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Texto 03 - Da Revolução Industrial ao Imperialismo

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Prévia do material em texto

~ 
DA REVOLUÇAO 
INDUSTRIAL 
INGLESAAO 
IMPERIALISMO 
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. Eric J. Hobsbawm 
~I 
FORENSE 
UNIVERSITÁRIA 
.,~· 
.. ,... ~-
li 
INTRODUÇÃO 
A Revolução Industrial assinafa a mais radical transformação da 
vida humana já registrada em documentos escritos. Durante um bre· 
ve período ela coincidiu com a história de um único país, a Grã-Bre-
tanha. Assim, toda uma economia mundial foi edificada com base na 
Grã-Bretanha, ou antes, em torno desse país, que por isso ascendeu 
temporariamente a uma posição de influência e poder mundiais sem 
paralelo na história de qualquer país com as suas dimensões relativas, 
antes ou desde então, e que provavelmente não será igualada por 
qualquer Estado no futuro previsível. Houve um momento na histó-
ria do mundo em que a Grã-Bretanh:\ podia ser descrita como sua 
única ºfidna mecânica, seu único importador e exportador em grande 
escala, seu único transportador, seu único país imperialista e quase 
que seu único investidor estrangeiro; e, por esse motivo, sua única 
potênéia naval e o único país que possuía uma verdadeira política 
mundial. Grande parte desse monopólio devia-se simplesmente à soli-
dão do pioneiro, soberano de tudo quanto ocupa por causa da ausên-
cia de outros ocupantes. Ao se industrializarem os demais países, o 
monopólio findou automaticamente, muito embora o mecanismo das 
transferências e,conômicas mundiais> construído pelos britânicos e em 
termos da Grã-Bretanha, permanecesse indispensável ao resto do 
mundo durante algum tempo mais. Não obstante, para a maior parte 
cio mundo a era "britânica" da industrialização foi apenas uma fase 
- a inJcial ou uma das prime.iras fases - da história contemporânea. 
Para a Grã-Bretanha, aquela era significou obviamente muito mais. 
Nós, btitânicos, fomos profondamente marcados pela experiência de 
nosso pioneirismo econômico e social e até hoje continuamos marca-
dos por ele. Essa situação histórica ímpar, pela qual passou a Grã-
Bretanha, constitui o tema deste livro. 
Economistas e historiadores econômicos têtn discutido a fundo 
as características, vantagens e desvantagens do pioneirismo industrial, 
•v, chegando a diferentes conclusões. Essa variedade de conclusões depen-
13 
m 
I
J 
:11 
de sobretudo do rumo que adotaram: se tentaram explicar porque as 
economias subdesenvolvidas hoje em dia não conseguem igualar-se às 
desenvolvidas ou se tentaram mostrar porque aqueles que fotam os 
primeiros a sair na corrida industrial - principalmente a Grii-Breta· 
nha - deixaram-se ser ultrapassados depois por outros, ret.Hdarários. 
As vantagens de se fazer urna revolução industrial no séc. XV III ou 
no começo do· séc. XIX eram enormes, e examinaremo,; ;1lgumas 
delas nos capítulos dedicados à discussão desse período. As Je::.v:m· 
tagens surgirão provavelmente num. período posterior - e como 
exemplo pode-se citar uma tecnologia e uma estrutura comercial um 
tanto arcaicas, que talvez estejam por demais fixadas parn serem aban· . 
donadas rapidamente. Na Grã-Bretanha, esse período posterior ocor-
reu entre a década de 1860 e o fim do séc. XIX. Serão tambi;!m estu-
dadas nos capítulos rdativos a esse período. · 
O ponto de vista defendido neste livro é o. de que:: o relativo 
declínio da Grã-Bretanha deve-se, em termos gerãis, à sua dianteira, 
mantida por muito tempo, como potência industrial. Entretanto, esse 
fato não deve ser analisado ispladamente. Um outro, pelo menos tão 
importante quanto ele, foi a posição peculiar, na verdade sui-generis, 
do país na economia mundial, que em parte foi a causa de seu sucesso 
inicial e que foi reforçado por ela. Fomos, ou nos tornamos cada vez 
mais, o instrumento de inté;rcâmbio econômico entire os adiantados e 
os atrasados, entre os países·· industriais e os produtores de bens pri-
mários, entre as regiões metropolitanas e as coloniais ou sem.icoloniais. 
Talvez por ser tão r,repooderantemente montada em torno da Grii-
Bretanha, a economia mundial do capitalismo do séc. XIX desenvol· 
veu-se a partir de um único sistema d.e livres fluxos, no qual as trans-
ferências internacionais de capital e mercadorias passavam em grande 
parte através de mãos e instituições britânicas, eram transportadas 
em navios britânicos entre os continentes e eram calculadas em termos 
de libi,a esterlina. E como a Grã-Bretanha começou com as imensas 
vantagens de ser indispensável às regiões subdesenvolvidas ( quer por-
que necessitavam de nós ou porque não lhes era permitido passar sem 
nós), e indispensável também aos sistemas de comércio e pagamentos 
do mundo desenvolvido, a Grã-Bretanha sempre teve aberto diante de 
si um caminho de retirada quando o desafio das outras economias tor-
nou-se demasiado forte. Podíamos bater em retirada tanto para o 
Império como para o Livre Comérció - para nosso monopólio sobre 
regiões ainda não desenvolvidas, o que por seu turno ajudava a impe-
db: que se industrializassem, e para nossas funções como eixos do 
comércio, da navegação e das transações financeiras do mundo. Não 
tínhamos de competir. Podíamos fugir. E a possibilidade de evasão 
contribuiu para perpetuar a estrutura econômica e social da era pionei-
ra, arcaica e cada vez mais obsoleta. 
14 
,..., 
A economia mundial, única e liberal, que teoricamente se auto-
regulava; mas que ·ria realidade exigia o painel de controle sen-ü:auto-
mático da Grã-Bretanha, desmoronou entre as duas guerras mtmdiais. 
O sistema político. que lhe correspondia, e no qual .um número restri-
to de países -eaJ,:litalistas ocidentais detinha o monopólio da 'indústria> 
da força militar e do controle polític.o no mundo subdesenvolvido,. 
também começou a desmoronar após a Revolução Russa de 1917 e-
mui to mais dep_ressa depois da II Guerra ~undial. Para outras eco-
nomias industtinis foi mais fácil ajustar-se a esse colapso, de v&. 
que .a economia . liberal do séc. XIX havia sido µm mero episódio em 
seu desenvolvjmento. Na verdade, o surgimento destas economias foi 
uma das razões para a derrocadc!l do sistema. A Grã-Bretanha viu-se: 
afetada de maneira muito mais profunda. Já não era mais essencial 
ao mundo. Na verdade, no sentido do séc. XIX, já não existia um 
mundo ao qual ser essencial. Qual devqia ser a nova base para sua 
economia? 
Assistematica.tnente, muitas vezes iti»-Çlµntati~mente, o páís na 
verdade ajustou-se, transformando-se depressa! de uma economia em 
escala i~vulgarmente pequena e não êontro1ada para uma econotlllil: 
invulgarmente monopolista e de controle estatal; dejxou de depender 
de atividades econômicas básicas voltadas para a expoi;tação para çon-
fiar em atividades voltadas para o mercado intei:no; e, mais lentamen-
t~, abandonou tecnologias mais antigas, e formas de organização indus-
trial antiquadas, em troca de outras mais novas. J'Q.davia, a grande 
pergunta pe1'ináneceu sem respostá: poderiam esses aju·stes proporcio-
nar uma base suficientemente segura para que a economia relativa-
mente gigantesca ( que ainda em 1960 era a terceira força industrial 
do mundo) se mantivesse em sua escala habitual? E se não fossem 
capazes disso, quats eram as alternativas? 
Os historiadores sociais têm debatido as peculiaridades decorren-
tes do píoneirismo britânico com menos freqüência que os economis-
tas. No entanto, tais peculiaridades são bastante acentuadas. Isto por-
que, como todos sabem, a Grã-Bretanha combina dois fenômer:ios à 
primeira vista incompatíveis. Suas instituições e seus costumes sociais 
e políticos conservam uma continuidade notável, posto que superficial, 
com o passado pré-industrial, simbolizada por todas aquelas coisas 
que, por sua pr6pria raridade no mundo moderno, atraem osestran-
geiros curiosos e, felizmente, um crescente volume de _divisas de turis-
mo - a Rainha e os Lordes, os cerimoniais de instituições há muito 
obsoletas ou arcaicas, e tudo mais. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha. 
é, em muitos sentidos, o país que rompeu mais radicalmente coro 
todas as ép9cas anteriores da história humana: a mais completa elimi-
nação do campesinato; uma proporção de bdmens e mulheres que 
ganham a 'vida unicamente com o trabalho assalariado maior que em 
l> 
'li 
1 
11 
1 
qualquer outra parte; a urbanização mais cedo e provavelmente maior 
que em todos os outros lugares. Conseqüentemente, a Grã-Bretanha é 
também o país em que as divisões de classe eram, pelo menos até 
rece11temente, mais simplificadas que em outras partes ( como, na ver-
dade, eram também as diferenças regionais). E isto se deve ao fato 
de que, a despeito da existência costumeira de uma. amplitude grande 
nos níveis de renda, status e esnobismo, a maioria das pessoas na ver-
dade tende a partir do pressuposto de que só existem duas classes 
iinpottantes, a "classe trabalhadora" e a '1 classe média"; o sistema 
bipartidário britânico tem refletido em grau considerável essa duali-
dade. O fato de o sistema não haver gerado as conseqüências políticas 
que os primitivos socialistas previam é uma questão inteiramente 
diferente. 
Os dois fenômenos estão evidentemente relacionados com a 
dianteira econômica britânica, muito embora suas raízes remontem, 
pelo menos em parte, a um período anterior ao coberto neste livro. 
