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Ansiedade e Contemporaneidade - Uma leitura Junguiana

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
 
 
PUC-SP 
 
 
 
 
 
 
LUCAS SERRA VALLADÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ansiedade e Contemporaneidade: 
Uma Leitura Junguiana 
 
 
 
 
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2017 
 
 
 
 
LUCAS SERRA VALLADÃO 
 
 
 
 
 
 
 
Ansiedade e Contemporaneidade: 
Uma Leitura Junguiana 
 
 
 
 
 
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
 
2017 
Dissertação apresentada à Banca 
Examinadora da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como exigência 
parcial para a obtenção do título de Mestre 
em Psicologia Clínica, sob orientação do 
Prof. Dr. Durval Luiz de Faria 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 Ao prof. Durval por sua competente e indispensável orientação. 
 Aos meus pais por todo o incentivo e apoio que me deram, sem o que esta 
jornada teria sido muitíssimo mais árdua. 
 Aos meus familiares, sempre prontos a ouvir desabafos e a me encorajar a 
seguir em frente. 
 À Marina por toda a luz que trouxe à minha vida. Igualmente pelo apoio 
emocional, revisões e discussões que em muito enriqueceram este trabalho. 
 À toda a equipe docente do Núcleo de Estudos Junguianos (NEJ) da PUC-SP, 
por todo conhecimento partilhado por vocês e adquirido por mim sob a sua tutela. 
À Mônica, secretária do Núcleo de Estudos Junguianos, sempre muito 
prestativa e solicita. 
 Aos colegas de curso por todas as trocas de experiência, conversas, cafés, 
risadas, confidências e desabafos compartilhados. 
Ao Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particular 
(PROSUP), vinculado a CAPES, pela bolsa de estudos concedida. Este auxilio foi de 
enorme valia para a concretização do presente trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
VALLADÃO, Lucas Serra. Ansiedade e Contemporaneidade: uma Leitura 
Junguiana. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, São Paulo, 2017. 
 
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a ansiedade na 
contemporaneidade sob o enfoque da Psicologia Analítica. Para tanto, buscou-se 
caracterizar os aspectos gerais da cultura atual e identificar aspectos psicológicos da 
ansiedade. Trata-se de um trabalho de caráter teórico, desenvolvido a partir de um 
levantamento bibliográfico da obra de Carl Gustav Jung, de artigos científicos dos 
últimos cinco anos e da literatura junguiana sobre a temática da ansiedade. A partir 
destes levantamentos, procurou-se estabelecer paralelos entre a cultura e a 
sociedade de massa, de maneira a destacar a ocorrência da ansiedade como um dos 
principais transtornos psíquicos da atualidade. Por fim, buscou-se apontar possíveis 
significados simbólicos deste fenômeno psíquico em sua atuação disfuncional e 
indicar alternativas para a sua superação. Os resultados da pesquisa sugerem que a 
ansiedade disfuncional está associada a uma reação compensatória inconsciente que 
busca suprir as lacunas psíquicas geradas pelo processo de massificação − 
racionalismo exacerbado e orientação predominante externalizada da conduta de 
vida. Foi verificado que essa reação ocorre tanto a nível coletivo quanto individual e, 
em decorrência das limitações que impõe, acaba favorecendo o contato do indivíduo 
com o Si-mesmo. 
 
Palavras-chave: ansiedade; massificação; inconsciente coletivo; Psicologia Analítica; 
Jung. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
VALLADÃO, Lucas Serra. Anxiety and Contemporaneity: a Jungian 
Comprehension. Dissertation (Master in Clinical Psychology) – Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017. 
 
The present work aims to think about contemporary anxiety under the approach of 
Analytical Psychology. Therefore, we sought to characterize the general aspects of the 
current culture and to identify the psychological aspects of anxiety. It is a theoretical 
work, developed from a bibliographical survey of Carl Gustav Jung’s work, scientific 
articles of the last five years and the Jungian literature about anxiety. From these 
surveys, we sought to establish parallels between culture and mass society, in order 
to highlight the occurrence of anxiety as one of the main psychic disorders nowadays. 
Finally, we sought to point out possible symbolic meanings of this psychological 
phenomenon in its dysfunctional performance and to point out alternatives for 
overcoming it. The results of the research suggest that dysfunctional anxiety is 
associated with an unconscious compensatory reaction that seeks to fill the 
psychological needs gaps generated by the process of deindividuation - exacerbated 
rationalism and predominant externalized orientation of life conduct. It was verified that 
this reaction occurs both at a collective and individual level, because of the limitations 
it imposes, it favors the contact of the individual with the Self. 
 
Keywords: anxiety; deindividuation; collective unconscious; Analytical Psychology; 
Jung. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 8 
OBJETIVO ......................................................................................................................................14 
MÉTODO ........................................................................................................................................15 
1. ASPECTOS DA CULTURA CONTEMPORÂNEA ..................................................................19 
2. A COMPREENSÃO PSICOLÓGICA DA ANSIEDADE ..........................................................40 
2.1. A ANSIEDADE EM JUNG ......................................................................................................40 
2.2. NORMALIDADE E A PSICOPATOLOGIA ...........................................................................41 
2.3. A MASSIFICAÇÃO E O ADOECIMENTO ............................................................................47 
2.4. ANSIEDADE NA COMPREENSÃO DE OUTROS AUTORES ...........................................50 
3. DISCUSSÃO ..............................................................................................................................65 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................77 
REFERÊNCIAS ..............................................................................................................................81 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a ansiedade na 
contemporaneidade a partir da perspectiva teórica da Psicologia Analítica de Carl 
Gustav Jung e de autores junguianos. Para tanto, primeiramente buscou-se 
caracterizar os aspectos gerais da cultura contemporânea e, posteriormente, 
identificar os aspectos psicológicos da ansiedade. Para se evitar uma compreensão 
redutivista a respeito do tema abordado, procurou-se analisá-lo tanto ao nível de 
desenvolvimento psíquico individual quanto coletivo. Subsequentemente, são 
apontadas alternativas possivelmente viáveis para sua superação. 
A motivação para abordar tal tema decorreu primeiramente de reflexões que há 
muito me causaram inquietação. Durante grande parte da minha formação no Ensino 
Médio e posteriormente na Educação Superior, esta inquietação sempre me conduzia 
a questionamentos a respeito das mais diversas atividades e práticas exigidas como 
rotina do dia-a-dia, em especial a aquelas nas quais não via significado. Aos poucos 
fui notando que boa parte das atividades consistia de tarefas vazias, exigidas porque 
o mundo funciona assim. Chamou-me a atenção o fato de as atividades corriqueiras 
da rotina serem realizadassem muito compromisso consciente, o que denotava certo 
automatismo psíquico. Este “fazer por fazer” despertava em mim uma atitude 
questionadora e inquietante, ambas um tanto pronunciadas. 
Por ter despertado uma sensibilidade acentuada com relação a atividades 
automatizadas, frequentemente me sentia pouco integrado às comunidades com as 
quais me envolvia. Eu não sentia um ímpeto de buscar identificação com o grupo, 
caso os tópicos e atividades deste não fizessem sentido para mim. Por causa disso, 
permanecia boa parte do meu tempo de lazer sozinho ou na companhia de alguns 
poucos amigos que compartilhavam e se interessavam por tais questões. Nestes 
momentos solitários, era praxe me questionar sobre como as coisas aconteciam, os 
porquês disto ou daquilo e quais os seus sentidos. Ser autêntico como indivíduo 
muitas vezes era o caminho mais solitário e, ao mesmo tempo, o único que realmente 
me atraía. 
Com amadurecimento e após iniciar o meu processo de análise junguiana, aos 
poucos fui tomando maior consciência sobre estas questões que há algum tempo me 
inquietavam. Deste modo, aos poucos pude penosamente constatar que o mundo 
9 
 
 
 
atual não é, em grande parte, um mundo para o desenvolvimento das potencialidades 
individuais, mas um mundo tendenciosamente cada vez mais preocupado com a 
reprodução técnica e industrial e, aparentemente, mais alheio às verdadeiras 
necessidades humanas. Então, minha sensação de deslocamento com relação ao 
mundo começou a ganhar contornos e sentidos mais delineados. 
Concomitantemente a este processo, tive a oportunidade de trabalhar como 
psicólogo em uma instituição voltada ao tratamento de dependentes químicos. Muitos 
dos pacientes que atendi afirmavam, mesmo que de maneira difusa, que recorreram 
ao uso de drogas por suas vidas parecerem cada vez menos autênticas e 
progressivamente mais sem sentido. No início da adicção, o uso de drogas era visto 
por muitos deles como um poderoso antídoto para um mundo cada dia mais exigente, 
frustrante e com pouco sentido. Contudo, este alívio causado pelo uso da substância 
se tornava progressivamente mais curto e a quantidade dela necessária para se atingir 
o êxtase, cada vez maior. Era consenso que o alívio proporcionado pelo uso da 
substância lhes cobrava um preço cada vez mais alto, chegando até o ponto de 
escravizar suas almas. 
A instituição em questão, só aceitava a internação voluntária de pacientes. 
Sendo assim, lá tive a oportunidade de conviver com personalidades que tinham 
consciência de que se encontravam profundamente destruídas como indivíduos. A 
devastação era tão aguda que muitos só optaram por tentar abandonar o vício ao 
travar contato real com a possibilidade da morte. Consequentemente, de um modo ou 
de outro, todos haviam abandonado o estilo de vida compreendido como normal e 
chegaram ao fundo do poço de suas dignidades. 
Mesmo marginalizados com relação à sociedade, estes pacientes também 
padeciam dos males da ansiedade. Antes de suas internações, eram excessivamente 
preocupados em ganhar dinheiro para, nos momentos de lazer, poderem usufruir da 
vida que realmente desejavam ter, desregrada e movida pela busca da satisfação de 
desejos. Na instituição, eles permaneciam grande parte do tempo ocupados com 
atividades terapêuticas, que tinham como objetivo, além de aplacar o desejo pelo 
consumo de substâncias psicoativas, colocá-los em contato com a própria 
individualidade, diminuindo assim suas ansiedades. 
O profundo sofrimento do qual padeciam, trazia à tona uma experiência de vida 
marginal à realidade do nosso sistema social. Seus relatos contribuíram para o 
10 
 
