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~ DA REVOLUÇAO INDUSTRIAL INGLESAAO IMPERIALISMO ~, • JJ'.q' ' - ,6.t .. "''- -...... . ~~... . ~~ .. -"" ..: . ~. . . _,. 1 m \ ~\ ~ ' . . ~ i .. ;-!;,,, ,A• e• r"""· - t • :......·"'· 1l ..... '\ . ~ ,.J! \- -·- -.i·· ·.= .--..,.,,, --:'"-~ -; .. _.,. ·..;;e• .. -, ........ ~,~ ---·· ... ~ -. _,./º '· - / · . \! ... --~ -:i 1; .:. .. ""~ -: "' ~-~· .~"""-. ,;;:,, .... ~- :'~----=- . Eric J. Hobsbawm ~I FORENSE UNIVERSITÁRIA .,~· .. ,... ~- li INTRODUÇÃO A Revolução Industrial assinafa a mais radical transformação da vida humana já registrada em documentos escritos. Durante um bre· ve período ela coincidiu com a história de um único país, a Grã-Bre- tanha. Assim, toda uma economia mundial foi edificada com base na Grã-Bretanha, ou antes, em torno desse país, que por isso ascendeu temporariamente a uma posição de influência e poder mundiais sem paralelo na história de qualquer país com as suas dimensões relativas, antes ou desde então, e que provavelmente não será igualada por qualquer Estado no futuro previsível. Houve um momento na histó- ria do mundo em que a Grã-Bretanh:\ podia ser descrita como sua única ºfidna mecânica, seu único importador e exportador em grande escala, seu único transportador, seu único país imperialista e quase que seu único investidor estrangeiro; e, por esse motivo, sua única potênéia naval e o único país que possuía uma verdadeira política mundial. Grande parte desse monopólio devia-se simplesmente à soli- dão do pioneiro, soberano de tudo quanto ocupa por causa da ausên- cia de outros ocupantes. Ao se industrializarem os demais países, o monopólio findou automaticamente, muito embora o mecanismo das transferências e,conômicas mundiais> construído pelos britânicos e em termos da Grã-Bretanha, permanecesse indispensável ao resto do mundo durante algum tempo mais. Não obstante, para a maior parte cio mundo a era "britânica" da industrialização foi apenas uma fase - a inJcial ou uma das prime.iras fases - da história contemporânea. Para a Grã-Bretanha, aquela era significou obviamente muito mais. Nós, btitânicos, fomos profondamente marcados pela experiência de nosso pioneirismo econômico e social e até hoje continuamos marca- dos por ele. Essa situação histórica ímpar, pela qual passou a Grã- Bretanha, constitui o tema deste livro. Economistas e historiadores econômicos têtn discutido a fundo as características, vantagens e desvantagens do pioneirismo industrial, •v, chegando a diferentes conclusões. Essa variedade de conclusões depen- 13 m I J :11 de sobretudo do rumo que adotaram: se tentaram explicar porque as economias subdesenvolvidas hoje em dia não conseguem igualar-se às desenvolvidas ou se tentaram mostrar porque aqueles que fotam os primeiros a sair na corrida industrial - principalmente a Grii-Breta· nha - deixaram-se ser ultrapassados depois por outros, ret.Hdarários. As vantagens de se fazer urna revolução industrial no séc. XV III ou no começo do· séc. XIX eram enormes, e examinaremo,; ;1lgumas delas nos capítulos dedicados à discussão desse período. As Je::.v:m· tagens surgirão provavelmente num. período posterior - e como exemplo pode-se citar uma tecnologia e uma estrutura comercial um tanto arcaicas, que talvez estejam por demais fixadas parn serem aban· . donadas rapidamente. Na Grã-Bretanha, esse período posterior ocor- reu entre a década de 1860 e o fim do séc. XIX. Serão tambi;!m estu- dadas nos capítulos rdativos a esse período. · O ponto de vista defendido neste livro é o. de que:: o relativo declínio da Grã-Bretanha deve-se, em termos gerãis, à sua dianteira, mantida por muito tempo, como potência industrial. Entretanto, esse fato não deve ser analisado ispladamente. Um outro, pelo menos tão importante quanto ele, foi a posição peculiar, na verdade sui-generis, do país na economia mundial, que em parte foi a causa de seu sucesso inicial e que foi reforçado por ela. Fomos, ou nos tornamos cada vez mais, o instrumento de inté;rcâmbio econômico entire os adiantados e os atrasados, entre os países·· industriais e os produtores de bens pri- mários, entre as regiões metropolitanas e as coloniais ou sem.icoloniais. Talvez por ser tão r,repooderantemente montada em torno da Grii- Bretanha, a economia mundial do capitalismo do séc. XIX desenvol· veu-se a partir de um único sistema d.e livres fluxos, no qual as trans- ferências internacionais de capital e mercadorias passavam em grande parte através de mãos e instituições britânicas, eram transportadas em navios britânicos entre os continentes e eram calculadas em termos de libi,a esterlina. E como a Grã-Bretanha começou com as imensas vantagens de ser indispensável às regiões subdesenvolvidas ( quer por- que necessitavam de nós ou porque não lhes era permitido passar sem nós), e indispensável também aos sistemas de comércio e pagamentos do mundo desenvolvido, a Grã-Bretanha sempre teve aberto diante de si um caminho de retirada quando o desafio das outras economias tor- nou-se demasiado forte. Podíamos bater em retirada tanto para o Império como para o Livre Comérció - para nosso monopólio sobre regiões ainda não desenvolvidas, o que por seu turno ajudava a impe- db: que se industrializassem, e para nossas funções como eixos do comércio, da navegação e das transações financeiras do mundo. Não tínhamos de competir. Podíamos fugir. E a possibilidade de evasão contribuiu para perpetuar a estrutura econômica e social da era pionei- ra, arcaica e cada vez mais obsoleta. 14 ,..., A economia mundial, única e liberal, que teoricamente se auto- regulava; mas que ·ria realidade exigia o painel de controle sen-ü:auto- mático da Grã-Bretanha, desmoronou entre as duas guerras mtmdiais. O sistema político. que lhe correspondia, e no qual .um número restri- to de países -eaJ,:litalistas ocidentais detinha o monopólio da 'indústria> da força militar e do controle polític.o no mundo subdesenvolvido,. também começou a desmoronar após a Revolução Russa de 1917 e- mui to mais dep_ressa depois da II Guerra ~undial. Para outras eco- nomias industtinis foi mais fácil ajustar-se a esse colapso, de v&. que .a economia . liberal do séc. XIX havia sido µm mero episódio em seu desenvolvjmento. Na verdade, o surgimento destas economias foi uma das razões para a derrocadc!l do sistema. A Grã-Bretanha viu-se: afetada de maneira muito mais profunda. Já não era mais essencial ao mundo. Na verdade, no sentido do séc. XIX, já não existia um mundo ao qual ser essencial. Qual devqia ser a nova base para sua economia? Assistematica.tnente, muitas vezes iti»-Çlµntati~mente, o páís na verdade ajustou-se, transformando-se depressa! de uma economia em escala i~vulgarmente pequena e não êontro1ada para uma econotlllil: invulgarmente monopolista e de controle estatal; dejxou de depender de atividades econômicas básicas voltadas para a expoi;tação para çon- fiar em atividades voltadas para o mercado intei:no; e, mais lentamen- t~, abandonou tecnologias mais antigas, e formas de organização indus- trial antiquadas, em troca de outras mais novas. J'Q.davia, a grande pergunta pe1'ináneceu sem respostá: poderiam esses aju·stes proporcio- nar uma base suficientemente segura para que a economia relativa- mente gigantesca ( que ainda em 1960 era a terceira força industrial do mundo) se mantivesse em sua escala habitual? E se não fossem capazes disso, quats eram as alternativas? Os historiadores sociais têm debatido as peculiaridades decorren- tes do píoneirismo britânico com menos freqüência que os economis- tas. No entanto, tais peculiaridades são bastante acentuadas. Isto por- que, como todos sabem, a Grã-Bretanha combina dois fenômer:ios à primeira vista incompatíveis. Suas instituições e seus costumes sociais e políticos conservam uma continuidade notável, posto que superficial, com o passado pré-industrial, simbolizada por todas aquelas coisas que, por sua pr6pria raridade no mundo moderno, atraem osestran- geiros curiosos e, felizmente, um crescente volume de _divisas de turis- mo - a Rainha e os Lordes, os cerimoniais de instituições há muito obsoletas ou arcaicas, e tudo mais. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha. é, em muitos sentidos, o país que rompeu mais radicalmente coro todas as ép9cas anteriores da história humana: a mais completa elimi- nação do campesinato; uma proporção de bdmens e mulheres que ganham a 'vida unicamente com o trabalho assalariado maior que em l> 'li 1 11 1 qualquer outra parte; a urbanização mais cedo e provavelmente maior que em todos os outros lugares. Conseqüentemente, a Grã-Bretanha é também o país em que as divisões de classe eram, pelo menos até rece11temente, mais simplificadas que em outras partes ( como, na ver- dade, eram também as diferenças regionais). E isto se deve ao fato de que, a despeito da existência costumeira de uma. amplitude grande nos níveis de renda, status e esnobismo, a maioria das pessoas na ver- dade tende a partir do pressuposto de que só existem duas classes iinpottantes, a "classe trabalhadora" e a '1 classe média"; o sistema bipartidário britânico tem refletido em grau considerável essa duali- dade. O fato de o sistema não haver gerado as conseqüências políticas que os primitivos socialistas previam é uma questão inteiramente diferente. Os dois fenômenos estão evidentemente relacionados com a dianteira econômica britânica, muito embora suas raízes remontem, pelo menos em parte, a um período anterior ao coberto neste livro. O radicalismo com que as instituições políticas e sociais formais de um país se transformam durante o processo de sua conversão num Estado industrial e capitalista depende de três fatores: a flexibilidade, capacidade de adaptação e resistência das velbas instituições; urgência da necessidade ele transformação; e os riscos inerentes às grandes revo- luções. Na Grã-Bre,tanha, a resistência ao desenvolvimento capitalista deixara de ser