O radicalismo com que as instituições políticas e sociais formais de 
um país se transformam durante o processo de sua conversão num 
Estado industrial e capitalista depende de três fatores: a flexibilidade, 
capacidade de adaptação e resistência das velbas instituições; urgência 
da necessidade ele transformação; e os riscos inerentes às grandes revo-
luções. Na Grã-Bre,tanha, a resistência ao desenvolvimento capitalista 
deixara de ser efetiva por volta de fins do séc. XVII. A própria aris-
tocracia era, segundo os padrões continentais, quase uma forma de 
"bUl'guesia", e duas revoluções haviam ensinado a monarquia a ser 
maleável. Como veremos, os problemas técnicos da indust.tialízação 
foram invulgarmente simples, e os custos suplementares (bem como 
as ineficiências) de resolvê-los com um aparato institucional obsoleto 
( e principalmente com um sistema jurídico de grosseiro anacronismo) 
eram facilmente toleráveis. E quando o mecanismo de ajustamento 
pacífico funcionou mal e quando a necessidade de mudança radical 
pareceu mais urgente - como na primeira metade do séc. XIX - os 
riscos de revolução foram também invulgarmente grandes, simplesmen-
te porque se o mecanismo se descontrolasse era possível que se en-
veredasse por uma revolução da nova classe trabalhadora. Nenhum 
governo britânico podia confiar, como todos os governos franceses, 
alemães ou americanos do séc. XIX, em mobilizar as forças políticas 
do ca,mpo contra a cidade, em arregimentar vastas massas de campo-
neses e pequenos lojistas e outros peque.nos burgueses contra uma 
minoria - muitas vezes dispersa e localizada - de proletários . A . 
primeira potência industrial do mundo foi também aquela em que a 
classe trabalhadora manual predominava numericamente. Não só era 
aconselbável com.o parecia essencial manter baixas as tensões sociais, 
impedir que as dissensões entre setores das classes domjnantes saíssem 
16 
... 
<lo controle. E como "breves exceções, verlfiçou-se que esse desiçlerato 
l!ta perfeitamente viável. 
A Grã-Bretanha criou assim a combinação característica de uma 
base social. revolucionária el pelo. menos em dado momento - o pe-
ríodo do liberalismo econômico militante - um triunfo avassalador 
da ideologia douú1nária; com uma superestrutura institucionál apa-
rentemente trn<licionaJista e que se modificava lentamente. A colos-
sal parreira de poder e lucro construída no século XIX protegia o 
pa~s contra aqueles rntadismos políticos e econômicos que lhe pode· 
riam haver imposto mudanças drásticas. Nunca fomos derrotados na 
guerra, e muito menos destruídos. Até mesmo o impacto da maiór 
catástrofe não-política do séc. XX, a Grande Depressão de 1929-33,. 
não foi tão repentina, nguda e generalizada como em outros países, 
inclusive os Estados Unidos. O status quo podia ser ocasionalmente 
abalado, porém nunca inteiramente desttuído. Até agora temos ex-
perimentado a• erosão, mas não a ruína. E sempre que as crises da-
vam mostras de se tornarem insustentáveis, as penalidades decorren-
tes de deíxilr que se descontrolassem estavam sempre presentes no es· 
pírito dos governantes da nação. Praticamente não houve um só mo-
mcmto em que aqueles que detêm o poder decisório supremo esque-
ceram o fato político fondanicmtal da moderna Grã-Bretanha - ou 
seja., o de que este paí~ não podia e não pode ser governado em de-
safio aberto à sua classe. trabalhadora, majoritária, e que ele sempre 
poderia arcar com o custo modesto de conciliar um segmento essencial 
dessa maioria . Segundo os padrões de outros importantes países in-
dustriais, virtualmente nunca se derramqu sangue na Grã-Bretanha ( não 
nos referimos a colônias ou possessões) em defesa do sistema políti-
co e econômico, por mais de um século.* Entre os empregadores <; 
e operários, entre os governantes e os governados da Grã-Bretanha, 
não se coloca nenhuma brecha como a "Comuna de Paris", a "Greve 
de Homestead", o "Free Corps" ou a "SS". 
Essa ausência de· confr~ntações drásticas, essa preferência por 
afixar rótulos velhos em frascos novos, não deve ser confundida com 
inexistência de mudança. Tanto em termos de estrutura social como 
de instituições políticas, as mudanças .ocorridas desde 17 50 foram pro-
fundas, e em certos momentos rápidas e espetaculares. Foram oculti1-
das, porém, pelo gosto dos reformadores moderados em intitular mo-
diíicações modestas do passado como revoluções "pacíficas" ou "silen-
dosas","d' e pelo acentuadíssimo "tradicionalismo e conservadorismo de 
,, As poucus exceçôes .... Trafalgar' Square, 1887; Featherstone, 1893; Tony-
punúy, J91 I -- destacam-se dramaticamente na história Jo trubulhismo bri-
tânico. 
""' Assii11, as reufüaçõcs do governo trabalhista de 1945-51. que assinalaram 
·Urtl"ffban<lono era economia de guerra efetirnmenle sociali~t.i da Grã-Dretanlla, 
17 
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t 
tantas instituições britânicas. Esse tradicionalismo é real, mas a pa-
lavra em si mesma compreende dois fenômenos inteiramente distintos. 
O primeiro desses fenômenos é a preferência por manter-se a 
forma das velhas instituições, cujo conteúdo mudou radicalmente; na 
verdade, em muitos casos cria-se uma pseudotradição e uma legiti-
mação pseudoconsuetudinária para instituições inteiramente novas. 
As funções da monarquia hoje em dia tem muito pouco em comum 
com suas funções em 17 50, enquanto que as "escolas públicas", como 
hoje as conhecemos, praticamente não existiam antes de meados do 
séc. XIX, e sua tradição é quase totalmente vitoriana. O segundo 
fenômeno, contudo, é a acentuada tendência de inoyações, em dada 
época revolucionárias, adquirirem a página da tradição devido à sua 
prolongada existência. Como a Grã-Bretanha foi o primeiro país ca-
pitalista industrial, e um país no qual, durante muito tempo, as mu-
danças eram relativamente lentas, surgiram amplas oportunidades pata 
essa fabricação de tradicionalismo. Aquilo que passa por ser o Con-
servadorismo Britânico é, ideologicamente, o laissez-faire liberal que 
triunfou entre 1820 e 1850, e, exceto formalmente, o liberalismo do 
laissez-f aire é também o conteúdo do imemorial e consuetudinário Di-
reito Natural, pelo menos no campo da propriedade e do contrato. 
Para estarem de acordo com o conteúdo de suas sentenças, a maioria 
dos juízes britânicos deveriam usar cartolas e suíças, em lugar de pe-
nicas cheias. No que diz respeito ao estilo de vida das classes médias 
britânicas, seu aspecto mais típico, a casa suburbana com jardim, te· 
monta meramenteà primeira fase da industrialização, quando seus an-
tepassados começaram a deixar a fumaça e o fog das cidades poluídas 
pelas colinas e campos a seu redor . No que tange à classe trabalha-
dora, veremos que aquilo que se chama de seu estilo de vida "tradi-
cional" é mais recente. Em nenhum momento antes da década de 
1880 esse estilo de vida está completado. E aquilo que .caracteriza 
o estilo d~ vida "tradicional" do profissional liberal - o conjunto 
residencial suburbano elegante, a casa de campo, o semanário cultu-
ral etc. - é mais recente ainda, uma vez que a própria classe não 
existia de maneira nenhuma, como grupo consciente de si mesmo, 
antes do período eduardiano. A "tradição", nesse sentido, não cons-
titui obstáculo sério à mudança. Com muita freqüência representa tão 
somente uma maneira britânica de aplicar um rótulo a fatos que já 
st'!jam moderamente duradouros, sobretudo no momento em que es-
ses próprios fatos começam a mudar. Passada uma geração, os fatos, 
modificados, serão por sua vez chamados de " tradicionais " . 
foram em certa época anunciadas como sendo urna de tais "revoluções", 
e o mesmo aconteceu com o progresso educacional da Orã-Bretanha na pri-
meira metade do séc. XIX, que surpreende o observador por suas hesitações. 
18 
Não é minha intenção negar que instituições e hábitos acumula· 
dos e fossilizados tenham um poder autônomo para agir como freio 
sobre a mudança . Até certo ponto, eles têm esse poder, embora a 
eles se contraponham, pelo menos potencialmente, aquela outra ar-
raigada "tradição" britânica, que é a de jamais resistir a mudanças 
irresistíveis, e sim absorvê-las o mais depressa e serenamente que for 
possível. O que passa por ser a força do "conservadorismo" e do 
"tradicionalismo" é muitas vezes algo bem diferente; dominação de 
grupos e a ausência de suficiente pressão. A Grã·Bretanha não é mais 
tradicionalista que outros países. Menos, digamos, em hábitos sociais 
do que os franceses, ainda menos na inflexibilidade oficial de instl· 
tuições obsoletas (como uma Constituição do séc. XVIII) do que 
os Estados Unidos. Até agora ela simplesmente foi mais conserva-
dora, porque o interesse pelo passado tem sido invulgru:mente forte, 
e mais complacente, porque mais protegida; e talvez tenha se mos-
trado menos disposta a tentar novos caminhos para sua economia, 
porque os novos caminhos parecem levar a paísagens que estão lon-
ge de ser tão interessantes quanto as dos caminhos antigos . Tais ca-
minhos podem estar intransitáveis hoje, mas as outras trilhas também 
se afiguram impassáveis . 
Este livro trata da história da Grã-Bretanha . No entanto, como 
mesmo estas poucas páginas terão deixado claro, uma história res-
trita à Grã-Bretanha é de muito pouca u tilidade - e tem havido mui-
tas dessas lústórias. Em primeiro lugar, a Grã-Bretanha desenvolveu-
se como parte essencial de uma economia global, e, mais particular-
mente, como o centro daquele vasto "império" formal ou informal, 
sobre o qual seu destino repousou em alto grau. Escrever sobre este 
país sem também falar alguma coisa das índias Ocidentais e da ín-
dia, da Argentina e da Austrália, é inútil. Entretanto, visto não ser 
meu intuito narrar a história da economia mundial ou de seu setor 
.imperial britânico, minhas referências ao mundo exterior serão mar-
gtnaJs . Veremos em ca pí tu los posteriores quais eram as relações entl"e 
ele e a Grã-.J.Sretanha, como a Grã-.Bretanha toi afetada pelas mudan-
ças nesse mundo, e ocasíooatmente, em uma ou duas tases breves, 
como a dependência em relação à C:rrã-.füetanha afetou aquelas regiões 
1igadas duetamente ao sistema orb1tal ou colonial britânico. Por 
exemplo, como a industrialização de Lancashire prolongou e ampliou 
a escravidão na América ou como a1guns dos ônus de uma cdse eco-
nômica brttânica podJ.am ser trans.teridas para países de produção pri-
mária, p:u:a cujas exportações era a Grã-.Bretanha { ou, aliás, os OU· 
tros países industrializados) o útúco mercado existente. Mas a fina-
lidade dessas referências está simplesmente em lembrar ao leitor, cons-
tantemente, as interrelações entre a Grã-Bretanha e o resto do mundo, 
19 
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sem o que nossa história não pode ser compreendida. Não têm outro 
objetivo senão este. 
