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7 3 Micoses Oportunistas George é um paciente de 45 anos que se submeteu a transplante alogênico de células‑tronco como parte de seu tratamento de leucemia aguda. O transplante foi bem‑sucedido e, após o enxerto, George recebeu alta do hospital. Durante o curso de seu transplante, os médicos fizeram profilaxia antifúngica com voriconazol, devido às preocupações com aspergilose, que tem sido um problema no hospital nos últimos anos. Após receber alta, George reagiu bem e sua profilaxia antifúngica continuou; contudo, durante uma consulta, 140 dias após o transplante, foram observados exantema e elevados resultados no estudo das funções hepáticas. Cerca de 1 semana depois, ele apresentou diarreia sanguinolenta, e seu médico ficou preocupado com a doença do enxerto versus hospedeiro (GVHD, graft‑versus‑host disease). Realizou‑se biópsia retal, confirmando GVHD, e o regime de imunossupressão de George foi aumentado, assim como sua dose diária de voriconazol. Os sinais e sintomas de GVHD continuaram, e eventualmente ele foi novamente hospitalizado com febre, confusão e falta de ar. A radiografia do tórax mostrou infiltrado cuneiforme no campo pulmonar inferior direito, e as investigações dos seios mostraram opacificação bilateral. 1. Qual seria o diagnóstico diferencial para este processo? 2. Quais patógenos fúngicos deveriam ser considerados em um indivíduo imunossuprimido recebendo profilaxia antifúngica com voriconazol? 3. Qual deve ser o procedimento para fazer o diagnóstico? 4. Qual curso de terapia deveria ser assumido? A frequência de micoses invasivas causadas por patógenos fúngicos oportunistas aumentou consideravelmente nas últimas duas décadas (ver Cap. 65, Tabela 65‑2). Esse aumento das infecções é associado a excessivas morbidade e mortalidade (ver Cap. 65, Tabela 65‑1) e está diretamente relacionado ao aumento da população sujeita a risco de desenvolver infecções fúngicas graves. Os grupos de alto risco incluem indivíduos submetidos à transfusão de sangue, transplante de medula e sangue (BMT, do inglês, blood and marrow transplantation), transplante de órgãos sólidos e cirurgias de grande porte (especialmente cirurgia do trato gastrointestinal [GI]); também portadores da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e de doença neoplásica, pacientes sob terapia imunossupressiva, idosos e crianças nascidas prematuramente (Tabela 73‑1). Os agentes mais conhecidos de micoses oportunistas são Candida albicans, Cryptococcus neoformans e Aspergillus fumigatus (Quadro 73‑1). Estima‑se que a incidência anual de micoses invasivas causadas por esses patógenos seja de 72 a 290 infecções por milhão de pessoas para Candida, 30 a 66 por milhão para C. neoformans e de 12 a 34 por milhão para Aspergillus (ver Cap. 65, Tabela 65‑2). Além desses agentes, é de importância cada vez maior a lista de “outros” fungos oportunistas que cresce a cada dia (Quadro 73‑1). Esses novos e emergentes patógenos fúngicos incluem espécies de Candida e Aspergillus diferentes de C. albicans e A. fumigatus; outros fungos leveduriformes oportunistas, como Trichosporon spp., Malassezia spp., Rhodotorula spp. e Blastoschizomyces capitatus; zigomicetos (ordem Mucorales), fungos filamentosos hialinos, como Fusarium, Acremonium, Scedosporium, Scopulariopsis, Paecilomyces e espécies de Trichoderma, além de uma grande variedade de fungos dematiáceos (Quadro 73‑1). As infecções causadas por esses organismos variam desde fungemia relacionada a cateteres e peritonite, a infecções mais localizadas envolvendo pulmões, pele, seios paranasais e até sepse fúngica. Muitos desses fungos foram considerados não patogênicos e agora são agentes reconhecidos de micoses invasivas em pacientes comprometidos. Estimativas de incidências anuais de micoses menos comuns eram praticamente inexistentes; entretanto, dados de uma pesquisa com base na população e conduzida pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA indicam que, anualmente, a mucormicose (zigomicose) ocorre a uma taxa de 1,7 para cada milhão de pessoas por ano, hialo‑hifomicose (Fusarium, Acremonium etc.) a uma taxa de 1,2 por milhão de pessoas, e feo‑hifomicose (fungos filamentosos dematiáceos) a uma taxa de 1,0 infecção por milhão de pessoas (ver Capítulo 65, Tabela 65‑1). Quadr o 7 3 1 Agen te s de Micoses Opor tun i s t a s * Candida spp. C. albicans C. glabrata C. parapsilosis C. tropicalis C. krusei C. lusitaniae C. guilliermondii C. dubliniensis C. rugosa Cryptococcus neoformans e Outros Fungos Leveduriformes Oportunistas C. neoformans/ga�ii Malassezia spp. Trichosporon spp. Rhodotorula spp. Blastoschizomyces capitatus Aspergillus spp. A. fumigatus A. flavus A. niger A. versicolor A. terreus Mucormicetos Rhizopus. spp. Mucor spp. Rhizomucor spp. Lichtheimia corymbifera Cunninghamella spp. Outros Fungos Filamentosos Hialinos Fusarium spp. Acremonium spp. Scedosporium spp. Paecilomycess pp. Trichoderma spp. Scopulariopsis spp. Fungos Filamentosos Dematiáceos Alternaria spp. Bipolaris spp. Cladophialophora spp. Curvularia spp. Exophiala spp. Exserohilum spp. Wangiellaspp. Pneumocystis jirovecii *Esta lista não inclui todos os agentes de micoses oportunistas. Tabela 731 Fatores de Predisposição para Micoses Oportunistas Fator Possível Papel na Infecção Principais Patógenos Oportunistas Antimicrobianos (número e duração) Promove colonização fúngica Fornece acesso intravascular Candida spp., outros fungos leveduriformes Corticosteroide adrenal Imunossupressão Cryptococcus neoformans, Aspergillus spp., Mucormicetos e outros fungos filamentosos, pneumocistos Quimioterapia Imunossupressão Candida spp., Aspergillus spp., pneumocistos Processos malignos hematológicos e de órgãos sólidos Imunossupressão Candida spp., Aspergillus spp., Mucormicetos, outros fungos filamentosos e leveduriformes, pneumocistos Colonização prévia Translocação através da mucosa Candida spp. Cateter de demora (venoso central, transdutor de pressão, de Swann‑ Ganz) Acesso vascular direto Produto contaminado Candida spp., outros fungos leveduriformes Nutrição parenteral total Acesso vascular direto Contaminação de solução Candida spp., Malassezia spp., outros fungos leveduriformes Neutropenia (leucócitos < 500/mm3) Imunossupressão Aspergillus spp., Candida spp., outros fungos filamentosos e leveduriformes Cirurgia extensa ou queimaduras Via de infecção Acesso vascular direto Candida spp., Fusarium spp., Mucormicetos Ventilação mecânica Via de infecção Candida spp., Aspergillus spp. Hospitalização ou permanência em unidade de terapia intensiva Exposição a patógenos Exposição a fatores de risco adicionais Candida spp., outros fungos leveduriformes, Aspergillus spp. Hemodiálise, diálise peritoneal Via de infecção Imunossupressão Candida spp., Rhodotorula spp., outros fungos leveduriformes Desnutrição Imunossupressão Pneumocystis, Candida spp., Cryptococcus neoformans Infecção por HIV/AIDS Imunossupressão Cryptococcus neoformans, Pneumocystis, Candida spp., Extremos de idade Imunossupressão Numerosas comorbidades Candida spp. AIDS, Síndrome da imunodeficiência adquirida; HIV, vírus da imunodeficiência humana. Devido à complexidade dos pacientes em alto risco de contrair infecção e à variedade de patógenos fúngicos, as micoses oportunistas representam um desafio diagnóstico e terapêutico considerável. O diagnóstico depende de uma suspeita clínica altamente significativa (é preciso pensar: esta doença é causada por fungo) e da obtenção de material apropriado para cultura e histopatologia. O isolamento e a identificação de organismos infectantes são muito importantes no tratamento de infecções causadas por fungos oportunistas menos comuns. Alguns desses microrganismos não são sensíveisà terapia padrão com azóis, equinocandinas e derivados poliênicos (Cap. 69); pode ser necessário o uso de outros antifúngicos para complementar o tratamento cirúrgico e o restabelecimento das defesas do hospedeiro. Candidíase Está comprovado que as espécies de Candida constituem o mais importante grupo de patógenos fúngicos oportunistas. Candida spp. são a terceira causa mais comum para infecções sanguíneas (BSI, do inglês, bloodstream infections), excetuando‑ ‑se aquelas causadas por qualquer patógeno Gram‑negativo individual (Tabela 73‑2, Caso Clínico 73‑1). A partir de 1980 a frequência de BSI por Candida vem aumentando regularmente em todos os hospitais e em todas as faixas etárias (ver Cap. 65, Tabela 65‑2) Caso c l ín ic o 7 3 1 Cand idemia Posteraro e associados (J Clin Microbiol 44:3046‑3047, 2006) descreveram um caso de fungemia recorrente em uma mulher de 35 anos. A paciente foi atendida durante a 5a semana de gestação após uma inseminação intrauterina. Ela apresentava febre, taquicardia e hipotensão. A contagem de leucócitos era de 23.500/μL com 78% de neutrófilos. Ocorreu um aborto espontâneo. Uma corioamnionite grave foi diagnosticada; culturas foram realizadas a partir de swab vaginal, amostras de placenta, tecido fetal e sangue. A paciente foi tratada com agentes antibacterianos de amplo espectro. Após 5 dias, não houve melhora clínica. A levedura Candida glabrata cresceu nas culturas de sangue e de amostra da placenta, sendo também isolada da cultura de material vaginal da paciente. A concentração inibitória mínima (CIM) de fluconazol (antifungigrama) indicou que o organismo era suscetível, e a paciente foi tratada com este antifúngico. Quatro semanas depois ela apresentou completa resolução dos sintomas e a erradicação do fungo de sua corrente sanguínea. O tratamento com