais. 13 2 MINISTÉRIO PÚBLICO E POLÍCIA JUDICIÁRIA 2.1 Ministério Público 2.1.1 Histórico O órgão ministerial é uma instituição que remonta à antiguidade e que no decorrer do tempo vem evoluindo e ganhando um papel de destaque na sociedade. Contudo, não é possível situar-se com exatidão o aparecimento do Ministério Público na história da humanidade. Segundo Alexandre Pinto de Moraes (2010, p. 605), em estudo sobre a origem do Ministério Público, esclarece que determinados autores encontram a sua origem já no antigo Egito, há cerca de quatro mil anos, no funcionário real do Egito Magiai, que possuía funções de castigar os rebeldes, reprimir os violentos e proteger os cidadãos pacíficos. Nos Éforos de Esparta havia um Ministério Público embrionário, pois tinham por função, embora juízes, contrabalancear o poder real e o poder estatal, exercendo o ius accusationis, ou, ainda, nos thesmotetis ou tesmãtetas gregos, forma rudimentar de acusador público. Muito embora alguns autores remontam as origens do Ministério Público aos tempos do Direito Romano, encontrando traços da instituição no ofício dos rationalis e dos procuratores Caesaris (órgão mais ligado à atividade administrativo-fiscal, e muito pouco assemelhadoao Ministério Público), a verdade é que na França, no século XIV, que o Ministério Público encontrou seu berço (MARQUES, 2000a, p. 36). Seguindo no curso da história, outras tantas possíveis fontes são apontadas para o Ministério Público, tais como os saions, bailos, senecais, missi dominici, gastaldi ou gemeiner anklager encartados na Idade Média, bem como o vindex religionis do direito canônico e o advocatus de parte publica ou os advogadori di comum della repubblica ou os conservatori delle leggi di Firenz, de origem italiana (MAZZILLI, 1995, p. 3). Na França com caráter de continuidade – Ce corps de magistrals, apesar de antes do século XVI, os procurateurs ou procureus du roi serem simplesmente representantes dos interesses privados dos monarcas ante os Tribunais, quando o processo acusatório foi substituído pelo inquisitório, tornando-se os procureurs verdadeiros representantes dos interesses sociais (MORAES, 2010, p. 605). 14 Em 1302, coube à França criar o Ministério Público, referindo-se aos procuradores do rei. Em 1690, houve um decreto na França que atribuía vitaliciedade aos agentes do Ministério Público (MORAES, 2010, p. 606). Por fim, tendo em vista que todas as tentativas de encontrar as raízes do Ministério Público utilizam como premissa a fiscalização de atos ilegais, é na figura dos procureurs du roi (procuradores do rei) do direito francês que se encontra sua origem mais precisa, como relata Paulo Rangel (2005, p. 124): A origem, assim, mais aceita e bem delimitada do Ministério Público se dá no Direito Francês que, com o advento da Revolução Francesa, em 1789, deu uma estrutura mais adequada à instituição, tanto que a expressão até hoje usada por nós para significar o Ministério Público é francesa: parquet, que significa assoalho. Assim, com o transcorrer dos anos, a Instituição deixou de defender apenas os interesses pessoais do soberano francês, passando a desempenhar um mister público de interesse do Estado. Desse modo, ainda que a doutrina possua os mais variados posicionamentos sobre o assunto, e com isso, não resolva a questão acerca de sua origem, que pode ter sido verificada em qualquer momento histórico, bem como na mais desconhecida localidade, serve-nos pelo menos à conclusão a respeito dos contornos primários dessa importante instituição no contexto de um Estado. Sendo predominante o entendimento de que foi na França que a Instituição conseguiu dar seus primeiros passos em busca da sua atual formatação, sendo inconsistente a tese de que a Instituição já tenha surgido com a missão hodierna de patrocinar a tutela dos pobres e oprimidos e a defesa dos direitos sociais, tendo surgido de forma lenta e gradual no curso da História. À medida que os conflitos sociais se avolumavam, e o Soberano se sentia impotente para administrar a Justiça, tornou-se imprescindível instituir um órgão estável e permanente, com a finalidade de promover a ação penal pública, a defesa dos hipossuficientes e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 2.1.2 Origem e desenvolvimento no Brasil De forte influência lusitana em seu primórdio, a formação histórica do Ministério Público no Brasil iniciou-se com as Ordenações Afonsinas de 1447, ante a previsão da figura 15 do procurador de justiça a quem competia levar à Justiça, as viúvas, órfãos e pessoas miseráveis, conforme o disposto no Título VIII (Do procurados dos nossos feitos), no Título XIII (Dos procuradores, e dos que nom podem fazer procuradores) (CARNEIRO, 2007, p. 79-80). Outrossim, foram as Ordenações Manuelinas de 1521 que fizeram a primeira menção expressa aos deveres do Promotor de Justiça, o qual deveria ser: [...] letrado e bem entendido pera saber espertar, e aleguar as causas e razoes, que para lume e clareza da Justiça e para inteira conseruaçam della conuem, ao qual Mandamos que com grande cuidado, e diligência requeira todas as cousas que pertencem aa Justiça, em tal guisa que por sua culpa, e negrigencia nom pereça, porque fazendo o contrairo, Nós lhe estranharemos segundo a culpa nello teur (MAZZILLI, 1995, p.7). Já com as Ordenações Filipinas de 1603 criou-se a figura do Promotor de Justiça, nomeado pelo Rei e intitulado de Promotor de Justiça da Casa da Suplicação, tendo como funções básicas “[...] requerer todas as cousas que tocam à Justiça, com cuidado e diligência, em tal maneira que por sua culpa e diligência não pereça; [...] formar libelos contra os seguros, ou presos, que por parte da justiça hão de ser acusados na Casa de Suplicação pôr acordo da Relação” (MACHADO, 1998, p. 15). De outro lado, o primeiro texto genuinamente brasileiro a fazer menção à figura do “Promotor de Justiça” (MELLO JÚNIOR, 2001, p. 46) foi o diploma de 09 de janeiro de 1609 que regulamentou o Tribunal de Relação da Bahia, trazendo em sua composição 10 (dez) desembargadores, 1 (um) procurador dos feitos da Coroa e da Fazenda e 1 (um) promotor de justiça. Com a Independência do Brasil, exsurge a Constituição Imperial de 1824, a qual, não se referiu à Instituição do Ministério público. Somente em 1932 com o Código de Processo Criminal, surge o Ministério Público no Brasil, contudo com uma rápida referência como “promotor da ação penal” (MORAES, 2010, p. 606). O Código de Processo Criminal foi reformado em 1841, sendo criada a figura do Promotor Público, nomeado e demitido pelo Imperador ou pelos Presidentes das províncias, preferindo sempre os Bacharéis formados, que foram “idôneos”, podendo o Juiz de Direito, na falta ou impedimento, nomear outro interinamente. (GARCIA, 2008, p. 30) A primeira Constituição da República (1891) ainda não aludiu ao Ministério Público enquanto instituição: apenas fez referência à escolha do Procurador-geral e à sua iniciativa na revisão criminal pro reo. O Ministério Público passou a ser tratado como instituição no Decreto n.