 
 
enriquecimento da minha visão de mundo, permitindo que mais claramente se 
evidenciassem as contradições e problemas do nosso sistema social; que por estarem 
profundamente enraizados em nosso cotidiano, acostumamos a encará-los com 
naturalidade. Neste sentido, sou imensamente grato pelo privilégio de ter 
minimamente ganhado a confiança destes pacientes e, assim, podido conhecer parte 
de suas vivências que, para um indivíduo comum, são tão bizarras quanto pouco 
familiares. 
Esta conjunção de vivências pessoais e profissionais potencializou a minha 
inquietação e fizeram emergir em minha psique o interesse pelo tema da ansiedade. 
Como meus pacientes, eu também me via tomado por uma sensação de ausência de 
significado que, aparentava não possuir uma causa concreta. Paulatinamente a ideia 
de que algo maior que a nossa individualidade nos atraia em direção a um fazer e agir 
permanente, que deste modo dificultava o emergir das nossas potencialidades 
humanas e roubava o significado individual do existir, foi ganhando espaço em minha 
mente. 
Posteriormente passei a observar mais atentamente não apenas a minha 
rotina, mas também a de meus pares profissionais e pessoas próximas. Em sua 
grande maioria, as rotinas profissional e social eram intensas. Se vangloriavam por 
conseguirem dormir pouco, participar de inúmeros eventos profissionais e sociais e 
estar permanentemente ativos. A vivência do ócio em momentos pontuais, no sentido 
de não se fazer nada, era pouco valorizada e até mesmo descriminada como pura 
preguiça. Passei a me indagar se tal postura diante da vida não seria fruto da 
influência de um modelo socioeconômico vigente, pois notara evidências que 
apontavam para um cotidiano frequentemente pautado pela busca constante de 
eficiência, aprimoramento e sucesso financeiro; ou seja, um modelo de orientação 
sociocultural pouco amigável para o indivíduo e para sua saúde física e mental. Era 
notório um fazer constante e as consequentes queixas sobre dificuldades em realizar 
atividades que exigiam quietude, evidenciando um quadro geral de grande ansiedade. 
Posteriormente, a partir desta primeira imersão em questões e indagações 
pessoais, comecei a buscar material científico a respeito da temática da ansiedade 
para a realização da minha monografia do curso de especialização em Psicologia 
Analítica. Naquele trabalho, constatei que a preocupação com a saúde mental, que 
predominantemente tinha seu escopo focado sobre o indivíduo, progressivamente 
11 
 
 
 
começava a ser pensada sob um enfoque mais amplo, que perpassa pelo coletivo e 
seus aspectos socioculturais. Isto de imediato despertou em mim um grande interesse 
pelo tema. 
Assim, este trabalho é fruto do entrelaçamento de indagações pessoais e 
pesquisas científicas. Isto forçosamente me impeliu para as posições de sujeito e 
objeto de estudo, já que minha vivência pessoal está fortemente imbricada nas 
motivações da pesquisa. Usufruí desta díade sujeito/objeto como instrumento de 
orientação e reflexão sobre as questões teóricas apresentadas adiante. Se por um 
lado esta dualidade me deu a vantagem da concretude e a tangibilidade em relação 
ao conteúdo teórico abordado, por outro, muitas vezes fez com que o processo 
produtivo se tornasse extremamente árduo e desgastante, pois me obrigava a 
debruçar repetidamente sobre algumas das minhas próprias feridas psíquicas. 
Na elaboração deste trabalho, o termo ansiedade é compreendido como uma 
emoção universal e que faz parte da vida. Sua atuação funcional é imprescindível para 
a autopreservação, pois gera uma reação a um estímulo ameaçador iminente ou a 
possibilidade de uma ameaça. Em sua manifestação normal de intensidade e duração, 
a ansiedade é uma emoção benéfica, capaz de melhorar o desempenho do indivíduo, 
promover soluções criativas em momentos de risco e estimular a cooperação. Em sua 
atuação disfuncional, ou seja, quando ela ocorre de modo inadequado à situação 
enfrentada, se torna prejudicial ao indivíduo. Assim, a percepção e/ou a resposta ao 
estímulo ameaçador é desproporcional tanto na reação que desencadeia quanto a 
seu tempo de duração. Do ponto de vista da coletividade, compreendemos a 
ansiedade como uma atitude em relação à vidapautada principalmente pelo 
pragmatismo, racionalidade e consumismo exacerbados. Seus reflexos a nível de 
coletividade chegam ao indivíduo por meio do modelo sociocultural que norteia a 
conduta individual. No indivíduo, ela induz à inquietude, ao raciocínio superficial, à 
competitividade exagerada, desconfiança e a diversos transtornos físicos e psíquicos. 
Abordaremos agora as questões da relevância e atualidade deste tema. A 
questão da saúde mental coletiva vem ganhando importância, chamando a atenção e 
se tornando foco de preocupação de órgãos e agências de regulação social. Um 
exemplo recente disto, é o interesse da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 
patrocinar iniciativas científicas em 24 países ao redor do mundo, que tinham como 
objetivos integrar e analisar pesquisas epidemiológicas sobre abuso de substâncias, 
12 
 
 
 
distúrbios mentais e comportamentais. Tal iniciativa foi intitulada pela organização 
como “The World Mental Health Survey Initiative” e teve como alvo de investigação os 
habitantes de cidades definidas como megalópoles. 
No Brasil, o desdobramento desta iniciativa se deu via uma pesquisa realizada 
na região metropolitana da cidade de São Paulo/SP e os resultados foram divulgados 
no artigo intitulado “Mental Disorders in Megacities: Findings from the São Paulo 
Megacity Mental Health Survey, Brazil” (ANDRADE, L. H.; WANG, Y. P.; ANDREONI, 
S.; SILVEIRA, C. M.; ALEXANDRINO-SILVA, C.; et al., 2012). 
Os dados da pesquisa apontam que 29,6% dos habitantes da região 
metropolitana de São Paulo apresentam algum tipo de transtorno mental. Destes, 
19,9% apresentam transtornos de ansiedade, 11% transtornos de comportamento, 
4,3% transtorno de controle de impulsos e 3,6% de abuso de substâncias. A 
comparação dos dados deste estudo com os demais realizados em outros países 
também apontou que o percentual da população de São Paulo com algum tipo de 
transtorno mental é o mais elevado dentre todas as megalópoles pesquisadas (Idem., 
2012). 
A disparidade do elevado percentual de ansiedade em relação aos demais 
distúrbios mentais demonstra a relevância e a importância de se compreender melhor 
este fenômeno. O elevado nível de ansiedade encontrado nesta pesquisa é apontado 
como decorrente da conjunção de fatores sociodemográficos e da violência neste 
aglomerado urbano. Tal fato foi constatado, também, em todas as outras megalópoles 
pesquisadas. Isto indica que a ansiedade é preponderante na sociedade atual e pode 
se tornar cada vez mais comum, dada a crescente tendência da aglomeração da 
população em grandes centros urbanos. 
Cabrera e Sponholz Jr. (2012, p. 412) apontam que a ansiedade patológica 
pode interferir no desempenho normal, com prejuízo na autoestima, na socialização, 
na aquisição de conhecimentos e na memória, além de predispor a maior 
vulnerabilidade, com perda de defesas físicas e psíquicas. 
Neste trabalho, buscou-se relacionar os aspectos culturais que contribuem para 
a emergência da ansiedade na sociedade contemporânea, sem, no entanto, 
entrarmos em discussões particularistas vinculadas a psicopatologia do Transtorno 
Ansioso, que necessariamente levaria a uma individualização da questão e nos 
13 
 
 
 
desviaria da perspectiva coletiva adotada. Igualmente, buscou-se refletir sobre meios 
para uma possível superação da questão da ansiedade na cultura. 
A pesquisa está organizada da seguinte forma: 
No capítulo 1 – “Aspectos da cultura contemporânea”, é elaborado um 
panorama geral sobre a sociedade contemporânea. Nele são discutidas questões de 
cunho econômico, social, religioso, além de uma breve apresentação sobre as 
características organizacionais do Estado moderno. 
Já o capítulo 2 – “A compreensão psicológica da ansiedade” é composto por 
duas partes. Na primeira delas, são apontados os resultados da revisão bibliográfica 
realizada nas obras completas de C. G. Jung, a respeito dos temas: ansiedade; 
normalidade e psicopatologia; massificação social e o adoecimento psíquico. Na 
segunda parte do capítulo é apresentado um apanhado sobre a compreensão de 
outros autores sobre a temática ansiedade, elaborado a partir de um levantamento 
bibliográfico sobre o tema ansiedade na cultura. 
No capítulo 3 – “Discussão” são apresentadas temáticas que indiretamente 
contribuem para a exacerbação do transtorno ansioso na contemporaneidade e que 
se fazem fortemente presentes no cotidiano. 
No capítulo 4 são expostas as considerações finais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14 
 
 
 
OBJETIVO 
 
OBJETIVO GERAL 
 
 Refletir sobre as relações entre a cultura contemporânea e a ansiedade a partir 
da abordagem junguiana. 
 
