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AMBULATÓRIO – 5º PERÍODO DOCENTE: DRA. CLAUDINE DE CARVALHO BARROS DISCENTE: ANDRESSA FERREIRA ANDRADE CICLO – ENDOCRINOLOGIA Referência: Tratado de Medicina da família e Comunidade ▪ HIPOTIREOIDISMO O hipotireoidismo é uma doença comum, que afeta mais as mulheres do que os homens e se torna mais frequente com o avanço da idade. De maneira geral, as causas de hipotireoidismo podem ser classificadas de acordo com a origem do problema: hipotireoidismo primário, quando a disfunção tem origem na própria tireoide; hipotireoidismo secundário, quando a etiologia é hipofisária, levando a uma diminuição na secreção do hormônio estimulante da tireoide, ou tireotrofina (TSH); e hipotireoidismo terciário, quando houver qualquer alteração na secreção do hormônio liberador de tireotrofina (TRH). Além disso, de acordo com o grau da disfunção tireoidiana, o hipotireoidismo primário pode ser dividido em hipotireoidismo subclínico e hipotireoidismo declarado. Na primeira situação, a falência da glândula é mínima, ocorrendo uma discreta diminuição dos HTs, embora suas concentrações se situem dentro da faixa de normalidade; no entanto, devido à elevada sensibilidade hipofisária, ocorre elevação de TSH, podendo chegar até a 20 mUI/L. No hipotireoidismo declarado, existe uma diminuição mais acentuada da produção hormonal pela tireoide, com consequente redução dos HTs (abaixo da faixa de normalidade) e elevação de TSH. Sendo a tireoidite de Hashimoto, ou tireoidite crônica autoimune, a etiologia mais comum em adultos residentes em áreas suficientes em iodo. É uma doença autoimune, tanto humoral quanto celular, que tem como alvo a glândula tireoide. Outros tipos de tireoidites autoimunes, como a tireoidite pós-parto (também conhecida como tireoidite linfocítica) e a tireoidite de De Quervain (ou tireoidite subaguda), podem resultar em um estado transitório de hipotireoidismo (cerca de um ano), comumente precedido de um período de tireotoxicose, pela destruição dos folículos tireoidianos e consequente liberação de HT. A tireoidite pós-parto é a mais comum, afetando em torno de 5 a 7% das puérperas nos primeiros meses pós-parto. A ingestão de fármacos (lítio, amiodarona) ou de medicamentos e alimentos que contenham iodo pode ocasionar quadros de hipotireoidismo transitório ou até mesmo permanente, sobretudo em indivíduos suscetíveis (moradores de países com maiores concentrações de iodo alimentar, portadores de doença autoimune da tireoide ou aqueles que foram submetidos à radioiodoterapia). Fármacos como o interferon (IFN) ou as interleucinas (IL), utilizados no tratamento de indivíduos com hepatite viral (B e C) e tumores malignos, também podem causar hipotireoidismo via indução de autoanticorpos contra a tireoide. → ANAMNESE Raramente o médico encontrará quadros típicos de “figura-de-livro” (pessoa com fácies infiltrada, rouquidão, letargia, ganho de peso, pele seca ou intolerância ao frio), ensinados nas salas de aula ou nos laboratórios das faculdades de medicina. O médico encontrará pessoas com queixas inespecíficas, como ganho de peso (leve a moderado), constipação intestinal ou sensação de parestesia. Além da instalação lenta e progressiva da doença, muito provavelmente contribuem para a dificuldade diagnóstica o amplo leque de condições médicas ou de vida (separações, falecimentos na família, etc.), capazes de simular as manifestações do hipotireoidismo. Portanto, a maneira como o hipotireoidismo se manifesta clinicamente depende tanto da duração e do grau de diminuição do HT circulante (abrupto, após a remoção cirúrgica da glândula, ou paulatino, típico das tireoidites autoimunes) quanto da presença de outras condições (menopausa, depressão, fibromialgia, etc.), comuns na faixa etária em que a doença é mais frequente. Algumas situações requerem maior atenção do médico: ● Crianças com atraso no desenvolvimento puberal, retardo no crescimento ósseo e baixo rendimento escolar. ● Mulheres em idade fértil com oligomenorreia, amenorreia ou dificuldade de engravidar, aquelas com menorragia ou metrorragia, hiperprolactinemia e síndrome do climatério. ● Idosos com ausência de sintomas clássicos (ganho de peso, parestesia, intolerância ao frio) mas que, quando presentes (p. ex., sensação de cansaço ou fraqueza), podem ser confundidos com sinais ou sintomas de outras doenças prevalentes nessa faixa etária. → EXAME FÍSICO O exame físico desses indivíduos pode revelar outros achados compatíveis com as duas principais alterações induzidas pela diminuição/ausência dos HTs: interferência no metabolismo geral do organismo, levando à diminuição da fase de relaxamento dos reflexos osteotendíneos, bradicardia, hipertensão e acúmulo de moléculas glicosaminoglicanas no interstício tecidual, responsável pelo aspecto infiltrado e pálido da pele, queda dos pelos/cabelo, edema, etc. Em relação ao exame da tireoide, o aumento da glândula (bócio) pode ou não estar presente. Na tireoidite de Hashimoto, a tireoide está aumentada difusamente em 90% dos casos, apresentando consistência firme (semelhante à de uma borracha escolar), irregular e indolor à palpação. Na tireoidite pós-parto, a maioria das pessoas apresenta bócio pequeno, firme e indolor. A tireoidite subaguda caracteriza-se por um quadro de dor intensa na tireoide, associado a febre e mal-estar geral. → EXAMES COMPLEMENTARES A confirmação laboratorial é feita pela dosagem de TSH e de tiroxina livre (T4L) no plasma. No hipotireoidismo primário declarado, ocorre elevação de TSH com diminuição de T4L, e na forma subclínica, só é detectado um aumento discreto de TSH (geralmente até 20 mUI/L), com T4L ainda dentro da faixa de normalidade. O hipotireoidismo central é caracterizado por uma diminuição de T4L associada a uma concentração de TSH não elevada. A dosagem de triiodotironina (T3) não está indicada no diagnóstico do hipotireoidismo Pode-se também requisitar a dosagem de anticorpos antitireoidianos: antitireoperoxidase (anti-TPO, antes denominados antimicrossomais) e antitireoglobulina (anti-TgAb), pois, quando presentes em altas titulações no plasma, sobretudo anti-TPO (positiva em 80-100% dos casos de tireoidite de Hashimoto), reforçam bastante a possibilidade de tireoidite autoimune. → CONDUTA PROPOSTA O tratamento do hipotireoidismo declarado consiste na reposição com HT sintético, a levotiroxina