efetiva por volta de fins do séc. XVII. A própria aris- tocracia era, segundo os padrões continentais, quase uma forma de "bUl'guesia", e duas revoluções haviam ensinado a monarquia a ser maleável. Como veremos, os problemas técnicos da indust.tialízação foram invulgarmente simples, e os custos suplementares (bem como as ineficiências) de resolvê-los com um aparato institucional obsoleto ( e principalmente com um sistema jurídico de grosseiro anacronismo) eram facilmente toleráveis. E quando o mecanismo de ajustamento pacífico funcionou mal e quando a necessidade de mudança radical pareceu mais urgente - como na primeira metade do séc. XIX - os riscos de revolução foram também invulgarmente grandes, simplesmen- te porque se o mecanismo se descontrolasse era possível que se en- veredasse por uma revolução da nova classe trabalhadora. Nenhum governo britânico podia confiar, como todos os governos franceses, alemães ou americanos do séc. XIX, em mobilizar as forças políticas do ca,mpo contra a cidade, em arregimentar vastas massas de campo- neses e pequenos lojistas e outros peque.nos burgueses contra uma minoria - muitas vezes dispersa e localizada - de proletários . A . primeira potência industrial do mundo foi também aquela em que a classe trabalhadora manual predominava numericamente. Não só era aconselbável com.o parecia essencial manter baixas as tensões sociais, impedir que as dissensões entre setores das classes domjnantes saíssem 16 ... <lo controle. E como "breves exceções, verlfiçou-se que esse desiçlerato l!ta perfeitamente viável. A Grã-Bretanha criou assim a combinação característica de uma base social. revolucionária el pelo. menos em dado momento - o pe- ríodo do liberalismo econômico militante - um triunfo avassalador da ideologia douú1nária; com uma superestrutura institucionál apa- rentemente trn<licionaJista e que se modificava lentamente. A colos- sal parreira de poder e lucro construída no século XIX protegia o pa~s contra aqueles rntadismos políticos e econômicos que lhe pode· riam haver imposto mudanças drásticas. Nunca fomos derrotados na guerra, e muito menos destruídos. Até mesmo o impacto da maiór catástrofe não-política do séc. XX, a Grande Depressão de 1929-33,. não foi tão repentina, nguda e generalizada como em outros países, inclusive os Estados Unidos. O status quo podia ser ocasionalmente abalado, porém nunca inteiramente desttuído. Até agora temos ex- perimentado a• erosão, mas não a ruína. E sempre que as crises da- vam mostras de se tornarem insustentáveis, as penalidades decorren- tes de deíxilr que se descontrolassem estavam sempre presentes no es· pírito dos governantes da nação. Praticamente não houve um só mo- mcmto em que aqueles que detêm o poder decisório supremo esque- ceram o fato político fondanicmtal da moderna Grã-Bretanha - ou seja., o de que este paí~ não podia e não pode ser governado em de- safio aberto à sua classe. trabalhadora, majoritária, e que ele sempre poderia arcar com o custo modesto de conciliar um segmento essencial dessa maioria . Segundo os padrões de outros importantes países in- dustriais, virtualmente nunca se derramqu sangue na Grã-Bretanha ( não nos referimos a colônias ou possessões) em defesa do sistema políti- co e econômico, por mais de um século.* Entre os empregadores <; e operários, entre os governantes e os governados da Grã-Bretanha, não se coloca nenhuma brecha como a "Comuna de Paris", a "Greve de Homestead", o "Free Corps" ou a "SS". Essa ausência de· confr~ntações drásticas, essa preferência por afixar rótulos velhos em frascos novos, não deve ser confundida com inexistência de mudança. Tanto em termos de estrutura social como de instituições políticas, as mudanças .ocorridas desde 17 50 foram pro- fundas, e em certos momentos rápidas e espetaculares. Foram oculti1- das, porém, pelo gosto dos reformadores moderados em intitular mo- diíicações modestas do passado como revoluções "pacíficas" ou "silen- dosas","d' e pelo acentuadíssimo "tradicionalismo e conservadorismo de ,, As poucus exceçôes .... Trafalgar' Square, 1887; Featherstone, 1893; Tony- punúy, J91 I -- destacam-se dramaticamente na história Jo trubulhismo bri- tânico. ""' Assii11, as reufüaçõcs do governo trabalhista de 1945-51. que assinalaram ·Urtl"ffban<lono era economia de guerra efetirnmenle sociali~t.i da Grã-Dretanlla, 17 '1 t tantas instituições britânicas. Esse tradicionalismo é real, mas a pa- lavra em si mesma compreende dois fenômenos inteiramente distintos. O primeiro desses fenômenos é a preferência por manter-se a forma das velhas instituições, cujo conteúdo mudou radicalmente; na verdade, em muitos casos cria-se uma pseudotradição e uma legiti- mação pseudoconsuetudinária para instituições inteiramente novas. As funções da monarquia hoje em dia tem muito pouco em comum com suas funções em 17 50, enquanto que as "escolas públicas", como hoje as conhecemos, praticamente não existiam antes de meados do séc. XIX, e sua tradição é quase totalmente vitoriana. O segundo fenômeno, contudo, é a acentuada tendência de inoyações, em dada época revolucionárias, adquirirem a página da tradição devido à sua prolongada existência. Como a Grã-Bretanha foi o primeiro país ca- pitalista industrial, e um país no qual, durante muito tempo, as mu- danças eram relativamente lentas, surgiram amplas oportunidades pata essa fabricação de tradicionalismo. Aquilo que passa por ser o Con- servadorismo Britânico é, ideologicamente, o laissez-faire liberal que triunfou entre 1820 e 1850, e, exceto formalmente, o liberalismo do laissez-f aire é também o conteúdo do imemorial e consuetudinário Di- reito Natural, pelo menos no campo da propriedade e do contrato. Para estarem de acordo com o conteúdo de suas sentenças, a maioria dos juízes britânicos deveriam usar cartolas e suíças, em lugar de pe- nicas cheias. No que diz respeito ao estilo de vida das classes médias britânicas, seu aspecto mais típico, a casa suburbana com jardim, te· monta meramenteà primeira fase da industrialização, quando seus an- tepassados começaram a deixar a fumaça e o fog das cidades poluídas pelas colinas e campos a seu redor . No que tange à classe trabalha- dora, veremos que aquilo que se chama de seu estilo de vida "tradi- cional" é mais recente. Em nenhum momento antes da década de 1880 esse estilo de vida está completado. E aquilo que .caracteriza o estilo d~ vida "tradicional" do profissional liberal - o conjunto residencial suburbano elegante, a casa de campo, o semanário cultu- ral etc. - é mais recente ainda, uma vez que a própria classe não existia de maneira nenhuma, como grupo consciente de si mesmo, antes do período eduardiano. A "tradição", nesse sentido, não cons- titui obstáculo sério à mudança. Com muita freqüência representa tão somente uma maneira britânica de aplicar um rótulo a fatos que já st'!jam moderamente duradouros, sobretudo no momento em que es- ses próprios fatos começam a mudar. Passada uma geração, os fatos, modificados, serão por sua vez chamados de " tradicionais " . foram em certa época anunciadas como sendo urna de tais "revoluções", e o mesmo aconteceu com o progresso educacional da Orã-Bretanha na pri- meira metade do séc. XIX, que surpreende o observador por suas hesitações. 18 Não é minha intenção negar que instituições e hábitos acumula· dos e fossilizados tenham um poder autônomo para agir como freio sobre a mudança . Até certo ponto, eles têm esse poder, embora a eles se contraponham, pelo menos potencialmente, aquela outra ar- raigada "tradição" britânica, que é a de jamais resistir a mudanças irresistíveis, e sim absorvê-las o mais depressa e serenamente que for possível. O que passa por ser a força do "conservadorismo" e do "tradicionalismo" é muitas vezes algo bem diferente; dominação de grupos e a ausência de suficiente pressão. A Grã·Bretanha não é mais tradicionalista que outros países. Menos, digamos, em hábitos sociais do que os franceses, ainda menos na inflexibilidade oficial de instl· tuições obsoletas (como uma Constituição do séc. XVIII) do que os Estados Unidos. Até agora ela simplesmente foi mais conserva- dora, porque o interesse pelo passado tem sido invulgru:mente forte, e mais complacente, porque mais protegida; e talvez tenha se mos- trado menos disposta a tentar novos caminhos para sua economia, porque os novos caminhos parecem levar a paísagens que estão lon- ge de ser tão interessantes quanto as dos caminhos antigos . Tais ca- minhos podem estar intransitáveis hoje, mas as outras trilhas também se afiguram impassáveis . Este livro trata da história da Grã-Bretanha . No entanto, como mesmo estas poucas páginas terão deixado claro, uma história res- trita à Grã-Bretanha é de muito pouca u tilidade - e tem havido mui- tas dessas lústórias. Em primeiro lugar, a Grã-Bretanha desenvolveu- se como parte essencial de uma economia global, e, mais particular- mente, como o centro daquele vasto "império" formal ou informal, sobre o qual seu destino repousou em alto grau. Escrever sobre este país sem também falar alguma coisa das índias Ocidentais e da ín- dia, da Argentina e da Austrália, é inútil. Entretanto, visto não ser meu intuito narrar a história da economia mundial ou de seu setor .imperial britânico, minhas referências ao mundo exterior serão mar- gtnaJs . Veremos em ca pí tu los posteriores quais eram as relações entl"e ele e a Grã-.J.Sretanha, como a Grã-.Bretanha toi afetada pelas mudan- ças nesse mundo, e ocasíooatmente, em uma ou duas tases breves, como a dependência em relação à C:rrã-.füetanha afetou aquelas regiões 1igadas duetamente ao sistema orb1tal ou colonial britânico. Por exemplo, como a industrialização de Lancashire prolongou e ampliou a escravidão na América ou como a1guns dos ônus de uma cdse eco- nômica brttânica podJ.am ser trans.teridas para países de produção pri- mária, p:u:a cujas exportações era a Grã-.Bretanha { ou, aliás, os OU· tros países industrializados) o útúco mercado existente. Mas a fina- lidade dessas referências está simplesmente em lembrar ao leitor, cons- tantemente, as interrelações entre a Grã-Bretanha e o resto do mundo, 19 lli l .. 