º 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a justiça federal (todo o Capítulo 16 VI), o mesmo acontecendo com o Decreto n.º 1.030, de 14 de novembro de 1890, que organizou a justiça do Distrito Federal (MAZZILLI, 1991, p. 7). Com a Constituição de 1934, houve uma preocupação mais profunda com o Ministério Público, sendo institucionalizado no seio constitucional, separado do Poder Judiciário, conseguindo seus membros estabilidade, a regulamentação do ingresso na carreira e a paridade de vencimentos com a magistratura (MORAES, 2010, p. 606). Já a Carta Política de 1937, diminuiu a previsão constitucional da instituição ministerial, caracterizando-se como um severo retrocesso, apenas fazendo breves referências no título referente ao Poder Judiciário, onde previa a investidura do chefe do Ministério Público Federal, a cláusula do chamado “quinto constitucional” a ser aplicada somente nos tribunais superiores (MORAES, 2010, p. 607). Com a queda do regime ditatorial, editada a nova Lei Maior do País, de 1946, o Ministério Público alcançou sua autonomia em relação aos demais poderes. E com isso, foram restauradas as garantias da estabilidade, da inamovibilidade dos seus membros e do ingresso mediante concurso público (SANTANA, 2008, p. 32-33). A Carta de 1967 recoloca o Ministério Público no capítulo do Poder Judiciário, mantendo a representação da União em Juízo e a nomeação do Procurador-Geral da República sob competência do Presidente da República. As prerrogativas de estabilidade e inamovibilidade foram preservadas, ficando o acesso inicial à carreira dependente de aprovação em concurso de provas e títulos (MORAES, 2010, p. 608). Com a Carta de 1969 (Emenda Constitucional nº 1/69), volta a posicionar o Ministério Público dentro do Poder Executivo, sendo mantidas as regras do concurso público, estabilidade e inamovibilidade (MORAES, 2010, p. 608-609). E assim, num período ditatorial, o parquet teve sua independência funcional suprimida, ante asubmissão do Chefe da Instituição ao Poder Executivo. No entanto, a grande conquista obtida pelo Ministério Público na Carta da República de 1988 foi a sua retirada do âmbito do Poder Executivo, situando-o em capítulo especial, fora da estrutura dos demais Poderes da República. Pontuando-o como uma instituição de defesa dos interesses do Estado e da sociedade, bem como assegurou a seus integrantes garantias constitucionais equiparadas aos membros do Poder Judiciário e definiu-lhe inúmeras atribuições, dispondo ainda acerca de sua exclusividade na titularidade da ação penal pública. E que, a magistratura de pé passou por inúmeras mudanças, estrutural e funcional, e tais modificações sofridas pela instituição na histórica do país foram, nada mais nada menos, que para atender aos interesses daqueles que se mantinham na condução política brasileira. 17 2.1.3 Conceito A palavra Ministério vem do latim ministerium, i, que significa o ofício do minister; ri (servidor), vale dizer, o ofício do servidor. Entende-se por Ministério a função, a profissão, ou o lapso de tempo durante o qual se exerce tal função. Já o vocábulo Público significa tudo aquilo que pertence à coletividade ou ao povo em geral, sob domínio do Estado. São expressões equivalentes: Ministério Público (MP), Instituição Ministerial, “Parquet” e Magistratura de Pé. Crê-se que a expressão Ministère Public foi empregada pela primeira vez pela lei francesa de 27 de janeiro de 1801 (TOURINHO FILHO, 2010b, p. 402). A nossa Lei Maior no caput do Art. 127 conceitua de modo primordial, o Ministério Público, como: “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Asseverou Hugo Nigro Mazzilli (2002, p. 61 apud TOURINHO FILHO, 2010b, p. 401), com propriedade, que os legisladores constituintes, com a expressão “instituição permanente essencial à função jurisdicional”, disseram menos do que deveriam, porquanto o MP desenvolve inúmeras atividades, independentemente da prestação jurisdicional, e, paradoxalmente, disseram mais do que deveriam, pois o MP não oficia em todos os feitos judiciais. Tratando de uma Instituição com as seguintes características: permanente, porque é parte integrante do Estado; essencial à função jurisdicional do Estado, porque, sem a mesma, a prestação jurisdicional ficaria mutilada; defensora da ordem jurídica e do regime democrático; defensora também dos interesses sociais e individuais; autônoma, sob o aspecto funcional, administrativo e financeiro (SANTANA, 2008, p. 21). O Art. 127 da Constituição Federal fala que “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” Também no Art. 129, o legislador arrolou deveres e instrumentos para a sua melhor persecução. O Ministério Público atua para ajudar na independência, imparcialidade e inércia do Judiciário. A verdadeira função do Ministério Público é complementar a função judiciária. O juiz é o “contra-poder” por natureza, pois ele representa a norma e, em um Estado Democrático, a norma válida, que está conforme todos os princípios e valores constitucionais. 18 Não como negar que a Carta Magna atual elegeu o Ministério Público como um verdadeiro “advogado” da sociedade brasileira, incumbindo-lhe de diversas atribuições, o que inclui não só a atuação em processos judiciais, mas também em diversos setores do Estado e da sociedade. 2.1.4 Princípios constitucionais Os princípios constitucionais do Ministério Público encontram-se consagrados no § 1º do Art. 127 da CF/88, sendo eles: a unidade a indivisibilidade e a independência funcional. Nas palavras de Hugo Nigro Mazzilli (p. 53, 1989), o qual define o Princípio da Unidade do MP como “[...] a unidade é o conceito de que os promotores de um Estado integram um só órgão sob a direção de um só chefe; indivisibilidade significa que seus membros podem ser substituídos uns pelos outros [...]”