sódica. Trata-se de uma medicação efetiva, que requer apenas uma tomada ao dia e apresenta baixa incidência de efeitos colaterais. Não existem evidências que suportem o uso combinado de T3 e T4 no tratamento do hipotireoidismo. A dose de manutenção para tratamento do hipotireoidismo declarado, em adultos, situa-se em torno de 1,6 mcg/kg e deve ser atingida de maneira escalonada, de acordo com a idade e as condições mórbidas associadas: em indivíduos com menos de 60 anos e sem comorbidades – iniciar com 50 mcg/dia (em indivíduos mais jovens, pode-se iniciar com a dose plena); naqueles com mais de 60 anos e/ou doenças associadas – iniciar com 25 mcg/dia (aqui, os incrementos na dose devem ser feitos com parcimônia – 12,5-25 mcg a cada 2 semanas). No cálculo desta dose, também devem ser consideradas outras variáveis, como a causa do hipotireoidismo e o valor de TSH inicial. No hipotireoidismo subclínico, sugere-se uma dose mais baixa (1,1-1,2 mcg/kg). A levotiroxina deve ser tomada com água, em jejum, entre 30 e 60 minutos antes do café da manhã, ou à noite, 4 horas após a última refeição. Não deve ser ingerida junto com substâncias ou medicações que interfiram na sua absorção, como ferro, cálcio, suplementos minerais, hidróxido de alumínio, inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol) e sucralfato. O objetivo do tratamento é normalizar o TSH, o qual deve ser avaliado só 4 a 8 semanas após a dose-alvo de levotiroxina ter sido iniciada. Os valores normais de TSH variam de acordo coma idade do paciente. Assim, recomenda-se que o paciente mais jovem (< 60 anos) tenha como alvo terapêutico níveis de TSH de 1 a 2,5 mUI/L; nos pacientes entre 60 e 70 anos, o alvo de TSH deve ser 3 a 4 mUI/L; nos pacientes com mais de 70 anos, a dose deve ser 4 a 6 mUI/L. → QUANDO REFERENCIAR Embora a maioria dos médicos de família e comunidade esteja apta a diagnosticar e tratar pessoas com hipotireoidismo, em algumas situações, é aconselhável referenciá-las ao especialista: ● Crianças e adolescentes. ● Gestantes ou mulheres no período pós-parto. ● Pessoas sem melhora clínica, independente da prescrição correta da levotiroxina. ● Portadores de DCV ou gravemente enfermos. ● Pessoas em uso concomitante de fármacos, como lítio, amiodarona, ou anticonvulsivantes (fenitoína e carbamazepina). ● Indivíduos com alterações estruturais da glândula: bócios volumosos, nódulos. ● Pacientes com hipotireoidismo grave, levando ao mixedema. ● Pacientes com hipotireoidismo central. ▪ TIREOTOXICOSE Podem-se encontrar os termos hipertireoidismo e tireotoxicose empregados como sinônimos, porém, conceitualmente, o primeiro se refere ao aumento da produção de hormônios pela tireoide, e o segundo se refere ao quadro clínico decorrente da exposição dos tecidos-alvo ao excesso de HT (seja por dano, hiperfunção da glândula ou por ingestão de HT). Apenas em raras ocasiões, o hipertireoidismo não leva à tireotoxicose. Tal como o hipotireoidismo, o hipertireoidismo também pode ser subdividido em declarado e subclínico. Na primeira condição, ocorre aumento das concentrações de HT e supressão de TSH, ao passo que o hipertireoidismo subclínico é definido como concentração suprimida de TSH com valores normais de HT, na ausência de doença hipofisária ou hipotalâmica. De maneira didática, as causas de tireotoxicose podem ser divididas em dois grandes grupos: 1) endógenas: decorrentes do aumento da produção hormonal pela tireoide ou da destruição do tecido tireoidiano por processo inflamatório, com a liberação do HT na corrente sanguínea; e 2) exógenas: relacionadas ao uso de certas medicações. A grande maioria dos casos de tireotoxicose por hipertireoidismo pertence a três etiologias principais: doença de Graves, bócio multinodular e adenoma tóxico, com uma pequena contribuição das tireoidites. A principal causa de hipertireoidismo é a doença de Graves (60-80% dos casos). Caracteriza-se por ser uma disfunção autoimune causada pela existência de anticorpos IgG estimuladores do receptor do TSH, que mimetizam o efeito da tireotrofina produzida pela hipófise, estimulando o aumento de volume e a função da tireoide. Além de sua característica clássica (hipertireoidismo), a doença de Graves frequentemente está associada à orbitopatia autoimune infiltrativa (orbitopatia de Graves) e, mais raramente, à dermopatia ou mixedema pré-tibial. Vale salientar que os termos “doença de Graves” e “hipertireoidismo” não são sinônimos, pois algumas pessoas apresentam manifestações oculares sem hipertireoidismo, e, conforme já explicitado, existem outras causas de hipertireoidismo que não a doença de Graves. O bócio multinodular tóxico é a segunda causa mais comum de hipertireoidismo. Caracteriza-se pela presença de um ou mais nódulos autônomos hiperfuncionantes. A evolução de um bócio difuso para um bócio multinodular atóxico e deste para um bócio multinodular tóxico é gradual (em geral, muitos anos) e depende, em grande parte, da quantidade diária de iodo ingerido na dieta (em áreas com carência de iodo, é 10 vezes mais comum). Acomete mais indivíduos acima de 60 anos e é mais comum no sexo feminino. O adenoma tóxico causa hipertireoidismo por mecanismo semelhante ao do bócio multinodular (produção de HT pelas células foliculares, independentemente da regulação de TSH). A diferença é que, ao contrário do bócio multinodular tóxico (em que as alterações genéticas responsáveis pelo automatismo são, na maioria, indeterminadas), no adenoma tóxico, o crescimento e a diferenciação celular das células foliculares são secundários a uma mutação no gene que expressa o receptor de TSH. Sua prevalência aumenta com a idade, também é mais comum em mulheres. → ANAMNESE Os sintomas clássicos de tireotoxicose são hiperatividade, perda de peso, sudorese excessiva, irritabilidade e palpitações. As manifestações clínicas surgem de maneira insidiosa, influenciadas pela idade da pessoa (em geral, os quadros são menos evidentes nos idosos), etiologia e duração da doença, grau de excesso de HT circulante e presença de comorbidades (p. ex., DAC, IC ou transtorno psiquiátrico). Ao entrevistar a pessoa, o médico de família deve estar atento aos seguintes fatores de risco associados ao desenvolvimento de hipertireoidismo: a) pessoais: predominância no sexo feminino, disfunção tireoidiana anterior, uso de medicamentos (amiodarona, citocinas, lítio) ou compostos com