1 li .. , li 1 '1; j i sem o que nossa história não pode ser compreendida. Não têm outro objetivo senão este. Contudo, há outra espécie de referência internacional que tam· bém não pode ser evitada. A história da sociedade industrial britâ· nica conetitui um caso particular - o primeiro e às vezes o mais im- portante - do fenômeno geral da industrialização dentro do regime capitalista, e, para assumirmos wna perspectiva ainda mais dilatada, do fenômeno geral de qualquer industrialização. É inevitável que perguntemos até que ponto o exemplo britânico é típico desse fenô- meno; ou, em termos mais práticos - pois o mundo atual é formado àe países que tentam se industrializar rapidamente - 1 o que os ou- tros países podem aproveitar da experiência britânica. A resposta é que podem aproveitar muito em teoria, mas bem pouco para fins práticos . O próprio pioneirismo do desenvolvimento britânico torna o caso desse país, em muitos sentidos, singular e sem paralelos. Nenhum outro teve de fazer sua revolução industrial prati- camente sozinho, sem poder se beneficiar da existência de um setor industrial já estabelecido na economia mundial, recorrer a seus recur- sos de experiência, técnica ou capital. É bem possível que a essa si- tuação se deva tanto aos extremos a que, por exemplo1 o desenvolvi- mento social britânico foi impelido ( como a virtual eliminação do campesinato e dos produtores artesanais) quanto o padrão altamente . típico das relações · econômicas da Grã-Bretanha com o mundo sub· desenvolvido. Por outro lado, o fato de a Grã-Bretanha ter realizado sua revolução industrial no séc. XVIII, e de estar razoavelmente pre- parada para realizá-la, minimizou certos problemas que tem sido in- tensos para os que vieram depois ou que tiveram de dar um maior salto inicial entre o atraso e o avanço econômico. A tecnologia com que os países em desenvolvimento têm de operar hoje em dia é mais complexa e dispendiosa do que aquela com que a Grã-Bretanha fez sua revolução industrial. As formas de organização econômica são diferentes: os países hoje não estão limitados a uma iniciativa privada ou modelo capitalista, mas podem também escolher um modelo so- cialista. O contexto político é diferente. Hoje os países em indus- trialização se desenvolvem no contexto de fortes movimentos traba- lhistas e de potências mundiais sadaüstas, o que torna quase inima- ginável politicamente a idéia de industrialização sem provisões de pre- vidência social ou sindicalismo. A história da Grã-Bretanha não representa, portanto, um modelo para o · desenvolvimento do mundo atual. Só encontramos dois moti- vos muito convincentes para estudá-la e analisá:la, além do interesse· automático que o passado, e principalmente a grandeza · passada, en- cerra para muitas pessbas. O passado da Grã-Bretanha, desde a Re- volução Industrial, ain~a influi sobremaneira sobre o presente, e por 20 isso a descoberta de soluções práticas para os problemas de nossa economia e nossa sociedade exígem que compreendamos algo a seu respeito. Mais genericamente, a história da primeira e mais duradoura potência industrial e capitalista não pode deixar de explicar o surgi- mento da industrialização como fenômeno na história do mundo. Para o planejador, o engenheiro social, o economista ( na medida em que não concentrem sua atenção apenas em problemas britânicos), este país constitui apenas um "caso clínico", sem qualquer interesse ou relevância para o séc. XX. Todavia, para aquele que historia o progresso humano, desde o troglodita até os usuários da força atômi- ca e os astronautas, o caso bdtânico encerra enorme interesse. Ne- nhuma mudança na vida humana, desde a invenção da agricultura, da metalurgia e do surgímento das cidades no Neolítico, foi tão profun- da como o advento da industrialização.Ela surgiu, inevitável e tem- porariamente, na forma de 1.1ma economia e de uma sociedade capi· talistas, e provavelmente era também inevitável que surgisse na for- ma de uma única economia mundial "liberal ", que por certo tempo dependeu de rum único país pioneiro. Esse país foi a Grã-Bretanha, e nesse sentido ele ocupa uma posição ímpar na história. 21 1 A GRÃ-BRETANHA EM 1750 1 Aquilo que o observador contemporâneo vê não é necessaria- mente a verdade, mas o historiador tem de buscá-la à viva força. No séc. XVIII a Grã-Bretanha - ou, antes, a Inglaterra - era um país muito obsetvadu e para que possamos melhor compreender o que lhe aconteceu desde a Revolução Industrial convém que procuremos vê-la através dos olhos de seus numerosos e ilustres visitantes es- trangeiros, sempre ansiosos por aprender e admirar e com ampla dis- ponibilidade de' tempo para prestar atenção ao que olhavam. Pelos p.idrões modernos, eles precisavam realmente de muito tempo dispo- nível. Ao viajante que desembarcasse por volta de 1750 em Dover ou Harwich, após uma jornada imprevisível e muitas vezes demorada ( di- gamos trinta e poucas horas desde a Holanda), seria bastante acon- selhável pousar numa das caras, mas extraordinariamente confortáveis, hospedarias inglesas, que de hábito o impressionavam muito bem. No dia seguinte era provável que ele viajasse umas cinqüenta milhas de carruagem, e, após outra noite de descanso em Rochester ou Chelmsford, chegaria a Londres no começo da tarde do dia seguinte. Viajar a esse p asso exigia tempo . A alternativa para os pobres - caminhar ou tomar uma embarcação costeira - era mais barata e mais lenta, ou mais barata e imprevisível. Dentro de poucos anos talvez as novas malas-postas o levassem de Londres a Portsmouth en- tre a manhã e o anoitecer ou de Londres a Edinburgo em 62 hora.s, mas em 1750 ele ainda tinha de contar com dez ou doze dias para essa última viagem . Sua atenção seria imediatamente atraída para o vei:dor, a li01~- za , a aparente prosperidade do campo, bem como pelo evidente con- forto do "campesinato". "Todo ,este país", escreveu o Conde Kiel- mansegge, da Casa de Hanover, a respeito de Essex em 1761, "não é diferente de um jardim bem cultivado"? e suas palavras eram re- 2J li' 1 " petidas pela maioria dos demai~ tur'istas. Con10 geralmente a viagem à Inglaterra se limitava ao sul e às regiões centrais do país, essa im- pressão não era inteiramence correta, mas o contraste com a maíoria das regiões da Emopa continental er~ realmente bastante acentuado. A seguir, também invariavelmente, o turista se espantava com o ta· manha de Londres, e com bastante razão, pois, com mais ou menos 750. 000 habirnntes, a capital era de longe u maior cidade da Cristan· dade, sendo talvez duas vezes maior que sua rival mais próxima, Par.is. Não se tí·atava certamente de uma cidade bonita, e era mesmo possível que o estrangeiro a julgusse desagradável. "Depois que tÍ· verdes visto a Itália", escrevia o Abbé Le Blanc em 1747, "nada vereis nos edifícios de Londres que vos cause grande prazer. A cidade na verdade só assombra por sua grandeza. " ( Mas, como todos os demais, ele admirou "as belezas dos campos, o cuidado empregado no melhoramento das terras, a riqueza dos pastos, os rebanhos numero- sos que neles pastam e aos ares de abundância, e a límpeza que reina nas mais ínfimas aldeias". )3 Tampouco Londres era uma cidade lim- pa ou bem iluminada, ainda que a esse respeito fosse melhor do que cenu·os fabris como Birmingham, onde "as pessoas parecem tão pro- fundamente entretidas com seus negócios dentro de casa que cuidam pouquíssimo de qual lhes seja o aspecto externo . As ruas não são calçadas nem iluminadas , "4 Não havia nenhuma outra cidade inglesa que pudesse mesmo de longe comparar-se com Londres, muito embora os portos e os cen- tros de comércio ou manufatureiros das provindas estivessem, ao contrário do que acontecia no séc. XVII, expandindo-se depressa e prosperando visivelmente . Nenhuma. outra cidade inglesa tinha 50.000 habitantes . Poucas delas mereceriam a atenção do visitante que não fosse comerciante, ainda que, se ele houvesse ido em 1750 a Liverpool . ( ainda não alcançada pela diligência de Londres) teria sem dúvida ficado bem impressionado com a azáfama daquele porto em rápido crescimento, e cujo movimento se baseava principalmente ( como Bris- tol e Glasgow) no comércio de escravos e de produtos coloniais - açúcar, ·chá, tabaco e, cada vez mais, algodão. As cidades portuárias do séc. XVIII orgulhavam-se de suas novas e sólidas instalações co- ' mercíais e da elegância provinciana de seus edifícios públicos, que constituíam, como o visitante anotaria aprovadoramente, "uma agra· .dável epítome da ffiettópole". 5 Seus habitantes menos elegantes po. diam ver melhor a brutalidade do cais, cheio de tabernas e prostitu- tas que serviam aos marinheiros desembarcados ou prestes a serem arregimentados por contratadores de mão-de-obra ou por recr~tadores da Marinha de Sua Majestade. Os navios e o comércio ultramarino .eram, como todos sabiam, a seiva vital da Grã-Bretanha, e a Mari· ·nha sua arma mais poderosa. Por volta de meados do séc. XVIII, o 24 país possufa talvez 6. 000 n:lvio!. mercantes, perfazendo talvez meio milhão de tonelad:is, várias vezes mais que a frota mercantil francesa, sua maior rival. Essa frota formava possivelmente um décimo de to- dos os investimentos em capital fixo ( além dos bens imobiliários) em 1700, enquanto seus 100. 