antifúngico foi suspenso, a paciente recebeu alta e foi para casa, onde esteve bem. Seis meses depois, foi internada novamente com febre, calafrios e fadiga. A contagem de leucócitos estava alta, com 21.500/μL e 73% de neutrófilos. Após consecutivas hemoculturas, houve resultado positivo para C. glabrata, que também foi encontrada em culturas de fluido vaginal. Todos os isolados encontrados eram resistentes ao fluconazol. Com base nesses achados, a paciente foi tratada com anfotericina B, apresentando melhora em 1 semana. Após 1 mês de tratamento com anfotericina B, os resultados das hemoculturas foram negativos e ela recebeu alta do hospital. Três anos depois, a paciente ainda estava livre de qualquer sinal da doença. Este é um caso incomum, em que a paciente não era imunossuprimida e apresentou candidemia recorrente por C. glabrata. O uso de fluconazol no início da terapia, apesar de parecer eficaz, induziu uma maior expressão de bombas de efluxo de drogas no organismo, permitindo que novos isolados se tornassem resistentes ao fluconazol e a outros azóis. Tabela 732 Infecções Nocosomiais Hematogênicas: Patógenos Associados Comumente Envolvidos – National Healthcare Safety Network, 2006 2007 Classificação Patógenos % de Isolados* 1 Staphylococcus coagulase‑negativo 34,4 2 Enterococcus spp. 16,0 3 Candida spp. 11,8 4 Staphylococcus aureus 9,9 5 Klebsiella pneumoniae 4,9 6 Enterobacter spp. 3,9 7 Pseudomonas aeruginosa 3,1 8 Escherichia coli 2,7 9 Acinetobacter baumannii 2,2 10 Klebsiella oxytoca 0,9 *Porcentagem sobre um total de 11.428 infecções. Dados de Hidron AI. et al: Antimicrobialresistant pathogens associated with healthcareassociated infections annual summary of data reported to the National Healthcare Safety Network at the Centers for Disease Control and Prevention, 20062007, Infect Control Hosp Epidemiol 29:9961011, 2008. Embora mais de 100 espécies de Candida tenham sido descritas, poucas foram implicadas em infecções clínicas (Quadro 73‑1). C. albicans é a espécie mais comumente isolada a partir de material clínico, e responde geralmente por 90% a 100% dos isolados provenientes de mucosas e por 40% a 70% dos isolados oriundos de BSI, dependendo do serviço clínico e da doença predisponente do paciente (Tabela 73‑3). Aproximadamente 95% das BSI por Candida são causadas por quatro espécies: C. albicans, C. glabrata, C. parapsilosis e C. tropicalis (Tabela 73‑3). Entre estas espécies, apenas C. glabrata pode ser considerada verdadeiramente um “patógeno emergente” causador de BSI, em parte devido à sua resistência adquirida e intrínseca aos azóis e antifúngicos geralmente utilizados. Os 5% restantes de BSI por Candida englobam 12 a 14 espécies, incluindo C. krusei, C. lusitaniae, C. dubliniensis e C. rugosa, entre outras (Quadro 73‑1). Embora estas sejam espécies “raramente” envolvidas na etiologia das candidíases, muitas têm sido observadas em grupamentos nosocomiais e/ou apresentaram resistência inata ou adquirida a um ou mais agentes antifúngicos estabelecidos. Tabela 733 Distribuição de Espécies de Candida Isoladas de Amostras de Sangue (Infecção Sistêmica) por Serviço Clínico nos Estados Unidos* % de Isolados por Espécies e Serviço Clínico (Nº. Testado) Espécies MEDG (1.339) HEME (197) TCT (58) UTIN (26) TOS (166) TS (351) CIRURG (662) HIV/AIDS (41) T OTAL (2.019) C. albicans 46,3 27,9 22,4 69,2 39,2 47,6 47,9 43,9 45,6 C. glabrata 26,6 25,9 32,8 0,0 38,6 26,8 24,0 29,3 26,0 C. parapsilosis 15,7 11,7 15,5 26,9 12,0 12,8 17,7 9,8 15,7 C. tropicalis 7,5 17,3 8,6 0,0 6,0 7,4 7,3 7,3 8,1 C. krusei 1,9 13,7 15,5 0,0 1,8 2,6 1,4 4,9 2,5 Outras† 2,0 4,0 5,2 3,9 2,4 2,8 1,7 4,8 2,1 MEDG, Medicina geral; HEME, processos malignos hematogênicos; HIV/AIDS, vírus da imunodeficiência humana/síndrome da imunodeficiência adquirida; UTIN, unidade de tratamento intensivo neonatal; TCT, transplante de célulastronco; TOS, transplante de órgãos sólidos; TS, tumor sólido; CIRURG, cirúrgico (não transplante). *Dados reunidos a partir de Horn DL, et al; Clinical characteristics of 2,019 patients with candidemia: dados obtidos de PATH Alliance Registry, Clin Infect Dis 48:1695 – 1703, 2009. †Outras: 17 casos de C. lusitaniae, cinco de C. guilliermondii, sete de C. dubliniensis, 11 outros e três isolados de Candida spp. desconhecidas. Morfologia Todas as espécies de Candida apresentam‑se sob a forma de células leveduriformes ovais (3 a 5 μm), que produzem brotamentos ou blastoconídios. As espécies de Candida, exceto C. glabrata, produzem hifas verdadeiras e pseudo‑hifas (Fig. 73‑1; ver também Cap. 65, Fig. 65‑2A e Cap. 68, Fig. 68‑1). Além disso, C. albicans forma tubos germinativos (Cap. 65, Fig. 65‑2) e clamidoconídios terminais de paredes espessas (Fig. 73‑ 2). C. glabrata, a segunda espécie mais comum de Candida em muitos ambientes, é incapaz de formar pseudo‑ hifas, hifas verdadeiras ou tubos germinativos. Em cortes histológicos, Candida spp. são fracamente coradas com hematoxilina e eosina (H&E) e coram‑se melhor com ácido periódico de Schiff (PAS), prata metenamina de Gomori (GMS) e a coloração de Gridley para fungos. FIGURA 731 Blastoconídios e pseudohifas de Candida tropicalis. (Coloração de Gram, 1.000 ×.) FIGURA 732 Micromorfologia de Candida albicans em ágarfubá mostrando clamidoconídios largos (seta preta), blastoconídios (seta vermelha), hifas e pseudohifas. Em cultura, Candida spp. formam colônias brancas, lisas e convexas. C. albicans e outras espécies podem também sofrer alterações de fenótipo, em que uma única cepa de Candida pode se alterar de forma reversível entre diversos tipos morfológicos, desde as típicas colônias brancas e lisas compostas predominantemente de células leveduriformes e em brotamento, até colônias muito “felpudas” ou “cabeludas” compostas principalmente por hifas ou pseudo‑ ‑hifas. A frequênciado fenômeno da alteração fenotípica é muito alta para resultar de mutações genéticas, e muito baixa para ser atribuída à conversão de massa, por meio da qual todas as células da população mudam seu fenótipo em resposta a sinais provenientes do ambiente. É possível que essa conversão funcione como um sistema mestre na C. albicans, e em outras espécies, como uma forma das células responderem de modo individual e rapidamente às mudanças do microambiente local. Já foi defendido que a alteração de fenótipo explicaria a capacidade da C. albicans de sobreviver em diferentes micronichos ambientais no hospedeiro humano. Epidemiologia Sabe‑se que Candida spp. colonizam humanos e outros animais de sangue quente. Como tais, são encontradas no homem e na natureza em todo o mundo. O primeiro sítio de colonização é o trato GI, que vai da boca até o reto. Elas também podem ser comensais na vagina e na uretra, na pele e sob as unhas das mãos e dos pés. C. albicans, o agente etiológico mais comum da candidíase humana, além de ser encontrada em humanos e animais, já foi isolada do ar, da água e do solo. Estima‑se que em cerca de 25% a 50% das pessoas sadias a Candida faça parte da microbiota natural da cavidade oral, sendo 70% a 80% dos isolados constituídos por C. albicans. Estas taxas aumentam significativamente em pacientes hospitalizados, portadores de infecção pelo HIV, usuários de próteses dentárias, diabéticos, pacientes sob quimioterapia antineoplásica, pacientes sob terapia com antibióticos e crianças. Realmente, qualquer ser humano pode ser portador de uma ou mais espécies de Candida em seu trato GI, e os níveis da colonização podem aumentar até serem detectáveis como doenças ou levar a circunstâncias em que os mecanismos de defesa microbiana do hospedeiro sejam comprometidos. A principal fonte de infecção por Candida spp., desde a doença da mucosa superficial ou cutânea até a disseminação hematogênica, é o próprio paciente. Por isso, a maioria das candidíases representa uma infecção endógena, na qual a microbiota normalmente comensal do hospedeiro se aproveita da “oportunidade” para causar a infecção. Para tal, deve ocorrer um enfraquecimento da barreira contra Candida do hospedeiro. Nos casos de BSI por Candida, a transferência do microrganismo da mucosa do trato GI para a corrente sanguínea requer um crescimento exacerbado e prévio no número de leveduras no seu habitat comensal, em conjunto com uma brecha na integridade da mucosa gastrointestinal. A transmissão exógena de Candida também pode ser responsável por grande parte de certos tipos de candidíase. Exemplos incluem o uso de soluções contaminadas, nutrição parenteral, transdutores de pressão vascular, válvulas cardíacas e córneas. A transmissão de Candida spp. de profissionais da área de saúde para pacientes e de paciente para paciente foi muito bem documentada, especialmente no ambiente das unidades de terapia intensiva. As mãos desses profissionais são potenciais reservatórios para a transmissão nosocomial de Candida spp. Entre as muitas espécies de Candida que podem acometer o homem (Quadro 73‑1 e Tabela 73‑3), C. albicans é o agente mais comum nas várias formas clínicas dessa infecção. As infecções nas áreas genital, cutânea e oral quase sempre envolvem C. albicans. Muitas cepas de Candida spp. podem causar BSI e outras formas invasivas de candidíase, e embora geralmente C. albicans predomine (Tabela 73‑3), a frequência com que esta e outras espécies de Candida são isoladas do sangue varia consideravelmente, de acordo com o serviço clínico (Tabela 73‑3), a idade do paciente (Fig. 73‑3), e o ambiente local, regional ou global (Tabela 73‑4). Enquanto C. albicans e C. parapsilosis predominam como agentes de BSI entre lactentes e crianças, em