iodo, tabagismo (risco maior para oftalmopatia), puerpério, fator estressante ambiental (separação, morte, etc.); b) familiares: doenças da tireoide, doenças autoimunes (miastenia grave, DM1, insuficiência suprarrenal primária). → EXAME FÍSICO Na doença de Graves, a maioria dos indivíduos apresenta tireoide difusamente aumentada (em geral, 2-3 vezes o tamanho normal), lisa, firme e indolor. Pode-se encontrar também a presença de frêmito e sopro nos bócios de maior volume. Naqueles com bócio multinodular, o exame da glândula revela aumento irregular, com a presença de nódulos de diversos tamanhos em sua superfície. No adenoma tóxico, o achado característico é a presença de nódulo unilateral, firme, bem definido, normalmente maior do que 3 cm. Em relação aos olhos, pode ocorrer retração das pálpebras superiores e/ou inferiores, que é frequente em todas as formas de tireotoxicose, independentemente da sua causa. Também é comum o atraso palpebral. Essas manifestações oculares parecem resultar do aumento do tônus adrenérgico, devendo ser diferenciadas da orbitopatia infiltrativa, que ocorre apenas na doença de Graves. A orbitopatia de Graves é uma doença autoimune em que linfócitos T circulantes dirigidos contra o antígeno das células foliculares tireoidianas reconhecem um antígeno semelhante em tecidos orbitários, com consequente infiltração da órbita por células T ativadas, liberação de citocinas (IFN-γ, IL e fator de necrose tumoral beta [TNF-β]), estimulação da expressão de proteínas imunomoduladoras e produção de moléculas glicosaminoglicanas pelos fibroblastos orbitários. Devido à inflamação e ao acúmulo dessas moléculas glicosaminoglicanas (sobretudo ácido hialurônico), nos músculos extraoculares e nos tecidos adiposo e conectivo retro-orbitários, ocorre aumento do volume, elevação da pressão retrobulbar, com edema e hiperemia conjuntival, exoftalmia, alteração da motilidade muscular, diplopia e, em casos graves, disfunção do nervo óptico. A dermopatia da doença de Graves (mixedema pré-tibial) caracteriza-se por uma lesão nodular ou em placa, eritematoinfiltrada (aspecto semelhante ao de uma casca de laranja), localizada geralmente na região tibial anterior ou dorsal do pé. É um achado bem menos frequente (menos de 5% dos casos) e em geral está associado à orbitopatia. O quadro clínico dos indivíduos com bócio, uni ou multinodular tóxico, é menos flagrante que aquele dos indivíduos com doença de Graves, pelo fato de haver menor quantidade de HT circulante nos casos de doença nodular e por apresentar maior incidência em faixas etárias mais tardias. → EXAMES COMPLEMENTARES Assim como no hipotireoidismo, a confirmação diagnóstica também se faz pela dosagem de TSH e HT (geralmente T4L), que, na forma declarada da doença, se encontra diminuída (em geral < 0,1 mUI/L) e elevada, respectivamente. No hipertireoidismo subclínico, a concentração sérica de TSH encontra-se suprimida(abaixo de 0,3 mUI/L), e os valores de HT estão dentro da faixa de normalidade. A dosagem dos anticorpos antirreceptores de TSH (TRAb) representa um recurso auxiliar para o diagnóstico diferencial das causas de hipertireoidismo (estão presentes em mais de 90% das pessoas com doença de Graves), mas a sua utilidade diagnóstica é limitada, pois a análise dos sinais e sintomas, aliada à constatação da hiperfunção da glândula por TSH/T4L, torna a determinação do TRAb, na maioria dos casos, desnecessária. Há, no entanto, algumas situações nas quais se justificaria a determinação desse anticorpo: 1) para rastrear indivíduos eutireóideos com oftalmopatia de Graves; 2) para avaliar o risco de hipertireoidismo neonatal em mães com doença de Graves; e 3) para analisar a probabilidade de recidiva em indivíduos com doença de Graves após a suspensão do tratamento clínico. O exame de captação de iodo radiativo (I123 ou I131), outrora usado como recurso diagnóstico, perdeu espaço para as técnicas mais modernas de dosagem de TSH ultrassensíveis e dosagem de anticorpos. Contudo, ainda é solicitado quando a história clínica, o exame físico e as dosagens hormonais não conseguem definir a etiologia da tireotoxicose, como destruição de folículos tireoidianos por neoplasias, tireoidites autoimunes, radiação ou tireotoxicose factícia (nesses casos, a captação de iodo radiativo encontra-se suprimida), e para auxiliar no cálculo da dose de I131 na radioiodoterapia. Nos indivíduos com suspeita de doença nodular e que apresentam tireotoxicose, a cintilografia da tireoide está formalmente indicada, a fim de se estabelecer o diagnóstico diferencial entre bócio multinodular (nesse acaso, a concentração de radioisótopo se distribui de maneira heterogênea), adenoma tóxico (revela um nódulo único hiperfuncionante, com o restante da glândula hipofuncionante) e doença de Graves com nódulo (captação difusa e homogênea, com ou sem hipocaptação na projeção do nódulo) e também na tomada de decisão quanto à necessidade ou não de punção aspirativa com agulha fina (PAAF), identificando a área que será puncionada. → CONDUTA PROPOSTA A escolha do tipo de tratamento depende de vários fatores – entre eles, causa e gravidade da doença, idade da pessoa, tamanho do bócio, preferências regionais, custo, doenças associadas e preferências da pessoa. Como terapia adjuvante ao controle dos sintomas adrenérgicos (palpitações, tremores, nervosismo), são usados fármacos betabloqueadores (propranolol, atenolol) em doses progressivamente maiores até a melhora dos sintomas (p. ex., 80-120 mg de propranolol/dia), especialmente em pacientes idosos, com frequência cardíaca (FC) acima de 90 bpm em repouso, ou com DCV coexistente. É importante lembrar que tais medicamentos não devem ser prescritos para pacientes com asma brônquica ou doença pulmonar obstrutiva crônica. Quando a escolha for o uso de medicamentos antitireoidianos, tem-se à disposição, no Brasil, propiltiouracil e metimazol. Essas tionamidas agem basicamente bloqueando a oxidação e a organificação do iodo na tireoide, suprimindo, assim, a síntese do hormônio pela glândula. O propiltiouracilprescrito em altas doses também possui ação periférica, bloqueando a conversão de T4 em T3 (efeito desejável nos casos de hipertireoidismo grave). Apesar de ambas serem efetivas, a recomendação atual é que se dê preferência ao metimazol, devido à sua comodidade posológica (uma tomada ao dia), ao menor custo e à menor