000 maru jos representavam quase o maior grupo de trabalhadores não-agrícolas . Em meados do séc. XVIII o turista provavelmente daria menor atenção às manuforuras e minas, embora já estivesse surpreendido com a qualidade ( mas não com o gosto) dos produtos britânicos e cons- ciente da engenhosidade que suplementava seu trabalho assíduo e di- ligente. Os britânicos já eram renomados pelas .máquinas que, como observava o Abade Le Blanc, "realmente multiplicam os homens ao diminuírem sua labuta ... Assim, nas minas de carvão de NEWCAS- TLE, uma só pessoa pode, empregando uma máquina igualmente su r- preendente e simples, alçar quinhentas toneladas de água à altura de cento e oitenta pés. "6 A máquina a vi1por, em sua forma primitiva, já prestava serviços. Podia-se debater se o talento dos britânicos para utilizarem invenções se devia à sua própria capacidade de inventiva ou à sua aptidão para pôr em prática as inovações de outras pessoas , Provavelmente a explicação era esta última, per•sava o arguto Wen· debotn de Berlim, que viajou pelo país na década de 17 80, quando a "indústria" já era objeto de muito mais interesse. Entretanto, como para a maioria dos turistas, a palavra "manufatura" lembrava-lhe so- bretudo cidades como Birroíngham, com sua grande variedade de pe· quenos artigos metalúrgicos; Sheffield, com sua admirável cutelaria; as cerâmicas de Staffordshire; a indústria de lã, dispersa pelo interior de Easc Anglia, pelo oeste e por Yorkshire. Mas não lhe recordava qualquer cidade máior, com exceção da decadente Norwich. Esta era, afinal, a produção manufatureira básica e tradicional da Grã-füetanha. Wendeborn fez a Lancashire apenas uma referência de passagem . Conquanto a agricultura e as manufaturas fossem prósperas e se expandissem, aos olhos dos estrangeiros eram atividades muito m~nos .importantes que o comércio. A Inglaterra era, afinal de contas, "a nação de lojistas", e seu cidadão :mais típico era antes o. comerciante que o industrial. "Cumpre lembrar", advertia Le Blanc, "que as pro- duções naturais do país não chega.m, no máximo, a uma quarta parte de suas riquezas; o resto ele deve às suas colônias, e às atividades econômicas de seus habitantes, que, pelo transpotte e troca das rique- zas de outras nações continuamente aumentam a sua própria. "7 O comércio dos britânicos era, segundo os padrões do séc, XVIII1 um fenômeno notável. Tratava-se de uma atividade a um só tempo mer· cantil e bélica,como observou Voltaire em 1720, quando suas Cartas da Inglaterra deram início à moda de admirar os relatos estrangeiros sobre as ilhas. Mais que isso: tratava-se de uma atividade estreita- 2'> mente relacionada com o singular sistema político da Grã-Bretanha, onde os reis estavam subordinados ao Parlamento. Os historiadores britânicos nos lembram com razão que o Parlamento britânico era controlado por uma oligarquia de aristocratas proprietários de terras e não por aquelas classes que ainda não eram chamadas de médias. No entanto, segundo os princípios continentais, quão pouco aristo- cráticos eram aqueles nobres! Era estranho e ridículo, julgava Le Blanc, que os nobres tivessem propensão para imitar seus inferiores: "Etn Londres os senhores vestem-se como seus valetes, e as duquesas copiam as camareiras." Quão remoto era aquilo da ostentação aristo- crática das sociedades realmente nobres: Não se vê os ingleses voltados para fazerem figura, quer em suas roupas, quer em suas equipagens; vê-se que seu mobiliário é tão simples quanto o exigiriam leis sun- tuári as ... e se as mesas dos ingleses não se fazem notar por sua frugalidade, já sua simplicidade salca à vista.8 Todo o sistema britânico se baseava, ao contrário <lo que sucedia em países menos prósperos, num governo voltado para as necessidades daquela que o Abade Coyer chamava "a classe média honesta, aquela preciosa parcela das nações" .9 "O comércio que enriqueceu os cida- dãos da Inglaterra - escrevia Voltaire - contribuiu a torná-los livres, e essa libttdade, por sya vez, expé.\ndíu o comércio. Este é o fundamento da grandeza do Estado. "10 Portanto, a Gtã-Bretanha impressionava o visitante estrangeiro principalmente como um país rico, e cuja riqueza se devia basicamente ao comércio e à iniciativa; como um país poderoso e cujo poderio repousava naquela arma mais ligada ao comércio, mais voltada para as operações mercantis, a Marinha como um Estado de liberdade e tolerância raras, relacionadas estreitamente também com o comércio e ,om a classe média. Ainda que talvez deficiente nas graças aristocrá- ticas da vida, em humor e em ;oie de viv.re, e dada a excentricidades religiosas e de outras naturezas, a Grã-Bretanha e:ra, sem nenhuma dúvida, o mais florescente e próspero dos países, e um país que podia gabar-se ainda de excelente ciência e literatura, para não . se falar em tecnologia. Seu povo, insular, presunçoso, competente, violento e dado a tumultos, parecia bem alimentado e próspero, segundo os modestos padrões na época aplicados aos pobres. Suas instituições eram estáveis, apesar da notável debilidade do aparato destinado a manter a ordem pública, ou para planejar e administtar os negócios econômicos do país. Para aqueles que desejavam colocar seus próprios países no cami- nho do progresso econômico, havia claramente uma lição a tirar desse visível êxito de uma nação, baseado essencialmente na iniciativa priva- 26 da. « Meditai nisso", bradava o Abade Coyer em 1779, "vós que ainda suportais um sistema de regulamentos e de privilégios régios de mono- pólio ",11 ao observar que até mesmo estradas e canais eram construi- dos e mantidos pela motivação do lucro.* Progresso econômico e técnico, iniciativa privada e aquilo que hoje chamaríamos de liberalismo - tudo isto eta manifesto. No entan- to, ninguém esperava a iminente transformação do país por uma revo- Jucão industdal - nem mesmo os viajantes que visitavam a Grã-Bre- tanha no começo da década de 1780, um momento no qual, como sabe- mos, a revolução já tivera ínído. Poucos esperavam sua iminente explosão populacional, que em pouco tempo viria aumentar a popu- lação da Inglaterra e de Gales de talvez 6 . 500. 000 habitantes para mais de 9.000.000 em 1801 e para 16.000.000 em 1841. Em mea· dos do séc. XVIII, e mesmo algumas décadas depois, ainda se discutia se a população britânica estava crescendo ou não; no final do século Malthus já estava partindo do princípio irrefutável de que estava cres· cendo depressa demais. Se voltarmos a vista para 17 50, sem dúvida veremos muitas coi- sas que não despertavam a atenção dos contemporâneos ou que não lhes era óbvio ( ou, ao contrário, que era 6bvio demais, para merecer comentários), mas não manifestaremos discordância quanto a pontos fundamentais. Notaremos, acima de tudo, que a Inglaterra ( Gales e grandes partes da Escócia ainda eram outra coisa - ver Cap. 15) já constituía uma economia monetária e de. mercado à escala nacional. II Uma nação de lojistas" implica uma nação de produtores para venda no mercado, já não se falando numa nação de fregueses. Nas cidades isso era bastante natural, pois uma economia fechada e auto-suficiente é impossível em cidades acima d.e certo tamanho, e a Grã-Bretanha tinha a sorte - do ponto de vista econômico - de possuir a maior de todas as cidades do Ocidente ( e, conseqüentemente, ·o maior de todos os mercados concentrados de mercadorias). Em meados do século, Londres já possuía talvez cerca de 1.5% da população ing1esn e sua demanda insaciável de alimentos e combustível transformava a agricultura por todo o sul e o leste, buscava fornecimentos regulares, por terra e por rio, de partes ainda mais remotas de Gales e do norte e estimulava as minas de carvão de Newcastle. As variações regionais nos 'preços de alimentos não perecíveis e ainda nos perecíveis de fácil transporte, como o queijo, já eram pequenas. E o mais importante é "' Nem todos concordavam com isso, principalmente quando, tal como a "famosa Madame Ou Bocage", ficavam sabendo que a explicação para :i sujeira de Londres estava em "que numa nação livre os cidadãos pavimentam como julgam melhor, cada um diante de sua própria porta". Segundo o Abade Le Blanc, "parece que li!Jerdade é a bênção que os impede de ter bom calçamento, e uma boa polícia em Londres. 27 que a Inglaterra já não pagava o pesado tributo cobrado pelas econo- mias locais e regionais auto-suficientes - a fome. A "míngua"., bas- tante comum no resto da Europa e ainda lembrada nas planícies da Escócia, não era mais problema sério, embora más colheitas .. ainda provocassem fortes elevações do custo de vida e conseqüentes distúr- bios em grandes partes do país, como ocorreu em 17 40-41, 1757 e 1767. No campo, o que causava verdadeiro espanto era a ausência de um campesinato, no sentido europeu. O que ocorria não · era simples- mente decorrente do crescimento de uma economia de mercado redu- zinc.lo seriamente a auto-suficiência local e regional e enredando até mesmo aldeias num siste.ma de vendas e compras a dinheiro, muito e.mbora isto, segundo os padrões contemporâneos, claramente aconte· cesse. O uso crescente de mercadorias inteiramente importadas., como chá, açúcar e tabaco, indica não só a expansão do comércio ulttan;ia- rino como também a comercialização da vida rural. Em meados do século, cerca de 0,6 libras de chá era legalmente importada por pessoa, uma considerável quantidade era contrabandeada e já h,avia sinais de que a bebida era comum no interior do país, mesmo entre os traba- lhadores ( ou, mais precisamente, entre suas mulheres e filhas). Os britânicos, no parecer de Wendeborn, consumiam três ve:r,es mais chá que todo o resto da Europa. Para aquele desaparecimento dos camponeses contribuía também o fato de que o pequeno proprietário de terras, que vivia basicamente da produção de sua gleba familiar, tornava-se mui to menos comum do que em outros países ( exceto a atrasada orla céltica e algumas outras áreas, sobtetudo no norte e no oeste): os cem anos que haviam passado desde a Restauração de 1660 tinham sido uma época de gran- de concentração da terra nas mãos de uma pequena classe de grandes latifundiários, a expensas tanto da pequena nobreza como dos campo- neses. Não dispomos de dados seguros, mas é evidente que por volta de 1750 a estrutura característica da posse da terra na Inglaterra já era discernível: uns poucos milhares de proprietáriosarrendando suas terras e algumas dezenas de milhares de pessoas num sistema de par- ceria, enquanto estes, por sua vez, as cultivavam com o trabalho de algumas centenas de milhares de trabalhadores agrícolas, servos ou colonos, que vendiam seu tempo de trabalho. Em si mesmo este fato implicava um sistema monetário bastante complexo de receitas e vendas. Além disso, grande parte - talvez a maior parte - das ativi- dades econômicas e manufatureiras da Grã-Bretanha era rural, sendo o trabalhador típico uma espécie de artesão de aldeia ou pequeno proprietário que trabalhava em casa, especializando-se cada vez mais na manufatura de algum produto - principalmente tecidos, vestuários 28 (: uma grande \'.tr ie~bde de artigos de metal - , e ,1ssim. griidu.tlmctíté, deixando ele se::r um pequeno camponês ou :trtesi\o parn se transformnr em trabalhador assülariado. A\,~ p~,ucos, as ,1ldei .1s em que os homens, passi1vam seu tempo livre ten·nJu ou fazen,lo I rnbalhos Je 111 ineraçiio começaram ~• se transformar em vilas industri:tis de tecelões <:>u minei- ros em tempo íntegrnl, e por fim algumas - mns não rodas , decerto - converteram-se em cidades industriais. Ou, mi1is comuinente, ns pequenas feiras , a t1ue compnreciam os mercadores para adquirir os produtos locais ou distribuir a matéri.