 
OBJETIVOS ESPECÍFICOS 
 
 Caracterizar aspectos gerais da cultura contemporânea. 
Identificar aspectos psicológicos da ansiedade na abordagem junguiana. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15 
 
 
 
MÉTODO 
 
 O presente trabalho consiste em uma pesquisa bibliográfica sobre a ansiedade 
na contemporaneidade, com ênfase em produções na área da Psicologia Analítica 
Junguiana. Para a sua consecução, não foi adotada nenhuma metodologia 
padronizada de revisão bibliográfica. Deste modo, a metodologia aqui empregada foi 
sendo pensada e construída conforme o trabalho progredia. Apontaremos como este 
processo foi se desencadeando, de modo sucinto, a seguir. 
 Inicialmente foi realizada uma revisão bibliográfica nas obras completas de Carl 
Gustav Jung em busca do vocábulo ansiedade. O objetivo inicial era compreender o 
que o autor entendia por ansiedade, quais eram os processos que para ele 
desencadeariam o seu aparecimento e quais eram as estratégias de enfrentamento 
empregadas por ele. No entanto, verificou-se que a ocorrência do vocábulo pode ser 
considerada irrisória e praticamente inexistente frente ao volume de sua obra. O termo 
ansiedade é citado em poucas passagens, e nestas, Jung o emprega para descrever 
sinais e sintomas de outras psicopatologias. Ao buscar as razões para tal carência de 
material, verificou-se que ela decorre do fato de que a ansiedade, à sua época, não 
era compreendida como uma categoria nosológica específica. A distinção e enquadre 
da ansiedade como um construto unitário, começou a ganhar força somente após a 
segunda metade do século XX e, o consenso sobre essa distinção e enquadre da 
ansiedade como categoria nosológica específica, só ocorreu de fato anos após o 
falecimento de Jung. O resultado desta revisão se encontra no Capítulo 2 deste 
trabalho. 
 Dada a escassez de material encontrado nessa busca, optou-se por fazer uma 
leitura direcionada das obras completas de Carl Gustav Jung, de modo a tentar extrair 
de lá material que pudesse embasar uma compreensão junguiana sobre a questão da 
ansiedade. Verificou-se que o autor trata longamente a respeito dos efeitos deletérios 
da massificação sobre a psique do indivíduo. A partir desta constatação, foi levantada 
a hipótese de que a proliferação de casos de ansiedade na contemporaneidade se 
vincularia ao crescente processo de massificação pelo qual a sociedade Ocidental 
vem sendo submetida desde o término da Segunda Guerra Mundial. O material 
levantado por meio desta técnica de leitura se encontra tanto no capítulo 1, quanto no 
capítulo 2 deste trabalho. 
16 
 
 
 
 Com o material das etapas anteriores em mãos, ficou evidente a necessidade 
de compreender o que constituía normalidade e psicopatologia para Jung, pois tal 
noção não estava clara para o autor. Ter clareza a respeito destas questões daria 
maior firmeza para pensar a questão da ansiedade disfuncional e sua possível 
atuação como uma reação psíquica ao modelo social vigente. Para tanto, foi 
novamente realizada a revisão bibliográfica das obras completas de C. G. Jung em 
busca de definições para estes conceitos. O material encontrado é apresentado no 
capítulo 2 deste trabalho. 
 Encerradaa etapa de pesquisa das obras completas de C. G. Jung, foi 
verificada a necessidade de se procurar produções em periódicos mais recentes a 
respeito da temática ansiosa e sua vinculação com a cultura. Deste modo, foram 
consultadas as bases de dados Scielo, Bireme, Periódicos Capes, acervos de teses e 
dissertações de bibliotecas de instituições de Ensino Superior (ex. UNICAMP, USP, 
UNESP, PUC), livros acadêmicos, revistas nacionais e internacionais de publicação 
científica em Psicologia Analítica tais como: Journal of Analytical Psychology; Culture 
and Psychology; Harvest Journal; Journal of Jungian Theory and Practice e o Jung 
Journal. Em todas as buscas se restringiu o material aos últimos 5 anos e foram 
utilizados os seguintes indexadores: ansiedade; massificação; inconsciente coletivo; 
psicologia analítica e ansiedade; Jung e ansiedade; massificação e ansiedade; bem 
como a tradução direta desses termos em inglês. Foram encontrados um total 
aproximado de 5500 produções. 
Deste total, foram inicialmente selecionadas 82 produções que versavam tanto 
sobre o tema ansiedade quando da massificação cultural. Por meio de uma triagem 
final, foram escolhidas 30 produções que tratavam diretamente da temática ansiedade 
através de uma compreensão abrangente e não particularista. Isto é, que buscavam 
compreender a ansiedade tanto como decorrente de fatores socioambientais quanto 
de predisposições individuais. O resultado desta triagem foi empregado ao longo do 
corpo deste trabalho e, é encontrado com maior concentração, no capítulo 2, item 2.4. 
Dentro da abordagem teórica junguiana, além das obras completas de C. G. 
Jung, foram selecionados e analisados livros acadêmicos. Dentre estes, os que 
apresentaram maior relevância para a elaboração deste trabalho foram: “Ansiedade 
Cultural” (PEDRAZA, 1997); “A alma precisa de tempo” (KAST, 2016). 
17 
 
 
 
No capítulo 3 foi feita a discussão da temática ansiedade a partir de trabalhos 
que analisam o contexto de vida atual, possibilitando assim a compreensão do plano 
social de fundo que favorece a ocorrência da ansiedade em sua manifestação 
disfuncional. Após está discussão são apresentadas as considerações finais. 
Para a análise teórica realizada no capítulo “Considerações Finais” foi adotada 
a perspectiva da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung. Esta abordagem, segundo 
Penna (2013, p. 229), do ponto de vista ontológico, se define pelo pressuposto da 
totalidade todo abrangente, que integra a dimensão consciente e inconsciente como 
unidade, pela concepção de um inconsciente arquetípico como a estrutura psíquica 
básica e original da qual a consciência emerge do inconsciente pessoal que é apenas 
relativamente desconhecido e, também, pela dimensão simbólica do ser e do mundo. 
A noção de realidade psíquica confere estatuto de fenômeno às manifestações 
psíquicas. A dimensão simbólica do ser e do mundo configura uma concepção 
ontológica em que o único (indivíduo) e o típico (coletivo) se entrelaçam e compõem 
a totalidade. 
Do ponto de vista epistemológico, a premissa de um inconsciente inacessível à 
observação direta constitui o principal desafio da psicologia junguiana. A perspectiva 
simbólica considera que o inconsciente se torna acessível através de suas 
manifestações. O conhecimento é então viável através das manifestações simbólicas, 
sendo estas a via de todo o conhecimento possível na psicologia analítica. Como 
ponte entre o mundo arquetípico, o mundo da consciência e o mundo externo, o 
símbolo se constitui o fenômeno psíquico apreensível e compreensível. Os fenômenos 
são considerados em seu âmbito individual (sonhos, fantasias, experiências pessoais) 
e coletivo (mitos, contos de fadas, acontecimentos sociais e políticos), desde que 
configurados por seu valor simbólico, seja para o indivíduo, seja para a coletividade 
que os produz e os vivencia psicologicamente. 
 A função psíquica que cria os símbolos é a função transcendente, que opera a 
aproximação entre consciente e inconsciente com base na necessidade de 
transformação da psique. O conhecimento se dá por um processo natural e contínuo 
de integração gradual e crescente de elementos do inconsciente e do mundo 
existencial na consciência – o processo de individuação. Tal processo constrói a 
individualidade do ser humano e tem correlação na constituição das particularidades 
sócio-históricas da cultura humana (PENNA, 2013, p. 229-230). 
18 
 
 
 
Do ponto de vista metodológico, o processamento simbólico é o caminho pelo 
qual o conhecimento é alcançado e viabilizado, ocasionando a ampliação e a 
complexificação da consciência individual e coletiva. A perspectiva metodológica 
abarca as etapas de apreensão e compreensão do fenômeno. A apreensão do 
fenômeno é feita pela observação e auto-observação na óptica simbólico-arquetípica. 
A observação se constitui por uma experiência viva de participação e diálogo entre o 
sistema observante e observado, em que ambos são transformados pelo processo do 
conhecimento. O método de investigação psicológica junguiano é conduzido segundo 
alguns parâmetros que devem ser rigorosamente observados, quais sejam: a 
causalidade, a finalidade e a sincronicidade presente nos eventos simbólicos (PENNA, 
2013, p. 230). 
Ao longo da elaboração deste trabalho, foi demandado um exercício constante 
da atenção ao modelo de raciocínio analítico junguiano, de maneira a manter a 
reflexão atrelada as três dimensões apontadas anteriormente (ontológica, 
epistemológica e metodológica). Inicialmente, o emprego desse modelo exigiu um 
grande esforço por parte deste pesquisador, pois o hábito racionalista fortemente 
arraigado sorrateiramente tende a nos direcionar a um distanciamento impessoal, 
redutivista e determinista, que poderia enviesar o propósito deste estudo. Foi 
desafiador embarcar nesta jornada que, de muitas maneiras nos colocou em direção 
a expansão e conscientização a respeito das vinculações psíquicas profundas que 
compartilhamos com nossos semelhantes e com a nossa comunidade. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
19 
 
 
 