Contudo, há outra espécie de referência internacional que tam· 
bém não pode ser evitada. A história da sociedade industrial britâ· 
nica conetitui um caso particular - o primeiro e às vezes o mais im-
portante - do fenômeno geral da industrialização dentro do regime 
capitalista, e, para assumirmos wna perspectiva ainda mais dilatada, 
do fenômeno geral de qualquer industrialização. É inevitável que 
perguntemos até que ponto o exemplo britânico é típico desse fenô-
meno; ou, em termos mais práticos - pois o mundo atual é formado 
àe países que tentam se industrializar rapidamente - 1 o que os ou-
tros países podem aproveitar da experiência britânica. 
A resposta é que podem aproveitar muito em teoria, mas bem 
pouco para fins práticos . O próprio pioneirismo do desenvolvimento 
britânico torna o caso desse país, em muitos sentidos, singular e sem 
paralelos. Nenhum outro teve de fazer sua revolução industrial prati-
camente sozinho, sem poder se beneficiar da existência de um setor 
industrial já estabelecido na economia mundial, recorrer a seus recur-
sos de experiência, técnica ou capital. É bem possível que a essa si-
tuação se deva tanto aos extremos a que, por exemplo1 o desenvolvi-
mento social britânico foi impelido ( como a virtual eliminação do 
campesinato e dos produtores artesanais) quanto o padrão altamente 
. típico das relações · econômicas da Grã-Bretanha com o mundo sub· 
desenvolvido. Por outro lado, o fato de a Grã-Bretanha ter realizado 
sua revolução industrial no séc. XVIII, e de estar razoavelmente pre-
parada para realizá-la, minimizou certos problemas que tem sido in-
tensos para os que vieram depois ou que tiveram de dar um maior 
salto inicial entre o atraso e o avanço econômico. A tecnologia com 
que os países em desenvolvimento têm de operar hoje em dia é mais 
complexa e dispendiosa do que aquela com que a Grã-Bretanha fez 
sua revolução industrial. As formas de organização econômica são 
diferentes: os países hoje não estão limitados a uma iniciativa privada 
ou modelo capitalista, mas podem também escolher um modelo so-
cialista. O contexto político é diferente. Hoje os países em indus-
trialização se desenvolvem no contexto de fortes movimentos traba-
lhistas e de potências mundiais sadaüstas, o que torna quase inima-
ginável politicamente a idéia de industrialização sem provisões de pre-
vidência social ou sindicalismo. 
A história da Grã-Bretanha não representa, portanto, um modelo 
para o · desenvolvimento do mundo atual. Só encontramos dois moti-
vos muito convincentes para estudá-la e analisá:la, além do interesse· 
automático que o passado, e principalmente a grandeza · passada, en-
cerra para muitas pessbas. O passado da Grã-Bretanha, desde a Re-
volução Industrial, ain~a influi sobremaneira sobre o presente, e por 
20 
isso a descoberta de soluções práticas para os problemas de nossa 
economia e nossa sociedade exígem que compreendamos algo a seu 
respeito. Mais genericamente, a história da primeira e mais duradoura 
potência industrial e capitalista não pode deixar de explicar o surgi-
mento da industrialização como fenômeno na história do mundo. 
Para o planejador, o engenheiro social, o economista ( na medida em 
que não concentrem sua atenção apenas em problemas britânicos), 
este país constitui apenas um "caso clínico", sem qualquer interesse 
ou relevância para o séc. XX. Todavia, para aquele que historia o 
progresso humano, desde o troglodita até os usuários da força atômi-
ca e os astronautas, o caso bdtânico encerra enorme interesse. Ne-
nhuma mudança na vida humana, desde a invenção da agricultura, da 
metalurgia e do surgímento das cidades no Neolítico, foi tão profun-
da como o advento da industrialização.Ela surgiu, inevitável e tem-
porariamente, na forma de 1.1ma economia e de uma sociedade capi· 
talistas, e provavelmente era também inevitável que surgisse na for-
ma de uma única economia mundial "liberal ", que por certo tempo 
dependeu de rum único país pioneiro. Esse país foi a Grã-Bretanha, 
e nesse sentido ele ocupa uma posição ímpar na história. 
21 
1 
A GRÃ-BRETANHA EM 1750 1 
Aquilo que o observador contemporâneo vê não é necessaria-
mente a verdade, mas o historiador tem de buscá-la à viva força. No 
séc. XVIII a Grã-Bretanha - ou, antes, a Inglaterra - era um 
país muito obsetvadu e para que possamos melhor compreender o que 
lhe aconteceu desde a Revolução Industrial convém que procuremos 
vê-la através dos olhos de seus numerosos e ilustres visitantes es-
trangeiros, sempre ansiosos por aprender e admirar e com ampla dis-
ponibilidade de' tempo para prestar atenção ao que olhavam. Pelos 
p.idrões modernos, eles precisavam realmente de muito tempo dispo-
nível. Ao viajante que desembarcasse por volta de 1750 em Dover ou 
Harwich, após uma jornada imprevisível e muitas vezes demorada ( di-
gamos trinta e poucas horas desde a Holanda), seria bastante acon-
selhável pousar numa das caras, mas extraordinariamente confortáveis, 
hospedarias inglesas, que de hábito o impressionavam muito bem. 
No dia seguinte era provável que ele viajasse umas cinqüenta milhas 
de carruagem, e, após outra noite de descanso em Rochester ou 
Chelmsford, chegaria a Londres no começo da tarde do dia seguinte. 
Viajar a esse p asso exigia tempo . A alternativa para os pobres -
caminhar ou tomar uma embarcação costeira - era mais barata e 
mais lenta, ou mais barata e imprevisível. Dentro de poucos anos 
talvez as novas malas-postas o levassem de Londres a Portsmouth en-
tre a manhã e o anoitecer ou de Londres a Edinburgo em 62 hora.s, 
mas em 1750 ele ainda tinha de contar com dez ou doze dias para 
essa última viagem . 
Sua atenção seria imediatamente atraída para o vei:dor, a li01~-
za , a aparente prosperidade do campo, bem como pelo evidente con-
forto do "campesinato". "Todo ,este país", escreveu o Conde Kiel-
mansegge, da Casa de Hanover, a respeito de Essex em 1761, "não 
é diferente de um jardim bem cultivado"? e suas palavras eram re-
2J 
li' 
1 
" 
petidas pela maioria dos demai~ tur'istas. Con10 geralmente a viagem 
à Inglaterra se limitava ao sul e às regiões centrais do país, essa im-
pressão não era inteiramence correta, mas o contraste com a maíoria 
das regiões da Emopa continental er~ realmente bastante acentuado. 
A seguir, também invariavelmente, o turista se espantava com o ta· 
manha de Londres, e com bastante razão, pois, com mais ou menos 
750. 000 habirnntes, a capital era de longe u maior cidade da Cristan· 
dade, sendo talvez duas vezes maior que sua rival mais próxima, Par.is. 
Não se tí·atava certamente de uma cidade bonita, e era mesmo 
possível que o estrangeiro a julgusse desagradável. "Depois que tÍ· 
verdes visto a Itália", escrevia o Abbé Le Blanc em 1747, "nada 
vereis nos edifícios de Londres que vos cause grande prazer. A cidade 
na verdade só assombra por sua grandeza. " ( Mas, como todos os 
demais, ele admirou "as belezas dos campos, o cuidado empregado no 
melhoramento das terras, a riqueza dos pastos, os rebanhos numero-
sos que neles pastam e aos ares de abundância, e a límpeza que reina 
nas mais ínfimas aldeias". )3 Tampouco Londres era uma cidade lim-
pa ou bem iluminada, ainda que a esse respeito fosse melhor do que 
cenu·os fabris como Birmingham, onde "as pessoas parecem tão pro-
fundamente entretidas com seus negócios dentro de casa que cuidam 
pouquíssimo de qual lhes seja o aspecto externo . As ruas não são 
calçadas nem iluminadas , "4 
Não havia nenhuma outra cidade inglesa que pudesse mesmo de 
longe comparar-se com Londres, muito embora os portos e os cen-
tros de comércio ou manufatureiros das provindas estivessem, ao 
contrário do que acontecia no séc. XVII, expandindo-se depressa e 
prosperando visivelmente . Nenhuma. outra cidade inglesa tinha 50.000 
habitantes . Poucas delas mereceriam a atenção do visitante que não 
fosse comerciante, ainda que, se ele houvesse ido em 1750 a Liverpool 
. ( ainda não alcançada pela diligência de Londres) teria sem dúvida 
ficado bem impressionado com a azáfama daquele porto em rápido 
crescimento, e cujo movimento se baseava principalmente ( como Bris-
tol e Glasgow) no comércio de escravos e de produtos coloniais -
açúcar, ·chá, tabaco e, cada vez mais, algodão. As cidades portuárias 
do séc. XVIII orgulhavam-se de suas novas e sólidas instalações co-
' mercíais e da elegância provinciana de seus edifícios públicos, que 
constituíam, como o visitante anotaria aprovadoramente, "uma agra· 
.dável epítome da ffiettópole". 5 Seus habitantes menos elegantes po. 
diam ver melhor a brutalidade do cais, cheio de tabernas e prostitu-
tas que serviam aos marinheiros desembarcados ou prestes a serem 
arregimentados por contratadores de mão-de-obra ou por recr~tadores 
da Marinha de Sua Majestade. Os navios e o comércio ultramarino 
.eram, como todos sabiam, a seiva vital da Grã-Bretanha, e a Mari· 
·nha sua arma mais poderosa. Por volta de meados do séc. XVIII, o 
24 
país possufa talvez 6. 000 n:lvio!. mercantes, perfazendo talvez meio 
milhão de tonelad:is, várias vezes mais que a frota mercantil francesa, 
sua maior rival. Essa frota formava possivelmente um décimo de to-
dos os investimentos em capital fixo ( além dos bens imobiliários) em 
1700, enquanto seus 100. 000 maru jos representavam quase o maior 
grupo de trabalhadores não-agrícolas . 