idosos a infecção por estas espécies diminui, havendo um aumento proeminente de infecção por C. glabrata nestes pacientes (Fig. 73‑3). Da mesma maneira, embora na América do Norte C. glabrata seja a segunda espécie mais comumente envolvida em BSI, sua frequência é mais baixa na América Latina, onde C. parapsilosis e C. tropicalis são mais comuns (Tabela 73‑4). As diferenças nos números e tipos de espécies de Candida na etiologia das infecções podem ser influenciadas por muitos fatores, como idade do paciente, imunossupressão aumentada, exposição a drogas antifúngicas ou diferenças nas técnicas de controle de infecções. Cada um desses fatores, isoladamente ou combinados, podem afetar a prevalência de diferentes Candida spp. em cada instituição. Por exemplo, o uso de azóis (p. ex., fluconazol) para profilaxia antifúngica em pacientes com tumores malignos e receptores de transplante de células‑tronco pode aumentar a probabilidade de infecções causadas por C. glabrata e C. krusei, duas espécies com sensibilidade reduzida a essa classe de antifúngicos (Tabela 73‑3). Da mesma maneira, falhas na vigilância sanitária quanto a precauções no controle das infecções e no cuidado apropriado de cateteres vasculares podem levar a mais infecções por C. parapsilosis, a principal espécie isolada das mãos de profissionais de saúde e causa frequente de fungemia relacionada a cateter. Tabela 734 Distribuição de Espécies de Candida Envolvidas em Infecção Sistêmica por Região Geográfica Região Nº de Isolados % de Isolados por Espécie CA CG CP CT CK Ásia‑Pacífico 1.064 49,1 12,1 13,8 17,3 2,5 Europa 2.151 58,5 14,8 9,8 8,5 4,7 América Latina 1.348 46,0 6,8 18,5 18,5 4,5 América do Norte 2.116 51,8 20,3 14,4 8,5 1,9 Total 7.191 52,7 14,2 13,9 11,8 3,3 CA, C. albicans; CG, C. glabrata; CK, C. krusei; CP, C. parapsilosis; CT, C. tropicalis. Modificada de Diekema DJ, et al: A global evaluation of voriconazol activity tested against recent clinical isolates of Candida spp. Diagn Microbiol Infect Dis. 63:233 236, 2009. FIGURA 733 Porcentagem de todas as candidemias causadas pelas espécies selecionadas de Candida em cada faixa etária. Dados de Emerging Infections and Epidemiology of lowa Organisms Survey, de 1998 a 2001. (Dados de Pfaller MA, Diekema DJ: Epidemiology of invasive candidiasis: a persistent public health problem, Clin Microbiol Rev 20:133, 2007.) As consequências da fungemia por Candida em pacientes hospitalizados são graves. Estes se expõem a um risco de morte duas vezes maior no hospital que aqueles com BSI não causadas por Candida. Entre todos os pacientes com BSI nosocomial (adquirida no hospital), a candidemia foi considerada um prognóstico independente de morte em hospitais. A natureza grave das doenças apresentadas por muitos desses pacientes compromete as estimativas de mortalidade, mas estudos de comparação com coortes confirmam que a mortalidade atribuída diretamente à infecção fúngica é alta (Tabela 73‑5). Notadamente, a mortalidade não diminuiu desde meados de 1980 até os dias atuais, apesar da introdução de novos agentes antifúngicos com boa atividade contra muitas espécies de Candida. Tabela 735 Excesso de Mortalidade Atribuída a Infecções Nosocomiais por Candida e Aspergillus Tipo da Taxa de Mortalidade Percentual de Mortalidade Candida * Aspergillus † 1988 2001 1991 Taxa bruta de mortalidade Casos 57 61 95 Controles 19 12 10 Mortalidade atribuível 38 49 85 *Pacientes com candidemia. Dados de Wey SB et al: Hospitalacqured candidemia: attributable mortality and excess length of stay, Arch Intern Med 148:26422645, 1998; e Gudlagson O, et al: Attributable mortality of nosocomial candidemia, revisited, Clin Infect Dis 37:11721177, 2003. †Pacientes submetidos a transplante de medula com aspergilose pulmonar invasiva. Dados de Pannuti CS, et al: Nosocomial pneumonia in adult patients undergoing bone marrow transplantation: a 9year study, J Clin Oncol 9:1, 1991. Sabe‑se mais sobre a epidemiologia da candidemia nosocomial quesobre qualquer outra infecção fúngica. O acúmulo de evidências permite propor uma visão geral sobre este tipo de infecção (Fig. 73‑4). Certos indivíduos hospitalizados estão claramente sob maior risco de contrair candidemia durante a hospitalização devido ao comprometimento de suas condições: pacientes com tumores malignos e/ou neutropenia, aqueles submetidos à cirurgia do trato GI, bebês prematuros e idosos acima de 70 anos (Tabela 73‑1 e Fig. 73‑4). Comparados aos indivíduos controlados sem os riscos, fatores ou exposições específicos, a probabilidade desses pacientes já com alto risco de contraírem candidemia no hospital é aproximadamente duas vezes maior para cada classe de antibiótico recebido, sete vezes maior caso eles tenham um cateter central, 10 vezes maior se forem encontradas colônias de Candida em outros sítios anatômicos e 18 vezes maior se o paciente tiver sido submetido a uma hemodiálise aguda. A hospitalização na unidade de terapia intensiva proporciona uma oportunidade para a transmissão de Candida entre os pacientes e já demonstrou ser um fator de risco adicional independente. FIGURA 734 Visão global da candidemia nosocomial. BSI, Infecção sistêmica (do inglês, blood stream infection); GI, gastrointestinal; UTI, unidade de tratamento intensivo. (Modificada de Lockhart SR, et al: The epidemiology of fungal infections. In Anaissie EJ, McGinnis MR, Pfaller MA, ed.2: Clinical micology, ed. 2, New York, 2009, Churchill Livingstone.) Os dados epidemiológicos disponíveis indicam que entre cinco e 10 de cada 1.000 pacientes de alto risco expostos aos fatores de risco citados anteriormente contrairão BSI causada por Candida spp. (8% e 10% de todas as BSI nosocomiais; Tabela 73‑2). Aproximadamente 49% desses pacientes evoluem para óbito devido à infecção e 12% pela doença primária; 39% sobrevivem à hospitalização (Fig. 73‑4). Esse quadro não sofreu alterações, e pode estar ainda pior em relação ao ocorrido em meados de 1980. O resultado para quase metade dos pacientes com candidemia poderia ter melhorado a partir de meios mais eficazes de prevenção, diagnóstico e terapia. Nitidamente, o mais desejável é a prevenção, que pode ter mais sucesso por meio de um controle rigoroso da exposição aos fatores de risco especialmente no uso de antibióticos de amplo espectro, aperfeiçoamento dos cuidados no uso de cateteres e cumprimento das práticas do controle de infecções. Síndromes Clínicas No ambiente certo, Candida spp. podem causar infecções clinicamente evidentes praticamente em qualquer sistema orgânico (Tabela 73‑6). As infecções variam desde o acometimento superficial mucocutâneo até uma ampla disseminação envolvendo órgãos‑alvo, como fígado, baço, rins, coração e cérebro. Neste último caso, a mortalidade diretamente atribuível ao processo infeccioso chega a 50% (Tabela 73‑3 e Fig. 73‑4). Tabela 736 Infecções Causadas por Candida e Fatores Predisponentes Relacionados Tipo de Doença Fatores Predisponentes Infecção orofaríngea Extremos etários Uso de próteses dentárias Diabetes melito Uso de antibióticos Radioterapia para câncer de cabeça e pescoço Esteroides inalados e sistêmicos Quimioterapia citotóxica Infecção por HIV Processos malignos hematogênicos Transplante de órgãos sólidos ou de medula Esofagite Corticosteroides sistêmicos AIDS Câncer Transplante de órgãos sólidos ou de células‑tronco Infecção vulvovaginal Contraceptivos orais Gravidez Diabetes melito Corticosteroides sistêmicos Infecção por HIV Uso de antibióticos Infecções da pele e das unhas Umidade e oclusão Locais Imersão das mãos em água Doença vascular periférica Candidíase crônica mucocutânea Defeitos de linfócitos T Infecção do trato urinário Cateter urinário Obstrução urinária Procedimentos urinários Diabetes melito Pneumonia Aspiração Endocardite Cirurgia de grande porte Doença valvular preexistente Próteses valvulares Uso de drogas intravenosas Uso de cateter central por longo tempo Pericardite Cirurgia torácica Imunossupressão Infecção do SNC Cirurgia do SNC Desvio ventriculoperitoneal Cirurgia ocular Infecção ocular Trauma Cirurgia Infecções dos ossos e articulações Trauma Injeções intra‑articulares Pé diabético Infecção abdominal Perfuração Cirurgia abdominal Fístulas Pancreatite Diálise peritoneal contínua ambulatorial Infecção hematogênica Transplante de órgãos sólidos Colonização Uso prolongado de antibióticos Cirurgia abdominal Apoio de tratamento intensivo Nutrição parenteral total Hemodiálise Imunossupressão Extremos de idade Transplante de células‑tronco AIDS, Síndrome da imunodeficiência adquirida; SNC, sistema nervoso central; HIV, vírus da imunodeficiência humana. Modificada de Dignami MC, Solomkin, Anaissie EJ: Candida. In Anassie EJ, McGinnis MR, Pfaller MA, editors: Clinical mycology, New York, 2003, Churchill. Livingstone. Infecções da mucosa por Candida spp. (conhecidas como “sapinho”) podem se limitar à orofaringe ou se estender por todo o trato GI. Nas mulheres, a mucosa vaginal é também um local comum de candidíase. Essas infecções geralmente são observadas em pessoas com imunossupressão local ou generalizada ou nos ambientes que favorecem o crescimento exagerado da Candida (Tabela 73‑6). Neste tipo de infecção é comum aparecerem manchas brancas semelhantes a “queijo co�age” na superfície da mucosa. Outras apresentações incluem o tipo pseudomembranoso, no qual a mucosa sangra quando é raspada; o tipo eritematoso, representado por áreas planas, vermelhas e ocasionalmente doloridas; a leucoplasia por Candida, que é o espessamento esbranquiçado e irremovível do epitélio, causada por Candida spp.; e