1. ASPECTOS DA CULTURA CONTEMPORÂNEA 
 
Para pensar a questão da ansiedade é importante que tenhamos uma noção 
do panorama cultural em que tal manifestação se dá, visto que individualidade e 
coletividade são intimamente conectadas. Iremos aqui percorrer de maneira breve as 
modificações sociais e culturais que formam o pano de fundo frente ao qual vivemos. 
Optamos por iniciar esta discussão com a apresentação de pontos chave da 
compreensão de Carl Gustav Jung sobre a sociedade e a vida do indivíduo 
contemporâneo. As compreensões do autor apresentadas a seguir devem ser 
compreendidas como se referindo a um período recente da história no qual o poder 
Estatal era predominante sobre a economia e a sociedade. Na atualidade, notamos 
que isto já não é a realidade, pois, desde então, os Estados vieram sendo 
enfraquecidos frente à ascensão do poder das organizações empresariais 
multinacionais que atualmente as atravessam. 
Jung (1957/2013) compreende que os processos de institucionalização e 
burocratização da vida social são inerentes à política administrativa dos Estados. 
Embora esses processos tenham se consolidado a partir do século XX, ainda 
resvalam em formas primitivas de organização social, estando sujeitos “(...) à 
autocracia de um chefe ou de uma oligarquia” (Ibidem, p. 19). 
O Estado moderno enfraquece o indivíduo em favor de uma coesão 
organizacional baseada em médias estatísticas que nivelam a realidade e a 
individualidade de forma homogênea, deformando e distorcendo a imagem do mundo. 
A despersonalização das individualidades via racionalismo científico, acaba por 
transformar a concretude do indivíduo em um dado estatístico abstrato, gerando um 
estado de aparente impotência individual. Ao mesmo tempo, materializa o princípio da 
realidade abstrata da política do Estado,colocando-o como único ente capaz e 
responsável pela existência da humanidade. Esta personalização do Estado torna 
quase inevitável que a responsabilidade moral e a conduta de vida do indivíduo sejam 
impostas de fora para dentro, esmagando o indivíduo e acarretando o processo de 
massificação (JUNG, 1957/2013). 
Jung afirma que o processo de industrialização − juntamente com suas 
consequentes modificações socioeconômicas e demográficas − desempenha um 
papel significativo para a massificação. A industrialização provocou um processo 
20 
 
 
 
contínuo de êxodo das zonas rurais e o consequente adensamento da mão-de-obra 
produtiva no entorno das fábricas e centros produtivos. Isto gerou grandes centros 
urbano, frequentemente carentes de infraestrutura mínima para acolher este 
acréscimo populacional, forçando a massa populacional a “(...) sufocar-se numa 
ocupação unilateral de modo a perder todos os instintos1 sadios, mesmo o da 
autopreservação” (JUNG, 1945/2012, p. 34). Segundo o autor, a perda destes 
instintos leva à crença de que o Estado se responsabilizará pelo bem-estar social e a 
elevação do padrão de vida do indivíduo. Por isso, na visão de Jung, este último tende 
a tornar-se apático e dependente na medida em que tudo espera do outro e não de 
si, tal qual uma criança. 
Deste modo, quando o Estado é visto pelo indivíduo como uma espécie de 
substituto projetivo das figuras parentais − das quais se espera satisfação de ordem 
moral e afetiva – se torna incapaz de satisfazê-las, pois é obrigado a lidar com 
expectativas descabidas, que de modo algum beneficiam a sua organização. Por meio 
de manipulações hábeis, alguns chefes de governo são capazes de despertar estes 
afetos infantis na população e, comumente, conseguem ter à sua disposição uma 
massa facilmente sugestionável. Assim, tais chefes de Estado atuam como pais que, 
ao invés de educar, desencaminham os seus filhos. Isso leva a um empobrecimento 
espiritual, desorientação e degeneração moral, favorece o surgimento de uma psicose 
das massas e sua respectiva tendência para o desastre (JUNG, 1926/2013, p. 94-95). 
Para Jung (1957/2013), este quadro geral da realidade implica na 
personalização do Estado, que se torna uma entidade servida pelo indivíduo e não o 
contrário. Tal orientação não tem como característica o desenvolvimento da 
personalidade humana, mas o seu oposto, o fortalecimento das instituições. Jung 
afirma que no nível individual, tal cenário acarreta em uma valorização exacerbada da 
vivência exteriorizada, na desvalorização do Si-mesmo (Self) e ao enfraquecimento 
 
1 Segundo Jung (1921/2011, p. 470): “(...) Instinto é todo fenômeno psíquico que ocorre sem 
a participação intencional da vontade, mas por simples coação dinâmica, podendo esta nascer 
diretamente de fonte orgânica, portanto extrapsíquica, ou ser condicionada essencialmente 
por energias simplesmente liberadas pela intenção voluntária, e, neste caso, com a restrição 
de que o resultado obtido ultrapasse o efeito intencionado pela vontade. Sob o conceito 
instinto, estão, a meu ver, todos os processos psíquicos cuja energia a consciência não 
controla. (...)” 
21 
 
 
 
do ego que passa a se orientar predominantemente a partir das as tendências grupais 
dominantes, que despersonalizam o indivíduo ao subtrair a sua autonomia. 
Jung (Ibidem) acredita que a situação não poderia ser diferente, já que a força 
do Estado se baseia no contrato social − o funcionamento organizacional 
necessariamente depende da adesão e da confiança dos indivíduos nas instituições. 
Isto significa que o indivíduo abdica de parte de sua capacidade de escolha e 
autonomia em função da tutela estatal, que assume a função de protegê-lo e orientá-
lo, visto que é possuidor de condições técnicas que lhe permitem saber o que é melhor 
para a população. 
A suscetibilidade do indivíduo frente às pressões do Estado − seja este 
totalitário ou democrático − provém do fato da razão e da reflexão crítica serem via de 
regra instáveis e oscilantes em todos os indivíduos. Recordando que na compreensão 
do autor, mesmo o Estado de direito ainda resvala em formas primitivas de 
organização social e por isso está permanentemente sujeito “(...) à autocracia de um 
chefe ou de uma oligarquia” (JUNG, 1957/2013, p. 19). Estamos permanentemente 
propensos a infecções psíquicas por fatores inconscientes doentios e perversos e, 
também, a sermos cooptados pelas tendências massificantes propagadas, 
reinteradamente, pelo Estado. Esta instabilidade psíquica decorre do pouco ou total 
desconhecimento que a grande maioria das pessoas tem sobre a integralidade de sua 
psique. Deste modo, as influências sociais encontram frequentemente vínculos 
inconscientes nos indivíduos capazes de ofuscar o ego e desencadear 
comportamentos patológicos em grandes parcelas da população. Isto ocorre pelo fato 
dos movimentos de massa serem diretamente regulados pela atuação dos arquétipos 
(JUNG, 1936/2012, p. 24). 
Cabe aqui esclarecermos a compreensão de Jung sobre o que é um arquétipo. 
De maneira geral, este conceito se refere a conteúdos predominantemente coletivos, 
semelhantes aos temas que se repetem de forma quase idêntica na mitologia e no 
folclore dos diversos povos, bem como ao material predominante nos sonhos. Este 
material é composto por formas e imagens de natureza coletiva originários do 
inconsciente (JUNG 1939/2012a, p. 68). Ele é natureza pura, não deturpada que faz 
com que o homem realize ações cujos sentidos lhe são desconhecidos; é de tal forma 
inconsciente que nem se pensa mais nelas. Como funções inconscientes têm o 
caráter automático do instinto e, por este motivo, podem entrar em choque entre si. 
22 
 
 
 
São compulsivos e independentes de influências externas, podendo assim colocar a 
vida do indivíduo em risco (JUNG, 1946/2013, p.159-160). Além disso, em sua 
atuação sobre a psique, “(...) os arquétipos possuem a característica da 
transgressividade, isto é, eles se manifestam eventualmente como se pertencessem 
tanto à comunidade quanto ao indivíduo; por isso, eles são numinosos e 
contaminadores (...)” (JUNG, 1958/2013, p. 56). É a consciência que refreia as ações 
induzidas pelos arquétipos realizando o trabalho de ordenação para que ocorra uma 
boa adaptação ao meio ambiente (JUNG, 1946/2013, p. 160). Desta forma, o indivíduo 
só é verdadeiramente humano quando possui o atributo da ação consciente. 
Após esta breve explicação, retomamos nosso raciocínio. 
A propensão a infecções e a massificação psíquicas é grande quando o ego se 
encontra fragilizado, podendo ainda mais facilmente se identificar com uma temática 
arquetípica e atuá-la de maneira inconsciente e pouco elaborada. Em tal estado 
psíquico, o sujeito passa a dar vazão quase irrestrita aos impulsos primitivos e amorais 
que emanam do inconsciente. Ele agirá de modo impulsivo e muito frequentemente 
bárbaro, sem que com isso sofra de qualquer arrependimento moral, pois os impulsos 
transpassam livremente sua consciência, sem serem suficientemente refreados e 
refinados. 
Nos momentos em que o indivíduo se encontra imerso num grupo, tais 
tendências primitivas são mais fortemente potencializadas graças ao rebaixamento 
natural do nível de consciência que ocorre em tais situações. Assim, comportamentos 
que no âmbito individual poderiam não ocorrer, por não se constelarem na psique 
objetiva ou por serem suprimidos casualmente, encontram chance de vazão. (JUNG, 
1959/2013). 
Tal fato ocorre porque o grupo, assim como o indivíduo, também é influenciado 
por muitos fatores típicos, como a sociedade, a cosmovisão, o ambiente familiar, a 
política, a religião, dentre outros. Segundo Jung, quanto maior for o grupo, maior será 
a tendência do indivíduo ao rebaixamento de sua consciência individual sendo que, 
em indivíduos com pouca personalidadeindividual e pouco conteúdo espiritual, pode-
se chegar até o ponto do autoesquecimento (JUNG, 1959/2013). 
Neste sentido, para Jung (1959/2013), o grupo e todos os aspectos que o 
constituem servem de substitutos parciais à falta de uma individualidade genuína. Isto 
faz com que ele exerça uma atração sedutora sobre o indivíduo, conduzindo-o em 
23 
 