Em meados do séc. XVIII o turista provavelmente daria menor 
atenção às manuforuras e minas, embora já estivesse surpreendido com 
a qualidade ( mas não com o gosto) dos produtos britânicos e cons-
ciente da engenhosidade que suplementava seu trabalho assíduo e di-
ligente. Os britânicos já eram renomados pelas .máquinas que, como 
observava o Abade Le Blanc, "realmente multiplicam os homens ao 
diminuírem sua labuta ... Assim, nas minas de carvão de NEWCAS-
TLE, uma só pessoa pode, empregando uma máquina igualmente su r-
preendente e simples, alçar quinhentas toneladas de água à altura de 
cento e oitenta pés. "6 A máquina a vi1por, em sua forma primitiva, 
já prestava serviços. Podia-se debater se o talento dos britânicos para 
utilizarem invenções se devia à sua própria capacidade de inventiva ou 
à sua aptidão para pôr em prática as inovações de outras pessoas , 
Provavelmente a explicação era esta última, per•sava o arguto Wen· 
debotn de Berlim, que viajou pelo país na década de 17 80, quando a 
"indústria" já era objeto de muito mais interesse. Entretanto, como 
para a maioria dos turistas, a palavra "manufatura" lembrava-lhe so-
bretudo cidades como Birroíngham, com sua grande variedade de pe· 
quenos artigos metalúrgicos; Sheffield, com sua admirável cutelaria; 
as cerâmicas de Staffordshire; a indústria de lã, dispersa pelo interior 
de Easc Anglia, pelo oeste e por Yorkshire. Mas não lhe recordava 
qualquer cidade máior, com exceção da decadente Norwich. Esta era, 
afinal, a produção manufatureira básica e tradicional da Grã-füetanha. 
Wendeborn fez a Lancashire apenas uma referência de passagem . 
Conquanto a agricultura e as manufaturas fossem prósperas e se 
expandissem, aos olhos dos estrangeiros eram atividades muito m~nos 
.importantes que o comércio. A Inglaterra era, afinal de contas, "a 
nação de lojistas", e seu cidadão :mais típico era antes o. comerciante 
que o industrial. "Cumpre lembrar", advertia Le Blanc, "que as pro-
duções naturais do país não chega.m, no máximo, a uma quarta parte 
de suas riquezas; o resto ele deve às suas colônias, e às atividades 
econômicas de seus habitantes, que, pelo transpotte e troca das rique-
zas de outras nações continuamente aumentam a sua própria. "7 O 
comércio dos britânicos era, segundo os padrões do séc, XVIII1 um 
fenômeno notável. Tratava-se de uma atividade a um só tempo mer· 
cantil e bélica,como observou Voltaire em 1720, quando suas Cartas 
da Inglaterra deram início à moda de admirar os relatos estrangeiros 
sobre as ilhas. Mais que isso: tratava-se de uma atividade estreita-
2'> 
mente relacionada com o singular sistema político da Grã-Bretanha, 
onde os reis estavam subordinados ao Parlamento. Os historiadores 
britânicos nos lembram com razão que o Parlamento britânico era 
controlado por uma oligarquia de aristocratas proprietários de terras 
e não por aquelas classes que ainda não eram chamadas de médias. 
No entanto, segundo os princípios continentais, quão pouco aristo-
cráticos eram aqueles nobres! Era estranho e ridículo, julgava Le 
Blanc, que os nobres tivessem propensão para imitar seus inferiores: 
"Etn Londres os senhores vestem-se como seus valetes, e as duquesas 
copiam as camareiras." Quão remoto era aquilo da ostentação aristo-
crática das sociedades realmente nobres: 
Não se vê os ingleses voltados para fazerem figura, 
quer em suas roupas, quer em suas equipagens; vê-se que 
seu mobiliário é tão simples quanto o exigiriam leis sun-
tuári as ... e se as mesas dos ingleses não se fazem notar 
por sua frugalidade, já sua simplicidade salca à vista.8 
Todo o sistema britânico se baseava, ao contrário <lo que sucedia em 
países menos prósperos, num governo voltado para as necessidades 
daquela que o Abade Coyer chamava "a classe média honesta, aquela 
preciosa parcela das nações" .9 "O comércio que enriqueceu os cida-
dãos da Inglaterra - escrevia Voltaire - contribuiu a torná-los 
livres, e essa libttdade, por sya vez, expé.\ndíu o comércio. Este é o 
fundamento da grandeza do Estado. "10 
Portanto, a Gtã-Bretanha impressionava o visitante estrangeiro 
principalmente como um país rico, e cuja riqueza se devia basicamente 
ao comércio e à iniciativa; como um país poderoso e cujo poderio 
repousava naquela arma mais ligada ao comércio, mais voltada para 
as operações mercantis, a Marinha como um Estado de liberdade e 
tolerância raras, relacionadas estreitamente também com o comércio e 
,om a classe média. Ainda que talvez deficiente nas graças aristocrá-
ticas da vida, em humor e em ;oie de viv.re, e dada a excentricidades 
religiosas e de outras naturezas, a Grã-Bretanha e:ra, sem nenhuma 
dúvida, o mais florescente e próspero dos países, e um país que podia 
gabar-se ainda de excelente ciência e literatura, para não . se falar em 
tecnologia. Seu povo, insular, presunçoso, competente, violento e dado 
a tumultos, parecia bem alimentado e próspero, segundo os modestos 
padrões na época aplicados aos pobres. Suas instituições eram estáveis, 
apesar da notável debilidade do aparato destinado a manter a ordem 
pública, ou para planejar e administtar os negócios econômicos do 
país. Para aqueles que desejavam colocar seus próprios países no cami-
nho do progresso econômico, havia claramente uma lição a tirar desse 
visível êxito de uma nação, baseado essencialmente na iniciativa priva-
26 
da. « Meditai nisso", bradava o Abade Coyer em 1779, "vós que ainda 
suportais um sistema de regulamentos e de privilégios régios de mono-
pólio ",11 ao observar que até mesmo estradas e canais eram construi-
dos e mantidos pela motivação do lucro.* 
Progresso econômico e técnico, iniciativa privada e aquilo que 
hoje chamaríamos de liberalismo - tudo isto eta manifesto. No entan-
to, ninguém esperava a iminente transformação do país por uma revo-
Jucão industdal - nem mesmo os viajantes que visitavam a Grã-Bre-
tanha no começo da década de 1780, um momento no qual, como sabe-
mos, a revolução já tivera ínído. Poucos esperavam sua iminente 
explosão populacional, que em pouco tempo viria aumentar a popu-
lação da Inglaterra e de Gales de talvez 6 . 500. 000 habitantes para 
mais de 9.000.000 em 1801 e para 16.000.000 em 1841. Em mea· 
dos do séc. XVIII, e mesmo algumas décadas depois, ainda se discutia 
se a população britânica estava crescendo ou não; no final do século 
Malthus já estava partindo do princípio irrefutável de que estava cres· 
cendo depressa demais. 
Se voltarmos a vista para 17 50, sem dúvida veremos muitas coi-
sas que não despertavam a atenção dos contemporâneos ou que não 
lhes era óbvio ( ou, ao contrário, que era 6bvio demais, para merecer 
comentários), mas não manifestaremos discordância quanto a pontos 
fundamentais. Notaremos, acima de tudo, que a Inglaterra ( Gales e 
grandes partes da Escócia ainda eram outra coisa - ver Cap. 15) já 
constituía uma economia monetária e de. mercado à escala nacional. 
II Uma nação de lojistas" implica uma nação de produtores para venda 
no mercado, já não se falando numa nação de fregueses. Nas cidades 
isso era bastante natural, pois uma economia fechada e auto-suficiente 
é impossível em cidades acima d.e certo tamanho, e a Grã-Bretanha 
tinha a sorte - do ponto de vista econômico - de possuir a maior 
de todas as cidades do Ocidente ( e, conseqüentemente, ·o maior de 
todos os mercados concentrados de mercadorias). Em meados do 
século, Londres já possuía talvez cerca de 1.5% da população ing1esn 
e sua demanda insaciável de alimentos e combustível transformava a 
agricultura por todo o sul e o leste, buscava fornecimentos regulares, 
por terra e por rio, de partes ainda mais remotas de Gales e do norte 
e estimulava as minas de carvão de Newcastle. As variações regionais 
nos 'preços de alimentos não perecíveis e ainda nos perecíveis de fácil 
transporte, como o queijo, já eram pequenas. E o mais importante é 
"' Nem todos concordavam com isso, principalmente quando, tal como a 
"famosa Madame Ou Bocage", ficavam sabendo que a explicação para :i 
sujeira de Londres estava em "que numa nação livre os cidadãos pavimentam 
como julgam melhor, cada um diante de sua própria porta". Segundo o 
Abade Le Blanc, "parece que li!Jerdade é a bênção que os impede de ter 
bom calçamento, e uma boa polícia em Londres. 
27 
que a Inglaterra já não pagava o pesado tributo cobrado pelas econo-
mias locais e regionais auto-suficientes - a fome. A "míngua"., bas-
tante comum no resto da Europa e ainda lembrada nas planícies da 
Escócia, não era mais problema sério, embora más colheitas .. ainda 
provocassem fortes elevações do custo de vida e conseqüentes distúr-
bios em grandes partes do país, como ocorreu em 17 40-41, 1757 
e 1767. 
No campo, o que causava verdadeiro espanto era a ausência de 
um campesinato, no sentido europeu. O que ocorria não · era simples-
mente decorrente do crescimento de uma economia de mercado redu-
zinc.lo seriamente a auto-suficiência local e regional e enredando até 
mesmo aldeias num siste.ma de vendas e compras a dinheiro, muito 
e.mbora isto, segundo os padrões contemporâneos, claramente aconte· 
cesse. O uso crescente de mercadorias inteiramente importadas., como 
chá, açúcar e tabaco, indica não só a expansão do comércio ulttan;ia-
rino como também a comercialização da vida rural. Em meados do 
século, cerca de 0,6 libras de chá era legalmente importada por pessoa, 
uma considerável quantidade era contrabandeada e já h,avia sinais de 
que a bebida era comum no interior do país, mesmo entre os traba-
lhadores ( ou, mais precisamente, entre suas mulheres e filhas). Os 
britânicos, no parecer de Wendeborn, consumiam três ve:r,es mais chá 
que todo o resto da Europa. 
Para aquele desaparecimento dos camponeses contribuía também 
o fato de que o pequeno proprietário de terras, que vivia basicamente 
da produção de sua gleba familiar, tornava-se mui to menos comum 
do que em outros países ( exceto a atrasada orla céltica e algumas 
outras áreas, sobtetudo no norte e no oeste): os cem anos que haviam 
passado desde a Restauração de 1660 tinham sido uma época de gran-
de concentração da terra nas mãos de uma pequena classe de grandes 
latifundiários, a expensas tanto da pequena nobreza como dos campo-
neses. Não dispomos de dados seguros, mas é evidente que por volta 
de 1750 a estrutura característica da posse da terra na Inglaterra já 
era discernível: uns poucos milhares de proprietáriosarrendando suas 
terras e algumas dezenas de milhares de pessoas num sistema de par-
ceria, enquanto estes, por sua vez, as cultivavam com o trabalho de 
algumas centenas de milhares de trabalhadores agrícolas, servos ou 
colonos, que vendiam seu tempo de trabalho. Em si mesmo este fato 
implicava um sistema monetário bastante complexo de receitas e 
vendas. 