-1-prima e alugar os teares aos trabalhadores c,1seiros, tornaram-se cidades, cheias de oficinas ou fábricas rudimentares, que preparavam ou talvez davam acabamento aos materiais distribuídos aos trabalhadores dispersos ou a eles adqui- ridos. A natureza desse sistema de "indústria domést ica" rural fez com que ele se espalhasse por todo o interior do país, estreitando as malhas da rede de transações monetárias que se estendeu sobre ela. Isto porque cada aldeia que se especializava em manufaturas, cada área rural que se transformava em área industrial ( como o Black Country, as regiões mineiras e a maioria das regiões têxteis) fazia com que surgisse outra zona que se especializava em vender-lhe o ali- mento que já essas áreas não produziam. · Essa ampla dispersão da manufatura por todo o interior teve duas conseqüências importantes e correlatas. Deu aos proprietários de terras - a classe que detinha o poder de decisão política - um interesse direto pelas minas que por acaso houvesse em suas terras ( e das quais, ao contrário do que ocorria no continente, eram eles, e não o rei, que auferiam royalties) e pelas manufaturas que existissem em suas aldeias. O acentuado interesse da nobreza local em i nvesti- mentos como canais e estradas onde se pagava pedágio devia·se não só à esperança de abrir mercados mais amplos para ·a produção agrí- cola local, como também à previsão de transporte melhor e mais bara- to para o produto das minas e das manufaturas locais/' Em 1750, porém, essas melhorias em transporte terrestre mal haviam começado: as "empresas de pedágio" ainda estavam sendo formadas a um ritmo de menos de dez por ano ( entre 1750 e 1770 apareceram a um ritmo de mais de quarenta por ano) e os canais só começaram a ser cons· truídos em 1760. A segunda conseqüência foi a de que os interesses manufaturei- ros já podiam determinar a polít.ica governamental, ao contrário do que acontecia no outro grande país comercial, a Holanda, onde os interesses do mercador etam preponderantes. E isto a despeito da riqueza e influência modestas dos primeiros industriais. Assim, cal. culava-se que em 1760 a classe mais pobre dos "mercadores" ganhava * Raramente se esperava que os canais e as estradas de pedágio fizessem mais que pagar a si mesmos, com talvez um pequeno retomo de capital. 29 ll1ll tanto quanto a classe mais rica dos "mestres manufatureiros" ( os mais ricos daqueles ganhav~m em média três vezes mais que estes), e que mesmo a camada superior dos "comerciantes", muito mai:.- modestos, ganhava o dobro da renda da camada equivalente dos "meb- trcs manufatureiros". Os números são conjecturais, mas indicam as posições relativas do comércio e da manufatura na opinião contempo· rânea. * Em todos os sentidos o comércio, principalmente o ultrama- rino, parecia ser mais lucrativo, m:ais importante e mais ptestigio!-o do que a atividade manufatureira. No entanto, quando se tratava de escolher entre os interesses do comércio ( que consistia na liberdade de importar, exportar e reexportar) e os interesses das manufaturas· ( que nesse estágio estavam, como de costume, em proteger o mercado interno britânico contra os estrangeiros e em capturar o mercado de exportação para os produtos britânicos), prevalecia o produtor inter· no, pois o mercador só era capaz de mobilizar em seu interesse Lon- dres e alguns portos, ao passo que o produtor manufatureiro tinha a seu favor os interesses políticos de amplos segmentos do interior e: do governo. A questão foi decidida ao fim do séc. XVII, quando os fabricantes de têxteis, confiando na tradicional importância do tecido de lã para as finanças do governo britânico, obtiveram a proibição da importação de tecidos de algodão estrangeiros. De modo geral, a indústria britânica pôde crescer tendo à sua disposição um mercado interno protegido e até tornar-se bastante forte para exigir livre aces- so aos mercados de outros povos - isto é, " Livre Comércio". No entanto, nem a indústria nem o. comércio poderiam ter flo- rescido na ausência das invulgares condições políticas que com tanta justiça impressionava os estrangeiros. ·Nominalmente, a Inglaterra não "' As cifras (em libras anuais) eram as seguintes em 17©: Ocupação Mercadores Comerd,mtes Me, tres manuíatureiros Número de familias 1.000 2.000 10.000 2.500 5.000 10.000 io.ooo 125.000 2.500 5.000 10.000 62.500 Rendo 600 400 200 400 200 100 70 40 200 100 70 40 Para comparação, a renda média de advogados e donos de hospedarias era- calcula<la em f. 100, a dos fazendeiros mais abastados em t 150, e a dos- lavrndores e trabalhadores provincianos em 5 ou 6 xelins por semana. 30 ,era um EsrnJo "burguês". Erà umá oligarquh1 de aristocratas proprie· tários de terras, governada por uma fechada e autoperpetuadora nobre- za de cerca de 200 pessoas, um sistema de poderosas relações de parentesco, sob a égide dos chefes ducais das grandes famílias whig - Ru~sells, Cwendíshes, Fitzwilliams, Pelhams e outras. Quem se _podia comparar com eles em riqueza? (Em 1760 Joseph Massie esd- mou as rendas de dez famílias nobres em f. 20. 000 anuais, de 20 em f. 10.000 e de 120 em f. 6.000/.t: 8.000, ou seja, mais de dez vezes o que os mercaJores mi1is ricos ganhavam.) Ou quem podia se comparar com eles em influência num sistema político que dava a qualquer duque ou conde, que assim o desejasse, um cargo elevado quase automático, além de um bloco automático de parentes, clientes e seguidores em ambas as casas do parlamento, e que tornava o exer- cício dos mais humildes direitos políticos dependente da propriedade de bens de raiz, os quais se tornavam cada vez mais difíceis para aque- les que já não possuíssem propriedades próprias? Entretanto, como os estrangeiros viam de modo muito mais claro do qu.e podemos ver hoje, os grandes da Inglaterra não constituíam uma nobreza comparável às hierarquias feudais e absolutistas do con- tinente. Eram uma elite pós-revolucionária, os herdeiros dos puritanos dos dias de Cromwell. Honra, valentia, elegância e munificência, as virtudes de um aristocrata feudal ou cortesão, já não dominavam sul:ls vidas. Um mediano Jtmker alemão talvez dispusesse de maior número de servos e çlependentes domésticos que o próprio Duque de Bedford. Seus parlamentos e governos faziam a guerra e a paz visando ao lucro, ou a colônias e mercados como meios de esmagar concorrent.es comer- ·ciais. Quando irrompia na Inglaterra uma gem,úna relíquia de outros tempos, como Charles Edward Stuart, o "Jovem Pretendente", em 1745 com seu exército de Highlanders, leais mais vigorosamente anti- ,comerciais, tomava-se óbvia adistância que separava a Inglaterra Whig, por mais aristocrática que fosse, e as sociedades mais arcaicas. Os grandes Whig { embora menos ,que os fidalgos rurais Tory) sabiam muito bem que o poder do país, e, por conseguinte, o deles próprios, repousava numa disposição de ganhar dinheiro ativa e comercialmente. Sucedia que em 17 50 não havia ainda muito dinheiro a ser ganho na indústria. Quando chegasse o momento, não teriam grande dificuldade para se ajustarem à situação. Todavia, se nos colocássemos na Grã-Bretanha de 1750, sem a sabedoria da visão retrospectiva, teríamos predito a iminente Revo· lução Industria]? Quase certamente não. Tal como aos visitantes estrangeiros, nos impressionaria a natureza essencialmente "burguesa", comercial, do país. Teríamos admirado seu dinamismo e seu progres- so econômico, talvez seu agressivo expansionismo, e talvez nos causas- .sem pasmo os notáveis resultados de seus multifários e quase não- Jl IHII 1 controlados empresários privados. Teríamos previsto para a nação um futuro cada vez mais próspero e poderoso. Mas teríamos previsto sua transformação - e sobretudo a subseqüente transformação do mun- do? Teríamos esperado que em mc:nos de um século o filho de um "mestre-manufaturdro" - e que em 17 50 acabava de deixar a pi-o- víncia de seus ancestrais escudeiros para se estabelecer numa pequena cidade de Lancashire - seria primeiro-ministro da Grã-Bretanha? Não. Teríamos esperado que a pacata Inglaterra de 1750 fosse divi- dida pelo radicalismo, pelo jacobinismo, pelo cartismo, pelo socialis- mo? Lançando a v.i.sta ao passado, podemos constatar que nenhum outro país se achava tão preparado para a Revolução Industrial. Mas ainda nos resta ver a razão pela qual ela realmente rebentou nas últi- mas décadas do séc. XVIII, com resultados que, para o bem ou para o mal, tornaram-se irreversíveis. NOTAS 1 Ver as obras de Cole e P ostage, Ashton, Wilson, Deane e Cole, rdaciona<las na Sugestões para Leitura 2 e 3. Ver também as fignrns l , 2 c 12. L Conch: Friedrí'ch Kielmansegge, Dfary o/ a Jour11ey to E11gla11d 1761-: (Londres, 1902), pág. 18. :i Mons. L'Abbé Lc Blanc, L~·llers on 1/,e English and Frencli Nation1 (Londres, 1747), Vol. l, pág. 177. • A Tour througfr England. Wales and part of [refand made duri11g the .mmmer o/ 1791 (Londres, 1793), pág. 373. r, lbicl., pág. 354. 