 
 
direção a uma identificação total. Esta atração é muito potente por aparentar ser a via 
mais fácil pela qual o indivíduo pode suprir as suas carências psíquicas. Ademais, o 
grupo, propicia a sensação de impunidade e anonimato, podendo levar a um agir 
inconsequente ou irresponsável − ao reforçar tendências psíquicas infantis ou a 
reativação da atuação destas. Apesar desta visão contundente de Jung, na atualidade 
a psicologia analítica reviu a sua postura frente as organizações grupais, pois estas 
também têm o potencial de provocar mudanças positivas. 
O caminho da dependência do Estado e sua consequente identificação ampla 
com o grande grupo da sociedade promete, fantasiosamente, livrar todas as pessoas 
das agruras da busca pelo autoconhecimento. Neste sentido, induz os indivíduos a 
adotarem como valores a simples imitação, seja de seus pares ou de personalidades 
modelo. A atuação do Estado reitera a dependência emocional ao se colocar em 
posição superior no tocante a importantes decisões a respeito da vida de seus 
cidadãos. Isto significa que o Estado sempre sabe o que é melhor para o indivíduo e 
como melhor protegê-lo dos perigos do existir − visto que suas orientações se 
embasam em um enorme aparato técnico-científico e em médias estatísticas. De certa 
forma, um Estado que superprotege o indivíduo rouba o prazer das árduas conquistas 
e torna o existir apático (JUNG, 1959/2013). 
Novamente aqui devemos ter em mente que esta dependência do indivíduo não 
se vincula mais completamente ao Estado, mas também é promovida e exercida pelos 
meios de comunicação de massa, mídias, empresas multinacionais, etc. 
Ao discorrer sobre a interação entre o Estado/grupos e o indivíduo, Jung de 
forma alguma pretende realizar a defesa de uma ideologia anarquista ou propor o 
retorno a um modelo de organização social estritamente local e não formalmente 
institucionalizado, como é o caso das organizações tribais. Em seus textos, ele 
frequentemente aponta que os grupos e a sociedade apresentam vantagens 
imprescindíveis de adaptação ambiental, proteção e ganhos sociais vitais ao indivíduo 
(JUNG, 1959/2013). Sua postura crítica busca evidenciar os efeitos deletérios 
causados pela inconsciência tanto ao nível da existência individual, quanto 
comunitária. 
Assim, segundo sua concepção, as grandes aglomerações humanas reforçam 
a inconsciência e o mal cuja propagação pode ser veloz e quase irrefreável. No 
entanto, o aglomerado social também pode promover o bem. Ele é capaz de promover 
24 
 
 
 
condições que compensam a fraqueza moral da maioria das pessoas ao dar forma a 
um bem externo ao qual elas se agarram para poder sustentar-se. Como evento 
podemos citar as grandes religiões que, de maneira geral, promovem a cura psíquica 
a todos aqueles que sozinhos não têm condições de carregar conscientemente a 
própria responsabilidade. Para o autor, essas pessoas compõem a maior parcela da 
população (JUNG, 1954/2012, p.335). 
Pode-se inferir que Jung propõe como dever do indivíduo que este aja de 
maneira permanentemente ativa − tanto em relação à cooperação com sua própria 
psique, quanto ao monitoramento dos sistemas políticos-estatais – como condição 
necessária para se evitar novas catástrofes humanas semelhantes as duas Grandes 
Guerras Mundiais ou a ascensão de regimes totalitários e/ou genocidas. O autor 
acredita que estes indivíduos ativamente empenhados com o seu existir são apenas 
alguns poucos. São aqueles capazes de escapar do processo de dependência do 
Estado e da massificação psíquica, os que buscam conquistar a própria personalidade 
por via do engajamento com o processo de individuação (JUNG, Ibidem). 
Jung compreende que além da análise pessoal, o único meio pelo qual o 
indivíduo pode se evadir do processo de massificação promovido pelo Estado é por 
via da religiosidade. Apesar de sua potencialidade para a alienação do mundo 
concreto e de si mesmo, as religiões2 tentam pôr o indivíduo em contato com uma 
“autoridade oposta à do ‘mundo’” (JUNG, 1957/2013, p. 20), trazendo uma atitude 
psíquica ao indivíduo que lhe propicia dependência e submissão a questões 
irracionais. Estas questões irrompem de sua interioridade, ao se contrapor com a 
vivência externalizada imposta pelo Estado. Isto ocorre pelo fato da religião ter como 
finalidade mais abrangente a preservação da estabilidade psíquica do indivíduo frente 
a fatos incontroláveis tanto do meio externo quanto do seu inconsciente. Quanto maior 
 
2 Jung afirma que não emprega o termo religião para se referir a uma dada profissão de fé religiosa. 
Em seu entendimento, toda confissão religiosa em parte se funda na experiência do numinoso e, em 
contraparte, se assentada sobre a fé e a confiança em relação esta mesma experiência. Esta somatória 
de partes necessariamente induz mudanças na consciência e na relação desta com as demais 
instâncias psíquicas. O termo religião pode ser compreendido redutivamente como “(...) a acurada e 
conscienciosa observação (...)” do numinoso (JUNG, 1939/2012b, p. 19). A experiência religiosa do 
numinoso é decorre de um efeito dinâmico ou de uma existência não decorrente de um ato arbitrário, 
que se manifesta no indivíduo. Esta manifestação toma e domina a psique e, por isto, lhe desperta uma 
condição especial. Esta condição independe da vontade individual e está provavelmente ligada a uma 
causa externa. De maneira geral, tal condição psíquica pode ser despertada por um objeto visível ou o 
influxo de uma presença invisível (JUNG, Ibidem, p. 19-21). 
 
25 
 
 
 
a crença na racionalidade e mais enfraquecido o indivíduo, maior será a entrega 
espiritual ao Estado. 
Apesar deste lhe propiciar uma sensação de proteção externa proveniente do 
grupo, o indivíduo permanece vulnerável as erupções inconscientes, já que não 
recebe ferramentas para lidar com elas. Estados com tendências totalitárias (ou que 
são propensos a esta tendência) se valem de ideologias para que suas organizações 
sejam cultuadas como deuses. Roubam do indivíduo o fundamento metafísico da 
existência, não deixam espaço para a decisão ética individual e instauram a mentira 
como condição para as ações políticas. Ao gerar nos indivíduos uma sensação de 
proteção tanto interna como externa, cria um fanatismo que reprime e elimina toda 
forma de oposição (JUNG, 1957/2013). 
Frente a todas estas questões, Jung compreende como um engodo a 
concepção de que “(...) o mundo moderno é o mundo do homem (...)” (JUNG, 
1957/2013, p. 30), pois apesar do êxito em modificar e controlar uma parte significativa 
das forças da natureza e desta forma ter se assenhorado de seu destino, ele se tornou 
escravo e vítima de ideias e concepções que o orientam para o mundo exterior, 
causando a perda da sua dignidade e autonomia. “(...) Todos os progressos, 
realizações e propriedades não o fazem grande, ao contrário, o diminuem” (Ibidem., 
p. 31) porque o desenvolvimento do senso moral e ético do homem que usufrui destes 
bens da modernidade foi totalmente esquecido (JUNG, 1945/2012, p. 50). 
Para Jung, a consciência é uma condição do ser humano. Ela é o bem maior e 
mais importante do indivíduo, sujeito sobre o qual se estrutura toda a sociedade. Desta 
forma, do ponto de vista social, ele propõe uma mudança de orientação frente ao 
mundo, de modo que o indivíduo seja tratado como prioridade e não como número 
infinitesimal pela sociedade. Deve-se buscar uma reorientação em direção ao mundo 
interior, tão obstinadamentecomo a que se empregou ao mundo exterior, para que se 
possa resgatar a dignidade e autonomia humana. Esta renovação de orientação não 
deve ser procurada na sociedade porque ela em si não se constitui em caminho de 
renovação. 
 
(...) Segundo nossa atitude racionalista, acreditamos poder alcançar 
alguma coisa através das organizações, leis, constituições e demais 
instrumentos bem intencionados. Na realidade, porém, a renovação 
do espírito das nações só poderá ser alcançada por meio da 
26 
 
 
 
transformação na compreensão do indivíduo. A renovação tem início 
no indivíduo. (JUNG, 1946/2012a, p. 62) 
 
A massificação promovida pelo Estado tem como objetivo o isolamento 
psíquico do homem ao ter em vista que quanto menor a integração entre os indivíduos, 
mais sólida e poderosa é a organização estatal. Neste sentido, Jung aponta que “(...) 
quanto maior for o agregado de indivíduos, tanto maior será a obliteração dos fatores 
individuais e, portanto, da moralidade (...)” (Ibidem, p. 62-63). Só um indivíduo 
psiquicamente consciente de seu dinamismo psíquico − de sua natural dissociação 
entre consciente e inconsciente − e que reflete sobre si mesmo de modo a relativizar 
as pressões grupais, é capaz de opor resistência a influência massificante da 
sociedade. 
Esperar que o Estado realize aquilo que o indivíduo não é capaz de fazer é o 
primeiro passo em sentido a massificação, já que o Estado, por ser uma instância 
abstrata, é totalmente dependente das individualidades concretas. O Estado para ser 
verdadeiramente democrático deve levar em conta a natureza humana − em sua 
inerente dissociação entre as instâncias consciente e inconsciente − e propiciar 
condições para o desenvolvimento das potencialidades individuais ao invés de buscar 
a homogeneidade por via da supressão das diferenças. 
Para Jung, a cosmovisão sobre a qual se estrutura a sociedade moderna 
propicia uma dissociação psíquica, fruto da separação irreconciliável entre fé e 
ciência. Os Estados são orientados primordialmente pelo racionalismo e cientificismo, 
reprimindo e desqualificando as representações instintivas do humano. Estas acabam 
por irromper periodicamente em amoralidade, primitivismos e violência social. “Se, por 
um lado, a natureza se inanimou, por outro, as condições psíquicas geradoras de 
demônios ficaram mais ativas do que nunca”. (JUNG, 1945/2012, p. 45). 
A desanimação da natureza juntamente com a massiva impregnação das 
consciências com os ideais do cristianismo − destacadamente a noção idealizada da 
separação entre o bem e o mal e à execração deste último − amplia e fortalece a 
repressão das manifestações do inconsciente devido a sua natureza de dualidade 
contraditória. De acordo com Jung (1917/2014, p. 90), a negação de tudo aquilo que 
se encontra fora do domínio da consciência ocorre porque busca resguardar as 
concepções fundamentais dominantes do sistema sociocultural. 
27 
 