Além disso, grande parte - talvez a maior parte - das ativi-
dades econômicas e manufatureiras da Grã-Bretanha era rural, sendo 
o trabalhador típico uma espécie de artesão de aldeia ou pequeno 
proprietário que trabalhava em casa, especializando-se cada vez mais 
na manufatura de algum produto - principalmente tecidos, vestuários 
28 
(: uma grande \'.tr ie~bde de artigos de metal - , e ,1ssim. griidu.tlmctíté, 
deixando ele se::r um pequeno camponês ou :trtesi\o parn se transformnr 
em trabalhador assülariado. A\,~ p~,ucos, as ,1ldei .1s em que os homens, 
passi1vam seu tempo livre ten·nJu ou fazen,lo I rnbalhos Je 111 ineraçiio 
começaram ~• se transformar em vilas industri:tis de tecelões <:>u minei-
ros em tempo íntegrnl, e por fim algumas - mns não rodas , decerto 
- converteram-se em cidades industriais. Ou, mi1is comuinente, ns 
pequenas feiras , a t1ue compnreciam os mercadores para adquirir os 
produtos locais ou distribuir a matéri.-1-prima e alugar os teares aos 
trabalhadores c,1seiros, tornaram-se cidades, cheias de oficinas ou 
fábricas rudimentares, que preparavam ou talvez davam acabamento 
aos materiais distribuídos aos trabalhadores dispersos ou a eles adqui-
ridos. A natureza desse sistema de "indústria domést ica" rural fez 
com que ele se espalhasse por todo o interior do país, estreitando as 
malhas da rede de transações monetárias que se estendeu sobre ela. 
Isto porque cada aldeia que se especializava em manufaturas, cada 
área rural que se transformava em área industrial ( como o Black 
Country, as regiões mineiras e a maioria das regiões têxteis) fazia 
com que surgisse outra zona que se especializava em vender-lhe o ali-
mento que já essas áreas não produziam. 
· Essa ampla dispersão da manufatura por todo o interior teve 
duas conseqüências importantes e correlatas. Deu aos proprietários 
de terras - a classe que detinha o poder de decisão política - um 
interesse direto pelas minas que por acaso houvesse em suas terras ( e 
das quais, ao contrário do que ocorria no continente, eram eles, e 
não o rei, que auferiam royalties) e pelas manufaturas que existissem 
em suas aldeias. O acentuado interesse da nobreza local em i nvesti-
mentos como canais e estradas onde se pagava pedágio devia·se não 
só à esperança de abrir mercados mais amplos para ·a produção agrí-
cola local, como também à previsão de transporte melhor e mais bara-
to para o produto das minas e das manufaturas locais/' Em 1750, 
porém, essas melhorias em transporte terrestre mal haviam começado: 
as "empresas de pedágio" ainda estavam sendo formadas a um ritmo 
de menos de dez por ano ( entre 1750 e 1770 apareceram a um ritmo 
de mais de quarenta por ano) e os canais só começaram a ser cons· 
truídos em 1760. 
A segunda conseqüência foi a de que os interesses manufaturei-
ros já podiam determinar a polít.ica governamental, ao contrário do 
que acontecia no outro grande país comercial, a Holanda, onde os 
interesses do mercador etam preponderantes. E isto a despeito da 
riqueza e influência modestas dos primeiros industriais. Assim, cal. 
culava-se que em 1760 a classe mais pobre dos "mercadores" ganhava 
* Raramente se esperava que os canais e as estradas de pedágio fizessem 
mais que pagar a si mesmos, com talvez um pequeno retomo de capital. 
29 
ll1ll 
tanto quanto a classe mais rica dos "mestres manufatureiros" ( os 
mais ricos daqueles ganhav~m em média três vezes mais que estes), 
e que mesmo a camada superior dos "comerciantes", muito mai:.-
modestos, ganhava o dobro da renda da camada equivalente dos "meb-
trcs manufatureiros". Os números são conjecturais, mas indicam as 
posições relativas do comércio e da manufatura na opinião contempo· 
rânea. * Em todos os sentidos o comércio, principalmente o ultrama-
rino, parecia ser mais lucrativo, m:ais importante e mais ptestigio!-o 
do que a atividade manufatureira. No entanto, quando se tratava de 
escolher entre os interesses do comércio ( que consistia na liberdade 
de importar, exportar e reexportar) e os interesses das manufaturas· 
( que nesse estágio estavam, como de costume, em proteger o mercado 
interno britânico contra os estrangeiros e em capturar o mercado de 
exportação para os produtos britânicos), prevalecia o produtor inter· 
no, pois o mercador só era capaz de mobilizar em seu interesse Lon-
dres e alguns portos, ao passo que o produtor manufatureiro tinha a 
seu favor os interesses políticos de amplos segmentos do interior e: 
do governo. A questão foi decidida ao fim do séc. XVII, quando os 
fabricantes de têxteis, confiando na tradicional importância do tecido 
de lã para as finanças do governo britânico, obtiveram a proibição 
da importação de tecidos de algodão estrangeiros. De modo geral, a 
indústria britânica pôde crescer tendo à sua disposição um mercado 
interno protegido e até tornar-se bastante forte para exigir livre aces-
so aos mercados de outros povos - isto é, " Livre Comércio". 
No entanto, nem a indústria nem o. comércio poderiam ter flo-
rescido na ausência das invulgares condições políticas que com tanta 
justiça impressionava os estrangeiros. ·Nominalmente, a Inglaterra não 
"' As cifras (em libras anuais) eram as seguintes em 17©: 
Ocupação 
Mercadores 
Comerd,mtes 
Me, tres manuíatureiros 
Número de familias 
1.000 
2.000 
10.000 
2.500 
5.000 
10.000 
io.ooo 
125.000 
2.500 
5.000 
10.000 
62.500 
Rendo 
600 
400 
200 
400 
200 
100 
70 
40 
200 
100 
70 
40 
Para comparação, a renda média de advogados e donos de hospedarias era-
calcula<la em f. 100, a dos fazendeiros mais abastados em t 150, e a dos-
lavrndores e trabalhadores provincianos em 5 ou 6 xelins por semana. 
30 
,era um EsrnJo "burguês". Erà umá oligarquh1 de aristocratas proprie· 
tários de terras, governada por uma fechada e autoperpetuadora nobre-
za de cerca de 200 pessoas, um sistema de poderosas relações de 
parentesco, sob a égide dos chefes ducais das grandes famílias whig 
- Ru~sells, Cwendíshes, Fitzwilliams, Pelhams e outras. Quem se 
_podia comparar com eles em riqueza? (Em 1760 Joseph Massie esd-
mou as rendas de dez famílias nobres em f. 20. 000 anuais, de 20 
em f. 10.000 e de 120 em f. 6.000/.t: 8.000, ou seja, mais de dez 
vezes o que os mercaJores mi1is ricos ganhavam.) Ou quem podia se 
comparar com eles em influência num sistema político que dava a 
qualquer duque ou conde, que assim o desejasse, um cargo elevado 
quase automático, além de um bloco automático de parentes, clientes 
e seguidores em ambas as casas do parlamento, e que tornava o exer-
cício dos mais humildes direitos políticos dependente da propriedade 
de bens de raiz, os quais se tornavam cada vez mais difíceis para aque-
les que já não possuíssem propriedades próprias? 
Entretanto, como os estrangeiros viam de modo muito mais claro 
do qu.e podemos ver hoje, os grandes da Inglaterra não constituíam 
uma nobreza comparável às hierarquias feudais e absolutistas do con-
tinente. Eram uma elite pós-revolucionária, os herdeiros dos puritanos 
dos dias de Cromwell. Honra, valentia, elegância e munificência, as 
virtudes de um aristocrata feudal ou cortesão, já não dominavam sul:ls 
vidas. Um mediano Jtmker alemão talvez dispusesse de maior número 
de servos e çlependentes domésticos que o próprio Duque de Bedford. 
Seus parlamentos e governos faziam a guerra e a paz visando ao lucro, 
ou a colônias e mercados como meios de esmagar concorrent.es comer-
·ciais. Quando irrompia na Inglaterra uma gem,úna relíquia de outros 
tempos, como Charles Edward Stuart, o "Jovem Pretendente", em 
1745 com seu exército de Highlanders, leais mais vigorosamente anti-
,comerciais, tomava-se óbvia adistância que separava a Inglaterra 
Whig, por mais aristocrática que fosse, e as sociedades mais arcaicas. 
Os grandes Whig { embora menos ,que os fidalgos rurais Tory) sabiam 
muito bem que o poder do país, e, por conseguinte, o deles próprios, 
repousava numa disposição de ganhar dinheiro ativa e comercialmente. 
Sucedia que em 17 50 não havia ainda muito dinheiro a ser ganho na 
indústria. Quando chegasse o momento, não teriam grande dificuldade 
para se ajustarem à situação. 
Todavia, se nos colocássemos na Grã-Bretanha de 1750, sem a 
sabedoria da visão retrospectiva, teríamos predito a iminente Revo· 
lução Industria]? Quase certamente não. Tal como aos visitantes 
estrangeiros, nos impressionaria a natureza essencialmente "burguesa", 
comercial, do país. Teríamos admirado seu dinamismo e seu progres-
so econômico, talvez seu agressivo expansionismo, e talvez nos causas-
.sem pasmo os notáveis resultados de seus multifários e quase não-
Jl 
IHII 
1 
controlados empresários privados. Teríamos previsto para a nação um 
futuro cada vez mais próspero e poderoso. Mas teríamos previsto sua 
transformação - e sobretudo a subseqüente transformação do mun-
do? Teríamos esperado que em mc:nos de um século o filho de um 
"mestre-manufaturdro" - e que em 17 50 acabava de deixar a pi-o-
víncia de seus ancestrais escudeiros para se estabelecer numa pequena 
cidade de Lancashire - seria primeiro-ministro da Grã-Bretanha? 
Não. Teríamos esperado que a pacata Inglaterra de 1750 fosse divi-
dida pelo radicalismo, pelo jacobinismo, pelo cartismo, pelo socialis-
mo? Lançando a v.i.sta ao passado, podemos constatar que nenhum 
outro país se achava tão preparado para a Revolução Industrial. Mas 
ainda nos resta ver a razão pela qual ela realmente rebentou nas últi-
mas décadas do séc. XVIII, com resultados que, para o bem ou para 
o mal, tornaram-se irreversíveis. 
NOTAS 
1 Ver as obras de Cole e P ostage, Ashton, Wilson, Deane e Cole, rdaciona<las 
na Sugestões para Leitura 2 e 3. Ver também as fignrns l , 2 c 12. 