. Nas expressões unidade, indivisibilidade e independência funcional torna-se evidente que as duas primeiras querem limitar, enquanto a última visa a ampliar as possibilidades de ação do membro da Instituição. Com efeito, pelos princípios da unidade e da indivisibilidade, o membro é apenas expressão do todo, sem identidade própria; já pelo princípio da independência funcional, o membro expressa-se por convicção própria, não condicionada sequer por orientação emanada daquele todo – “a Instituição” (MAZZILLI, 1989, p. 57). Segundo os ensinamentos de Fernando da C. Tourinho Filho (2010, p. 418): A unidade manifesta-se porque os órgãos do Ministério Público atuam como parte de um todo indivisível e não como órgãos isolados. Segundo a comunis opinio, a indivisibilidade evidencia-se na circunstância de poderem seus membros da Instituição substituírem-se uns aos outros em um mesmo processo. É que eles falam pela Instituição. Os membros do Ministério Público são considerados juridicamente uma só pessoa. A função, diz-se, absorve a personalidade de cada um de seus membros. Aquele que age ou fala não o faz em seu nome, mas em nome de toda a Instituição. Assim, os membros do Ministério Público podem ser substituir-se mutuamente. E, verifica-se que independência funcional refere-se ao agente individualmente considerado, enquanto a unidade e indivisibilidade tem em consideração a ação dos diversos agentes, reportando-se, pois, à Instituição. Ou seja: independência funcional é conceito cujo conteúdo extrai-se do centro (Instituição) e se localiza na extremidade (membro) – o membro é o titular do princípio; unidade e indivisibilidade são conceitos cujo conteúdo é extraído das extremidades (membros) para o centro (Instituição) – a Instituição é o titular dos princípios. A 19 unidade e a indivisibilidade supõem, portanto, uma instância garantidora das mesmas (=Instituição), ao passo que o principal garantidor da independência funcional é o próprio membro, pessoa humana, que exerce imediatamente uma função e possui liberdade para exercê-la (TEIXEIRA, 2002, p. 77-78). E nesse sentido, Tourinho Filho (2010, p. 419) assevera que, O órgão do Ministério Público, no exercício de suas funções, é independente. Não fica sujeito a ordens de quem quer que seja. Presta conta de seus atos à lei e à sua consciência. […] a expressão independência não quer dizer que os membros do Ministério Público não estejam sujeitos a poderes de disciplina, direção e fiscalização. […] Nem seus superiores hierárquicos podem dar-lhes ordens no sentido de agir ou daquele modo dentro de um processo […]. A função conferida aos juízes, de direção do processo, não implica nem importa gradação funcional dos órgãos jurisdicionais sobre os membros Ministério Público […]. Portanto, verifica-se que a Instituição Ministerial é um ente só, encontra-se sob a mesma chefia ou direção, cuja hierarquia é meramente administrativa, e não funcional, visto que seus integrantes gozam de independência no exercício de suas funções. Sendo indivisível porque seus membros exercem uma só função, onde podem ser substituídos uns pelos outros sem que cause prejuízo ou quebra da missão institucional. Quanto à sua independência funcional, os seus membros tem uma atuação funcional plenamente independente, sem nenhum vínculo de subordinação hierárquica. 2.1.5 Posicionamento constitucional A Constituição de República Federativa do Brasil inseriu o Ministério Público no Título IV, “Da Organização dos Poderes”, no Capítulo IV, “Das Funções Essenciais à Justiça”, contudo, encontra-se separado dos demais Poderes juntamente com a Advocacia Pública, a Advocacia Privada e a Defensoria Pública.O órgão ministerial integra o título que organiza os Poderes da República em capítulo separado, situado no mesmo nível hierárquico dos demais órgãos, com princípios garantias e prerrogativas constitucionais da instituição e de seus membros, ficando demonstrado que o parquet não está vinculado à estrutura de nenhum dos Poderes do Estado. Para Alexandre de Moraes (2010, p. 610), o posicionamento constitucional do Ministério Público sempre provocou análise e perplexidade na doutrina, não só pelas constantes alterações no texto constitucional, mas também pelas transformações evolutivas jurídico-sociais que sofreu a instituição, culminando com o moderno texto de 1988. 20 Nesse contexto, prossegue Alexandre de Moraes (2010, p. 610) destacando a citação do Ministro Sepúlveda Pertence, do Supremo Tribunal Federal, a seção dedicada ao Ministério Público insere-se, na Constituição de 1988, ao final do título IV – Da organização dos Poderes, no seu capítulo III – Das funções Essenciais à Justiça. A colocação tópica e o conteúdo normativo da Seção revelam a renúncia, por parte do constituinte, de definir explicitamente a posição do Ministério Público entre os poderes do Estado. E concluiu que o Ministério Público, desvinculado do seu compromisso original com a defesa judicial do Erário e a defesa dos atos governamentais aos laços de confiança do Executivo, está agora cercado de contraforte de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática, dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania. A atual Carta Magna concedeu ao Ministério Público uma organização diferenciada e inovadora com relação ao que vinha sido estabelecido pelas Constituições brasileiras, conceituando e caracterizando este instituto essencial ao justo exercício do Direito. O novo perfil do Ministério Público representa, portanto, resposta significativa aos anseios e postulações dos que, perseguidos pelo arbítrio e oprimidos pela onipotência do Estado, a ele recorrem, na justa expectativa de verem restaurados os seus direitos. 2.2 Polícia Judiciária no Brasil 2.2.1 Histórico Analisando-se o vernáculo no conceito de Aulete (2007, p. 784), polícia (po.lí.ci:a) sf. 1. Conjunto de leis que têm o objetivo de garantir a segurança e a ordem pública. 2. Corporação composta por instituições responsáveis pela manutenção desses valores. 3. Os membros dessa corporação. sm. 4. Pop. Ver policial (1). De acordo com os ensinamentos de Tourinho Filho (2008, p. 191) o vocábulo polícia, do grego politéia – de polis (cidade) – significou, a princípio, o ordenamento jurídico do Estado, governo da cidade e até mesmo, a arte de governar. Em Roma, o termo politia adquiriu um sentido todo especial, significando a ação do governo no sentido “de manter a ordem pública, a tranqüilidade e paz interna”; posteriormente, passou a indicar o próprio órgão estatal incumbindo de zelar sobre a segurança dos cidadãos”. 