 
 
Neste sentido, quando Jung se refere “as condições geradoras de demônios”, 
ele pretende afirmar que quanto maior for o grau de unilateralidade, rigidez e 
incondicionalidade da defesa da perspectiva consciente, proporcionalmente mais 
agressivo, hostil e incompatível se tornará a perspectiva inconsciente, de tal forma 
que a possibilidade de reconciliação entre a consciência e o inconsciente é pouco 
provável. Caso o ponto de vista consciente se permita ao menos reconhecer a 
relatividade de sua perspectiva, a resistência inconsciente contrária igualmente se 
arrefecerá (JUNG, 1917/2014, p. 90). 
Deste modo, podemos especular que mesmo nos Estados teocráticos 
contemporâneos a cosmovisão permanece cindida. Neles a ciência, assim como as 
instituições governamentais, se subordina aos desígnios da fé dominante e a seus 
códigos. Isto muitas vezes implica em uma produção científica enviesada e não 
imparcial fruto do predomínio de preceitos religiosos e seus dogmatismos totalitários. 
Eles tendem a negar e negligenciar fatos e dados que não se apresentam em 
consonância com o discurso de sua doutrina. 
Visto que existe uma perigosa tendência ao flerte entre os Estados teocráticos 
e o totalitarismo, os primeiros são frequentemente direcionados à busca de uma 
homogeneidade entre os integrantes de sua população, o que implica em incutir uma 
ideologia ferrenha e a institucionalização da fé. Deste modo, os Estados teocráticos, 
em similitude com os Estados totalitários, são propensos a roubar do indivíduo o 
fundamento metafísico da existência, ao se autoproclamarem fruto do desejo celestial 
e executores de seus desígnios. 
Assim, aparentemente, mesmo nos Estados teocráticos contemporâneos resta 
pouco espaço para o contato íntimo com fatores numinosos, visto que a orientação 
frente ao mundo é imposta ao indivíduo de fora para dentro por via da doutrinação 
religiosa e de seus dogmas. A pressão por uma identificação incondicional com uma 
“verdade religiosa” pode ocasionar uma espécie de catástrofe psíquica, por sua 
capacidade potencial em se tornar obstáculo à desenvolvimentos posteriores da 
personalidade. Ou seja, “(...) Em vez de conhecimento claro, teríamos apenas a 
crença, o que, por vezes, é muito mais cômodo e consequentemente mais atraente” 
(JUNG, 1946/2013, p. 169-170). 
Para o autor, na contemporaneidade, a religião é geralmente compreendida 
como uma confissão ou credo regido por um “(...) sistema coletivamente aceito de 
28 
 
 
 
proposições religiosas codificadas e cristalizadas em fórmulas dogmáticas (...)” 
(JUNG, Ibidem, p. 171), cujos “(...) símbolos exprimam os arquétipos primitivamente 
ativos”. (JUNG, loc. cit.). Neste sentido, ela está mais fortemente vinculada ao âmbito 
da consciência coletiva do que ao inconsciente. 
Se a religiosidade for vivida apenas por via da compreensão racional e 
concreta, sua ação benéfica como contraponto ao mundo e a vivência externalizada 
e massificante será em grande parte neutralizada. Deste modo, a religiosidade 
exercida somente como fruto da coerção de um código moral corre grande risco de se 
esvaziar de significado e se reduzir a um ato mecânico. A consequente falta de um 
contato autêntico com o que há de divino na psique, como aponta Jung (1957/2013, 
p. 20), potencializa a alienação do mundo concreto e do Si-mesmo (Self). 
A referida desanimação da natureza, é decorrente de uma compreensão cada 
vez mais científica e concreta da realidade que acarreta na perda progressiva dos 
simbolismos e da magia que, no passado, era projetado sobra ela. 
Consequentemente, na atualidade, mesmo os habitantes de países com orientação 
teocrática, vêm se distanciando daquela compreensão metafísica da realidade e, 
consequentemente, daquela instância natural da psique compreendida por Jung como 
totalidade inconsciente. Esta totalidade se contrapunha naturalmente à unilateralidade 
da realidade exterior e servia como defesa eficiente contra a inflação egóica ao 
propiciar uma via de vazão aos instintos. 
Jung afirma que a religião para de atuar de forma benéfica quando o eros 
maternal deixa de compor a sua essência (JUNG, 1946/2013, p. 171-172). É 
justamente esse eros maternal que torna a religião capaz de pôr o indivíduo em 
contato com o metafísico, o inconsciente, e desperta a vivência do numinoso. Por eros 
maternal Jung se refere à capacidade da religião de promover o contato do indivíduo 
com a totalidade, ou seja, uma comunhão com o transcendente. 
Após está rápida apresentação da compreensão que Jung tinha da 
contemporaneidade, e com intuito de ter uma visão mais atual com ênfase sociológica 
sobre a contemporaneidade e sua história, será exposta a compreensão de Anthony 
Giddens (2001) sobre o tema. 
Para pensar a contemporaneidade, Giddens faz um recorte histórico que 
envolve desde referências a períodos históricos pré-modernos até a modernidade 
tardia. Deste modo se tornam visíveis os contrastes culturais, sociaise do modo de 
29 
 
 
 
vida de cada um destes períodos históricos e os seus dinamismos que vieram a 
modelar o mundo em que vivemos hoje. 
Para Giddens (2001) o termo modernidade pode ser grosseiramente 
equiparado a mundo industrializado. Assim sendo, devemos levar em conta que o 
“industrialismo” e o capitalismo são suas duas dimensões institucionais. A primeira, o 
industrialismo, é compreendido como se referindo às relações sociais envolvidas no 
uso generalizado da energia mecânica e das máquinas nos processos de produção. 
Já a segunda dimensão, o capitalismo, se refere ao sistema de produção de 
mercadorias que abarca mercados concorrenciais de produtos e a transformação da 
mão-de-obra em mercadoria. 
De acordo com o autor, outra especificidade da modernidade é o surgimento 
do Estado-nação caracterizado pelo funcionamento organizacional. Sua diferenciação 
de Estados pré-modernos não se dá tanto pelo caráter burocrático ou por seu 
tamanho, mas principalmente, pela regulação e controle de relações sociais. 
O Estado-nação representa uma descontinuidade em relação às culturas e 
modos de vida pré-modernos. Uma de suas principais características é o dinamismo 
extremo, isto significa que “Além do ritmo das mudanças sociais ser muito mais 
acelerado, tais mudanças afetam com profundidade (ou âmbito) muito maior as 
práticas sociais e os modos de comportamento preexistentes" (GIDDENS, Ibidem, p. 
14) 
Para o autor, a vida social moderna apresenta três tipos de dinâmicas que a 
diferencia da existente em épocas pré-modernas. São elas: a separação do espaço e 
do tempo, a descontextualização das instituições sociais e a reflexividade. Vejamos 
as suas definições: 
A separação do espaço e do tempo não existia nas culturas pré-modernas, o 
tempo e o espaço estavam ligados através da situacionalidade do lugar. O 
desenvolvimento de utensílios mecânicos de medição do tempo, como por exemplo o 
relógio, assim como o mapeamento do planeta como um todo, levou a uma abstração 
e despersonalização do tempo e do espaço. Assim, surge a noção de tempo universal 
que independe da existência do indivíduo. Agora, tudo ocorre sem a necessidade da 
mediação de um local físico comum para todos os envolvidos. 
A descontextualização das instituições sociais se refere “(...) a ‘remoção’ das 
relações sociais dos contextos locais e sua rearticulação através de trechos 
30 
 
 
 
indefinidos de espaço-tempo”. (GIDDENS, 2001, p. 16). Ela depende, 
fundamentalmente, da confiança das pessoas nas instituições que passam a lhe 
propiciar as condições básicas de sobrevivência. 
Esta dinâmica, denominada de sistemas abstratos, opera de dois modos 
distintos, sendo denominados garantias simbólicas e sistemas periciais. Garantias 
simbólicas correspondem aos meios de troca com valor-padrão, ex. dinheiro, que 
permitem transações entre uma multiplicidade de indivíduos que nunca se 
encontraram fisicamente. Os sistemas periciais se referem a modos de conhecimento 
técnico que penetram em praticamente todos os aspectos da vida social moderna, 
independentemente dos praticantes e dos usuários − ex. produção e distribuição de 
alimentos, formação de profissionais da saúde, logística de transportes, etc. 
A reflexividade “(...) diz respeito à possibilidade de a maioria dos aspectos da 
atividade social e das relações materiais com a natureza serem revistos radicalmente 
à luz de novas informações ou conhecimentos.” (Ibidem, p. 18). Apesar da dinâmica 
da reflexividade ter se originado a partir do pensamento iluminista, ela o desautoriza 
no que diz respeito ao conhecimento científico social e natural. Nesta dinâmica, a 
produção de ciência deixa de se embasar pela acumulação indutiva de provas e adota 
a dúvida como princípio metodológico. O princípio da dúvida radical causa impacto 
não apenas sobre os indivíduos envolvidos nos meios acadêmicos ou vinculados 
diretamente à produção científica, mas também nos indivíduos comuns. 
 Sobre os indivíduos comuns, este impacto se dá pelo fato de os sistemas 
abstratos afetam profundamente áreas da vida do dia-a-dia, oferecendo possibilidades 
múltiplas e não linhas de orientação fixa ou receitas para a ação. Deste modo, as 
incertezas e contradições se tornam permanentes e os juízos e decisões deixam de 
se apoiar em autoridades externas para se fundamentar sobre a própria 
responsabilidade individual. 
Decorrente da inovação tecnológica, o desenvolvimento das mídias de 
comunicação em massa surge como uma peculiaridade exclusiva da modernidade. 
Estas formas de comunicação – o texto impresso e, posteriormente, o meio eletrônico 
– trouxeram consigo uma enorme ampliação da mediação da experiência, 
contribuindo de maneira decisiva para o desenvolvimento e expansão das instituições 
modernas. 
31 
 