L Conch: Friedrí'ch Kielmansegge, Dfary o/ a Jour11ey to E11gla11d 1761-: 
(Londres, 1902), pág. 18. 
:i Mons. L'Abbé Lc Blanc, L~·llers on 1/,e English and Frencli Nation1 
(Londres, 1747), Vol. l, pág. 177. 
• A Tour througfr England. Wales and part of [refand made duri11g the 
.mmmer o/ 1791 (Londres, 1793), pág. 373. 
r, lbicl., pág. 354. 
11 Le Blanc. op. cit.. pág. 48. 
lbid. , li , pág. 345. 
lbid., 1, pág. 18; li , p. 90. 
:• Abllé Coy.:r. N ouvelles ohs1::r1·utio11~· sur L 'A 11gleterr,, ( 177'>). pàg. 15. 
1 o Volrnir.i , Let Ires pl,i/owp/riq11es. Carta X. 
11 Abbé Coyer. op. cit.~ pág. 27. 
32 
') 
A ORIGEM DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL 2 
O problema da origem da Revolução Industrial não é simples, 
mas torna-se ainda mais complicado se não o esclarecermos. Portanto,. 
convém começar com alguns breves esclarecimentos. 
Em primeiro lugat, a Revolução Industri:ü não foi uma mera 
aceleração do crescimento econômico, mas uma aceleração de cresci-
mento em virtude da transformação econômica e social - e através 
dela. Os primeiros observadores, que concentraram sua atenção nos 
meios de produção qualitativamente novos - as máquinas, o sistema 
fabril e tudo o mais - tiveram o instinto certo, mas por vezes segui-
ram-no cegamente demais. Não foi Birmingham, uma cidade que em 
1850 produzia muito mais que em 1750, mas basicamente à maneira 
antiga, que levou os observadores da época a falarem numa revolução 
industrial, e sim Manchester, uma cidade que produzia mais de uma 
maneira obviamente revolucionária. No final do séc. XVIII, essa 
transformação econômica e social ocorreu numa economia capitalista, 
e através dela. Como sabemos, pela experiência do séc. XX, não é 
essa a única forma que a revolução industrial pode assumit-
1 
ainda 
que tenha sido a primeira e, provavelmente, no séc. XVIII, a única 
viável. De certa forma a industrialização capitalísta exige uma análise 
um pouco diferente da não-capitalista, pois temos de explicar porque 
a busca do lucro privado levou à transformação tecnológica, e não é 
absolutamente óbvio que isso aconteça automaticamente. Em outros 
sentidos, sem dúvida, a industrialização capitalista pode ser tratada 
como um caso especial de um fenômeno mais geral, mas não está 
claro até que ponto isto ajuda o historiadot da Revohtção Industrial. 
Em segundo lugar, a revolução britânica foi a primeira na histó-
ria. Isto não significa que ela haja começado do zero, ou que não se 
possam apontar outras fases antel'iores de rápido desenvolvimento 
industrial e tecnológico. Não obstante, nenhuma dessas lançou a típi-
JJ 
c.i fase modem,\ <la história, a de crescimento economico auto-su~ten-
tado, mediante revolução tecnológica e transformação social perpétuas. 
Seodo a primeira, ela é também, em aspectos cruciais, diterentl! de 
todas as subseqüentes revoluções industriais. Não pode ser explicada 
fundamentalmente, ou em qualquer medida, em termos de fatore~ 
externos - como, por exemplo, a imitação de técnicas mais avança-
das, a importação de alpital, o impacto de uma economia mundial já 
industrializada. As revoluções pos teriores puderam utilizar a experi-
ência, o exemplo ·e os recursos britânicos. S6 em gráu muito limitado 
e secunclário a Grã-Bretanha pôde usar os de outros países. Ao mesmo 
tempo, como vimos, a revolução britânica foi precedida por, pelo 
menos, 200 anos de desenvolvimento econômico razoavelmente contí-
nuo, que lançou seus alicerces. Ao contrário, por exemplo, da Rússi:a 
dos sécs. XlX ou XX, a Grã-Bretanha ingressou preparada na indus-
trialização, e não praticamente dcspreparada. 
Contudo, a Revolução lndustrial não pode ser explicada em rer-
mos purãmente britânicos, pois esse país fazia parte de um·a economia 
mais ampla, que podemos chamar de '' economi.1 européia" ou "eco-
nomia mundial dos Estados marítimos europeus ·, . A Grã-Bretanha 
fazia parte de uma ampla rede de relacionamentos econômicos, inte-
grada ainda por várias á.reas «adiantadas", algumas das quis eram 
também áreas de industrialização potencial, e por áreas de "economia 
dependente ", como também pelas margens de economias estrangein1s 
ainda não euvolvidíls substancialmente com a Europa. Essas econo-
mias dependentes consistiam em parte pelas colônias formais ( como a~ 
das Américas) ou pontos de comércio e domin.1ção ( como no Orien-
te) e em parte por regiões que até certo ponto eram especializadas 
economicamente em reação às solicitações das áreas "adiantadas " 
( como éertas partes da Europa Central). O mundo "adiantado" esra-
va ligado ao mundo dependente por uma certa divisão da atividade 
econômica: de um lado, uma área relativamente urbanizada, e de 
outro zonas produzindo e ~m grande parte exportando produtos agrí· 
colas ou matérias-primas. Essas r.elações podem ser descritas como um 
sistema. de fluxos econômicos - de comércio, de pagamentos inter-
nacionais,· de transferências de capitaJ, de migrnção etc. Há vários 
séculos que a economia européia mostrava fortes sinais de expansão 
e desenvolvimento econômico, ainda que houvesse atravessado. sérias 
crises ou deslocamentos econômicos, principatmente do séc. XIV ao 
séc. XV e no séc. ),.'VII. 
Não obstante, é importante notar que ela tendia também a divi-
dir-se, pelo menos a partir do séc. XVI, em unidades político-econô-
micas independentes e concorrentes ("Estados" territoriais ), como a 
Grã-Bretanha e a França, cada qual com sua estrutura econômica e 
social, e contendo dentro de si mesma setores e regiões adiantados e 
34 
H(r.lS!ldos ou dependentes. Por volta do séc. XVI era bastante claro 
que, caso a revolução industrial ocorresse em alguma parte do mundo, 
seria em algum ponto da economia européia. A razão pela qual isto 
ocorria não será discutida aqui, pois a questão pertence a uma e.ra 
histórica anterior à tratada neste livro. Contudo, não estava claro 
qual seria, entte as unidades concorrentes, aquela que se.ria a primeira 
a se industrializar. O problema das origensda Revolução Industrial 
que nos ioteressa aqui é, em essência, o porquê de ter sido a Grã-Bre-
tanha a primeira "oficina mecânica do mundo". Uma segunda ques-
tão, relacionada com a primeira, refere-se ao motivo pelo qual essa 
revolução ocorreu em fins <lo séc. XVIII e não antes ou depois. 
Antes de passarmos à resposta ( que ainda é controversa e incer-
ra), talvez seja útil eliminar várias explicações ou pseudo-explicaçõe<; 
por muito tempo correntes e que às vezes aínda são dadas. A maioria 
delas deixa mais dúvidas do que elucidações. 
Exemplos dessas teorias são aquelas que procuram explicar a 
Revolução Industrial em termos de clima, geografia, mudança biológi-
ca na população e outros fatores exógenos. Se, como já se afirmou, o 
estimulo para a Revolução proveio, digamos, do período invulgar-
mente longo de boas colheitas no começo do séc. XVIII, cabe então 
mostrar porque períodos semelhantes, antes disso ( e tais períodos têm 
ocorrido ocasionalmente durante toda a História) não tiveram resul-
tados análogos. Se as amplas reservas de carvão da Grã-Bretanha expli-
cam seu pioneirismo, podemos então corijecturar por que razão sua~ 
relativamente modestas reservas naturais da maioria das demais roaté· 
rias-primas industriais ( minério de ferro, por exemplo) não foram 
um óbice a impedir a eclosão da Revolução Industrial, ou ainda por 
que as imensas- jazidas de carvão da Silésia não provocaram outra revo-
lução semelhante. 
Se o clima úmido de Lancasbire é apresentado como explicação 
da grande concentração da indústria de algodão ali ocorrida, cabe 
então indagar por que as inúmeras outras regiões órnidas das Ilhas 
Britânicas teriam deixado de atrair e manter aquela atividade. E assim 
por diante. Fatores climáticos, geografia e distr.ibuição de recursos 
naturais não atuam por si sós, mas apenas dentro de um dado quadro 
econômico, social e institucional. Isto é verdade até mesmo com rela-
ção ao mais forte desses fatores, facilidade de acesso ao mar ou a 
bons t:ios, ou seja, ao mais barato e viável meio de transporte na era 
pré-industrial · ( aliás, para artigos em granel, o único meio econômico) . 
É quase inconcebível que uma região inteiramente sem acesso ao mar 
pudesse ter sido a pioneira da Revolução Industrial; de passagem, 
diga-se que tais regiões são mais raras do que se imaginà. Todavia, 
ainda aqui os fatores não-geográficos não devem ser désprezados. As 
35 
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Ilha:- Hébrida:; têm mais acesso ao mar que a maior parte de York· 
shire. 
O problema da população é um pouco diferente, pois seus movi-
mentos podem ser explicndos por fatores exógenos, pelas mudanças 
na sociedade hum,ma ou por uma combinação de tudo isso. Mais adi-
ante consideraremos a questão com maiores detalhes. Por ora, temos 
apenas que observar que explicações exclusivamente exógenas não são 
aceitas em geral pelos hi5toriadores modernos nem têm guarida neste 
livro. 