21 O nome polícia se generalizou nos países ocidentais de uma forma enganosa, pois sob o mesmo nome podem aparecer instituições com formas e atribuições muito diversas. […] se origina das instituições ligadas ao estado francês do século XVII, que se espalham pelas monarquias absolutistas similares, como Portugal e daí para o Brasil, ou mais tarde, a partir da expansão napoleônica, pelo próprio emprego de forças policiais pelo invasor francês, em seguida conservadas pelos governos de restauração (BRETAS, 1997, p. 80-81). Bobbio (1998, p. 944) define polícia como sendo, Uma função do Estado que se concretiza numa instituição de administração positiva e visa a por em ação as limitações que a lei impõe a liberdade dos indivíduos e dos grupos para salvaguarda e manutenção da ordem pública, em suas várias manifestações: da segurança das pessoas à segurança da propriedade, da tranqüilidade dos agregados humanos à proteção de qualquer outro bem tutelado com disposições penais. As primeiras manifestações de polícia no Brasil foram trazidas por Portugal, sendo que na época vigiam naquele país as chamadas Ordenações Afonsinas, tratando a polícia e a magistratura de forma unitária. Em 1521 vieram as Ordenações Manoelinas, porém, no Brasil, apesar de todo o poder ser exercido em nome do rei de Portugal, na prática, os governadores das cidades eram quem acumulavam o poder de polícia, acusação e julgamento, de acordo com o sistema inquisitório da época (GUIMARÃES, 2006, p. 24). De acordo com informação contida no site oficial da Polícia Civil do Rio de Janeiro, a polícia judiciária brasileira teve sua raiz com a chegada do monarca Dom João VI. O sistema policial experimentou, com a criação da Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, uma fase de efetivo progresso, através do Alvará de 10 de maio de 1808, sendo criada com as mesmas atribuições que tinha em Portugal (apenas quatro meses após o desembarque da Família Real, no Rio de Janeiro, 27 de março daquele ano, revogando a Intendência Geral de Polícia de Portugal, de 16 de janeiro de 1780, quanto à sua competência jurisdicional no território da Colônia), o cargo de Intendente Geral de Polícia da Corte, nomeando para exercê-lo o Conselheiro do Paço e Desembargador, Paulo Fernandes Viana, iniciando, assim, uma nova fase para a vida da cidade e grandes modificações no organismo policial 1 . O século XIX trouxe, com a chegada da coroa portuguesa ao Rio de Janeiro, a Intendência Geral de Polícia para o Brasil, que, baseada em sua congênere lisboeta, foi estabelecida a partir do molde da L’intendance de Police francesa, constituindo, de um lado, 1 POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Uma breve exposição da História da Polícia Civil: início da colonização até dezembro de 1994. Disponível em: <http://www.policiacivil.rj.gov.br/historia.asp>. Acesso em 28 jan. 2013. http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=policia%20civil%20do%20rio%20de%20janeiro&source=web&cd=1&cad=rja&ved=0CDEQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.policiacivil.rj.gov.br%2F&ei=X8EGUcKLE5LcqQH93IAo&usg=AFQjCNE7jfN7kBuY1Vyiwn4IRsMKO0FZxw&bvm=bv.41524429,d.aWM http://www.policiacivil.rj.gov.br/historia.asp 22 “instrumento do príncipe para impor sua própria presença e autoridade contra as forças tradicionais da sociedade imperial” (CARVALHO, 2008, p. 110). De fato, além das funções de polícia política, segurança pública e promoção do bem-estar geral, a Intendência de Polícia também trazia uma ideia mais ilustrada à renovação da sociedade colonial, “o instrumento do governo português que levaria à transformação da cidade do Rio de Janeiro em sede do Império” (CARVALHO, 2008, p. 131). O intendente ocupava o cargo de desembargador, com status de ministro de Estado e, no que se refere à segurança pública, detinha o poder de decidir sobre os comportamentos a serem considerados criminosos, estabelecer a punição que julgasse apropriada e então prender, levar a julgamento, condenar e supervisionar a execução da sentença. Representava o monarca absoluto e, de forma coerente com a sobreposição de poderes típica da administração colonial, seu cargo englobava poderes legislativos, executivos e judiciários (HOLLOWAY, 1997, p. 46). O Intendente possuía poder ilimitado, na esfera policial, sendo que todos os órgãos policiais do Brasil Império, era nele centralizado e, em 1810 ocorreu uma nova estruturação na polícia judiciária, onde através do Aviso de 25/05/1810, fora criado o cargo de Comissário de Polícia 2 . As funções policiais e judiciárias eram acumuladas e exercidas através da Autoridade Policial, desde 1808 até 1827, quando em outubro, foi criado o Juizado de Paz, em uma tentativa de desvincular a alçada Judiciária, da Policial. Em 1832, com a promulgação do Código de Processo Criminal doImpério, houve nova organização na esfera de polícia judiciária. Com o decorrer do tempo, tendo em vista as necessidades prementes de aprimoramento do sistema, a instituição foi submetida a inúmeras transformações em sua estrutura, tanto que, com a reforma de 1841, devido ao aumento da criminalidade, àquela época, quando a instituição ainda era subordinada à Justiça 3 . A partir de 1841, os delegados, subordinados aos chefes de polícia provincial, assumiram a maioria das funções dos juízes de paz, podendo acusar, reunir provas, ouvir testemunhas e apresentar ao juiz municipal um relatório escrito da investigação, no qual este baseava o seu veredicto. Além disso, o delegado expedia mandatos de prisão e estabelecia fianças, assim como julgava, ele mesmo, delitos menores, tais como a infração de posturas municipais. Ele podia contar com instrumentos legais poderosos para o exercício de suas atividades, tais como o direito de decretar prisão preventiva e de exigir “termos de bem viver” 2 FRANCELIN, Antonio Edison. Com duzentos anos, Polícia Civil já foi judiciária. Revista Consultor Jurídico, 9 ago. 2010. 3 Idem ibidem. 23 que, se violados, poderiam resultar em prisão e condenação praticamente certa (GRAHAM, 1997, p. 88). O governo central reformou a estrutura judiciária, redefinindo poderes e atribuições, promovendo a centralização do sistema de justiça e retirando poder das instâncias locais. A maioria das atribuições do juiz de paz foi transferida para os delegados de polícia, submetidos ao chefe de polícia da província, recrutado entre os juízes de direito e subordinado diretamente ao Ministério da Justiça (VELLASCO, 2004, p. 135-145). Com o avançar do século, ficava clara a necessidade de profissionalização de todo o corpo policial, em suas várias dimensões. O fracasso da Guarda Urbana (HOLLOWAY, 1997, p. 221) evidenciava a necessidade de profundas mudanças no sistema, consolidadas na reforma judicial de 1871, que separava definitivamente a polícia da justiça. A partir daquele momento, o chefe de polícia estava impedido de julgar qualquer caso, encaminhando o resultado de suas investigações (o Inquérito Policial) aos juízes de direito e seus auxiliares, que passaram a se encarregar do julgamento de todas as causas criminais. Assim, pela nova Lei, os chefes de polícia continuavam encarregados de reunir provas para a formação de culpa do acusado, mas os resultados desse inquérito eram entregues aos promotores públicos ou juízes para sua avaliação e decisão final. Assim, nem o chefe de polícia ou os seus delegados podiam tomar uma decisão final sobre culpa ou inocência, embora mantivessem considerável poder de facto nos casos de crime, conforme a diligência ou morosidade através das quais dirigiam as investigações (HOLLOWAY, 1997:228). Segundo Rodrigo R. Chemim Guimarães (2006, p. 26-27), após a proclamação da independência, surgiu uma figura semelhante a do Delegado de Polícia, o qual era exercido por juízes de paz, pois a polícia e a magistratura confundiam-se num único órgão. Em 1891, com a queda do império e a promulgação da Constituição Republicana, os Estados-membros passaram a ter administração própria e autônoma, o que resultou nas organizações policiais nos estados. Em 1902, a polícia foi novamente reformulada, surgindo a polícia civil e a militar, e que, várias alterações na legislação continuam presentes até os dias atuais, segundo Guimarães (2006, p. 28-29). Com a Proclamação da República, a Polícia Judiciária, grassou um período áureo entre 1902 a 1916, havendo uma reformulação organizacional da polícia. Em 1917, elevou-se a uma polícia de carreira, realmente profissionalizada através de cursos específicos e, admissão somente mediante concursos públicos 4 . 