 
 
 A atuação simultânea das três dinâmicas características da modernidade – a 
separação do espaço e do tempo, a descontextualização das instituições sociais e a 
reflexividade – somada à integração crescente das mídias de massa com a 
comunicação eletrônica, cria as condições fundantes da modernidade tardia. 
Economicamente, a modernidade tardia se caracteriza pelo processo contínuo 
de globalização. Giddens compreende este novo fenômeno como: 
 
(...) a interseção da presença e da ausência, o entrelaçamento dos 
eventos sociais e relações sociais “a distância” com as 
contextualidades locais. Deveríamos compreender a expansão global 
da modernidade em termos de uma relação contínua entre a 
distanciação, por um lado, e, por outro, a mutabilidade crônica das 
circunstâncias locais e dos engajamentos locais. Tal como cada um 
dos processos acima mencionados, a globalização tem de ser 
entendida como fenômeno dialético no qual os eventos num dos polos 
de uma relação distanciada produz muitas vezes ocorrências 
divergentes ou mesmo contrárias no outro polo. (2001, p. 19-20)
 
Como observado acima, uma das dimensões institucionais fundamentais da 
modernidade é o capitalismo. Deste modo, o processo de acumulação de capital 
representa uma das principais forças impulsionadoras das instituições modernas em 
seu todo. A mercadoria abstrata é um elemento basilar do capitalismo como sistema 
de produção e, sua incorporação em diversos seguimentos do existir, provoca o 
processo de mercadorização. 
Segundo Giddens (Ibidem), o processo de mercadorização ocorre 
genericamente em três níveis: dos produtos, da mão-de-obra e do consumo. No caso 
dos produtos, se dá quando os valores de uso se tornam irrelevantes para o processo 
de produção − venda e distribuição de bens e serviços − sendo substituídos pelo valor 
das trocas comerciais. No caso da mão-de-obra, quando ocorre uma abstração do 
valor da força de trabalho, separando-a do resultado do processo produtivo. No caso 
do consumo, via estabelecimento de estilos de vida, projetos de identidade e 
parâmetros para avaliar a realização pessoal, padronizados e promovidos pelos meios 
de propaganda. 
Segundo o autor, o ataque à tradição é decorrente da necessidade de 
mercadorização continua do mercado capitalista. A tradição é atacada porque largos 
setores responsáveis pela reprodução das convenções sociais são postos nas mãos 
de mercados de produtos e de trabalho. Os mercados funcionam sem respeito pelas 
formas de comportamento preestabelecidas, que na maior parte representam 
32 
 
 
 
obstáculos à criação de mudanças sem entraves. Como no capitalismo tardio a 
designação de necessidades individuais se torna necessária para a continuidade do 
sistema, a liberdade de escolha individual, governada pelo mercado, se torna o 
modelo referencial para as vias de expressão individual. 
O consumo, sob o domínio dos mercados de massa, é um fenômeno inédito e 
integrante do processo de reflexividade do existir moderno, não sendo decorrência de 
uma reorganização de padrões de comportamento ou de aspectos da vida cotidiana.Para Giddens (2001), os meios de comunicação de massa não apenas elegem e 
apresentam modos de vida que devem ser admirados e desejados por todos, mas em 
um nível mais sutil, também formulam estas narrativas pensando na criação de nexos 
que levem os espectadores a se identificar com a temática transmitida, servindo como 
escapes ou substitutos parciais de desejos que não são concretizáveis em condições 
sociais rotineiras. 
A partir do exposto, notamos que o modelo de organização da sociedade 
ocidental passou por grandes modificações desde a época de Jung, sendo que a visão 
de Giddens (2001) nos auxilia a acompanhar essas transformações. 
Passamos agora a discutir pontos que consideramos fundamentais para a 
compreensão do fenômeno da ansiedade como traço inerente das culturas modernas. 
Como visto, o modelo econômico vigente na atualidade, embasado nas 
políticas de globalização, acelerou o processo de desenvolvimento e criação de novos 
produtos e tecnologias, assim como vêm possibilitando o acesso em massa a esses 
bens. Simultaneamente, este modelo produtivo traz em seu ideário o rompimento e a 
desvalorização de tudo aquilo que não seja uma novidade. Neste sentido, a tradição 
e os valores morais que secularmente eram vividos pelas gerações vêm sendo 
paulatinamente abandonados e/ou esquecidos, sendo substituídos pelo consumismo 
desenfreado. Tal processo, justamente por ainda estar em curso e não ter engendrado 
um novo modelo referencial sólido, acaba por ser vago e cambiável, causando uma 
sensação de desorientação e insegurança frente ao mundo. 
 Jung, (1941/2012, p. 113-114) salienta que apesar de desejável em certos 
períodos históricos, a dissolução da tradição cultural sempre representa um perigo e 
uma perda, pois deixa em seu vácuo um solo fértil para o desenvolvimento de 
problemas psíquicos. Isto ocorre pelo fato de as convicções e os costumes 
transmitidos pela tradição serem a via de expressão da vida instintiva humana e, sua 
33 
 
 
 
perda, leva a uma cisão entre a consciência e o instinto. Em decorrência dessa cisão, 
a consciência perde o contato com os instintos que, agora sem possibilidade de 
expressão, vão aumentar a pressão exercida pelo inconsciente sobre a consciência. 
Isto ocasiona invasões de conteúdos inconscientes sobre a consciência, facilitando a 
ocorrência de quadros psicopatológicos. 
Visto que tal quebra de valores incide sobre grande parte dos âmbitos da 
existência humana e, somado aos processos de disseminação da incerteza 
generalizada decorrente da dúvida radical e da progressiva perda da capacidade de 
abstração a respeito da simbologia do existir, acarreta a generalização da sensação 
de despropósito e desorientação referente ao estar no mundo. 
May (2009, p. 45-47) afirma que em épocas de mudança cultural radical “o 
dilema humano”3 torna-se mais difícil de tratar do ponto de vista psicoterápico. Isto 
decorre do fato da autopercepção ser construída sobre os valores e princípios que 
norteiam a sociedade. Portanto, caso esses valores sejam instáveis, o indivíduo não 
terá parâmetros seguros para formar e pensar sobre a própria individualidade. 
Segundo este autor, a insegurança quanto a própria individualidade torna o 
indivíduo apático frente ao existir e, por isso, altamente influenciável e manipulável, já 
que busca na coletividade a segurança e o reconhecimento que não possui 
internamente. 
Desta forma, para May (2009), a massificação social se aguça em períodos 
históricos transicionais, pois o indivíduo se pensa a partir de valores coletivos da 
cultura e, caso estes sejam abalados, o indivíduo não terá uma base de sustentação 
firme para construir a própria autoimagem. Esta ausência da segurança interna é 
frequentemente suprida pela identificação com valores e princípios de um 
determinado grupo. Ele argumenta que na atualidade, a dissolução das configurações 
sociais tradicionais deixa um vácuo representado pela ausência de papéis viáveis e 
de mitos positivos que possam guiar os indivíduos, restando apenas o modelo 
amplamente exaltado da máquina e as pressões para que eles se tornem a sua própria 
imagem e semelhança. 
 
3 May (2009, p. 40-41) emprega o termo dilema (ou paradoxo) humano como descritivo dos conflitos 
conscienciais inerentes aos humanos decorrentes da capacidade que temos de simultaneamente nos 
compreendermos como sujeito e objeto de nossa própria ação. Esta capacidade, a consciência, é 
compreendida como um processo que se dá dialeticamente na oscilação entre esses dois polos, sendo 
a potencialidade gerada entre eles. Neste sentido, a liberdade genuína se encontra na possibilidade da 
vivência desta dialética da maneira mais equilibrada possível. 
34 
 
 
 