As explicações para a Revolução Industrial em termos de "aci-
dentes históricos'' também devem ser tejei tadas.. O simples fato dos 
descobrimentos ulu·amarinos nos sécs. XV e XVI não basta para 
explicar a industrialização, o mesmo acontecendo com a "revolução 
científica'' do séc. XVII.* Nenhum cios dois fatos é capaz de explicar 
porque a Revolução Industrial teve lugar no fim do séc. XVIII e 
não, digamos, ao fim do XVII, quando tanto o çonhecimento europeu 
a respeito do mundo exterior como a tecnologia científica eram, potcn· 
cialmente, bastante adequadas para o tipo de industrialização que aca· 
bou ocorrendo. Tampouco a Reforma protestante pode ser invoca<Ja 
pata explicá-la, quer diretamente, quer ntravés de algum "espírito 
capitalista" especial ou de outra mudança de atitude econômica indu· 
z1da pelo protestantismo; a Reforma não explica nem sequer porque 
a Revolução ocorreu na Grã-Bretanha, e não na França. A Reforma 
teve lugar mais de dois séculos antes da Revolução Industrial. Não 
sucedeu absolutamente que todas as regiões convertidas ao protestan· 
tismo se hajam tornado pioneiras da revolução industrial, e - para 
citarmos um exemplo óbvio - as partes dos Países Baixos que per-
maneceram ca'tólicos ( a Bélgica) industrializaram-se antes daquela pat· 
te que se tornou protestante ( a Holanda).*'~ 
Por fim, os fatores puramente políticos também devem ser rejei-
tados. Na segunda metade do séc. XVIII, praticamente todos os gover-
nos da Europa desejavam n industrialização, mas somente a Grã-Bre-
tanha o conseguiu. Por outro lado, a partir ele 1660 os governos bri· 
tânicos estavam firmemente comprometidos com políticas que favote· 
dam a busca do lucro acima de todos os outros objetivos, mas a Revo-
lução Industrial só ocorreria mais de um século depois. 
A rejeição de tais fatores como explicações simplis tas ou mesmo 
primárias não significa, naturalmente, que a eles seja negada qualquer 
'" É irt·elcvante para nolisos objetivos se tais fatos foram inteiramente for· 
tuitos ou (como é muito mais provável) resultado ele anteriores progressoq 
econômicos e sociais europeus. · 
'"* Além disso, a teoria de que o desenvolvimento econômico francês nu 
séc. XVIII tenha sido prejudicado pela expulsão dos protestantes no fim do 
séc. XVII não é amplamente aceita atualmente, ou, no mínimo, é alta-
mente duvidosa. 
36 
importãnci.l. Isto serit1 tolíce. Tnl rejeição visa simplesmente estabele-
cer escalas relativ,1s dt:: valores e, incrivelmente, esclarecer alguns dos 
problemas de países que lutam por industrializar-se hoje, na medida em 
que tais problemas sej,1rn compatáveis. 
* ·!, * 
As principais pré-condições para a industrialização já existiam na 
Grã-Bretanha setecentista ou podiam ser criadas facilmente. Pelos 
padrões geralmente aplicadcs .1os países "subdesenvolvidos" hoje em 
dia, a Inglaterra não em subdesenvolvida, embora o fossem partes da 
E scócia e do País de Gales e sem dúvida a Irlanda. Os vínculos eco-
nômicos, sochüs e ideológicos que imobilizam a maioria dos povos 
pré-industriais em situações e ocupações tradicionais já eram fracos, 
e podiam ser .rompidos com facilidade. Para darmos um exemplo 
óbvio, que já vimos, é muito duvidoso que em 1750 ainda existisse 
um campesinato dono de terras em grandes partes da Inglaterra, e é 
seguro que não podemos mais falar de urna agriculrura de subsistên· 
eia.* Daí não ter havido maiores dificuldades para a transferência de 
homens de atividades não-industriais para as indus triais. O país acumu-
lara capitais e tinha dimensões suficientes para permitir-se investimen· 
tos nos equipamentos necessários à transformação econômica, não 
muí t<o dispendiosos antes das ferrovias. Uma razoável parcela desse 
equipamento estava em mãos de homens dispostos a investir no pro· 
gresso econômico, ao passo que uma parte relativamente pequena 
dele estava nas mãos de homens inclinados a desviar recursos para 
usos al ternativos ( e economicamente menos convenientes), como sim-
ples ostentação. Não havia escassez de capital, relativa ou absoluta. O 
país não era simplesmente uma economia de mercado - aquela em 
que a maior parte dos bens e serviços fora do círculo familiar são 
comprados e vendidos -, mas em muitos sentidos formava um único 
mercado nacional. E possuía um setor manufatureiro extensívo e bas-
tante desenvolvido, bem como uma estrutura comercial ainda mais 
desenvolvida. 
Ademais, problemas que hoje são graves nos países subdesenvol-
vidos que partem para a industtialização eram brandos na Grã-Breta· 
nha do séc. XVIII. Como já vimos, os transportes e as comunicações 
eram baratos, uma vez que nenhuma parte do país acha-se a mais de 
112 km do mar e menos ainda de algum curso de água navegável. Os 
problemãs tecnológicos do <:oh1eço da Revolução Industrial eram bem 
• Quando os autores do começo do séc. XIX falavam de "campesinato" ré· 
feriam-se aos "trabalhadores agrícolas.''. 
37 
simples. Não ex1grnm qualquer classe de homens com quaüficaçõe~ 
científicas especializadas, mas simplesmente um número suficientede 
homens com escolaridade comum, familiarizados com dispositivos 
mecânicos simples e com o trabalho em metal, e dotados de experiên-
cia prática e iniciativa. Os dois séculos e meio passados desde 1.500 
haviam certamente proporcionado esse lastro de mão-de-obra. A maio-
ria das novas invenções técnicas e dos estabelecimentos p rodutivos 
podiam começar ecohomicamente em pequena escala e expandir-se aos 
poucos, por adições sucessivas. Ou seja, exigiam pouco investimento 
inicia] e sua expansão podia ser financiada com a acumulação dos 
Jucros. O desenvolvimento industrial achava-se dentro das possibilida-
des de grande número de pequenos empresários e artesãos tradicionais 
hábeis. Nenhum país do séc. XX que se disponha à industrialização 
tem, ou pode ter, qualquer uma dessas vantagens. 
I sto não signfüca que não tenha havido obstáculos no caminho 
ela industrialização brita nica, mns apenas que esses obstáculos eram 
de fácil superação, uma vei que já exhúam as condições sociais eco-
nômicas fundamentais para tanto, porquanto o tipo de industrialização 
verificado no séc. XVIII era barato e simples e porque o país era 
suficientemente rico e progressista para ficar a salvo das iocficiêncfos 
que poderiam tel' atrapalhado economias menos saudáveis. Talve:t 
somente uma potência industrial tão afortunada como essa pudesse 
ter-se dado ao luxo daqi1ele de:;dém pela l6gica e pelo planejamento 
( até mesmo planejamento privado), daquela fé na capacidade de ven-
Cl!t empecilhos aos crancos e barrancos, que se tornaram tão caracte-
rísticas da Grã-Bretanha no séc. 1.'1X. Veremos adiante como foram 
vencidas algumas das J ificuldades do crescimento. O que importa 
observar por ora f que nunca essas dificuldades foram cruciais. 
A questão concernente à origem da Revolução Industrial que 
nos interessa aqui, portan to, não é como se acumulou o material para 
a explosão econômica, m:is sim como essa explosão foi detonada; e, 
podemos acn :sccotar, o que impediu que a primeira explosão maio· 
.grasse npós um grandioso estouro inicial. Mas havia mesmo necessi-
dade de algum mecanismo especial? Não seria inevitável que um perío-
do suficientemente longo de acumulação de material explosivo produ-
zisse mais cedo ou mais tarde, de a1guma forma, em algum lugar, uma 
cómbustão espontânea? Talvez. Contudo, o que temos de explicar é 
justamente essa "alguma forma", esse "algum lugar". Tanto mais 
porque o maneira como uma economia de iniciativa privada provoca 
uma revolução industrial suscita inúmeros enigmas. Sabemos que nll' 
verdade esse tipo de economia conseguiu-o em algumas partes do mun-
do; mas sabemos também que cal não sucedeu em outras partes, e 
que foi preciso muito tempo para acontecer na Europa Ocidental. 
38 
O enigma ci-tá na relação entre a obtenção de lucro e a inovação 
ternológica. Sl1pôe-se com freqüência que uma economia de iniciativa 
priv:ida tende auromaticamente para a inovação, mas isto é uma inver-
dade. Ela só tende para o lucro. Ela só revolucionará as atividades 
econômicas no caso de esperar maiores lucros com a revolução do que 
sem ela. Contudo, nas sociedades pré-industriais, este jamais é o caso. 
O mercado disponível e em perspectiva - e é o mercado que deter-
mina aquilo que um homem de negócios produzirá - é formado pelos 
ricos, que exigem bens de luxo em pequenas quantidades, mas com 
uma alta margem de lucros por venda, e pelos pobres, que ( caso este-
jam dentro dn economia de mercado de fato, e não produzam seu s 
próprios bens de consumo) têm pouco dinheiro, não estão acostuma-
dos a novidades, desconfiam delas, não estão dispostos a consumir 
produtos padronizados e que talvez nem sequer estejam concentrados 
em cidades ou acessíveis ~1os produtores nacionais. Além disso, é 
improvável que o mcrc.ido de masi;a cresça mais depressa do que a 
taxa relativamente baixa do aumento populacional. Faz mais sentido 
vestir princesas com modelos de haute couture do que especular sobre 
as possibilidades de conquistar filhas de c:imponeses para o mercado 
de meías de seda artificial. O empresário sensato, se puder escolher, 
preferirá produzir caríssimos relógios cravejados de pedtas preciosas 
pata aristocratas a fabricar relógios de pulso baratos, e quanto mais 
caro for o processo de lançar revolucionários artigos baratos, mais ele 
hesitará em arriscnr seu dinheiro nele. Em mendos do séc. X IX, urn 
milionário francês , operando num país em que as condições para a 
moderna industrialização eram telativamente ruins, expressou admira-
velmente este ponto: "Há três maneiras de se perder dinheiro: mulhe-
res, jogo e construções fabris", disse o grande l{orhschíld. "As duas 
primeiras são mais agradáveis, mas a úl tima é seguramente a mais 
garantida. "
2 
Ninguém poderia acusa1· um Rothschi!d de ignorar a 
melhor maneit"a de obter o lucro máximo. Num país não industriali-
zado, essa maneira não era a indústria. 
A industrialização transforma tudo isto, ao permitir à ptodução 
- dentro de certos limites - expandir seus próprios mercados, senão 
realmente criá-los. Quando Henry foord produziu seu Ford-T, produ-
ziu também o que antes não existia, ou seja, um enorme nútnero de 
compradores para um carro barnto, padronizado e simples. É claro 
que seu empreendimento já não era tão arl'iscado quanto parecia. Um 
século de industrialização já demonstrara que a p rodução em série de 
artigos baratos pode mulriplicar seus mercados, acostumara as pessoas 
a comprar produros melho1·es que os usados por' seus pais e as fizera 
descobrir necessidades antes desconhecidas. A questão é que ant~s da 
Revolução Industr ial, ou em países ainda não transformados por ela, 
39 
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Henry Ford não teria sido um pioneiro econômico e sim um doido, 
cortejando a b ancarrota. 