4 FRANCELIN, Antonio Edison. Com duzentos anos, Polícia Civil já foi judiciária. Revista Consultor Jurídico, 9 ago. 2010. 24 Em março de 1944, época de Getulio Vargas, a Polícia Civil do Distrito Federal (Rio de Janeiro), é alterada, originando o Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP), aproveitando a gama de experiência policial, para atuar a nível nacional e, em fevereiro/1967, passa a ser denominado Departamento de Policia Federal 5 . Durante o período militar (1964-1983), as polícias brasileiras tiveram um forte conteúdo de controle social, administrado pelo governo federal que estabelecia as regras e normas para atuação das Polícias Estaduais. Em 1988, a Constituição Federal consagra o papel das Polícias Judiciárias Brasileiras: Polícia Civil e Polícia Federal. No Brasil, a própria história da Polícia Judiciária passou pelas mais diversas transformações estruturais, sendo que em determinados momentos, passando por mudanças no seu aspecto funcional. No entanto, tais transformações foram necessárias, não para atender aos clamores da sociedade, mas sim para satisfazer aos anseios daqueles que detinham o poder político do país. 2.2.2 Posicionamento constitucional A segurança pública ganhou um capítulo exclusivo (III) na Lei Suprema do país, tendo um artigo que trata sobre o tema, é o seu Art. 144 que consagra os órgãos que integram o sistema de segurança pública (Incisos I a V e § 8°) e suas respectivas atribuições constitucionais. Dedicação do texto constitucional que se preocupou em definir as polícias judiciárias, assim como suas respectivas missões institucionais (§§ 1°, Incisos I a IV e 4º). As Polícias Civis são instituições que exercem funções de polícia judiciária, nas unidades federativas do Brasil, cuja função é, de acordo com o Art. 144, § 4º da CF/88, o exercício da segurança pública para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio. As polícias civis são subordinadas aos Governadores dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios e dirigidas por delegados de polícia de carreira, são órgãos pertencentes ao Sistema de Segurança Pública, assim como, encontram-se inseridas nas estruturas organizacionais das Secretarias de Segurança Pública dos estados da federação e no Distrito Federal. 5 FRANCELIN, Antonio Edison. Com duzentos anos, Polícia Civil já foi judiciária. Revista Consultor Jurídico, 9 ago. 2010. http://pt.wikipedia.org/wiki/Unidades_federativas http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil http://pt.wikipedia.org/wiki/Constituição_Federal http://pt.wikipedia.org/wiki/Segurança_pública http://pt.wikipedia.org/wiki/Governadores http://pt.wikipedia.org/wiki/Estados http://pt.wikipedia.org/wiki/Distrito_Federal 25 A Polícia Civil tem, assim, por finalidade investigar as infrações penais e apurar a respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos para ingressar em juízo. Ela desenvolve a primeira etapa, o primeiro momento da atividade repressiva do Estado. Indaga de todos os fatos suspeitos, recebe os avisos, as notícias, forma os corpos de delito para comprovar a existência dos atos criminosos, sequestra os instrumentos dos crimes, colige todos os indícios e provas que pode conseguir, rastreia os delinquentes, captura-os nos termos da lei e entrega-os à Justiça Criminal, juntamente com a investigação feita, para que a Justiça examine e julgue maduramente (TOURINHO FILHO, 2008, p. 194-195). E ainda sobre a atividade da Polícia Civil, Denilson Feitoza (apud GRECO, R., 2012, p. 4) destaca que a Constituição Federal utilizou a expressão polícia judiciária no sentido original com o qual ingressou em nosso idioma há mais de cem anos, ou seja, como órgão que tem o dever de auxiliar o Poder Judiciário, cumprindo as ordens judiciárias relativas à execução de mandado de prisão ou mandado de busca e apreensão, à condução de presos para oitiva pelo juiz, à condução coercitiva de testemunhas etc. Além dessas funções,consideradas como de polícia judiciária, ou seja, auxiliares do Poder Judiciário, também competirá à Polícia Civil a apuração das infrações penais, ocasião em que exercerá uma função de natureza investigativa. Na visão de Plácido e Silva (1990, p. 387), o conceito de Polícia Judiciária, a saber: Denominação dada ao órgão policia, a qual se comte a missão de averiguar a respeito dos fatos delituosos ocorridos ou das contravenções verificadas, a fim de que sejam os respectivos delinqüentes ou contraventores punidos pela prática das Infrações cometidas. A polícia judiciária é repressiva, porque, não se tendo podido evitar o mal, por não ter sido previsto de modo efetivo, ou por qualquer outra circunstância, procura, pela investigação dos fatos, recolher as provas que os demonstram, descobrir os seus autores, entregando-os às autoridades judiciárias para que cumpram a lei. E ainda seguindo sua linha de raciocínio, Plácido e Silva (1990, p. 387) também conceitua Polícia Civil: Em oposição à polícia militar, é a designação que se dá ao conjunto de autoridades designadas pelo governo para que cumpram as prescrições estabelecidas para a manutenção da ordem pública. A Polícia Civil, em certos casos, é meramente administrativa, isto é, quando age preventivamente. Quando trata de reparar o mal, que não pôde ser evitado, procurando meio de trazer o criminoso ou infrator à sanção penal, é judicial ou Polícia Judiciária. No mesmo sentido, Rodrigo Réginer Chemim Guimarães (2002, p. 49), aduz que a polícia judiciária é constituída pelas polícias civis dos Estados, bem como, pela polícia federal, e cujas delegações visam a apuração dos delitos conjuntamente com as suas autorias. 