Para o autor, quando o sentido do significado individual é solapado, 
psicologicamente, só podemos nos mover em direção à um estado infantil pois, “(...) 
quando as pessoas sentem a sua insignificância como indivíduos, também sofrem um 
abalo no seu sentido de responsabilidade humana (...)” (MAY, 2009, p. 55). Desta 
forma, este solapamento leva a um ciclo vicioso segundo o qual a crise identitária gera 
ansiedade, “(...) a ansiedade em regressão e apatia, essas, por sua vez, em 
hostilidade, e a hostilidade numa alienação entre os homens” (MAY, loc. cit.). 
Ou seja, de forma mais objetiva podemos dizer que a ansiedade individual “(...) 
é a expressão extrema da ruína do sentido de significação do homem como indivíduo 
e, consequentemente, a sua perda de capacidade de decisão e responsabilidade 
individual” (MAY, 2009, p. 56). 
Este rompimento radical com a tradição também é percebido na relação do 
humano com o tempo. Na atualidade, a sensação generalizada é que o tempo vem se 
acelerando cada vez mais, sendo que os dias e semanas aparentam ser cada vez 
mais curtos frente a quantidade de atividades que somos obrigados a cumprir. Apela-
se a todo tipo de artefato eletrônico ou maquinário com a esperança de se conseguir 
reduzir o tempo gasto nas obrigações cotidianas, tanto domésticas quanto 
profissionais e, desta forma, ter algum tempo livre para “aproveitar a vida”. Todavia, a 
cada ano que passa, temos a sensação de que os dias se encurtam cada vez mais. 
Frente a este aparente paradoxo do mundo atual, a filósofa Olgária Matos 
argumenta que este fenômeno é decorrente da perda do aspecto qualitativo do tempo. 
Segundo Matos (2009), em meio à confusão da vida urbana, perdemos a capacidade 
de dar sentido aos nossos atos cotidianos, passando a viver em função de atividades 
e tarefas alienantes que em nada contribuem para o desenvolvimento do sujeito 
humano. É notório que, nas últimas duas décadas, a existência externa ao mundo do 
trabalho passou a ter profundas semelhanças com as linhas de produção fordista ou 
taylorista. Neste contexto, a grande maioria da população vive, permanentemente, 
uma cisão entre a vida que deseja e a vida que realmente tem, a qual é povoada por 
um vazio que exacerba todo tipo de comportamento destrutivo. 
A partir do apontado anteriormente, podemos inferir que frente à crescente 
carência de valores tradicionais que formam a base de orientação para a 
compreensão do mundo e da personalidade – e a permanente mutabilidade dos 
valores que surgem como substitutos − de maneira geral, os indivíduos buscam adotar 
35 
 
 
 
os princípios de mercado na gestão de sua individualidade para enfrentar este 
esvaziamento. Como apontado por Giddens (2001), o processo de mercadorização 
impulsiona a adoção do padrão monetário como valor para a compreensão do mundo 
e, desta forma, a dimensão do ócio como meio criativo é desvalorizada em detrimento 
de um ideal de produtividade constante que passa a orientar a vida. Isto implica em: 
agitação constante, preocupação e valorização excessiva do dinheiro, alienação por 
via do consumismo compulsivo, compartimentalizaçãoda vida cotidiana (se faz para 
ganhar dinheiro e não por ter aptidão ou afinidade com o trabalho) e, por fim, em nível 
de sociedade, a desvinculação e dominação da natureza. 
Esta nova concepção de vida revela alguns aspectos gerais das culturas 
contemporâneas, os quais seriam: a tentativa de se minimizar as consequências anti-
humanas do sistema de produção e a mistificar a crise ecológica planetária decorrente 
deste mesmo sistema. 
Com relação a primeira questão, é notório que o desenvolvimento tecnológico 
não foi acompanhado por um avanço semelhante no âmbito da moral e da ética. Em 
decorrência, a lógica inicial segundo a qual a técnica deveria servir ao homem vem 
lentamente sendo invertida, pondo o humano a serviço da técnica e tornando-o um 
meio para a sua perpetuação, como visto acima, os primeiros sinais desta tendência 
que foi brilhantemente percebida por C. G. Jung, já nas décadas iniciais do século XX. 
A partir da adoção de um enfoque amplo, podemos citar como exemplo deste 
processo da transformação da realidade que vem acarretando na transformação do 
humano em um meio para a perpetuação do sistema produtivo, as transformações 
pelas quais o modelo educacional vigente em nosso país vem passando desde 
meados dos anos 1980. Desde então, passou-se paulatinamente a dar ênfase à 
qualificação profissional (técnica) e importância secundária a formação humanística. 
Gentilli (1995) faz uma interessante reflexão sobre como a adoção de princípios 
administrativos neoliberais em nosso país provocou modificações na gestão da 
educação pública, ocasionando impactos diretos sobre a missão e os valores 
normativos que orientam as instituições escolares. Segundo sua compreensão, a 
adoção de tais políticas teve como consequências impactos predominantemente 
negativos ao institucionalizar uma formação escolar tendenciosamente alienante. 
No caso da tentativa de mistificação da crise ecológica global, também 
podemos vislumbrar a existência de uma associação a esta orientação chamada 
36 
 
 
 
“capitalismo tardio” por Giddens (2001). Pois grande parte do existir passa a ser 
subjugado ao processo de mercadorização e se volta para a satisfação do desejo e 
obtenção do prazer por via do consumo. Neste sentido, pouco importa os meios para 
esta satisfação, sendo a devastação do meio ambiente vista, em parte, como um preço 
a ser pago para que se possa viver este desfrute. 
A compartimentalização do ser/existir humano, que opera sob a mesma lógica 
apontada acima, se torna evidente quando, por exemplo, se exige do corpo níveis de 
desempenho que entram em choque com a sua própria natureza. Visa-se atingir um 
desempenho máximo, tal qual uma máquina, muitas vezes sem se levar em conta as 
consequências para o próprio organismo. 
Em relação a este último aspecto, Rollo May (2012) chama atenção para o fato 
de cada vez mais se pensar o corpo físico como um elemento externo e alheio ao ser, 
de tal modo que nos relacionamos de maneira impessoal com o nosso próprio 
organismo. O adoecimento e a patologia passaram a ser pensados como defeitos 
operacionais da máquina biológica e, consequentemente, perderam-se de vista as 
dimensões simbólicas que tais fatos podem trazer para o desenvolvimento da 
personalidade humana. 
Como dito, a dicotomização mente/corpo leva à ideia de superação constante 
dos limites. Neste sentido, visando o aumento do desempenho e a conquista de 
reconhecimento no âmbito profissional cresce e se populariza o uso de todo tipo de 
estimulantes para se superar as limitações biológicas impostas pelo corpo e, desta 
forma, leva-se o organismo a um estado de estresse e excitação permanentes. É 
importante salientar que o uso de estimulantes – cuja finalidade inicial era melhorar o 
desempenho de soldados no front de guerra – ganhou espaço no âmbito civil na última 
década não apenas como meio para aumentar a produtividade no trabalho, mas, 
igualmente, passou a ser largamente empregado nos momentos de lazer, para que 
se possa “curtir” as festas e confraternizações até o último momento. 
Matos (2009) nos fala que no pós-guerra ocorreu o predomínio cada vez maior 
da mentalidade protestante – segundo a qual a redenção do homem se daria pelo 
trabalho – e que na contemporaneidade estes preceitos religiosos sofreram um 
processo de distorção pela ideologia capitalista, no qual se igualou o ócio ao tédio. Já 
de acordo com o paradigma capitalista vigente nos dias de hoje, o ócio não passa de 
37 
 
 
 
perda de tempo. Desta forma, a ideologia contemporânea nos diz que não produzir é 
perder dinheiro, algo inadmissível em tempos de globalização. 
Matos (Ibidem) aponta que na contemporaneidade o ócio vem sendo 
substituído pelo lazer, atividade que, segundo a autora, tem características distintas, 
pois no primeiro se enfatiza a contemplação e o não-fazer, permitindo a livre 
manifestação da criatividade. Já no segundo, aparece um agir que rompe com o fazer 
cotidiano, mas que serve apenas para “matar o tédio”. Este agir irrefletido dificilmente 
rende algum ganho qualitativo para o sujeito já que, na grande maioria das vezes, é 
constituído por atividades alienantes e culturalmente pouco significativas. 
Aparentemente, esta atmosfera social baseada na produtividade cria um estado 
psicológico no qual o outro é o concorrente a ser sobrepujado. Neste sentido, os 
vínculos sociais tendem a dar maior ênfase aos interesses do que à afinidade, 
acarretando em um proceder que reforça a visão primordialmente utilitarista dos seres 
humanos. 
No existir cotidiano da população, notamos que este tipo de atitude objetificante 
é predominante em eventos de massa, onde a individualidade submerge frente à 
excitação das multidões. No entanto, gostaríamos de chamar a atenção para dois 
exemplos de participação no coletivo que tem características diversas dos primeiros. 
O primeiro exemplo é o que se dá no meio virtual, no caso específico do 
fenômeno dos sites de redes sociais. Nestes a publicização da vida privada 
aparentemente visa privilegiar apenas o bem-estar, o bem viver e o sucesso, de 
maneira similar às campanhas publicitárias comerciais. Visa-se a valorização do eu e 
ocorre um esforço continuo pelo marketing pessoal, que compreende desde a 
divulgação de um momento de alimentação sofisticada até a exposição de bens e 
materiais adquiridos que ostentam uma imagem de sucesso financeiro. 
 Supostamente, este tipo de comportamento motiva a inveja e a baixa 
autoestima dos amigos que compartilham da mesma rede, em um esforço contínuo 
para sobrepujar o outro e conseguir, momentaneamente, um lugar de destaque ao 
Sol. Vive-se uma disputa acirrada, mesmo que de maneira velada, entre o eu e os 
outros que, ao menos no meio virtual, são frequentemente compreendidos não como 
outros seres humanos, mas sim como objetos cuja publicação nas redes sociais 
fomentam a disputa por destaque social e eclipsiam a compreensão do outro como 
uma alteridade. 
38 
 
 
 
Mais um exemplo que temos da naturalização da objetificação de seres 
humanos é, inegavelmente, a violência no trânsito. Segundo reportagem da revista 
“Em Discussão”, do Senado Federal Brasileiro (Teixeira, C. ET al. 2012), no ano de 
2009 o Brasil era o 5º país do mundo no qual o trânsito mais matava. A reportagem 
se baseou em um relatório do mesmo ano elaborado pela Organização Mundial da 
Saúde (OMS). Em outra reportagem mais recente, de autoria da Organização das 
Nações Unidas (ONUBr, 2015), publicação que se baseou no relatório mais recente 
OMS intitulado “Global status report on road safety 2015”, aponta agora que o Brasil 
é o país com o maior número de mortes no trânsito por habitante da América do Sul. 
Além dos próprios dados apresentados pela reportagem mencionada 
anteriormente, nas grandes metrópoles do nosso país – e infelizmente não apenas 
nelas – é notório que se vive uma batalha constante entre

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