incidência de efeitos colaterais (raros em doses menores do que 20 mg/dia). Só no primeiro trimestre da gestação, nas crises tireotóxicas e em raros pacientes que apresentaram efeitos colaterais menores ao metimazol e que recusam a radioiodoterapia e a cirurgia, é utilizado o propiltiouracil. OBS: Antes do início do tratamento com medicação antitireoidiana, devem ser solicitados hemograma, enzimas hepáticas e bilirrubinas, e o paciente deve ser orientado quanto aos riscos de agranulocitose e hepatotoxicidade e quanto à suspensão da medicação, caso apresente qualquer manifestação clínica compatível com uma destas situações. A dose inicial do metimazol é de 15 a 30 mg/dia, devendo ser reajustada de acordo com as dosagens de TSH/T4L (em geral, atinge-se controle satisfatório com 6-12 semanas de tratamento). É importante salientar que o melhor parâmetro laboratorial de controle do hipertireoidismo são os níveis de T4L e T3L, visto que as dosagens de TSH podem permanecer suprimidas por vários meses, mesmo quando as pessoas se tornam eutireóideas. No caso da doença de Graves, se TSH normal, após 12 a 18 meses de tratamento clínico, o medicamento antitireoidiano deve ser suspenso, e os títulos de TSH/T4L, acompanhados a intervalos regulares. A remissão do hipertireoidismo é obtida em até 50% dos casos de pessoas com doença de Graves, havendo maiores chances de retorno dos sintomas após a suspensão do tratamento em pessoas com bócios volumosos, longo tempo de doença e níveis muito elevados de T3. Caso haja recidiva da doença, o melhor a fazer é referenciar a pessoa para tratamento definitivo (radioiodoterapia ou cirurgia, com preferência para a primeira opção). No caso de bócios multi ou uninodulares, o tratamento medicamentoso é usado apenas para compensação do hipertireoidismo até que a conduta definitiva possa ser tomada (radioiodoterapia ou cirurgia, dependendo do tamanho do bócio, das condições clínicas e da preferência do paciente). O uso do iodo radiativo (I131) é a primeira opção para o tratamento da doença de Graves nos EUA e em alguns países da Europa. Também se opta por esse tipo de terapia nos casos de bócio multinodular ou adenoma tóxico. Por causar destruição celular e atrofia da glândula, a maioria das pessoas torna-se hipotireóidea ao final de 1 ano da radioiodoterapia (fato que precisa ser informado à pessoa). É, pois, uma terapia de baixo custo, eficaz, de fácil administração e segura (não há evidências de que esteja associada a maiores índices de câncer da tireoide ou a outros tipos de neoplasias). O tratamento cirúrgico é empregado apenas em casos bem selecionados (p. ex., bócios muito volumosos, presença de nódulos malignos, falha do tratamento clínico em gestantes durante o último trimestre). A extensão da cirurgia dependerá da causa do hipertireoidismo (tireoidectomia quase total, ou total, para doença de Graves, bócios com nódulos em ambos os lobos e hemitireoidectomia para adenomas tóxicos). Para o tratamento dos quadros de tireotoxicose que acompanham as tireoidites, conforme já mencionado, a maioria dos casos não necessita de tratamento específico, apenas o uso de betabloqueadores na fase inicial. No caso da tireoidite subaguda, para o controle da dor, podem ser prescritos analgésicos comuns (paracetamol), anti- inflamatórios não esteroides (AINEs) ou até mesmo esteroides por via oral (prednisona 20-40 mg/dia, com retirada gradual). O tratamento do hipertireoidismo subclínico, ainda que controverso, encontra consenso entre os especialistas nas seguintes situações: idosos (> 60-65 anos) ou mulheres na pós-menopausa que não estejam em reposição hormonal ou em uso de bifosfonatos, pacientes com evidência de doença cardíaca (p. ex., fibrilação atrial recente, IC, DAC), indivíduos com osteoporose e pessoas que possuam dosagem de TSH inferior a 0,1 mUI/L. Às vezes, nos estágios iniciais de tireotoxicose, o clínico pode deparar-se com a seguinte situação: TSH supresso, T4L normal e T3L aumentado (quadro conhecido como tireotoxicose por T3). É aconselhável a realização de hemograma e avaliação hepática (enzimas hepáticas e bilirrubina) antes do início da medicação antitireoidiana. Contudo, não há necessidade de submeter o paciente à análise seriada destes exames ao longo do tratamento. → QUANDO REFERENCIAR Conforme já mencionado, a menos que o médico de família seja bastante experiente no manejode indivíduos com hipertireoidismo (declarado e subclínico), é aconselhável seu referenciamento a especialistas habilitados. Seria interessante que, em comum acordo com o endocrinologista, a pessoa já saia do consultório do generalista medicada (betabloqueadores e, talvez, tionamidas), para que se ganhe tempo no controle dos sintomas, evitando-se também complicações relacionadas à doença. ▪ ATIVIDADES PREVENTIVAS E DE EDUCAÇÃO O rastreamento populacional de disfunções tireoidianas em adultos assintomáticos, realizado por meio da mensuração de TSH a cada 5 anos, a partir dos 35 anos, é recomendado pela American Thyroid Association (ATA) e pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). Apesar da força de evidência ser fraca para tal recomendação (D), essas sociedades médicas justificam-na com base nas seguintes premissas: 1) prevalência e relevância como problema de saúde; 2) dificuldade em realizar o diagnóstico precoce; 3) teste de confirmação diagnóstica simples e de elevada acurácia; 4) tratamento seguro e custo-efetivo. Por outro lado, a Força-Tarefa Americana de Prevenção (U.S. Preventive Services Task Force) não recomenda o rastreamento de indivíduos assintomáticos, justificando que há necessidade de mais estudos que comprovem os benefícios clínicos associados ao rastreamento das disfunções tireoidianas. Ao contrário do rastreamento populacional, a estratégia de busca ativa (case-finding) encontra consenso entre os vários especialistas, justificando-se nos indivíduos de maior risco para desenvolver disfunções tireoidianas, tais como indivíduos com doenças autoimunes (DM1, anemia perniciosa, vitiligo), história prévia de cirurgia tireoidiana ou radioterapia cervical, história familiar (familiar de primeiro grau) de doença autoimune da tireoide, indivíduos com doenças psiquiátricas, demência ou hipercolesterolemia, uso de lítio ou amiodarona, entre outras. Em relação ao rastreamento populacional do câncer da tireoide por meio de US, não há, ainda, respaldo