a quelite angular, fissuras dolorosas localizadas nos cantos da boca. Candida spp. pode causar infecção localizada nas dobras cutâneas onde a pele é ocluída e úmida (p. ex., região inguinal, axilas, espaços entre os pododáctilos e dobras da mama). Essas infecções se apresentam como erupções vesiculopustulares, eritematosas e pruriginosas. Quadros de onicomicose e paroníquia podem ocorrer num ambiente de microbiota mista, incluindo Candida. As espécies mais envolvidas são C. albicans, C. parapsilosis e C. guilliermondii. Lesões cutâneas também podem aparecer durante o curso de uma disseminação hematogênica. Essas lesões são de extrema importância para o diagnóstico, pois a biópsia das mesmas pode levar ao isolamento do agente, permitindo o diagnóstico etiológico de um processo sistêmico. A candidíase mucocutânea crônica é um quadro raro provocado por deficiência na capacidade de resposta dos linfócitos T às Candida spp. Esses pacientes sofrem de graves e irreversíveis lesões mucocutâneas causadas por Candida, que incluem o envolvimento das unhas e vaginite. São lesões granulomatosas que podem se tornar significativamente extensas, chegando a desfigurar o paciente. O envolvimento do trato urinário por Candida spp. pode se caracterizar pela colonização assintomática da bexiga até abscessos renais devido à disseminação hematogênica. A colonização da bexiga por Candida spp. nem sempre é notada, a menos que o paciente precise de um cateter de longa permanência, seja diabético, sofra de obstrução urinária ou tenha passado por procedimentos urinários anteriores. A colonização benigna da bexiga é mais comum nesses quadros, mas podem ocorrer quadros de uretrite ou cistite. O acometimento renal, proveniente de disseminação hematogênica, pode resultar em abscesso renal, necrose papilar ou em “bola fúngica”, na uretra ou na pelve renal. A peritonite por Candida pode ser vista em casos de diálise peritoneal crônica ambulatorial ou após cirurgia do trato GI, vazamento anastomótico ou perfuração do intestino. Essas infecções podem permanecer localizadas no abdome, afetar órgãosadjacentes ou levar à candidemia. A candidíase sistêmica pode ser aguda ou crônica, resultando geralmente em colonização de tecidos profundos, como vísceras abdominais, coração, olhos, ossos e articulações e o cérebro. A candidíase hepatoesplênica crônica pode ocorrer após fungemia oculta ou clinicamente perceptível, e se apresenta como um processo indolente marcado por febre, níveis elevados de fosfatase alcalina e lesões múltiplas no fígado e no baço. A candidíase no sistema nervoso central (SNC) pode ocorrer como resultado da doença hematogênica ou estar associada a procedimentos neurocirúrgicos ou desvio ventriculoperitoneal. Clinicamente, esse processo pode simular uma meningite bacteriana, ou apresentar curso indolente ou crônico. Os processos cardíacos envolvendo Candida spp. resultam, em sua maioria, da colonização de prótese ou válvula cardíaca danificada, do miocárdio ou do espaço pericárdico. A literatura relata casos de implantação de válvulas contaminadas com C. parapsilosis. A apresentação clínica lembra a endocardite bacteriana, com febre e alteração do murmúrio cardíaco. As vegetações são classicamente grandes e friáveis, e as embolias são mais comuns em endocardite causada por Candida spp. do que nas endocardites bacterianas. O envolvimento ocular é frequente em pacientes com candidíase hematogênica, que desenvolvem quadros de coriorretinite e endoftalmite. Por essa razão, todos os pacientes com risco de candidemia devem passar por cuidadosos e frequentes exames oftalmológicos. Também pode ocorrer ceratite traumática. Infecções nos ossos e articulações causadas por Candida spp. são quase sempre sequelas de candidemia. Frequentemente, essas infecções aparecem vários meses após o tratamento bem‑sucedido da candidíase sistêmica. Similarmente, a candidemia oculta ou “transitória” pode resultar na colonização de um foco ósseo que mais tarde se torna clinicamente aparente. A osteomielite vertebral é comum, com dor local e febre baixa. Embora a candidiase hematogênica seja, com mais frequência, uma infecção endógena oriunda dos tratos gastrointestinal ou geniturinário, ela também pode resultar do uso de cateteres contaminados. Os microrganismos transferidos para o lúmen do cateter podem formar um biofilme em seu interior e, em seguida, disseminar‑se na circulação. Embora essas infecções não sejam menos graves do que aquelas provenientes de uma fonte endógena, elas podem ser tratadas com um pouco mais de sucesso, já que a remoção do cateter retira essencialmente o foco da infecção. Naturalmente, se a contaminação do cateter resultou na colonização de órgãos distantes, as consequências e os problemas no tratamento da infecção serão os mesmos que aqueles advindos de infecções oriundas de fontes endógenas. Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico laboratorial da candidíase envolve a obtenção de material clínico apropriado, submetido ao exame microscópico direto e cultura (Cap. 68). Raspados de lesões cutâneas ou da mucosa podem ser examinados diretamente após tratamento com hidróxido de potássio (KOH) a 10% ou 20%, contendo calcoflúor branco. As leveduras em brotamento e as pseudo‑hifas são facilmente identificáveis no exame com microscópio de fluorescência (ver Fig. 68‑1). A cultura em meio micológico padrão permitirá o isolamento do microrganismo para subsequente identificação quanto à espécie. Além disso, essas amostras são semeadas diretamente em meio cromogênico seletivo, como CHROMagar Candida; este meio permite a detecção de espécies mistas de Candida dentro da mesma amostra e a rápida identificação de C. albicans (colônias verdes) e C. tropicalis (colônias azuis) baseando‑se em sua aparência morfológica (Fig. 73‑5). FIGURA 735 Diferenciação das espécies de Candida através do cultivo em CHROMagar Candida. As colônias verdes são Candida albicans, as azulacinzentadas são C. tropicalis e as colônias largas, rugosas e de cor rosapálida são C. krusei. As colônias lisas, róseas ou cor de malva são outras espécies de levedura (somente C. albicans, C. tropicalis e C. krusei podem ser reconhecidas de modo confiável nesse meio; outras espécies apresentam colônias com cor variando entre branco, rosa e cor de malva. (De Anaissie EJ, McGinnis MR, Pfaller MA, editores: Clinical Micology, ed 2, New York, 2009, Churchill Livingstone.) Todos os outros tipos de infecção exigem cultura para diagnóstico, a menos que possam ser obtidas amostras de tecido para exame histopatológico (ver Cap. 68). Sempre que possível, lesões de pele devem ser biopsiadas e cortes histológicos devem ser corados com GSM ou outra coloração específica para fungo. A visualização das leveduras em brotamento ou das pseudo‑hifas é o suficiente para o diagnóstico da candidíase. (Fig. 73‑6). Culturas de sangue, tecidos e de fluidos corporais estéreis também devem ser realizadas. A identificação dos isolados de Candida em nível de espécie é fundamental, devido às diferenças na resposta aos diferentes agentes antifúngicos (Cap. 69). Isso pode ser feito como descrito no Capítulo 68, com o teste de tubo germinativo (C. albicans), por vários meios e testes cromogênicos (Fig. 73‑5), por hibridização fluorescente in situ (PNA‑FISH), e por meio dos painéis de assimilação de açúcar disponíveis no mercado. FIGURA 736 Candida corada com prata metenamina de Gomori (GMS) demonstrando blastoconídios e pseudohifas (1.000 × ). Os marcadores imunológicos, bioquímicos e moleculares estão descritos no Capítulo 68. Infelizmente, esses métodos ainda não estão disponíveis para o diagnóstico clínico de rotina. Tratamento, Prevenção e Controle Existem diversas opções de tratamento para a candidíase (ver Cap. 69). Infecções da mucosa ou cutâneas podem ser tratadas com medicamentos tópicos diversos, sob a forma de cremes, loções, pomadas e supositórios contendo vários agentes antifúngicos à base de azóis (ver Tabela 69‑1). A terapia sistêmica oral dessas infecções pode ser realizada tanto com fluconazol quanto com itraconazol. A colonização da bexiga ou cistite pode ser tratada com instilação direta de anfotericina B (lavagem de bexiga) ou por administração oral de fluconazol. No entanto, ambos os tratamentos serão ineficientes se o cateter da bexiga não puder ser removido. Infecções mais profundas exigem terapia sistêmica, e a escolha do tipo de terapia depende do tipo de infecção, da espécie e do estado geral do hospedeiro. Em muitas situações, fluconazol por via oral pode ser extremamente eficiente para o tratamento da candidíase. Pode ser usado nas peritonites, assim como em terapia de longa duração de doença invasiva após um curso terapêutico inicialmente venoso. O fluconazol é eficaz quando administrado por via venosa para o tratamento da candidíase em pacientes não neutropênicos. Pacientes que contraem candidemia enquanto sob profilaxia com fluconazol ou aqueles com infecção causada por C. krusei ou C. glabrata resistente ao fluconazol podem ser tratados com anfotericina B (convencional ou formulação lipídica) ou com uma equinocandina (anidulafungina, caspofungina ou micafungina). Sendo assim, quando C. glabrata e C. krusei são possíveis agentes etiológicos (p. ex., na terapia/profilaxia com fluconazol ou uma situação endêmica), a terapia inicial com anfotericina B ou equinocandina é recomendada, com troca para fluconazol (menos tóxico que a anfotericina B, mais barato, e disponível em via oral, ao contrário da equinocandina), com base na identificação da espécie e nos resultados dos testes