Então, como surgiram na 'Grã-Bretanha do séc. XVIII as condi-
ções que levaram os homens de negócios a revolucionarem a produ-
ção? De que maneira os empresários viram diante de si não a modes-
ta, ainda que sólida, expansão d a procura que poderia ser atendida 
pelo modo tradicional, ou por uma pequena expansão e aperfeiçoa-
mento dos métodos costumeiros, e sim a rápida e ilimi tada expansão 
que exigia uma revolução? Uma revolução que hoje considetaríamos 
pequena, simples e barata, mas de qualquer maneira uma revolução, 
um salto no ~scuro? Há duas correntes de opinião com relação a este 
ponto. A primêira salienta principalmente o mercado interno, que era 
claramente, e de longe, o maior escoadouro para os p~odutos do país; 
a segunda realça o mercado externo ou de exportação, que era, tam-
bém claramente, muito mais dinâmico e seguro. A ·reiposta correta 
prbvavelmente será que ambos eram essenciais, caâa um a seu modo, 
como também essencial era um terceiro fator, freqüentemente despre-
zado, o governo. 
O mercado interno, por grande e crescente que fosse, só podia 
crescer de quatro maneiras importantes, e três delas com toda proba-
bilidade não seriam excepcio.9almente rápidas. Podejia .haver cresci-
mento da população, que ena mais consumidoreg ( e, naturalmente, 
mais produtores); uma transferência de pessoas, das rendas não-mone-
tárias p ara rendas monetárias, o que cria· mais clientes; wn aumento 
da renda per capita, o que cria mdhores clientes; e o advento de 
'bem, produzidos industr ial~ ente, em substituição a formas mai& anti-
ga's de manufaturas ou impor~ções. 
A questão da população é c;le tàl importância, e nos últimos anos 
tem sido objeto de pesquisas, t ão àmplas, que merece ser discutida 
sucintamente. Elà suscita três perguntas, das quais somente a terceira 
interessa diretamente ao problem.a mais geral· do desenvolvimenco eco-
nômico e social btitânico. Ta.is perguntas são: 1) O que aconteceu 
à' população britânica e ·por quê? 2) Qual o efeito dessas mudanças 
. da população sobre a economia? 3) Qual efeito tiveram sobre a estru-
tura 9-.º povo britânico? 
Pratitarn~nte não existem informaçõ-es seguras a respeito dos 
números dá -popúlji-ção btitânicaantes de 1840, quando foi adotado o 
registro públiéo de nascimentos e óbitos, mas não há muita controvér-
sia quanto às' suas tendências gerais. Entre o fim do séc. XVII, quan-
do a populaçã.o da Inglaterra e do País de Gales era t alve-~ de 
5. 250. 000 hab., 'e meados do séc. XVIII, o número dos britânicos 
cresceu muito pouco, e em certos momentos pode ter-se mantido está-
tico ou mesmo decrescido. Após a década de 1740 ela cresceu subs-
tancialmente, e a partir da década de 1770 o aumento foi bastante 
40 
rápido pelos p adrões da época, ainda que não o fosse pelos nossos.* 
A população duplicou em 50 ou 60 anos depois de 1780, voltando 
a duplicar nos 60 anos entre 18 41 e 1901, ainda que, na verdade, 
canto a taxa de natalidade como a de mortalidade começassem a c-air 
sensivelmente a partir da década de 1870. Não obstante, esses núme-
ros globais encobrem variações consideráveis, tanto cronológicas como 
regionais. Assim, por exemplo, enquanto que na primeira metade do 
séc. À'VIII , e mesmo até 1780, a área de Londres poderia ter-se des-
povoado, se não fosse a imigração do interior, o futuro centro de 
industrialização, o noroeste do país e a porção leste das Midlands, via 
sua 'população aumentar com muita rapidez. Após o i nício real da 
Revolução Ind ustrial, as taxa~ de saldo fisiológico natural das princi-
pais regiões ( embora não as taxas de migração ) mostraram tendência 
para se igualarem, exceção feita ao brutal ambien te de Londres. 
Pode-se afirmar com certeza que esses movimen tos não foram 
muito afetados, ames do séc. XIX, pela migração internacional, inclu-
sive a de irlandeses. Seria sua causa vadações na taxa de natalidade 
ou mortalidade? E o que provocaria essas variações? Já não se falan-
do da deficiência de informações, é muitíssimo difícil responder a 
essas questões, ainda que sejam do maior interesse.** Elas só têm rele-
vo aqui na medida em que esclarecem até que ponto o aumento popu-
lacional foi causa ou conseqüência de fatores econômicos. Por exem-
plo, em que medida as pessoas se casavam ou tinham filhos mais cedo 
devido a melhores possibfüdades de conscguü-em um emprego ou utna 
gleba para cultivar, ou - como já se aventou - devido à procura do 
trabalho infan til, ou em que medida a moualidade declinou em razão 
de alimentação melhor ou mais regular ou devido a melhorias do 
ambiente. ( Como um dos poucos fatos que sabemos com certa certeza 
é que o maior motivo para a queda da mortalidade foi a diminuição 
da morte de .recém-nascidos, crianças ou talvez adultos jovens, e não 
um prolongamento real da vida além da marca bíblica dos setenta 
anos,*** é provável que um maior número delas tenha os filhos que, 
por suposição, teria entre os td nta e a menopausa.) 
Como anteriormente, não podemos responder a essas perguntas 
com qualquer grau de certeza. P arece claro que as pesosas reagiam 
muito mais do que às vezes já se supôs aos fa tores econômicos para 
decidirem a casar e/ou ter fiU1os e que algumas mudanças sociais (por 
• E m 1965, a população do continente de maior crescimento dcmogi:ãfico, 
a América Latina, crescia a uma taxa que era quase o dobro dessa. 
•• Para orientação com relação a tais problemas, vc1· D. V. 0-lass e E. Grc· 
benik:, "Wolrd P opulation 1800-1950", Cambridge Economic History o/ Europe, 
VI, i, págs. 60-138. 
... A situação ainda é a mesma. Maior número de pessoas tem vida m ais 
longo, mas de modo geral os velhos morrem com a mesma idndt: que no 
passado. 
41 
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exemplo, o declínio do hábito de os trabalhadores morarem na com-
panhia de seus · empregadores) devem ter estimulado, ou mesmo exi· 
gido, a formação de familias mais cedo e talvez maiores. É evidente 
também que urna economia familiar que só podia ser equilibrada corn 
o trabalho de todos os seus men1bros, assim como formas de produ-
ção que utilizavam o trabalho de menores, também estimulariam o 
crescimento da população. Os contemporâneos certamente considera-
vam a população çomo algo que. reagia a variações na procura de 
trabalho, e a taxa de natalidade provavelmente aumentou entre as 
décadas de 1740 e 1780, ainda que possa não ter aumentado substan-
cialmente depois disso. Com relação à mortalidade, com quase toda 
certeza os progressos da medicina não tiveram qualquer papel impor-
tante em sua redução ( com possível exceção da vacina contra a varío-
la) antes de meados do séc. XIX; portanto, a queda da mortalidade 
deve ter decorrido em grande parte de mudanças econômicas, sociais 
e de outras de natureza ambiental. Contudo, somente quando já ia 
bem adiantado o séc. XIX é que a mortalidade parece ter diminuído 
expressivamente. Por ora não podemos ir muito além dessas genera-
lidades sem entrarmos num campo de batalha sobre o qual pesa o 
nevoeiro das controvérsias dos estudiosos. 
Quais foram os efeitos econômicos dessas mudanças? Mais gen· 
te sigoifica mão-de-obra em maior quantidade e mais barata, e muitas 
vezes já se argumentou que em si mesmo isto constitui estimulo ao 
crescimento econômico, pelo menos no regime capitalista. Como pode-
mos verüicar hoje em inúmeros países subdesenvolvidos, isto não é 
verdade. Pode produzir apeoas recessão e estagnação, como na Irlanda 
e nas Highlands da Escócia no começo do séc. XIX ( ver Cap. 15). 
Na verdade, a mão-de-obra barata pode retardar a industrialização. Se 
na Inglaterra, no séc. XVIII, uma força de trabalho em crescimento 
ajudou a industrialização, como sem dúvida ajudou, foi porque a eco· 
nomia já era dinâmica, e não porque alguma multiplicação populacio-
nal a dinamizasse. Seja como for, a população crescia rapidamente em 
toda a Europa Setentrional, mas a industrialização não ocorreu em 
toda parte. Por outro lado, mais gente decerto significa mais consu-
midores, e também já se argwnentou cóm mais vigor que isto decerto 
traz incentivo, tanto para a agricultura (pois essa gente tem de ser 
alimentada) como para as manufaturas. 
Como vimos, porém, a população nacional cresceu com muita 
lentidão antes de 17 50, e seu rápido aumento .coincidiu com a Revo· 
lução Industrial, J.nas não a precedeu - exceto em poucos lugares. 
Fosse a economia da Grã-Bretanha menos avançada, talvez houvesse 
mais lugar para repentinas e amplas transferências de pessoas de, diga-
mos, uma economia de subsistência para uma economia monetária, 
ou da manufatuta doméstica e artesanal para a indústria. Mas, como 
42 
vímos, a Ingl:.-tterra já era uma economia de mercado, dona de um 
grande e crescente setor manufatut:eiro. É provável que a renda inglesa 
média tenha crescido substancialmente na primeira metade do séc. 
XVIII graças .a uma população em estagnação e a uma escassez de 
mão-de-obra, de tnodo que esse período é corretamente descrito na 
canção do Vigário de Bray como um "tempo de pudjm ". As pessoas 
-estavam em melhores condições de vida e p9<liam comprar mais; além 
disso, é provável que na época fosse menoi' a percentagem de crianças 
( que desviam acentuàdamehte as despesas de pais pobres para a com-
pra de artigos de primeira necessidade), havendo maior proporção de 
jovens adultos com pequenas famílias ( que têm renda para gastar). 
.É bastahte provável que nesse período muitos ingleses aprendessem a 
''cultivar novas necessidades e estabelecer novos níveis de expectati-
va" ,3 e há alguns indícios de que pot volta de 1750 tenham começado 
a dirigir sua produtividade adicional para mais bens de consumo e 
-não para mais lazer. Ainda assim, esse movimento mais se assemelha-
va ao curso de um río sereno que aos saltos incontidos de uma cata-
rata. Isto explica porque um número tão grande de cidades inglesas 
fossem reconstruídas ( sem qualquer revolução tecnológica) com a ele-
gância rural da nrqt1itetura clássica, mas não basta para explicar por-
que oconeu uma revolução industrial. 
Exceto, talvez, em três casos especiais - transpotte, alimentação 
t! bens de capit:al, principalmente:: carvão. 
Melhorias muito

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