na literatura, embora seja uma prática comum com grande risco de iatrogenia, como falso-positivos e sobre diagnósticos, como ocorreu na Coreia do Sul. ▪ PAPEL DA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL Toda a equipe deve estar ciente das evidências científicas em relação ao rastreamento populacional de problemas de tireoide, em especial quanto ao uso indiscriminado de US para colaborar na orientação e na tranquilização das pessoas. A equipe de enfermagem deve conhecer a cascata diagnóstica, a fim de colaborar com a busca ativa e com a coordenação do cuidado, bem como na orientação dos próximos passos e dos riscos e benefícios de cada etapa. É comum, neste processo, ocorrerem momentos de incerteza diagnóstica; dessa forma, a equipe pode colaborar tranquilizando e orientando as pessoas. REFERÊNCIA: Endocrinologia Clínica – Lúcio Vilar A doença de Graves (DG) representa a etiologia mais comum de hipertireoidismo (80% dos casos). Origem autoimune. A DG se mostra 5 a 10 vezes mais comum em mulheres do que em homens. Seu pico de incidência ocorre entre 30 e 60 anos, mas pode manifestar-se em qualquer faixa etária. Ela se mostra mais comum na raça branca, mas dados recentes sugerem um possível aumento da incidência da DG em jovens negros americanos. Apesar de ser uma doença autoimune órgão-específica, a DG cursa com manifestações ou complicações sistêmicas autoimunes ou decorrentes do excesso de hormônios tireoidianos. De 10 a 20% dos pacientes com DG apresentam remissão espontânea, e cerca de 50% tornam-se hipotireóideos após 20 a 30 anos, na ausência de qualquer tratamento. Isso ocorre, mais provavelmente, em razão da contínua destruição da tireoide pelo processo autoimune. Entretanto, em função das complicações cardiovasculares do hipertireoidismo (taquiarritmias, insuficiência cardíaca e fenômenos tromboembólicos), a DG não tratada mostra-se potencialmente fatal, sendo de suma importância que seu diagnóstico e tratamento sejam precoces. ➢ Etiopatogênese A DG é um distúrbio autoimune cujo principal sítio antigênico é o receptor do TSH (TSHR). O hipertireoidismo se origina da produção pelos linfócitos B de anticorpos contra o TSHR (TRAb). Tais anticorpos se ligam ao TSHR e ativam complexos de sinalização das proteínas Gsα e Gq, o que, em última análise, resulta em crescimento da tireoide, aumento de sua vascularização e incremento da taxa de produção e secreção dos hormônios tireoidianos. Ao se ligarem ao receptor do TSH, os TRAb vão estimular a síntese e a liberação dos hormônios tireoidianos (T3 e T4), que, por sua vez, exercem retroalimentação negativa sobre a hipófise, mas não sobre os TRAb. Como consequência, surgirá elevação do T3 e T4, associada à supressão do TSH. Anticorpos que atuam como antagonistas do TSH são referidos como TRAb bloqueadores. Eles são encontrados em alguns pacientes com DG e em 15% dos pacientes com tireoidite crônica autoimune (tireoidite de Hashimoto), particularmente naqueles sem bócio (variedade atrófica).6,7 A DG e a tireoidite de Hashimoto compõem o espectro da chamada doença tireoidiana autoimune (DTA). Ocasionalmente, em pacientes com DTA, pode acontecer modificação (temporária ou permanente) do tipo predominante de TRAb, fazendo com que eles possam evoluir do hipo para o hipertireoidismo e vice-versa. Além disso, em alguns pacientes com DG, o hipertireoidismo pode estar ausente (transitoriamente ou não), devido a um equilíbrio entre anticorpos bloqueadores e estimuladores. ➢ Fatores predisponentes A DG é poligênica e multifatorial; se desenvolve como resultado de uma interação complexa entre a suscetibilidade genética e fatores ambientais ou endógenos, o que conduz à perda da tolerância imunológica a antígenos da tireoide e, em particular, ao receptor do TSH. Fatores genéticos Na DG, há uma nítida predisposição familiar, especialmente materna; 15% dos pacientes têm um parente próximo com DG, e cerca de 50% dos parentes de pacientes com a doença apresentam anticorpos antitireoidianos. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527728928/epub/OEBPS/Text/chapter30.html#bib6 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527728928/epub/OEBPS/Text/chapter30.html#bib7 Fatores ambientais e endógenos Informação considerável tem se acumulado sobre os fatores ambientais que podem induzir DG. Entre eles se incluem danos à tireoide, por radiação ou por injeção de etanol, com a liberação de antígenos tireoidianos na circulação.10 Aumento da ocorrência de DG foi relatado em pacientes com linfoma submetidos à radioterapia cervical, bem como em crianças e adolescentes vitimados pela explosão de Chernobyl.10,12 Tratamento com iodo radioativo (RAI) para bócio multinodular (tóxico e atóxico) e injeção de etanol para cura de bócios nodulares tóxicos podem ser seguidos do surgimento de TRAb e desenvolvimento de DG. Indução de autoimunidade tireoidiana, incluindo a doença de Graves, pode ser consequente à utilização terapêutica de interleucina (IL-1 alfa, IL-2), bem como interferon-α e γ. DG tem também sido associada à terapia antirretroviral altamente ativa para o HIV. Isso pode estar relacionado com aumento do número de células T CD4+ ou com alteração em suas funções. Hipertireoidismo de Graves também ocorre em pacientes com esclerose múltipla tratados com o anticorpo monoclonal Campath-1H, dirigido contra as células T. Da mesma maneira, pode ser induzido pela terapia com lítio (pode modificar as respostas imunes), bem como desencadeado ou agravado pelo uso da amiodarona. Em alguns pacientes, situações adversas (como privação, aflição, divórcio, perda do emprego etc.) ou, mesmo, programas agressivos de perda de peso, antecedem a eclosão da DG. Isso sugere a participação do estresse como fator iniciante da doença, pelas vias neuroendócrinas. O tabagismo aumenta em duas vezes o risco para DG e está mais fortemente relacionado com o desenvolvimentoda oftalmopatia, a qual é mais frequente e tende a ser mais acentuada em fumantes. ➢ Diagnóstico clínico A DG apresenta-se com três manifestações principais: hipertireoidismo com bócio difuso, oftalmopatia infiltrativa e dermopatia (mixedema pré-tibial). Raramente, os pacientes com doença de Graves podem desenvolver um quadro de hipertireoidismo grave. Hipertireoidismo As manifestações clínicas do hipertireoidismo são decorrentes do efeito estimulatório dos hormônios tireoidianos