11 Le Blanc. op. cit.. pág. 48. lbid. , li , pág. 345. lbid., 1, pág. 18; li , p. 90. :• Abllé Coy.:r. N ouvelles ohs1::r1·utio11~· sur L 'A 11gleterr,, ( 177'>). pàg. 15. 1 o Volrnir.i , Let Ires pl,i/owp/riq11es. Carta X. 11 Abbé Coyer. op. cit.~ pág. 27. 32 ') A ORIGEM DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 2 O problema da origem da Revolução Industrial não é simples, mas torna-se ainda mais complicado se não o esclarecermos. Portanto,. convém começar com alguns breves esclarecimentos. Em primeiro lugat, a Revolução Industri:ü não foi uma mera aceleração do crescimento econômico, mas uma aceleração de cresci- mento em virtude da transformação econômica e social - e através dela. Os primeiros observadores, que concentraram sua atenção nos meios de produção qualitativamente novos - as máquinas, o sistema fabril e tudo o mais - tiveram o instinto certo, mas por vezes segui- ram-no cegamente demais. Não foi Birmingham, uma cidade que em 1850 produzia muito mais que em 1750, mas basicamente à maneira antiga, que levou os observadores da época a falarem numa revolução industrial, e sim Manchester, uma cidade que produzia mais de uma maneira obviamente revolucionária. No final do séc. XVIII, essa transformação econômica e social ocorreu numa economia capitalista, e através dela. Como sabemos, pela experiência do séc. XX, não é essa a única forma que a revolução industrial pode assumit- 1 ainda que tenha sido a primeira e, provavelmente, no séc. XVIII, a única viável. De certa forma a industrialização capitalísta exige uma análise um pouco diferente da não-capitalista, pois temos de explicar porque a busca do lucro privado levou à transformação tecnológica, e não é absolutamente óbvio que isso aconteça automaticamente. Em outros sentidos, sem dúvida, a industrialização capitalista pode ser tratada como um caso especial de um fenômeno mais geral, mas não está claro até que ponto isto ajuda o historiadot da Revohtção Industrial. Em segundo lugar, a revolução britânica foi a primeira na histó- ria. Isto não significa que ela haja começado do zero, ou que não se possam apontar outras fases antel'iores de rápido desenvolvimento industrial e tecnológico. Não obstante, nenhuma dessas lançou a típi- JJ c.i fase modem,\ <la história, a de crescimento economico auto-su~ten- tado, mediante revolução tecnológica e transformação social perpétuas. Seodo a primeira, ela é também, em aspectos cruciais, diterentl! de todas as subseqüentes revoluções industriais. Não pode ser explicada fundamentalmente, ou em qualquer medida, em termos de fatore~ externos - como, por exemplo, a imitação de técnicas mais avança- das, a importação de alpital, o impacto de uma economia mundial já industrializada. As revoluções pos teriores puderam utilizar a experi- ência, o exemplo ·e os recursos britânicos. S6 em gráu muito limitado e secunclário a Grã-Bretanha pôde usar os de outros países. Ao mesmo tempo, como vimos, a revolução britânica foi precedida por, pelo menos, 200 anos de desenvolvimento econômico razoavelmente contí- nuo, que lançou seus alicerces. Ao contrário, por exemplo, da Rússi:a dos sécs. XlX ou XX, a Grã-Bretanha ingressou preparada na indus- trialização, e não praticamente dcspreparada. Contudo, a Revolução lndustrial não pode ser explicada em rer- mos purãmente britânicos, pois esse país fazia parte de um·a economia mais ampla, que podemos chamar de '' economi.1 européia" ou "eco- nomia mundial dos Estados marítimos europeus ·, . A Grã-Bretanha fazia parte de uma ampla rede de relacionamentos econômicos, inte- grada ainda por várias á.reas «adiantadas", algumas das quis eram também áreas de industrialização potencial, e por áreas de "economia dependente ", como também pelas margens de economias estrangein1s ainda não euvolvidíls substancialmente com a Europa. Essas econo- mias dependentes consistiam em parte pelas colônias formais ( como a~ das Américas) ou pontos de comércio e domin.1ção ( como no Orien- te) e em parte por regiões que até certo ponto eram especializadas economicamente em reação às solicitações das áreas "adiantadas " ( como éertas partes da Europa Central). O mundo "adiantado" esra- va ligado ao mundo dependente por uma certa divisão da atividade econômica: de um lado, uma área relativamente urbanizada, e de outro zonas produzindo e ~m grande parte exportando produtos agrí· colas ou matérias-primas. Essas r.elações podem ser descritas como um sistema. de fluxos econômicos - de comércio, de pagamentos inter- nacionais,· de transferências de capitaJ, de migrnção etc. Há vários séculos que a economia européia mostrava fortes sinais de expansão e desenvolvimento econômico, ainda que houvesse atravessado. sérias crises ou deslocamentos econômicos, principatmente do séc. XIV ao séc. XV e no séc. ),.'VII. Não obstante, é importante notar que ela tendia também a divi- dir-se, pelo menos a partir do séc. XVI, em unidades político-econô- micas independentes e concorrentes ("Estados" territoriais ), como a Grã-Bretanha e a França, cada qual com sua estrutura econômica e social, e contendo dentro de si mesma setores e regiões adiantados e 34 H(r.lS!ldos ou dependentes. Por volta do séc. XVI era bastante claro que, caso a revolução industrial ocorresse em alguma parte do mundo, seria em algum ponto da economia européia. A razão pela qual isto ocorria não será discutida aqui, pois a questão pertence a uma e.ra histórica anterior à tratada neste livro. Contudo, não estava claro qual seria, entte as unidades concorrentes, aquela que se.ria a primeira a se industrializar. O problema das origensda Revolução Industrial que nos ioteressa aqui é, em essência, o porquê de ter sido a Grã-Bre- tanha a primeira "oficina mecânica do mundo". Uma segunda ques- tão, relacionada com a primeira, refere-se ao motivo pelo qual essa revolução ocorreu em fins <lo séc. XVIII e não antes ou depois. Antes de passarmos à resposta ( que ainda é controversa e incer- ra), talvez seja útil eliminar várias explicações ou pseudo-explicaçõe<; por muito tempo correntes e que às vezes aínda são dadas. A maioria delas deixa mais dúvidas do que elucidações. Exemplos dessas teorias são aquelas que procuram explicar a Revolução Industrial em termos de clima, geografia, mudança biológi- ca na população e outros fatores exógenos. Se, como já se afirmou, o estimulo para a Revolução proveio, digamos, do período invulgar- mente longo de boas colheitas no começo do séc. XVIII, cabe então mostrar porque períodos semelhantes, antes disso ( e tais períodos têm ocorrido ocasionalmente durante toda a História) não tiveram resul- tados análogos. Se as amplas reservas de carvão da Grã-Bretanha expli- cam seu pioneirismo, podemos então corijecturar por que razão sua~ relativamente modestas reservas naturais da maioria das demais roaté· rias-primas industriais ( minério de ferro, por exemplo) não foram um óbice a impedir a eclosão da Revolução Industrial, ou ainda por que as imensas- jazidas de carvão da Silésia não provocaram outra revo- lução semelhante. Se o clima úmido de Lancasbire é apresentado como explicação da grande concentração da indústria de algodão ali ocorrida, cabe então indagar por que as inúmeras outras regiões órnidas das Ilhas Britânicas teriam deixado de atrair e manter aquela atividade. E assim por diante. Fatores climáticos, geografia e distr.ibuição de recursos naturais não atuam por si sós, mas apenas dentro de um dado quadro econômico, social e institucional. Isto é verdade até mesmo com rela- ção ao mais forte desses fatores, facilidade de acesso ao mar ou a bons t:ios, ou seja, ao mais barato e viável meio de transporte na era pré-industrial · ( aliás, para artigos em granel, o único meio econômico) . É quase inconcebível que uma região inteiramente sem acesso ao mar pudesse ter sido a pioneira da Revolução Industrial; de passagem, diga-se que tais regiões são mais raras do que se imaginà. Todavia, ainda aqui os fatores não-geográficos não devem ser désprezados. As 35 1 1 ' 1 11 I' li I li Ilha:- Hébrida:; têm mais acesso ao mar que a maior parte de York· shire. O problema da população é um pouco diferente, pois seus movi- mentos podem ser explicndos por fatores exógenos, pelas mudanças na sociedade hum,ma ou por uma combinação de tudo isso. Mais adi- ante consideraremos a questão com maiores detalhes. Por ora, temos apenas que observar que explicações exclusivamente exógenas não são aceitas em geral pelos hi5toriadores modernos nem têm guarida neste livro. As explicações para a Revolução Industrial em termos de "aci- dentes históricos'' também devem ser tejei tadas.. O simples fato dos descobrimentos ulu·amarinos nos sécs. XV e XVI não basta para explicar a industrialização, o mesmo acontecendo com a "revolução científica'' do séc. XVII.* Nenhum cios dois fatos é capaz de explicar porque a Revolução Industrial teve lugar no fim do séc. XVIII e não, digamos, ao fim do XVII, quando tanto o çonhecimento europeu a respeito do mundo exterior como a tecnologia científica eram, potcn· cialmente, bastante adequadas para o tipo de industrialização que aca· bou ocorrendo. Tampouco a Reforma protestante pode ser invoca<Ja pata explicá-la, quer diretamente, quer ntravés de algum "espírito capitalista" especial ou de outra mudança de atitude econômica indu· z1da pelo protestantismo; a Reforma não explica nem sequer porque a Revolução ocorreu na Grã-Bretanha, e não na França. A Reforma teve lugar mais de dois séculos antes da Revolução Industrial. Não sucedeu absolutamente que todas as regiões convertidas ao protestan· tismo se hajam tornado pioneiras da revolução industrial, e - para citarmos um exemplo óbvio - as partes dos Países Baixos que per- maneceram ca'tólicos ( a Bélgica) industrializaram-se antes daquela pat· te que se tornou protestante ( a Holanda).