de sensibilidade. Em todos os casos, deve‑se priorizar a remoção do foco da infecção, se possível. Por isso, os cateteresvasculares devem ser removidos ou trocados, os abscessos devem ser drenados e qualquer outro material potencialmente infectado deve ser removido até a maior extensão possível. Dessa maneira, deve‑se cuidar da reconstituição do sistema imunológico do paciente. Como na maioria das doenças infecciosas, a prevenção é preferível em relação ao tratamento de candidíase estabelecida. Para isso, é obrigatório evitar o uso de agentes antimicrobianos de amplo espectro, manipular cuidadosamente os cateteres e seguir rigorosamente as regras de controle de infecções. A diminuição da colonização fornecida pela profilaxia com fluconazol mostrou‑se eficaz quando aplicada em grupos de alto risco específicos, como os de pacientes receptores de BTM e de transplante fígado. Essa profilaxia apresenta o risco de selecionar, ou até criar, cepas ou espécies resistentes ao agente ministrado. De fato é o que ocorreu em certas instituições com C. glabrata e C. krusei, patógenos emergentes resistentes ao fluconazol, mas o benefício geral em grupos de pacientes de alto risco é compensatório. A profilaxia antifúngica, entretanto, é problemática e não deve ser aplicada a outros grupos sem que seja realizado cuidadoso estudo, avaliando riscos e benefícios, a fim de identificar os pacientes que provavelmente serão beneficiados por este tipo de conduta terapêutica. Micoses oportunistas causadas por Criptococcus neoformans e outras leveduras não candida Além das espécies de Candida, capazes de tirar proveito de condições imunossupressoras e dos danos produzidos por aparelhos invasivos e pelo uso de antibióticos de amplo espectro, há alguns fungos leveduriformes não Candida que encontram uma “oportunidade” de colonizar e infectar pacientes imunossuprimidos. Esses organismos podem ocupar nichos ambientais ou ser encontrados na comida e água, e ainda podem fazer parte da microbiota normal humana. A lista de leveduras oportunistas é longa, mas a discussão será limitada a dois patógenos principais, C. neoformans e Cryptococcus ga�ii, e a outros quatro que representam problemas em particular como patógenos oportunistas: Malassezia spp., Trichosporon spp., Rhodotorula spp. e B. capitatus (teleomorfo, Dipodascus capitatus). Criptococose (Caso Clínico 732) A criptococose é uma micose oportunista causada por basidiomicetos leveduriformes encapsulados, denominados C. neoformans e C. ga�ii. O C. neoformans é distribuído por todo o mundo e encontrado como um saprófita ubíquo no solo, especialmente aquele enriquecido com excrementos de pombos. C. neoformans inclui os sorotipos capsulares A, D e AD, enquanto C. ga�ii inclui os sorotipos B e C. C. neoformans ainda é dividido em duas variações: var. grubii (sorotipo A) e var. neoformans (sorotipo D). Caso c l ín ic o 7 3 2 C r ip tococose Pappas e colegas (www.FrontlineFungus.org) descreveram um caso de criptococose em um paciente submetido a transplante de coração. O paciente de 56 anos, que havia sido submetido a um transplante de coração 3 anos antes, apresentou novo quadro de celulite em sua perna esquerda e uma leve cefaleia durante 2 semanas. O paciente estava em terapia imunossupressiva crônica com ciclosporina, azatioprina e prednisona, e foi internado para administração de antibióticos intravenosos (IV). Apesar de 5 dias com nafcilina IV, não houve sinal de melhora no paciente, e uma biópsia de pele da área da celulite foi realizada para estudos histopatológicos e cultura. Os resultados mostraram a presença de uma levedura compatível a Cryptococcus neoformans. Uma punção lombar também foi feita, e o exame do líquido cefalorraquiano (LCR) mostrou que o mesmo estava turvo e com elevada pressão de abertura de 420 mm H2O. O exame microscópico revelou leveduras encapsuladas com brotamentos. A titulação de antígenos criptocócicos no LCR e no sangue estava marcadamente elevada. C. neoformans foi isolado em culturas de sangue, LCR e da biópsia de pele. Foi iniciada então a terapia sistêmica com anfotericina B e fluocitosina. Infelizmente, o paciente apresentou progressivo declínio mental, apesar da intervenção agressiva no controle da pressão intracraniana e da maximização das doses dos antifúngicos. O óbito ocorreu 13 dias após o início da terapia antifúngica. Culturas realizadas a partir do LCR, 2 dias antes do óbito, foram positivas para C. neoformans O paciente neste caso era altamente imunossuprimido e apresentava celulite e cefaleia. Tal quadro deve ser um alerta diante de um patógeno atípico como C. neoformans. Devido à alta mortalidade por criptococose, um diagnóstico rápido e preciso é importante. Infelizmente, apesar dos esforços e do uso de terapia agressiva, muitos pacientes nesta situação irão sucumbir à infecção. Morfologia Microscopicamente, C. neoformans e C. ga�ii são leveduras encapsuladas, que variam do esférico ao oval, e medem entre 2 e 20 μm de diâmetro. Reproduzem‑se por gemulação a partir de uma base relativamente estreita. Normalmente produzem um único brotamento, mas algumas vezes brotamentos múltiplos ou em cadeias podem estar presentes (Fig. 73‑7). Tubos germinativos, hifas e pseudo‑hifas geralmente não ocorrem em material clínico. FIGURA 737 Cryptoccocus neoformans. Micromorfologia, coloração GMS. Nos tecidos e nas colorações com tinta nanquim, as células variam em tamanho e formato, que pode ser esférico, oval ou elíptico. São contornadas por zonas esféricas, ou “halos” transparentes, que representam a cápsula polissacarídica extracelular (Fig. 73‑8). Essa cápsula é um marcador distintivo, que pode ter diâmetro até cinco vezes maior que o da célula fúngica e pode ser detectada rapidamente com um corante à base de mucina, como a mucicarmina de Mayer (Fig. 73‑9). PAS e GMS são colorações que detectam facilmente a levedura, enquanto a coloração por H&E não produz bons resultados. A parede celular do C. neoformans contém melanina, o que pode ser demonstrado pela técnica de Fontana‑Masson para melanina. FIGURA 738 Cryptoccocus neoformans. Preparação com tinta nanquim demonstrando cápsulas largas circundando as leveduras em brotamento. (1.000 ×.) FIGURA 739 Cryptococcus neoformans corado com mucicarmina (1.000 ×). Epidemiologia A criptococose é comumente adquirida pela inalação de células de C. neoformans e C. ga�ii em aerossóis encontrados no ambiente (Fig. 73‑10). A partir dos pulmões, o fungo se dissemina geralmente para o sistema nervoso central (SNC) e produz a doença clínica em indivíduos suscetíveis. Raramente, a criptococose cutânea primária pode ocorrer também após inoculação transcutânea. FIGURA 7310 História natural do ciclo saprófita e parasitário do Cryptoccocus neoformans. Embora C. neoformans e C. ga�ii sejam ambos patogênicos para indivíduos imunocompetentes, o C. neoformans é mais frequentemente encontrado como um patógeno oportunista. É o agente mais comum de meningite fúngica e tende a ocorrer em pacientes com baixa imunidade celular. Enquanto C. neoformans var. neoformans e var. grubii são encontrados em todo o mundo em associação com solo contaminado com excretas de aves, C. ga�ii é geralmente encontrado em climas tropicais e subtropicais, em associação com os eucaliptos. Recentemente, porém, um foco endêmico de C. ga�ii foi identificado na Ilha de Vancouver, na Columbia Britânica, e nos Estados do Oregon e Washington. C. neoformans (var. neoformans e var. grubii) e C. ga�ii causam uma doença similar; entretanto, as infecções por C. ga�ii ocorrem mais facilmente em indivíduos imunocompetentes e estão associadas a uma mortalidade menor, mas produzem graves sequelas neurológicas devido à formação de granuloma no sistemanervoso central. C. neoformans é o principal patógeno oportunista que acomete os pacientes com AIDS. Esses indivíduos que apresentam contagens de linfócitos CD4+ inferiores a 100/mm (geralmente <200/mm2) estão sujeitos a desenvolver formas sistêmicas de criptococose com o acometimento do SNC. A incidência de criptococose parece ter atingido o pico nos Estados Unidos no início da década de 1990 (65,5 infecções por milhão por ano; Cap. 65, Tabela 65‑2) e tem, desde então, decaído cada vez mais graças ao amplo uso de fluconazol e, sobretudo, ao sucesso no tratamento da AIDS com novas drogas antirretrovirais. Síndromes Clínicas A criptococose pode se apresentar como um processo pneumônico ou uma infecção do SNC secundária à disseminação hematogênica e linfática a partir de um foco pulmonar primário, o que é mais frequente. Em alguns casos a micose pode se disseminar amplamente, apresentando formas cutânea, mucocutânea, óssea e visceral. A forma de apresentação da criptococose pulmonar varia: pode ir desde um processo assintomático até uma pneumonia bilateral fulminante. Infiltrados nodulares podem aparecer em apenas um lobo pulmonar ou ser bilaterais, tornando‑se mais difusos em infecções mais graves. A cavitação é rara. C. neoformans e C. ga�ii são altamente neurotrópicos, sendo a meningoencefalite a forma mais comum da criptococose. O curso da doença varia, podendo ser crônico, porém é fatal, se não tratado. As meninges e o tecido cerebral subjacente são envolvidos, e clinicamente observam‑se febre, dores de cabeça, meningismo, distúrbios visuais, alterações mentais e convulsões. O quadro clínico depende muito do estado imunológico do paciente; tende a ser drasticamente grave em pacientes com AIDS e em outros pacientes seriamente comprometidos imunologicamente, tratados com esteroides ou outros agentes imunossupressivos. Lesões