26 Para Chemim, existem duas polícias, aquelas de cunho administrativo, e aí adentram as polícias militares, as quais têm atuação plena e ostensiva, ou seja, previnem para que o crime não venha a se consumar; e a polícia judiciária, a qual diante da consumação do delito, inicia as investigações a fim de que o agente responsável pela ação, seja primeiramente identificado, após, punido de acordo com as leis que se aplicarem ao crime em questão. O autor conclui o seu pensamento, destacando tanto Polícia Judiciária como Ministério Público devem laborar em uníssono para que a justiça possa ser aplicada com precisão. Já a Polícia Federal, de acordo com o Art. 144, § 1º, da CF/88, é instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira. Atua, assim, na clássica função institucional de polícia. O Departamento de Polícia Federal é órgão estatal que está hierarquicamente subordinado ao Ministério da Justiça. No mesmo dispositivo constitucional dispõe que são funções adicionais da Polícia Federal: I - Apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - Exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - Exercer, com exclusividade, as funções de Polícia Judiciária da União. Com isso, não se pode afirmar que nossa Polícia Federal é uma polícia exclusivamente judiciária, pois esta função auxiliar do Poder Judiciário, ainda que seja priorizada em relação às demais, é apenas uma das atribuições constitucionais e legais do órgão. Em razão disso, a Polícia Federal detém o ciclo completo de polícia, exercendo atividades de polícia preventiva e repressiva, da mesma forma que as polícias legislativas brasileiras em âmbito estadual e federal. E, quanto à exclusividade a que se refere o artigo visou a um tempo ressaltar a competência da Polícia Federal e afastar a eventual ingerência da polícia judiciária dos Estados e do Distrito Federal nas infrações penais de competência da Polícia Federal, além das demais polícias federais (Rodoviária Ferroviária etc.). Esse é o entendimento na visão de Aury Lopes Júnior (2006, p. 154-155) que escreve: Não dispôs a Constituição que a polícia judiciária tenha competência exclusiva para investigar, pois o Art. 144, §§ 1º, I, e 4º, simplesmente prevê que a Polícia Federal e a Civil deverão exercer as funções de polícia judiciária, apurando as infrações penais. Não existe exclusividade desta tarefa, inclusive porque quando pretendeu http://pt.wikipedia.org/wiki/Constituição_Brasileira http://pt.wikipedia.org/wiki/União_(Brasil) http://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia http://pt.wikipedia.org/wiki/Tráfico_de_drogas http://pt.wikipedia.org/wiki/Contrabando http://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_marítima http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Polícia_aeroportuária&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_de_fronteiras http://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_Judiciária http://pt.wikipedia.org/wiki/União_(Brasil) http://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_de_ciclo_completo http://pt.wikipedia.org/wiki/Polícia_do_Brasil#Pol.C3.ADcia_Legislativa_Federal 27 estabelecer a exclusividade de competência o legislador o fez de forma expressa e inequívoca. Tampouco a natureza da atividade ou dos órgãos em discussão permite ou exige uma interpretação restritiva; ao contrário, trata-se de buscar a melhor forma de administrar justiça. No mesmo sentido, Elmir Duclerc (2006, p. 109): Não nos convence o argumento conforme o qual os órgãos policiais têm exclusividade na tarefa de investigar. O que se pode depreender do Art. 144 da CF é que a Polícia Civil e a Polícia Federal devem investigar infrações penais no âmbito de suas atribuições, e que à última cabe, com exclusividade, a função de polícia judiciária da União. Levando-se em conta, todavia, a noção de polícia judiciária (manifestação do poder de polícia do Estado, que visa restringir certas liberdades para apurar infrações penais) já estabelecida linhas acima, parece claro que exclusividade nessa atividade não significa, necessariamente, exclusividade na função de reunir informações para exercício da ação penal, coisa que pode ser realizada até mesmo pela própria vítima. A exclusividade a que se refere o legislador constituinte, assim, só tem sentido quando considerada em face de outros órgãos (como as policias civis), que também exercem a atividade policial. As Polícias Judiciárias são instituições públicas que integram o sistema de segurança pública, no âmbito nacional a Polícia Federal e no estadual ou distrital, as Polícias Civis, cada uma com atribuição definida na CF/88, assim como nas Constituições Estaduais, no caso da PC. Sendo que, no próprio texto constitucional que atribui as missões dos órgãos integrantes da segurança pública não restringe a ação de outros órgãos em investigações criminais, como o MP. 28 3 INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E A PARTICIPAÇÃO DO ÓRGÃO MINISTERIAL 3.1 Conceito De acordo com Aurélio B. de Holanda Ferreira (2001, p. 430), o vocábulo investigar significa seguir os vestígios, pesquisar, examinar com atenção. A investigação criminal é um procedimento administrativo pré-processual, de cognição sumária, cujo objetivo imediato é averiguar o delito e sua autoria, fornecendo elementos para que o titular da ação penal proponha o processo (oferecimento da peça exordial) ou o não processo (arquivamento). Ao contrário do que muitos pensam, a investigação não visa, tão somente, a obter indícios para a acusação, mas sim apurar a verdade, seja ela a favor da acusação ou da defesa. (CABETTE, 2001, p. 197). A investigação criminal pode ser definida como um métodopara a reconstrução de fatos passados que pretende responder a quatro perguntas básicas: onde, quando e como ocorreu o fato, e quem o praticou. (GARRIDO, STANGELAND y REDONDO, 2006, p. 853 apud PEREIRA, 2011, p. 59) Para Manzini (1951, p. 173), a investigação tem a finalidade característica de recolher e selecionar o material que haverá de servir para o juízo, eliminando tudo o que resulte confuso, supérfluo ou inatendível. Com isso, evitar-se-iam os debates inúteis e se prepararia um material selecionado para os debates necessários. Fundamentalmente, a atividade de investigação criminal é um conjunto de ações – lógicas e organizadas – desenvolvidas por órgãos estatais, a partir da notícia de um crime, objetivando o fornecimento de elementos mínimos sobre autoria e materialidade do delito, bem como fornecer elementos e indícios para o desencadeamento da pretensão punitiva estatal, ou seja, para a posterior formação, pelo Ministério Público, da opinio delicti (CHOUKE, 1995, p. 71). Nesse sentido, a investigação é a atividade da persecução criminal destinada à ação penal; por isso apresenta caráter preparatório e informativo, visto que seu objetivo é o de levar aos órgãos da ação penal os elementos necessários para a dedução da pretensão punitiva em juízo: inquisitio nihil est quam informatio delicti 6 (MARQUES, 2000a, p. 152). 