*'~ Por fim, os fatores puramente políticos também devem ser rejei- tados. Na segunda metade do séc. XVIII, praticamente todos os gover- nos da Europa desejavam n industrialização, mas somente a Grã-Bre- tanha o conseguiu. Por outro lado, a partir ele 1660 os governos bri· tânicos estavam firmemente comprometidos com políticas que favote· dam a busca do lucro acima de todos os outros objetivos, mas a Revo- lução Industrial só ocorreria mais de um século depois. A rejeição de tais fatores como explicações simplis tas ou mesmo primárias não significa, naturalmente, que a eles seja negada qualquer '" É irt·elcvante para nolisos objetivos se tais fatos foram inteiramente for· tuitos ou (como é muito mais provável) resultado ele anteriores progressoq econômicos e sociais europeus. · '"* Além disso, a teoria de que o desenvolvimento econômico francês nu séc. XVIII tenha sido prejudicado pela expulsão dos protestantes no fim do séc. XVII não é amplamente aceita atualmente, ou, no mínimo, é alta- mente duvidosa. 36 importãnci.l. Isto serit1 tolíce. Tnl rejeição visa simplesmente estabele- cer escalas relativ,1s dt:: valores e, incrivelmente, esclarecer alguns dos problemas de países que lutam por industrializar-se hoje, na medida em que tais problemas sej,1rn compatáveis. * ·!, * As principais pré-condições para a industrialização já existiam na Grã-Bretanha setecentista ou podiam ser criadas facilmente. Pelos padrões geralmente aplicadcs .1os países "subdesenvolvidos" hoje em dia, a Inglaterra não em subdesenvolvida, embora o fossem partes da E scócia e do País de Gales e sem dúvida a Irlanda. Os vínculos eco- nômicos, sochüs e ideológicos que imobilizam a maioria dos povos pré-industriais em situações e ocupações tradicionais já eram fracos, e podiam ser .rompidos com facilidade. Para darmos um exemplo óbvio, que já vimos, é muito duvidoso que em 1750 ainda existisse um campesinato dono de terras em grandes partes da Inglaterra, e é seguro que não podemos mais falar de urna agriculrura de subsistên· eia.* Daí não ter havido maiores dificuldades para a transferência de homens de atividades não-industriais para as indus triais. O país acumu- lara capitais e tinha dimensões suficientes para permitir-se investimen· tos nos equipamentos necessários à transformação econômica, não muí t<o dispendiosos antes das ferrovias. Uma razoável parcela desse equipamento estava em mãos de homens dispostos a investir no pro· gresso econômico, ao passo que uma parte relativamente pequena dele estava nas mãos de homens inclinados a desviar recursos para usos al ternativos ( e economicamente menos convenientes), como sim- ples ostentação. Não havia escassez de capital, relativa ou absoluta. O país não era simplesmente uma economia de mercado - aquela em que a maior parte dos bens e serviços fora do círculo familiar são comprados e vendidos -, mas em muitos sentidos formava um único mercado nacional. E possuía um setor manufatureiro extensívo e bas- tante desenvolvido, bem como uma estrutura comercial ainda mais desenvolvida. Ademais, problemas que hoje são graves nos países subdesenvol- vidos que partem para a industtialização eram brandos na Grã-Breta· nha do séc. XVIII. Como já vimos, os transportes e as comunicações eram baratos, uma vez que nenhuma parte do país acha-se a mais de 112 km do mar e menos ainda de algum curso de água navegável. Os problemãs tecnológicos do <:oh1eço da Revolução Industrial eram bem • Quando os autores do começo do séc. XIX falavam de "campesinato" ré· feriam-se aos "trabalhadores agrícolas.''. 37 simples. Não ex1grnm qualquer classe de homens com quaüficaçõe~ científicas especializadas, mas simplesmente um número suficientede homens com escolaridade comum, familiarizados com dispositivos mecânicos simples e com o trabalho em metal, e dotados de experiên- cia prática e iniciativa. Os dois séculos e meio passados desde 1.500 haviam certamente proporcionado esse lastro de mão-de-obra. A maio- ria das novas invenções técnicas e dos estabelecimentos p rodutivos podiam começar ecohomicamente em pequena escala e expandir-se aos poucos, por adições sucessivas. Ou seja, exigiam pouco investimento inicia] e sua expansão podia ser financiada com a acumulação dos Jucros. O desenvolvimento industrial achava-se dentro das possibilida- des de grande número de pequenos empresários e artesãos tradicionais hábeis. Nenhum país do séc. XX que se disponha à industrialização tem, ou pode ter, qualquer uma dessas vantagens. I sto não signfüca que não tenha havido obstáculos no caminho ela industrialização brita nica, mns apenas que esses obstáculos eram de fácil superação, uma vei que já exhúam as condições sociais eco- nômicas fundamentais para tanto, porquanto o tipo de industrialização verificado no séc. XVIII era barato e simples e porque o país era suficientemente rico e progressista para ficar a salvo das iocficiêncfos que poderiam tel' atrapalhado economias menos saudáveis. Talve:t somente uma potência industrial tão afortunada como essa pudesse ter-se dado ao luxo daqi1ele de:;dém pela l6gica e pelo planejamento ( até mesmo planejamento privado), daquela fé na capacidade de ven- Cl!t empecilhos aos crancos e barrancos, que se tornaram tão caracte- rísticas da Grã-Bretanha no séc. 1.'1X. Veremos adiante como foram vencidas algumas das J ificuldades do crescimento. O que importa observar por ora f que nunca essas dificuldades foram cruciais. A questão concernente à origem da Revolução Industrial que nos interessa aqui, portan to, não é como se acumulou o material para a explosão econômica, m:is sim como essa explosão foi detonada; e, podemos acn :sccotar, o que impediu que a primeira explosão maio· .grasse npós um grandioso estouro inicial. Mas havia mesmo necessi- dade de algum mecanismo especial? Não seria inevitável que um perío- do suficientemente longo de acumulação de material explosivo produ- zisse mais cedo ou mais tarde, de a1guma forma, em algum lugar, uma cómbustão espontânea? Talvez. Contudo, o que temos de explicar é justamente essa "alguma forma", esse "algum lugar". Tanto mais porque o maneira como uma economia de iniciativa privada provoca uma revolução industrial suscita inúmeros enigmas. Sabemos que nll' verdade esse tipo de economia conseguiu-o em algumas partes do mun- do; mas sabemos também que cal não sucedeu em outras partes, e que foi preciso muito tempo para acontecer na Europa Ocidental. 38 O enigma ci-tá na relação entre a obtenção de lucro e a inovação ternológica. Sl1pôe-se com freqüência que uma economia de iniciativa priv:ida tende auromaticamente para a inovação, mas isto é uma inver- dade. Ela só tende para o lucro. Ela só revolucionará as atividades econômicas no caso de esperar maiores lucros com a revolução do que sem ela. Contudo, nas sociedades pré-industriais, este jamais é o caso. O mercado disponível e em perspectiva - e é o mercado que deter- mina aquilo que um homem de negócios produzirá - é formado pelos ricos, que exigem bens de luxo em pequenas quantidades, mas com uma alta margem de lucros por venda, e pelos pobres, que ( caso este- jam dentro dn economia de mercado de fato, e não produzam seu s próprios bens de consumo) têm pouco dinheiro, não estão acostuma- dos a novidades, desconfiam delas, não estão dispostos a consumir produtos padronizados e que talvez nem sequer estejam concentrados em cidades ou acessíveis ~1os produtores nacionais. Além disso, é improvável que o mcrc.ido de masi;a cresça mais depressa do que a taxa relativamente baixa do aumento populacional. Faz mais sentido vestir princesas com modelos de haute couture do que especular sobre as possibilidades de conquistar filhas de c:imponeses para o mercado de meías de seda artificial. O empresário sensato, se puder escolher, preferirá produzir caríssimos relógios cravejados de pedtas preciosas pata aristocratas a fabricar relógios de pulso baratos, e quanto mais caro for o processo de lançar revolucionários artigos baratos, mais ele hesitará em arriscnr seu dinheiro nele. Em mendos do séc. X IX, urn milionário francês , operando num país em que as condições para a moderna industrialização eram telativamente ruins, expressou admira- velmente este ponto: "Há três maneiras de se perder dinheiro: mulhe- res, jogo e construções fabris", disse o grande l{orhschíld. "As duas primeiras são mais agradáveis, mas a úl tima é seguramente a mais garantida. " 2 Ninguém poderia acusa1· um Rothschi!d de ignorar a melhor maneit"a de obter o lucro máximo. Num país não industriali- zado, essa maneira não era a indústria. A industrialização transforma tudo isto, ao permitir à ptodução - dentro de certos limites - expandir seus próprios mercados, senão realmente criá-los. Quando Henry foord produziu seu Ford-T, produ- ziu também o que antes não existia, ou seja, um enorme nútnero de compradores para um carro barnto, padronizado e simples. É claro que seu empreendimento já não era tão arl'iscado quanto parecia. Um século de industrialização já demonstrara que a p rodução em série de artigos baratos pode mulriplicar seus mercados, acostumara as pessoas a comprar produros melho1·es que os usados por' seus pais e as fizera descobrir necessidades antes desconhecidas. A questão é que ant~s da Revolução Industr ial, ou em países ainda não transformados por ela, 39 l r , ,, 1 1 ] t i 11 1 Henry Ford não teria sido um pioneiro econômico e sim um doido, cortejando a b ancarrota. Então, como surgiram na 'Grã-Bretanha do séc. XVIII as condi- ções que levaram os homens de negócios a revolucionarem a produ- ção? De que maneira os empresários viram diante de si não a modes- ta, ainda que sólida, expansão d a procura que