parenquimatosas, ou criptococomas, são incomuns em infecções causadas por C. neoformans, mas são frequentemente observadas na criptococcose do SNC em pacientes imunocompetentes infectados por C. ga�i. Outras manifestações de criptococose disseminada incluem o acometimento cutâneo, que ocorre entre 10% e 15% dos pacientes, produzindo lesões semelhantes a um “molusco contagioso”; infecções oculares que se caracterizam por coriorretinite, vitrite e invasão do nervo ocular; infecções ósseas apresentando lesões nas vértebras e proeminências ósseas; e o envolvimento da próstata, que pode ser um reservatório assintomático da infecção. Diagnóstico Laboratorial O diagnóstico da infecção por C. neoformans e C. ga�ii pode ser feito por meio da cultura de sangue, líquido cefalorraquiano (LCR) ou outro material clínico (Cap. 68). Um exame microscópico do LCR pode revelar características células leveduriformes encapsuladas e em brotamento. As células do C. neoformans, quando presentes no LCR ou outro material clínico, podem ser visualizadas pela coloração de Gram (Cap. 68, Fig. 68‑ 2), ou com tinta nanquim (Fig. 73‑8) ou outros corantes (Fig. 73‑9). A cultura do material clínico em meios micológicos de rotina produzirá colônias mucoides compostas por células leveduriformes encapsuladas, com brotamento, e que são urease‑positivas em 3 a 5 dias. A identificação da espécie pode ser feita por meio do teste de assimilação de carboidratos, por crescimento em meio de ágar‑niger (colônias de C. neoformans se tornam marrons a pretas), ou por teste direto para verificação da presença da enzima fenoloxidase (positiva). É mais comum, no entanto, fazer o diagnóstico da meningite criptocócica por detecção do antígeno polissacarídeo capsular presente no soro ou LCR (Tabela 73‑7). Este procedimento é realizado utilizando‑se kits laboratoriais, disponíveis no mercado, para verificação de aglutinação pelo látex ou ensaios imunoenzimáticos. Esses ensaios se mostraram rápidos, sensíveis e específicos para o diagnóstico da criptococose (Tabela 73‑7). Tabela 737 Sensibilidade de Detecção de Antígenos, Microscopia em Tinta da China e Cultura de Líquido Cefalorraquiano no Diagnóstico da Meningite Criptocócica Teste % Sensibilidade Pacientes com AIDS Pacientes sem AIDS Antígeno 100 86 95 Tinta naquim 82 50 Cultura 100 90 AIDS, Síndrome da imunodeficiência adquirida. Modificada de Viviani MA, Tortorano AM: Cryptococcus. In Anaissie EJ, McGinnis MR, Pfaller MA, editors: Clinical mycology, ed 2, New York, Churcill, Livingstone, 2009. Tratamento A meningite por Cryptococcus (e outras formas disseminadas da doença) é universalmente fatal se não for tratada. Simultaneamente à administração imediata de uma terapia antifúngica apropriada, o controle efetivo da pressão do sistema nervoso central (SNC) é crucial para um tratamento efetivo da meningite por Cryptococcus. Todos os pacientes devem receber anfotericina B associada à fluocitosina ativamente por 2 semanas (terapia de indução), seguidas de 8 semanas de consolidação com fluconazol oral (recomendado) ou itraconazol. Pacientes com AIDS geralmente exigem terapia de manutenção com fluconazol ou itraconazol por toda a vida. Em pacientes que não apresentem HIV, o tratamento pode ser suspenso após a terapia de consolidação; contudo, a recidiva pode ser observada em até 26% dos pacientes dentro de 3 a 6 meses após a suspensão da terapia. Por isso, é aconselhável um tratamento de consolidação com um azol por até 1 ano, mesmo em pacientes HIV‑negativos. O tratamento desses pacientes deve estar sob constante avaliação clínica e micológica. Um acompanhamento micológico requer a realização de punção lombar (1) ao final da segunda semana da terapia de indução, para garantir a pureza do LCR, (2) ao final da terapia de consolidação, e (3) sempre que ocorrer uma mudança no quadro clínico durante o acompanhamento. Amostras de LCR coletadas durante este período devem ser semeadas. A determinação de proteínas, glicose, contagem das células e do título de antígeno criptocócico no LCR é útil para avaliar a resposta à terapia, mas não pode predizer os resultados. A falha na purificação do LCR, por volta do 14o dia de terapia, é um indicador altamente significativo de que a terapia de consolidação não será bem‑sucedida. Outras Micoses Causadas por Fungos Leveduriformes Entre os patógenos leveduriformes não Candida e não Cryptococcus, Malassezia spp., Trichosporon spp., Rhodotorula spp. e B. capitatus são os mais proeminentes como causadores de infecções nosocomiais, tanto pela dificuldade de detecção quanto por apresentarem problemas com relação à resistência antifúngica. Infecções causadas por Malassezia spp. (M. furfur e M. pachydermatis) são geralmente relacionadas aos cateteres, e tendem a ocorrer em prematuros ou em outros pacientes recebendo infusões de lipídeos. Os dois organismos são leveduras com brotamentos (Fig. 73‑11; Cap. 70, Fig. 70‑2). M. furfur é um colonizador da pele e é agente da pitiríase versicolor (Cap. 70), enquanto M. pachydermatis é frequentemente o causador de otites em cães, assim como é um comensal da pele humana. FIGURA 7311 Micrografia eletrônica de varredura de Malassezia furfur aderida ao lúmen de cateter venoso central. (Cortesia de S.A. Messer.) Entre as espécies de Malassezia, M. furfur é conhecida por sua necessidade de lipídeos exógenos para crescer. Esta exigência, aliada ao seu habitat na pele, explica algo de sua epidemiologia, pois infecções nosocomiais causadas por este organismo estão diretamente relacionadas à administração de suplemento lipídico com um cateter. A M. pachydermatis, embora não necessite de lipídeos exógenos para crescer, tem seu crescimento estimulado pela presença de ácidos graxos, e infecções causadas por esse organismo têm sido associadas à nutriçãoparenteral e à administração de lipídeos por via venosa. Apesar de serem esporádicas as infecções por Malassezia spp., surtos de fungemia têm sido percebidos entre lactentes recebendo suplementação de lipídeos intravenosos. O crescimento do microrganismo é favorecido por essa infusão rica em lipídeos, e ele invade corrente sanguínea através do cateter. Um surto notável de fungemia por M. pachydermatis ocorreu em uma unidade pediátrica de tratamento intensivo, e foi ligado a enfermeiras que possuíam cães com otite causada por essa levedura. A cepa responsável pelo surto foi encontrada nas mãos das enfermeiras e em pelo menos um dos cães afetados. As espécies de Malassezia devem ser consideradas, como possíveis patógenos, quando leveduras são vistas microscopicamente em frascos de hemocultura ou nas amostras clínicas, mas não há isolamento de microrganismos nos meios de cultura rotineiros. Para isolar Malassezia spp., especialmente M. furfur, em meio sólido, as placas devem ser inoculadas e então recobertas com óleo de oliva estéril. O óleo fornece os lipídeos necessários, e o crescimento deverá ser observado em 3 a 5 dias. O tratamento de fungemia causada por Malassezia spp. geralmente não requer a administração dos agentes antifúngicos, já que a infecção cessa assim que a infusão de lipídeos é interrompida e o acesso vascular é removido. O gênero Trichosporon atualmente apresenta seis espécies de grande importância clínica: T. asahii e T. mucoides são conhecidos por causar infecções profundas e invasivas; T. asteroides e T. cutaneum causam infecção cutânea superficial; T. ovoides causa piedra branca no couro cabeludo e T. inkin causa piedra branca nos pelos púbicos. A literatura, no entanto, é confusa, pois a maior parte das referências sobre tricosporonose sistêmica se refere à nomenclatura antiga que reconhecia o agente desta micose como T. beigelli. Morfologicamente, esses microrganismos são similares e apresentam no material clínico hifas, artroconídios e células leveduriformes com brotamentos. Trichosporon causa fungemia relacionada a cateteres em pacientes neutropênicos, mas também pode invadir a corrente sanguínea por via respiratória ou pelo trato GI. Uma intensa disseminação hematogênica pode produzir hemoculturas positivas e múltiplas lesões cutâneas. A tricosporonose hepática crônica pode simular a candidíase hepática e é vista após a recuperação da neutropenia. O Trichosporon tem sido o agente mais comum de infecção leveduriforme não Candida em pacientes com processos malignos hematogênicos e acarreta uma taxa de mortalidade superior a 80%. A suscetibilidade à anfotericina B é variável, e este antifúngico não atua contra o Trichosporon. Falhas clínicas com anfotericina B, fluconazol e combinações dos dois têm sido registradas, e o resultado é péssimo quando não há recuperação da população de neutrófilos. As espécies de Trichosporon são resistentes às equinocandinas, mas parecem responder clinicamente ao tratamento com voriconazol. As espécies de Rhodotorula são caracterizadas pela produção de pigmentos carotenoides (suas colônias variam do rosa ao vermelho) e apresentam células leveduriformes com brotamentos multilaterais, podendo ser encapsuladas ou não. R. glutinis, R. mucilaginosa (R. rubra) e R. minuta são algumas das espécies deste gênero. Essas leveduras podem ser comensais da pele, unhas e mucosas, assim como podem ser encontradas em queijos e laticínios e fontes ambientais que incluem ar, solo, cortinas de chuveiro, rejunte de banheiras e escovas de dente. As espécies de Rhodotorula são patógenos emergentes importantes que acometem pacientes imunossuprimidos e os que utilizam dispositivos de longa permanência. A Rhodotorula tem sido envolvida em infecção e fungemia por cateter, infecção