sobre o metabolismo e os tecidos. Entre as mais características, incluem-se nervosismo, insônia, emagrecimento (apesar da polifagia), taquicardia, palpitações, intolerância ao calor, sudorese excessiva com pele quente e úmida, tremores, fraqueza muscular e hiperdefecação. Há, contudo, um quadro chamado de hipertireoidismo apático, observado em pacientes idosos, em que não há os sintomas de hiperatividade adrenérgica (agitação, nervosismo etc.), mas astenia intensa, fraqueza muscular e prostração ou depressão grave. Muitas vezes, predominam manifestações cardiovasculares (p. ex., fibrilação atrial e/ou https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527728928/epub/OEBPS/Text/chapter30.html#bib10 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527728928/epub/OEBPS/Text/chapter30.html#bib10 https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527728928/epub/OEBPS/Text/chapter30.html#bib12 insuficiência cardíaca refratárias ao tratamento usual). De modo geral, quanto mais idoso o paciente, mais atípicas são as manifestações da DG. Uma distinção pode ser feita entre hipertireoidismo e tireotoxicose. O primeiro implica que tanto a formação quanto a liberação de hormônios tireoidianos estejam aumentadas, enquanto tireotoxicose representa a síndrome clínica resultante do excesso circulante de T3 e T4. Entretanto, essas denominações comumente são usadas como sinônimos. Bócio Na DG, o bócio é caracteristicamente difuso, sendo observado em 97% dos casos. Pode ser assimétrico ou lobular, com volume variável. Em alguns pacientes, há frêmito e sopro sobre a glândula, produzidos por um notável aumento do fluxo sanguíneo, sendo esse achado exclusivo da doença. Qualquer paciente com bócio difuso e hipertireoidismo tem DG até que se prove o contrário. Em idosos, quando presente, o bócio tende a ser pequeno. Oftalmopatia A oftalmopatia ou orbitopatia tem a mesma etiopatogênese autoimune do hipertireoidismo da DG e pode ser exacerbada tanto pelo hipo como pela hiperfunção tireoidiana. Decorre do espessamento dos músculos extraoculares e aumento da gordura retrobulbar, o que leva a um incremento da pressão intraorbitária. Como consequência, podem ocorrer protrusão do globo ocular (proptose ou exoftalmia) e diminuição da drenagem venosa, resultando em edema periorbital, edema da conjuntiva (quemose) e hiperemia conjuntival. A e B. Oftalmopatia de Graves, com graus variados de retração palpebral (RP), proptose e hiperemia conjuntival. Note o olhar assustado, resultante, juntamente com a RP, de hiperatividade adrenérgica. C. Perfil de paciente com oftalmopatia de Graves. Note o edema periorbital e a proptose. As manifestações oculares mais comuns na DG são a retração palpebral, o olhar fixo ou assustado e o sinal de lid- lag (retardo na descida da pálpebra superior quando o globo ocular é movido para baixo). Entretanto, elas ocorrem em qualquer forma de tireotoxicose, por serem consequentes à hiperatividade adrenérgica. Em contrapartida, o achado de edema periorbital e exoftalmia praticamente confirma o diagnóstico de DG. Homens idosos e fumantes apresentam maior risco de desenvolver oftalmopatia grave. A exoftalmia na DG, geralmente, é bilateral, mas pode ser unilateral. Nessa situação, precisa ser diferenciada de um tumor retrobulbar ou malformação arteriovenosa por meio de tomografia computadorizada ou ressonância magnética. Exoftalmia grave impede o fechamento da pálpebra durante o sono, podendo levar à inflamação da córnea (queratite) por exposição. A quemose pode ser leve, apenas evidenciável por pressão da pálpebra inferior sobre a conjuntiva, ou grave, com prolapso da conjuntiva edemaciada. Dermopatia (mixedema pré-tibial) Acomete apenas 5 a 10% dos pacientes com DG e, quase sempre, está associada à oftalmopatia (geralmente grave) e a títulos elevados de TRAb. Excepcionalmente, é vista em pacientes eutireóideos com DG ou com tireoidite de Hashimoto. Consiste no espessamento da pele, particularmente na área pré-tibial, devido ao acúmulo de glicosaminoglicanos. As lesões mostram-se em placas e, nelas, a pele está bastante espessada, com aspecto de casca de laranja e coloração violácea. Uma manifestação mais comum da doença de Graves, envolvendo pele e fâneros, é a onicólise (unhas de Plummer), que se caracteriza pela separação da unha de seu leito. Geralmente reverte espontaneamente, com a melhora do hipertireoidismo. Diagnóstico laboratorial Exames bioquímicos e hormonais Função tireoidiana A DG e quase todas as outras causas de tireotoxicose endógena significativa caracterizam-se por níveis baixos ou indetectáveis de TSH, associados à elevação das frações total (ligada à globulina de ligação da tiroxina [TBG]) e livre do T4 e T3. Ocasionalmente, apenas o T3 está elevado, acompanhando a supressão do TSH (T3-tireotoxicose). Tal situação é mais comum na fase inicial da doença ou em casos de recidiva. Além disso, inicialmente podemos encontrar apenas níveis baixos de TSH, com T4 e T3 normais, caracterizando o hipertireoidismo subclínico. Anticorpos antitireoidianos Entre os pacientes com DG, até 50% apresentam anticorpos antitireoglobulina (anti-Tg) e até 90%, anticorpos antitireoperoxidase (anti-TPO), em títulos mais baixos do que os observados na tireoidite de Hashimoto. Na Europa, cerca de 85% dos especialistas dosam o TRAb na avaliação diagnóstica inicial da DG. Uma conduta similar é relatada no Japão e na Coreia. Em nosso meio e nos EUA, as diretrizes ainda recomendam priorizar a dosagem dos TRAb em algumas situações específicas, tais como: (1) no diagnóstico da DG eutireóidea; (2) no diagnóstico do hipertireoidismo apático; (3) na distinção entre DG e tireoidite pós-parto ou tireoidite subaguda linfocítica; (4) na avaliação do risco de recidiva do hipertireoidismo após a suspensão do tratamento com as tionamidas (títulos elevados aumentam o risco de recidiva); e (5) em gestantes com DG. TRAb em títulos elevados no final da gestação implica risco aumentado de hipertireoidismo neonatal. Em contrapartida, sua negativação favorece a interrupção do tratamento, visando diminuir o risco de hipotireoidismo fetal. Parâmetros hematológicos e bioquímicos Na DG, observam-se leucopenia (comum), hipercalciúria e hipercalcemia (ocasionais), elevação de transaminases e hiperbilirrubinemia (nos casos mais graves). Redução do colesterol total e do LDL-colesterol pode, também, ser