poderia ser atendida pelo modo tradicional, ou por uma pequena expansão e aperfeiçoa- mento dos métodos costumeiros, e sim a rápida e ilimi tada expansão que exigia uma revolução? Uma revolução que hoje considetaríamos pequena, simples e barata, mas de qualquer maneira uma revolução, um salto no ~scuro? Há duas correntes de opinião com relação a este ponto. A primêira salienta principalmente o mercado interno, que era claramente, e de longe, o maior escoadouro para os p~odutos do país; a segunda realça o mercado externo ou de exportação, que era, tam- bém claramente, muito mais dinâmico e seguro. A ·reiposta correta prbvavelmente será que ambos eram essenciais, caâa um a seu modo, como também essencial era um terceiro fator, freqüentemente despre- zado, o governo. O mercado interno, por grande e crescente que fosse, só podia crescer de quatro maneiras importantes, e três delas com toda proba- bilidade não seriam excepcio.9almente rápidas. Podejia .haver cresci- mento da população, que ena mais consumidoreg ( e, naturalmente, mais produtores); uma transferência de pessoas, das rendas não-mone- tárias p ara rendas monetárias, o que cria· mais clientes; wn aumento da renda per capita, o que cria mdhores clientes; e o advento de 'bem, produzidos industr ial~ ente, em substituição a formas mai& anti- ga's de manufaturas ou impor~ções. A questão da população é c;le tàl importância, e nos últimos anos tem sido objeto de pesquisas, t ão àmplas, que merece ser discutida sucintamente. Elà suscita três perguntas, das quais somente a terceira interessa diretamente ao problem.a mais geral· do desenvolvimenco eco- nômico e social btitânico. Ta.is perguntas são: 1) O que aconteceu à' população britânica e ·por quê? 2) Qual o efeito dessas mudanças . da população sobre a economia? 3) Qual efeito tiveram sobre a estru- tura 9-.º povo britânico? Pratitarn~nte não existem informaçõ-es seguras a respeito dos números dá -popúlji-ção btitânicaantes de 1840, quando foi adotado o registro públiéo de nascimentos e óbitos, mas não há muita controvér- sia quanto às' suas tendências gerais. Entre o fim do séc. XVII, quan- do a populaçã.o da Inglaterra e do País de Gales era t alve-~ de 5. 250. 000 hab., 'e meados do séc. XVIII, o número dos britânicos cresceu muito pouco, e em certos momentos pode ter-se mantido está- tico ou mesmo decrescido. Após a década de 1740 ela cresceu subs- tancialmente, e a partir da década de 1770 o aumento foi bastante 40 rápido pelos p adrões da época, ainda que não o fosse pelos nossos.* A população duplicou em 50 ou 60 anos depois de 1780, voltando a duplicar nos 60 anos entre 18 41 e 1901, ainda que, na verdade, canto a taxa de natalidade como a de mortalidade começassem a c-air sensivelmente a partir da década de 1870. Não obstante, esses núme- ros globais encobrem variações consideráveis, tanto cronológicas como regionais. Assim, por exemplo, enquanto que na primeira metade do séc. À'VIII , e mesmo até 1780, a área de Londres poderia ter-se des- povoado, se não fosse a imigração do interior, o futuro centro de industrialização, o noroeste do país e a porção leste das Midlands, via sua 'população aumentar com muita rapidez. Após o i nício real da Revolução Ind ustrial, as taxa~ de saldo fisiológico natural das princi- pais regiões ( embora não as taxas de migração ) mostraram tendência para se igualarem, exceção feita ao brutal ambien te de Londres. Pode-se afirmar com certeza que esses movimen tos não foram muito afetados, ames do séc. XIX, pela migração internacional, inclu- sive a de irlandeses. Seria sua causa vadações na taxa de natalidade ou mortalidade? E o que provocaria essas variações? Já não se falan- do da deficiência de informações, é muitíssimo difícil responder a essas questões, ainda que sejam do maior interesse.** Elas só têm rele- vo aqui na medida em que esclarecem até que ponto o aumento popu- lacional foi causa ou conseqüência de fatores econômicos. Por exem- plo, em que medida as pessoas se casavam ou tinham filhos mais cedo devido a melhores possibfüdades de conscguü-em um emprego ou utna gleba para cultivar, ou - como já se aventou - devido à procura do trabalho infan til, ou em que medida a moualidade declinou em razão de alimentação melhor ou mais regular ou devido a melhorias do ambiente. ( Como um dos poucos fatos que sabemos com certa certeza é que o maior motivo para a queda da mortalidade foi a diminuição da morte de .recém-nascidos, crianças ou talvez adultos jovens, e não um prolongamento real da vida além da marca bíblica dos setenta anos,*** é provável que um maior número delas tenha os filhos que, por suposição, teria entre os td nta e a menopausa.) Como anteriormente, não podemos responder a essas perguntas com qualquer grau de certeza. P arece claro que as pesosas reagiam muito mais do que às vezes já se supôs aos fa tores econômicos para decidirem a casar e/ou ter fiU1os e que algumas mudanças sociais (por • E m 1965, a população do continente de maior crescimento dcmogi:ãfico, a América Latina, crescia a uma taxa que era quase o dobro dessa. •• Para orientação com relação a tais problemas, vc1· D. V. 0-lass e E. Grc· benik:, "Wolrd P opulation 1800-1950", Cambridge Economic History o/ Europe, VI, i, págs. 60-138. ... A situação ainda é a mesma. Maior número de pessoas tem vida m ais longo, mas de modo geral os velhos morrem com a mesma idndt: que no passado. 41 1 1 1 t 11 r 1 1 1 1 • 111 li • J 11. 11 I 1 1 II l. 1 exemplo, o declínio do hábito de os trabalhadores morarem na com- panhia de seus · empregadores) devem ter estimulado, ou mesmo exi· gido, a formação de familias mais cedo e talvez maiores. É evidente também que urna economia familiar que só podia ser equilibrada corn o trabalho de todos os seus men1bros, assim como formas de produ- ção que utilizavam o trabalho de menores, também estimulariam o crescimento da população. Os contemporâneos certamente considera- vam a população çomo algo que. reagia a variações na procura de trabalho, e a taxa de natalidade provavelmente aumentou entre as décadas de 1740 e 1780, ainda que possa não ter aumentado substan- cialmente depois disso. Com relação à mortalidade, com quase toda certeza os progressos da medicina não tiveram qualquer papel impor- tante em sua redução ( com possível exceção da vacina contra a varío- la) antes de meados do séc. XIX; portanto, a queda da mortalidade deve ter decorrido em grande parte de mudanças econômicas, sociais e de outras de natureza ambiental. Contudo, somente quando já ia bem adiantado o séc. XIX é que a mortalidade parece ter diminuído expressivamente. Por ora não podemos ir muito além dessas genera- lidades sem entrarmos num campo de batalha sobre o qual pesa o nevoeiro das controvérsias dos estudiosos. Quais foram os efeitos econômicos dessas mudanças? Mais gen· te sigoifica mão-de-obra em maior quantidade e mais barata, e muitas vezes já se argumentou que em si mesmo isto constitui estimulo ao crescimento econômico, pelo menos no regime capitalista. Como pode- mos verüicar hoje em inúmeros países subdesenvolvidos, isto não é verdade. Pode produzir apeoas recessão e estagnação, como na Irlanda e nas Highlands da Escócia no começo do séc. XIX ( ver Cap. 15). Na verdade, a mão-de-obra barata pode retardar a industrialização. Se na Inglaterra, no séc. XVIII, uma força de trabalho em crescimento ajudou a industrialização, como sem dúvida ajudou, foi porque a eco· nomia já era dinâmica, e não porque alguma multiplicação populacio- nal a dinamizasse. Seja como for, a população crescia rapidamente em toda a Europa Setentrional, mas a industrialização não ocorreu em toda parte. Por outro lado, mais gente decerto significa mais consu- midores, e também já se argwnentou cóm mais vigor que isto decerto traz incentivo, tanto para a agricultura (pois essa gente tem de ser alimentada) como para as manufaturas. Como vimos, porém, a população nacional cresceu com muita lentidão antes de 17 50, e seu rápido aumento .coincidiu com a Revo· lução Industrial, J.nas não a precedeu - exceto em poucos lugares. Fosse a economia da Grã-Bretanha menos avançada, talvez houvesse mais lugar para repentinas e amplas transferências de pessoas de, diga- mos, uma economia de subsistência para uma economia monetária, ou da manufatuta doméstica e artesanal para a indústria. Mas, como 42 vímos, a Ingl:.-tterra já era uma economia de mercado, dona de um grande e crescente setor manufatut:eiro. É provável que a renda inglesa média tenha crescido substancialmente na primeira metade do séc. XVIII graças .a uma população em estagnação e a uma escassez de mão-de-obra, de tnodo que esse período é corretamente descrito na canção do Vigário de Bray como um "tempo de pudjm ". As pessoas -estavam em melhores condições de vida e p9<liam comprar mais; além disso, é provável que na época fosse menoi' a percentagem de crianças ( que desviam acentuàdamehte as despesas de pais pobres para a com- pra de artigos de primeira necessidade), havendo maior proporção de jovens adultos com pequenas famílias ( que têm renda para gastar). .É bastahte provável que nesse período muitos ingleses aprendessem a ''cultivar novas necessidades e estabelecer novos níveis de expectati- va" ,3 e há alguns indícios de que pot volta de 1750 tenham começado a dirigir sua produtividade adicional para mais bens de consumo e -não para mais lazer. Ainda assim, esse movimento mais se assemelha- va ao curso de um río sereno que aos saltos incontidos de uma cata- rata. Isto explica porque um número tão grande de cidades inglesas fossem reconstruídas ( sem qualquer revolução tecnológica) com a ele- gância rural da nrqt1itetura clássica, mas não basta para explicar por- que oconeu uma revolução industrial. Exceto, talvez, em três casos especiais - transpotte, alimentação t! bens de capit:al, principalmente:: carvão. Melhorias muito
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