ocular, peritonite e meningite. Em infecções causadas por esta levedura, uma boa abordagem terapêutica inclui o uso de anfotericina B, que é bastante eficaz contra Rhodotorula quando associada à remoção do cateter. Fluocitosina também tem boa atividade, mas não deve ser o único medicamento utilizado. Fluconazol e equinocandinas não devem ser usados para tratar infecções causadas pelas espécies de Rhodotorula, e o papel dos novos triazóis de amplo espectro (p. ex., voriconazol e posaconazol) é incerto e depende de dados clínicos. Entre os patógenos emergentes, a levedura oportunista, B. capitatus (teleomorfo D. capitatus) é um fungo raramente citado, que causa graves infecções sistêmicas em pacientes imunossuprimidos, especialmente naqueles com doenças hematológicas. Este microrganismo produz hifas e artroconídios, está amplamente distribuído na natureza, e pode fazer parte da microbiota cutânea normal. As infecções por B. capitatus são similares às causadas por Trichosporon em pacientes neutropênicos, com frequentes fungemia e disseminação para vários órgãos (incluindo o cérebro), e uma taxa de mortalidade entre 60% e 80%. As hemoculturas geralmente são positivas. Esta levedura, assim como o Trichosporon, pode produzir uma forma disseminada crônica semelhante à candidíase sistêmica crônica, na resolução da neutropenia. A abordagem ideal para tratar infecções causadas por B. capitatus ainda não está definida. Alguns médicos acreditam que este fungo tenha reduzida sensibilidade à anfotericina B. A excelente atividade in vitro do voriconazol sugere que este possa ser um agente útil no tratamento de infecções causadas por esse microrganismo. Rápida remoção dos cateteres, imunoterapia auxiliar e novas drogas antifúngicas (p. ex., voriconazol ou com altas doses de fluconazol associado à anfotericina B) são ações recomendadas para tratar esta rara, porém devastadora infecção. Aspergilose (Caso Clínico 733) A aspergilose comporta um amplo espectro de doenças causadas por membros do gênero Aspergillus (Quadro 73‑2). A existência de Aspergillus no ambiente pode causar reações alérgicas em hospedeiros hipersensíveis ou uma destrutiva doença pulmonar invasiva e formas disseminadas em indivíduos altamente imunossuprimidos. Embora tenham sido documentadas aproximadamente 19 espécies de Aspergillus como agentes de micose humana, a maioria das infecções é causada por A. fumigatus, A. flavus, A. niger e A. terreus. Estudos moleculares taxonômicos mostraram que todas as espécies mencionadas anteriormente são na verdade espécies complexas, que abrigam espécies morfologicamente indistinguíveis, algumas das quais podem apresentar importantes informações sobre resistência antifúngica e características patogênicas. Caso c l ín ic o 7 3 3 Aspe rg i lo se Invas iva Guha e associados (Infect Med 24(Suppl 8):88‑11, 2007) descrevem um caso de aspergilose invasiva em um receptor de transplante renal. A paciente era uma mulher de 34 anos que apresentava há 2 dias fraqueza, tontura, dor na panturrilha esquerda e fezes pretas. Não apresentava dores no tórax, tosse, ou falta de ar. Seu histórico médico passado indicava diabetes que levou à insuficiência renal, o que acarretou a realização de transplante renal de cadáver em 2002. Três semanas antes da apresentação desse quadro, desenvolveu rejeição aguda ao transplante. Ela foi colocada sob terapia imunossupressora com alentuzumabe, tacrolimus, sirolimus e prednisona. Quando foi internada, apresentava taquicardia, hipotensão e febre. O exame físico mostrou cordão venoso palpável na fossa poplítea. Uma primeira radiografia de tórax não mostrou anormalidades. Estudos laboratoriais identificaram anemia e azotemia. A contagem de leucócitos estava em 4.800/μL com 80% de neutrófilos. A paciente recebeu quatro unidades de eritrócitos, e um tratamento empíricocom gatifloxacino foi iniciado. As hemoculturas foram positivas para Escherichia coli sensível ao gatifloxacino. No sexto dia de internação, desenvolveu erupção vesicular na região glútea e na panturrilha esquerda, as culturas foram positivas para herpes simples e ela foi medicada com aciclovir. A condição clínica da paciente se estabilizou, exceto por sua função renal, sendo iniciada hemodiálise intermitente no 8o dia de internação. No 12o dia, a paciente mostrou diminuição da resposta, perda de consciência, taquipneia e foi submetida à ventilação mecânica. Nova radiografia de tórax mostrou nódulos pulmonares bilaterais e difusos. A cultura do lavado broncoalveolar (LBA) foi positiva para Aspergillus spp., e corpos de inclusão viral sugestivos de citomegalovírus foram observados. A imunidade melhorou e foi iniciado tratamento com anfotericina B lipossomal. A paciente sofreu um infarto agudo do miocárdio e foi ao coma. Múltiplos infartos agudos no lobo frontal e no cerebelo foram observados na ressonância magnética do cérebro. A condição da paciente continuou a se deteriorar, e múltiplos nódulos cutâneos se desenvolveram nos braços e no tronco. Na cultura de biópsia das amostras de pele foi isolado Aspergillus flavus. A paciente faleceu no 23o dia. Na necropsia, A. flavus foi identificado em múltiplos órgãos, incluindo coração, pulmões, glândulas adrenais, tireoide, rim e fígado. Esse caso serve como um exemplo extremo de aspergilose disseminada em um paciente imunossuprimido. Quadr o 7 3 2 E spec t ro das Doenças Causadas po r E spéc i e s de Aspe rg i l l u s Reações Alérgicas Cavidade nasal Seios paranasais Trato respiratório inferior Colonização Seios paranasais obstruídos Brônquios Cavidades pulmonares pré‑formadas Infecções Cutâneas Superficiais Lesões Locais por cateteres Infecções Invasivas Limitadas Brônquios Parênquima pulmonar Pacientes moderadamente imunossuprimidos Infecção Pulmonar Francamente Invasiva Pacientes gravemente imunossuprimidos Disseminação sistêmica Morte Morfologia As espécies de Aspergillus crescem em cultura como fungos filamentosos hialinos. Grosseiramente, as colônias de Aspergillus podem ser pretas, marrons, verdes, amarelas, brancas ou de outras cores, dependendo da espécie e das condições de crescimento. A aparência da colônia pode fornecer uma sugestão inicial quanto às espécies de Aspergillus, mas a identificação definitiva exige exame microscópico das hifas e das estruturas da cabeça conidial. Aspergillus apresenta hifas ramificadas e septadas que produzem cabeças conidiais quando expostas ao ar em cultura e nos tecidos. Seu conidióforo consiste em uma hifa com uma vesícula terminal, sobre a qual nascem uma ou duas camadas de fiálides, ou esterigmas (Cap. 65, Fig. 65‑3B). As fiálides alongadas, por sua vez, produzem colunas de conídios esféricos, que são os propágulos infecciosos que se desenvolvem na fase filamentosa do fungo. A identificação de espécies individuais de Aspergillus depende, em parte, das diferenças em suas cabeças conidiais, incluindo a disposição e a morfologia dos conídios (Figs. 73‑12 e 73‑13). Muitas vezes pode ser necessário o uso de métodos moleculares para identificar as espécies abrigadas dentro de um complexo de espécies. FIGURA 7312 Aspergillus fumigatus. Preparação de lactofenol azul de algodão mostrando as cabeças conidiais. FIGURA 7313 Aspergillus terreus. Preparação de lactofenol azul de algodão mostrando a cabeça conidial. Nos tecidos, as hifas de Aspergillus spp. se coram fracamente com H&E, mas são visualizadas com as colorações PAS, GMS e de Gridley (Fig. 73‑14). Esses filamentos são homogêneos, com largura uniforme (3 a 6 μm), contornos paralelos e septos regulares, ramificando‑se progressivamente, num padrão semelhante ao das árvores (Fig. 73‑14). Os ramos são dicotômicos e geralmente se orientam em ângulo agudo (45°). As hifas podem ser vistas no interior dos vasos sanguíneos (angioinvasão), causando trombose. As cabeças conidiais raramente são vistas em tecidos, mas podem aparecer no interior de uma cavidade (Fig. 73‑15). Uma importante espécie, A. terreus, pode ser identificada em tecido por seus aleurioconídios, esféricos ou ovais, que se desenvolvem a partir das paredes do micélio (Fig. 73‑16). Por outro lado, nos tecidos, as hifas das espécies patogênicas de Aspergillus são morfologicamente indistinguíveis entre si. FIGURA 7314 Tecido com Aspergillus mostrando as hifas septadas com ramificação em ângulo agudo (GMS, 1.000 ×). FIGURA 7315 Aspergillus niger em lesão pulmonar cavitária mostrando hifas e cabeças conidiais (GMS, 1.000 ×.) FIGURA 7316 Aspergillus terreus em tecido. As setas apontam para os aleurioconídios (GMS, 1.000 ×). (De Walsh TJ, et al: Experimental pulmonary aspergillosis due to Aspergillus terreus, J Infect Dis 188:305319, 2003.) Epidemiologia Aspergillus spp. são comuns ao redor do mundo. Seus conídios são ubíquos no ar, no solo e em material em decomposição. No ambiente hospitalar, podem ser encontrados no ar, nos chuveiros, tanques de água e plantas em vasos. Como resultado, estão sendo constantemente inalados. O tipo de reação do hospedeiro, os achados patológicos associados e o curso da infecção dependem mais dos fatores relacionados ao hospedeiro do que da virulência das Aspergillus spp. O trato respiratório é a mais frequente e mais importante porta de entrada. Síndromes Clínicas As manifestações alérgicas da aspergilose constituem um espectro de apresentações baseadas no grau de hipersensibilidade aos antígenos do Aspergillus. Na forma broncopulmonar podem‑se observar asma, infiltrados pulmonares, eosinofilia periférica, níveis elevados de IgE e evidência de hipersensibilidade aos antígenos de Aspergillus (teste cutâneo). A sinusite alérgica