encontrada. Exames de imagem Captação do iodo radioativo nas 24 horas (RAIU/24 h) A captação elevada do iodo radioativo nas 24 h (RAIU/24 h) normal em nosso meio situa-se entre 15 e 35%. Ela se encontra elevada em praticamente 100% dos casos de DG, o que possibilita facilmente sua diferenciação com os casos A onicólise (unhas de Plummer) se caracteriza pela separação da unha do leito ungueal. de tireotoxicose secundária à tireoidite subaguda linfocítica e tireoidite pós-parto, situações em que a RAIU/24 h está caracteristicamente muito baixa ou ausente. Somente deve ser solicitado, portanto, quando houver dúvida diagnóstica entre a DG e as mencionadas patologias. Ultrassonografia A US tem sensibilidade semelhante à RAIU/24 h para o diagnóstico da DG. Vantagens da US são ausência de exposição à radiação ionizante, maior precisão na detecção de eventuais nódulos tireoidianos e custo mais baixo. Alémdisso, a US com Doppler colorido pode diferenciar a DG (glândula hipoecogênica difusamente aumentada) da tireotoxicose induzida pela destruição folicular (volume glandular e fluxo sanguíneo diminuídos). Cintilografia tireoidiana Cintilografia com iodo radioativo (123I ou 131I) ou tecnécio deve ser realizada em pacientes com nódulos identificados à ultrassonografia, para avaliar se tais nódulos são “quentes” ou “frios”. Punção aspirativa com agulha fina Estará indicada quando forem encontrados nódulos tireoidianos normo ou hipocaptantes à cintilografia. Foi sugerido, por alguns estudos, que tais nódulos teriam maior risco para malignidade em pacientes com DG, porém estudos mais recentes não confirmaram essa possibilidade. Tratamento O hipertireoidismo devido à doença de Graves é tratado com uma das seguintes abordagens: (1) uso de drogas antitireoidianas (DAT), também denominadas antitireoidianos de síntese ou tionamidas, para normalizar a produção de T3 e T4; (2) destruição da tireoide, usando o iodo radioativo (RAI); ou (3) remoção cirúrgica da tireoide. A escolha do tratamento depende das características clínicas e eventuais preferências dos pacientes. Tratamento medicamentoso Antitireoidianos de síntese (tionamidas) Existem duas opções principais: metimazol (MMI), também chamada tiamazol, e propiltiouracil (PTU). Em alguns países europeus e asiáticos, está também disponível o carbimazol (precursor do MMI), que é rapidamente convertido no soro a MMI (10 mg de carbimazol são metabolizados em cerca de 6 mg de MMI). A longa duração do MMI (até 24 horas ou mais) torna possível sua administração em dose única diária, o que facilita a melhor adesão ao tratamento. Em contrapartida, o PTU deve ser administrado, pelo menos inicialmente, em 2 a 3 tomadas diárias. Contudo, uma dose dividida pode ser mais efetiva inicialmente nos casos mais graves. Mecanismo de ação As tionamidas não inibem a captação do iodo pela tireoide nem afetam a liberação dos hormônios já sintetizados e estocados dentro da glândula. Por isso, seu efeito terapêutico pleno é mais bem observado após cerca de 10 a 15 dias.50 O mecanismo de ação principal desses fármacos é a inibição da síntese de tiroxina (T4) e tri-iodotironina (T3) dentro das células foliculares, por interferirem na organificação (formação de MIT e DIT) e no acoplamento (junção de MIT e DIT https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527728928/epub/OEBPS/Text/chapter30.html#bib50 para formar T3 e T4) das iodotirosinas, pelo bloqueio da peroxidase tireoidiana, enzima responsável pela iodinação dos resíduos tirosínicos na tireoglobulina. Posologia A dose inicial usual é de 10 a 30 mg/dia de MMI ou 100 a 300 mg/dia de PTU, na dependência da gravidade do hipertireoidismo. Doses mais elevadas (p. ex., 30 a 40 mg/dia de MMI) podem propiciar normalização mais rápida dos hormônios tireoidianos, mas são mais propensas a causar efeitos adversos. Assim, elas estão mais indicadas nos casos mais graves (p. ex., FT4 > 3 vezes o limite superior da normalidade [LSN]). Após o início do tratamento, os pacientes devem ser avaliados a cada 4 a 6 semanas. Uma vez alcançado o eutireoidismo, a dose da tionamida deve ser reduzida gradualmente até que se obtenha a menor dose que mantenha os pacientes eutireóideos. A partir daí, as visitas ao médico passam a ser trimestrais. A dose usual de manutenção é de 5 a 10 mg/dia para o MMI e de 50 a 100 mg 2 vezes/dia para o PTU. É importante estar atento ao fato de que os níveis séricos de TSH podem permanecer suprimidos por vários meses após a obtenção do eutireoidismo e tal situação pode ser verificada mesmo quando há hipotireoidismo bioquímico (T4 livre baixo). Assim, a utilidade da dosagem do TSH nos primeiros meses de tratamento com as tionamidas é limitada. Eficácia do tratamento Entre os pacientes que toleram e tomam adequadamente as tionamidas, a grande maioria atingirá normalização hormonal. No entanto, recorrências são frequentes. Fatores que influenciam a resposta a longo prazo às tionamidas → Duração do tratamento com as tionamidas. A duração ideal da terapia ainda é motivo de controvérsia, mas parece ser de 12 a 18 meses. Pacientes tratados por 6 meses têm resposta menos favorável do que os medicados por 12 a 24 meses. Uma metanálise mostrou que a taxa de remissão em adultos não é melhorada quando se mantém o tratamento por um período superior a 18 meses. → Dose da tionamida. De acordo com a maioria dos estudos, a taxa de remissão definitiva parece ser similar com o uso de doses altas ou baixas de DAT. Por outro lado, conforme já mencionado, as evidências apontam para a obtenção mais rápida do eutireoidismo com o uso de doses mais altas. Estas últimas seriam, também, preferíveis para os casos de hipertireoidismo mais grave. → Idade/sexo. Em um estudo com 536 pacientes, a remissão foi menor em homens do que em mulheres (20 vs. 40%), bem como nos indivíduos com menos de 40 anos em relação aos mais idosos (33 vs. 48%). Classicamente, crianças e adolescentes, em comparação aos adultos, apresentam taxa de remissão significativamente menor. → Tamanho do bócio. Quase todos os estudos confirmaram relação inversa entre o tamanho inicial do bócio e a probabilidade de remissão. Indivíduos com grandes bócios (≥ 80 g) são os menos propensos a responderem favoravelmente. → Função tireoidiana. Níveis iniciais de T3 > 500 ng/dℓ estão associados a maior chance de recidiva, o mesmo ocorrendo nos casos com TSH persistentemente