6 Expressão em latim que significa “o interrogatório nada mais é do que informação de um delito”. 29 A investigação é o momento pré-processual da persecução criminal, sendo que ela não integra a instância que se instaura somente com a propositura da ação penal (MARQUES, 2000a, p. 153). Para Garcia (2004, p. 4), as diligências investigatórias ou investigações criminais, podem ser entendidas como atividade estatal destinada a preparar a ação penal. A investigação preocupa-se com o esclarecimento do fato delituoso e a descoberta da autoria, pois é necessário que o representante do Ministério Público tenha em mãos os dados necessários para formular a denúncia. É um procedimento preparatório, informativo e inquisitório, constituindo-se num conjunto de providências desenvolvidas para se esclarecer conduta, pelo menos, aparentemente, delituosa. Em síntese, a investigação criminal é - nada mais que - a coleta de provas no sentido de identificar a autoria e materialidade de uma conduta penalmente ilícita, constituindo uma fase basilar da manutenção da ordem pública, pois quando destinada ao insucesso, alimentará a impunidade e, por conseguinte aumentando a criminalidade, tendo em vista que será um combustível a mais e servirá como estímulo aos criminosos a se organizarem e terem mais adeptos a prática de novos delitos, considerando que um dos fatores preponderantes da intimidação é a certeza de uma futura punição. O Código de Processo Penal de 1941, ou ainda, no século anterior, foi elaborado para um contexto social completamente diferente da realidade atual. Isso fica evidente se for levado em conta à evolução das formas de comunicação e das relações sociais, que acontece constantemente, exigindo-se profundas e significativas alterações no ordenamento jurídico pátrio, no tocante ao processo penal, de modo que haja uma evolução que acompanhe aos clamores da sociedade, a qual deve alcançar a polícia judiciária em todos os seus aspectos, não apenas nas suas atribuições processuais. 3.2 Persecução penal A persecução penal no ordenamento jurídico brasileiro, até chegar sua situação atual, passou por significativas modificações, e isto não significa que hoje tenhamos um sistema ideal para nossa realidade. No entanto, é relevante mostrar sua evolução histórica e assim, constatar que tais mudanças foram e ainda são necessárias aos anseios de uma sociedade com descrédito nos órgãos estatais que contribuem para o alcance de uma justiça mais justa. 30 Segundo Júlio Fabrini Mirabete (2007, p. 56) a persecução penal significa a ação de perseguir o crime. Além da ideia da ação de justiça para punição ou condenação do responsável pela infração penal, em processo regular, inclui ela os atos praticados para capturar ou prender o criminoso, a fim de que se veja processar e sofrer a pena que lhe for imposta. Com o advento da primeira Constituição Imperial (1824), o sistema de investigação dos delitos não foi alterado, e somente em 1832, dez anos depois da Proclamação da Independência do Brasil e oito anos após a primeira Carta Política, surge o Código de Processo Criminal, chamado de Código Criminal do Império, publicado por imposição do artigo 179, parágrafo 18, da Constituição do Império. (MARQUES, 2000b, p. 99-100) Foram restringidas, em 1841, as atribuições dos Juízes de Paz, conferindo-se às autoridades policiais as funções da investigação criminal. Dentre as atribuições das autoridades policiais estavam a de “remeter, quando julgarem convenientes, todos os dados, provas e esclarecimentos que houverem obtido sobre um delito, com uma exposição do caso e das circunstâncias, aos juízes competentes para a formação de culpa”. (SANTIM, 2001, p. 27- 30) Ainda no ano de 1841, com a promulgação da Lei nº 261, de 3 de dezembro, são criados os cargos de Chefe de Polícia, Delegados e Subdelegados em cada província da Corte, com atribuições para investigar o crime e formalizar o conjunto de todos os dados, provas e esclarecimentos acerca de um delito, com a exposição do caso e de suas circunstâncias, remetendo-os ao juiz competente para formação da culpa. Era a fase preliminar do processo e já se caracterizava pela forma inquisitiva e não judicial 7 . Porém, ainda pela influência do Código de 1832, os crimes proliferaram de tal forma que no ano 1871 separou-se justiça e polícia, em virtude de considerar “incompatível o cargo de juiz municipal e substituto, com o de qualquer autoridade policial” - Art. 1º, § 4º, da Lei 2.033/1871 (SANTIM, 2001, p. 29). Apesar do cenário político conturbado, o Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (atual Código de Processo Penal), foi promulgado, vigorando a partir de 1º de janeiro de 1942. Ele foi orientado pelo sistema acusatório, e sedimentado na tradição canônica e ibérica da suspeição progressiva, assegurando o princípio do contraditório na fase judicial, e mantendo o inquérito policial 7 TAQUARY, Eneida Orbage de Brito. A investigação criminal, atividade exclusiva da autoridade policial. Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul – ASDEP, artigos. 31 A Constituição de 1946 recepcionou o Código de Processo Penal que vigorava há quatro anos. Ela manteve o sistema processual penal acusatório e a investigação criminal continuou a ser feita de forma extrajudicial, conduzida pela autoridade policial 8 . A Constituição Federal promulgada em 1988, da mesma forma que a anterior, recebeu o diploma processual penal de 1941. A primeira fase da persecução penal foi mantida como instrumento de defesa do Estado na obtenção de seus objetivos, desenvolvida pelas Polícias Civil e Federal 9 . No Brasil, encontramos uma solução mista para essa fase preparatória da persecução penal: cabe à polícia a investigação preliminar e a produção de um relatório juridicamente orientado do resultado dessas investigações. A responsabilidade pela condução do inquérito cabe a uma autoridade policial - o delegado de polícia, que recebe essa delegação do Chefe de Polícia. A ambivalência aqui resulta da fusão das prerrogativas de “investigar” e de “formar a culpa”, de iniciar, através do indiciamento e da tomada de depoimentos, uma etapa que, na prática, adquire um status pré-instrucional, sob um enquadramento funcional administrativo e não judiciário (MISSE, 2010, p. 10-11). Combinando o estatuto de neutralidade da investigação policial com a potencial atribuição e formaçãoda culpa, o inquérito policial não tem parâmetros de comparação com outros modelos de investigação preliminar. A realização das investigações para a produção do inquérito policial gera algumas tensões entre os diferentes âmbitos do Sistema de Justiça Criminal. A discricionariedade policial, utilizada para decidir que tipo de ocorrência gerará ou não um inquérito