mostra evidências laboratoriais de hipersensibilidade associada a sintomas respiratórios de obstrução nasal, cefaleia e dores faciais. A colonização dos seios paranasais e das vias aéreas inferiores pode resultar em aspergilose obstrutiva brônquica levando à formação de aspergiloma (“bola fúngica”). A aspergilose obstrutiva brônquica ocorre quando existem doenças pulmonares como fibrose cística, bronquite crônica ou bronquiectasia; massa de hifas e mucina acomoda‑se nos brônquios obstruindo‑os e tomando sua forma. Os sintomas são os mesmos da doença subjacente, sem lesão nos tecidos e sem necessidade de tratamento. Um aspergiloma pode se formar nos seios paranasais ou em cavidades existentes nos pulmões, resultantes de uma antiga tuberculose ou outra doença pulmonar crônica. Aspergilomas pode ser vistos por meio de radiografias, mas geralmente são assintomáticos. O tratamento não é indicado, a menos que haja hemorragia pulmonar. Caso isso ocorra, o que pode ser grave e potencialmente fatal, recomenda‑se a remoção cirúrgica da cavidade e da bola fúngica. Quando o aspergiloma ocorre nos seios paranasais, deve ser realizado um desbridamento radical na região para aliviar qualquer sintoma ou hemorragia causada pela bola fúngica nos seios. A aspergilose invasiva apresenta inúmeras formas; pode ser uma doença invasiva superficial, que ocorre em casos de imunossupressão (p. ex., terapia com doses baixas de esteroides, doença do colágeno vascular ou diabetes) ou pode ser uma forma altamente destrutiva de aspergilose invasiva, localizada nos pulmões ou disseminada. As formas invasivas mais limitadas geralmente incluem a aspergilose brônquica pseudomembranosa necrosante e a aspergilose pulmonar crônica necrosante. A aspergilose brônquica pode causar sibilos, dispneia e hemoptise. A maioria dos pacientes com aspergilose pulmonar necrosante crônicaapresenta também doença pulmonar estrutural, que pode ser tratada com baixas doses de corticosteroides. Esta é uma infecção crônica que pode ser localmente destrutiva, com o desenvolvimento de infiltrados e “bolas fúngicas” visíveis nas radiografias, mas que não é associada a invasão vascular ou disseminação. A ressecção cirúrgica das áreas afetadas e administração de antifúngicos são eficazes no tratamento desta doença. A aspergilose pulmonar invasiva e a aspergilose disseminada são infecções observadas em pacientes altamente neutropênicos e imunossuprimidos. Os principais fatores predisponentes para essa complicação infecciosa são contagem de neutrófilos abaixo de 500/mm3, quimioterapia citotóxica e corticoterapia. Os pacientes apresentam febre e infiltrados pulmonares, frequentemente acompanhados de dor torácica pleurítica e hemoptise. O diagnóstico definitivo é frequentemente retardado, pois as culturas de sangue e de escarro apresentam geralmente resultados negativos. A mortalidade nestes casos, apesar da terapia antifúngica específica, é bem alta, e com frequência é acima de 70% (Tabela 73‑5). A disseminação hematogênica da infecção para os sítios extrapulmonares é comum devido à natureza angioinvasiva do fungo. Os locais mais comumente envolvidos são cérebro, coração, rins, trato gastrointestinal, fígado e baço. Diagnóstico Laboratorial Assim como em outras micoses por fungos ubíquos, o diagnóstico da aspergilose exige cuidado durante a avaliação do isolamento de uma espécie de Aspergillus de amostras clínicas. Quando o isolamento de Aspergillus spp. é obtido a partir de tecidos cirurgicamente removidos ou de sítios estéreis, acompanhado de histopatologia positiva (hifas hialinas septadas em ramificação ditocômica), sempre é considerado significativo; entretanto, o isolamento feito a partir de sítios normalmente contaminados (p. ex., trato respiratório) exige a realização de exames minuciosos. A maior parte dos agentes etiológicos da aspergilose cresce rapidamente nos meios micológicos de rotina, sem ciclo‑heximida. A identificação em nível de espécie da maioria dos patógenos humanos pode ser feita pela observação das características macro e microscópicas da cultura em ágar‑batata. A micromorfologia (conidióforos, vesículas, métulas, fiálides e conídios) é mais bem observada nos cultivos em lâminas, o que é necessário para a identificação das espécies. A aspergilose invasiva causada por A. fumigatus e por outras espécies raramente é identificada pelo isolamento em culturas de sangue. De fato, a maioria dos isolados de Aspergillus spp. obtidos de amostras da corrente sanguínea representavam uma pseudofungemia ou decorreram de eventos terminais na autópsia. Deve‑se destacar A. terreus que, dentre todas as espécies de Aspergillus, demonstrou causar fungemia verdadeira. Assim como outros fungos filamentosos angioinvasivos (p. ex., Fusarium, Scedosporium spp.), A. terreus é capaz de esporulação adventícia, na qual esporos semelhantes a blastoconídios ou aleurioconídios são formados nos tecidos, havendo maior probabilidade de serem detectados nas hemoculturas (Fig. 73‑16). A observação desses aleurioconídios em exame microscópico de tecidos, de aspirados com agulha fina ou de lavado brônquico pode permitir uma identificação rápida e presumível de A. terreus. O rápido diagnóstico da aspergilose invasiva tem progredido graças ao desenvolvimento dos imunoensaios para a detecção do antígeno galactomanana de Aspergillus presente no soro. Este teste emprega um formato de ensaio imunoenzimático e está disponível como um kit comercial ou em laboratórios de referência. Aparentemente o teste é razoavelmente específico, mas apresenta uma sensibilidade variável. É mais utilizado em amostras seriadas de pacientes de alto risco (principalmente os neutropênicos e os submetidos a BTM), que são aqueles em que há indicação precoce para iniciar a terapia antifúngica, empírica ou opcional, e prosseguir insistindo na obtenção de um diagnóstico definitivo. Tratamento e Prevenção A prevenção da aspergilose em pacientes de alto risco é fundamental. Neutropênicos e outros pacientes de alto risco são geralmente mantidos em complexos nos quais o ar é filtrado para minimizar a exposição aos conídios de Aspergillus. A terapia antifúngica específica para aspergilose geralmente envolve a administração de voriconazol ou de formulação lipídica de anfotericina B. É importante saber que A. terreus é considerado resistente à anfotericina B, e deve ser tratado com um agente alternativo como o voriconazol. A introdução deste proporciona uma opção de tratamento mais eficaz e menos tóxica que a anfotericina B (Cap. 69). Simultaneamente devem ser realizados esforços para a diminuição da imunossupressão e/ou reconstituição das defesas imunológicas do hospedeiro, o que é muito importante no tratamento da aspergilose. Dessa maneira, recomenda‑se a ressecção cirúrgica das áreas acometidas, se for possível. Zigomicose Zigomicose é causada por fungos da classe dos Zigomycetes. Os principais patógenos humanos desta classe estão distribuídos em duas ordens: Mucorales e Entomophtorales. A ordem Entomophtorales apresenta dois gêneros patogênicos: Conidiobolus e Basidiobolus. Estes agentes geralmente produzem uma infecção crônica e granulomatosa dos tecidos subcutâneos e são discutidos no Capítulo 71. Na ordem Mucorales estão incluídos os gêneros patogênicos Rhizopus, Mucor, Lichtheimia (anteriormente Abisidia), Rhizomucor, Saksenaea, Cunninghamella, Syncephalastrum e Apophysomyces. As infecções causadas pelos mucormicetos (fungos da ordem Mucorales) são raras, ocorrendo a uma taxa anual de 1,7 infecção por milhão de pessoas nos EUA. Infelizmente, quando ocorrem, as infecções causadas por estes agentes costumam ser agudas e progridem rapidamente, com taxas de mortalidade entre 70% e 100%. Morfologia Macroscopicamente, os Mucorales patogênicos crescem rapidamente, produzindo colônias algodonosas de coloração que varia do cinza ao marrom em 12 a 18 horas. A identificação de gênero e espécie é baseada em sua micromorfologia. Microscopicamente, os mucormicetos são fungos filamentosos hialinos, com hifas cenocíticas largas e esparsamente separadas. Os esporos assexuais da ordem Mucorales são produzidos no interior de um esporângio e são denominados esporangiósporos. Os esporângios nascem na ponta dos esporangióforos (aparelho reprodutor), os quais são hastes terminadas por uma dilatação semelhante a um bulbo chamada columela (Fig. 73‑17; Cap. 65, Fig. 65‑3A). A presença de estruturas semelhantes a raízes chamadas rizoides é útil na identificação de determinado gênero dentro da ordem Mucorales. Assim como nos Aspergillus, a identificação dos Mucorales é melhor quando realizada por métodos moleculares. FIGURA 7317 Rhizopus sp. mostrando esporângio e rizoides. Nos tecidos, os mucormicetos (ordem Mucorales) apresentam hifas hialinas (não pigmentadas), semelhantes a faixas, asseptadas ou esparsamente septadas (Fig. 73‑18). Em contraste com Aspergillus spp. e outros fungos hialinos, as hifas frequentemente têm diâmetro superior a 10 μm, são irregularmente contornadas e pleomórficas, dobrando‑se e torcendo‑se sobre si mesmas com frequência. Seu padrão de ramificação é casual e não progressivo, com ramos dispostos tipicamente em ângulos retos. As paredes das hifas são finas, coram‑se fracamente com GMS e outras colorações fúngicas, e são com frequência mais facilmente detectáveis com H&E (Fig. 73‑18). Os mucormicetos são tipicamente angioinvasivos. FIGURA 7318 Rhizopus sp. em tecido mostrando as hifas largas, em forma de faixas e não septadas (H&E, 1.000 ×). Epidemiologia A mucormicose
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