suprimido ao final do tratamento. → Anticorpos antirreceptor do TSH (TRAb). Níveis elevados de TRAb ao diagnóstico e, sobretudo, ao final do tratamento, estão associados a maior taxa de recidiva, em comparação a títulos baixos desses anticorpos (75 a 92% vs. 20 a 50%, respectivamente, em séries antigas). Em metanálise publicada em 1994, TRAb foram detectados em apenas 53% dos pacientes que recidivaram, e 39% dos pacientes TRAb-negativos também cursaram com recidiva do hipertireoidismo. Dados com os ensaios de TRAb de 2a e 3a gerações são ainda escassos, mas na série de Massart et al., 41 dos 62 (66%) indivíduos que recidivaram eram TRAb-positivos. Também se demonstrou que, nos pacientes TRAb-positivos, o tempo mediano para recidiva foi significativamente menor (8 vs. 56 semanas). → Outros fatores. Uma taxa muito alta de recorrência do hipertireoidismo ocorreu no período pós-parto em mulheres que se encontravam em remissão durante a gestação. Maior tendência à recidiva foi, também, associada à oftalmopatia, bem como ao uso de iodo ou fármacos contendo iodo. Em alguns estudos, mas não em todos, tabagistas (sobretudo do sexo masculino) representaram um grupo de maior risco para recorrência. Além disso, hipoecogenicidade da tireoide à ultrassonografia, aumento do fluxo sanguíneo tireoidiano identificado pela ultrassonografia Doppler a cores, bem como a existência de HLA-D3, alelos DQA2U e rinite alérgica, foram incriminados como indicativos de maior tendência à recidiva do hipertireoidismo. Betabloqueadores Os betabloqueadores têm como indicação principal pacientes idosos com tireotoxicose sintomática e outros pacientes tireotóxicos com frequência cardíaca de repouso > 90 bpm ou doença cardiovascular coexistente. Eles são particularmente úteis na fase inicial do tratamento da doença de Graves (DG) com tionamidas, quando ainda não se alcançou o eutireoidismo, em razão de seu rápido efeito sobre as manifestações que resultam do sinergismo entre os hormônios tireoidianos e o sistema nervoso simpático (nervosismo, insônia, taquicardia, palpitações, tremor, sudorese etc.). Propranolol (40 a 120 mg/dia, em 2 a 3 tomadas) é a opção mais utilizada. Como alternativa, podem-se usar fármacos β-1 seletivos (p. ex., atenolol, 50 a 100 mg/dia). Os betabloqueadores são geralmente suspensos após as primeiras 3 ou 4 semanas. Caso estejam contraindicados(p. ex., pacientes com asma brônquica, doença pulmonar obstrutiva crônica ou bloqueio cardíaco), a taquicardia pode ser controlada com os antagonistas do cálcio diltiazem ou verapamil. Iodeto de potássio Esses achados sugerem que KI pode ser uma abordagem potencialmente útil para pacientes com DG leve que desejem evitar uma terapia definitiva, mas que sejam intolerantes às DAT ou eventualmente não queiram tomá-las.2 Esses achados precisam, contudo, ser ratificados por estudos envolvendo maior número de pacientes. Iodo radioativo (radioiodo) O radioiodo (131I) vem sendo utilizado no tratamento do hipertireoidismo desde 1941. Tem como objetivo controlar o hipertireoidismo, tornando o paciente hipotireóideo. É facilmente administrado por via oral, em solução ou cápsulas, e tem baixo custo. Pode ser empregado como terapia inicial ou como terapia definitiva de segunda linha, nos casos de recidiva após o uso das DAT. Em comparação aos outros tipos de tratamento da DG, o 131I é considerado o de melhor custo-benefício. Dose A dose ideal do 131I ainda é motivo de controvérsia. No nosso meio, a maioria dos especialistas prefere o uso de doses fixas (10, 12, 15 ou, mesmo, 20 mCi), por sua maior simplicidade. https://jigsaw.minhabiblioteca.com.br/books/9788527728928/epub/OEBPS/Text/chapter30.html#bib2 Eficácia A taxa de resposta satisfatória à radioiodoterapia, com consequente surgimento de hipo ou eutireoidismo, é de aproximadamente 80 a 90%. Fatores que influenciam a resposta ao radioiodo Entre os vários fatores que podem interferir na resposta ao 131I, o volume do bócio parece ser o mais importante. Bócios menores são os que respondem melhor e os que evoluem mais frequentemente para o hipotireoidismo, sobretudo com doses fixas. Complicações O principal inconveniente da radioiodoterapia é o hipotireoidismo, cuja frequência a curto prazo (p. ex., no primeiro ano pós-tratamento) depende da dose utilizada (maior com doses de 12 a 20 mCi do que com 8 a 10 mCi). Raramente, recidiva do hipertireoidismo acontece em pacientes que se tornaram hipotireóideos após o 131I. Contraindicações O 131I está contraindicado para pacientes que estejam grávidas ou amamentando. Costuma-se, também, recomendar que ele não seja administrado a homens e mulheres que estejam planejando ter filhos dentro dos 4 a 6 meses seguintes. Entretanto, não foi evidenciado risco de teratogenicidade com o radioiodo. Outras contraindicações relativas incluem bócios muito volumosos, recusa do paciente e oftalmopatia infiltrativa grave. Alergia ao iodo não representa contraindicação para o 131I. Tireoidectomia Apenas cerca de 1% dos casos é conduzido cirurgicamente nos EUA, mas esse percentual é consideravelmente maior em vários centros europeus. A cirurgia está indicada, sobretudo, nas seguintes situações: (1) bócios muito volumosos (> 150 g), (2) existência de sintomas compressivos locais ou nódulos com suspeita de malignidade após PAAF e (3) opção do paciente. Resumo De etiologia autoimune, a doença de Graves (DG) representa a etiologia mais frequente de hipertireoidismo (80% dos casos). Tem como manifestações mais características a tríade de bócio difuso, o hipertireoidismo e a oftalmopatia infiltrativa. Mais raras são a dermopatia e a acropatia de Graves. Há mais de 60 anos, as opções de tratamento são as mesmas para a DG: tionamidas (propiltiouracil [PTU] e metimazol [MMI]), radioiodo (131I) e tireoidectomia, todas elas com vantagens e desvantagens. Entre as tionamidas, o MMI é a opção de escolha, por ser mais eficaz, mais bem tolerado e menos hepatotóxico do que o PTU. Os principais inconvenientes das tionamidas são a necessidade de tratamento por, no mínimo, 12 meses e a alta taxa de recidiva após a suspensão do mesmo (cerca de 50%). O 131I é muito eficaz em reverter o hipertireoidismo, mas, a médio ou longo prazo, cerca de 80% dos pacientes desenvolverão hipotireoidismo. A cirurgia está particularmente indicada em pacientes com bócios muito volumosos não responsivos às tionamidas.