policial e, quando produzido, decidir o que ali constará ou não, é apontada por alguns operadores do Sistema de Justiça Criminal como um elemento que gera consequências em todo o fluxo da Justiça. Nesse sentido, promotores e juízes concordam com a necessidade de adoção de estratégias de regulamentação e controle mais efetivas sobre o trabalho da Polícia Civil (RATTON, 2010, p. 288-289), uma vez que, diante do aumento da demanda, é cada vez maior a distância entre os delitos registrados e os que são efetivamente investigados, obrigando os policiais a desenvolverem critérios informais para selecionar os casos que serão priorizados. O Estado Soberano é o titular do direito de punir. Onde o Estado-Administração leva a notícia ao conhecimento do Estado-Juiz (apontando-lhe o autor do delito), vindo a apreciá-la, declarando procedente ou improcedente, se é fundada ou infundada a pretensão estatal. Para tanto, desenvolve intensa atividade que se denomina persecutio criminis in judicio, por meio 8 TAQUARY, Eneida Orbage de Brito. A investigação criminal, atividade exclusiva da autoridade policial. Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul – ASDEP, artigos. 9 Idem ibidem. 32 do órgão do Ministério Público, por ele criado para, preferencialmente, exercer tal função, personificando o interesse da sociedade na repressão às infrações penais (TOURINHO FILHO, 2008, p. 190). Para consecução da atividade persecutória, o Estado para fazer valer o seu direito de punir, procura os elementos comprobatórios do fato infringente da norma e os de quem tenha sido o seu autor, entregando-os, a seguir, ao parquet para promover a competente ação penal. O Estado realiza essa tarefa por meio dos órgãos da Polícia e do Ministério Público; cabendo ao órgão da Polícia Judiciária investigar o fato infringente da norma e quem tenha sido o seu autor, colhendo os necessários elementos probatórios a respeito, e essas informações que a compõem são levadas ao Ministério Público para promoção da competente ação penal, caso seja necessário (TOURINHO FILHO, 2008, p. 190). Nas palavras de Júlio F. Mirabete (2007, p. 332-333) menciona que Dispõe o Art. 257, do CPP que o Ministério Público promoverá e fiscalizará a execução da lei. Pelo Art. 129, I, da CF/88 tem o MP função institucional de promover, privativamente, a ação penal pública. Portanto, cabendo-lhe precipuamente, no âmbito criminal a persecutio criminis; sendo o MP o titular da pretensão punitiva do Estado quando esta é levada a juízo. Tem legitimidade ad causam e capacidade postulatória, é representante do interesse público e estar credenciado a todos os atos destinados a efetivação do jus puniendi. Além do mais, o órgão ministerial é detentor da função delegada pelo Estado- Administração (sujeito ativo da pretensão punitiva) para tornar o efetivo direito de punir; órgão este defensor dos interesses da sociedade e fiscal da aplicação e execução da lei. Não pode por capricho daqueles que se dizem “representantes do povo”, amordaçar uma instituição séria, imparcial e com muita credibilidade que busca a todo custo, nesse caso da esfera criminal, o direito de punir do Estado, e retirar do MP as investigações criminais será um duro golpe para imperar ainda mais a sensação de impunidade no país. 3.3 Inquérito Policial Segundo Joel Bino de Oliveira (2002, p. 27), “o inquérito policial, provém, do latim quaerere, conjunto de atos e diligências, reduzidos a termo em processo, para sindicar e apurar determinado fato irregular ou ilegal.” Aduzindo ainda que “quaeritare do latim, significa andar sempre em busca, ato ou efeito de inquirir, conjunto de atos e diligências com que se visa apurar alguma coisa”. 33 A Lei n.º 2.033, de 20-9-1871, regulamentada pelo Decreto-lei n.º 4.824, de 23-11- 1871, que surgiu, entre nós, o inquérito policial com essa denominação, e o Art. 42 da referida lei chegava inclusive a defini-lo: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito” (TOURINHO FILHO, 2008, p. 194). O inquérito policial encontra-se disciplinado no ordenamento jurídico pátrio nos Arts. 4º ao 23, do CPP. Encontrando-se conceituado no Art. 4º do referido diploma legal como “um procedimento investigatório prévio, constituído por uma série de diligências, cuja finalidade é a obtenção de indícios para que o titular da ação possa propô-la contra o autor da infração penal. O Estado deve buscar provas acerca da autoria e da materialidade”. Kant de Lima (p. 174, 1997) entende ser o inquérito policial: Um procedimento no qual quem detém a iniciativa é um Estado imaginário, todo poderoso, onipresente e onisciente, sempre em sua busca incansável da verdade, representado pela autoridade policial, que, embora sendo um funcionário do Executivo, tem uma delegação do judiciário e a ele está subordinado quando da realização de investigações. Para Tourinho Filho (2008, p. 196), o inquérito policial “é o conjunto de diligências realizadas pela Policia Judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar em juízo”. Nas palavras de Júlio F. Mirabete (2007, p. 60), o IP é tido como todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários a apuração de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais, etc. Seu destinatário imediato é o Ministério Público (no caso de crime que se apura mediante ação penal pública) ou o ofendido (na hipótese de ação penal privada), que com ele formam sua opinio delicti para a propositura da denúncia ou queixa. O destinatário mediato é o Juiz, que nele também podem encontrar fundamentos para julgar. Encontra-se expresso no Art. 12, do CPP que “o inquérito policial acompanhara a denúncia ou queixa, sempre que servir de base para uma outra”. Segundo Guilherme de S. Nucci (2012, p. 151), o inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e da autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do 34 Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime. Visto como procedimento administrativo, que se utiliza de meios cabíveis para a apuração do fato delituoso e a reunião de fundamentação probatória mínima. Ainda nas palavras de Afrânio Silva Jardim (1999, p. 45 e 49), que dispõe: [...] o inquérito policial é um procedimento administrativo-investigatório absolutamente sumário, voltado exclusivamente para viabilização da ação penal. [...] mero procedimento administrativo-investigativo prévio, destinado tão somente a dar lastro probatório mínimo à acusação penal, podendo ser dispensado quando tal finalidade venha a ser alcançada através das chamadas peças de informação. E ainda, sobre o tema, Rômulo de Andrade Moreira (2003, p. 157), ensina: O inquérito é um procedimento preliminar, extrajudicial e preparatório para ação penal, sendo por isso considerado como a primeira fase da persecutio criminis