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Otites – Dr. Lucas Hamed 1 Otite externa e média A otite externa pode ser caracterizada como uma inflamação difusa da pele e dos tecidos subcutâneos do canal auditivo externo, incluindo estruturas do pavilhão auricular. É uma das principais queixas em consultas ao otorrinolaringologista, podendo ser aguda ou crônica na apresentação de doença simples até quadros de expressiva morbimortalidade. 1) Otite externa aguda difusa A otite externa aguda difusa é uma inflamação difusa do conduto auditivo externo – ‘orelha do nadador’ – que apresenta maior incidência em meses do verão e em regiões mais quentes e úmidas, além de ser mais presente em crianças de 7 a 12 anos. Fatores de risco: contato com água, uso de cotonetes e outros objetos – grampos, palitos, tampas de canetas, trauma de conduto auditivo externo, sudorese excessiva, doenças dermatológicas como dermatite, ausência ou excesso de cerume, presença de corpo estranho, conduto longo ou estreito, uso de aparelho auditivo, otorreia recorrente, entre outros. Fisiopatologia: as bactérias mais frequentemente envolvidas são Pseudomonas aeruginosa, Staphylococcus aureus e epidermidis, Escherichia coli, Proteus spp. e mais raramente alguns anaeróbios, sendo que a apresentação é frequentemente polimicrobiana. De modo geral ocorre uma lesão associada a alterações de pH causadas pelo aumento da umidade e/ou pela remoção do cerume que é ácido. Quadro clínico: em geral, o paciente informa presença de dor, prurido, secreção, descamação, inchaço, rubor, plenitude auricular, entre outros sintomas que podem estar associados a perda auditiva transitória. Pode- se classificar as otites em: Otite do tipo 1: otalgia discreta e hiperemia do conduto auditivo externo. Otite do tipo 2: tem-se piora da otalgia, otorreia discreta, plenitude auricular e, às vezes, prurido otológico e febre A otoscopia demonstra conduto edemaciado, visualização da membrana timpânica e secreção mucopurulenta em pequena quantidade. Otite do tipo 3: uma evolução em casos de tratamento inadequado ou maior virulência do agente causal, tendo intenso edema de conduto ocluindo totalmente sua luz e impedindo a visualização da membrana timpânica. Tratamento: a otite cura geralmente dentro de uma a três semanas de tratamento, devendo aconselhar o paciente a evitar manipular e limpar o canal auditivo, usar tampões de proteção se for nadar, tomar banho com tampão embebido em óleo, lavar o cabelo com a cabeça inclinada para frente, enxugar bem o canal auditivo e evitar o contato com potenciais agentes alergênicos. Também pode-se realizar a limpeza do conduto no consultório com remoção do cerume acumulado. Utiliza-se analgésicos e AINES, além de um antibiótico tópico – como quinolonas 3 gotas 12/12h por 7 dias – e corticoides que auxiliam na diminuição do tempo de otalgia. Os antibióticos sistêmicos (ciprofloxacino) podem ser associados se a infecção for extensa (tipo 3) ou na presença de diabetes mellitus, imunossupressão e pacientes em radioterapia. Na ausência de melhora realiza-se cultura e determinação de resistência. Tipo 1 Tipo 3 Tipo 2 Otites – Dr. Lucas Hamed 2 2) Otite externa necrotizante ou otite externa maligna A otite externa necrotizante é uma infecção unilateral de origem otológica com potencial comprometimento da vida do paciente, ocorrendo principalmente em idosos, diabéticos e imunocomprometidos. Ela se caracteriza como uma infecção invasiva do conduto auditivo externo que pode chegar até a base do crânio, apresentando elevada morbimortalidade. É uma condição rara, geralmente causada em decorrência de traumas e por Pseudomonas aeruginosa (98%), essa que é um gram negativo aeróbio obrigatório com algumas cepas capazes de formar uma membrana mucoide contra fagócitos e antibióticos, além de algumas produzirem neurotoxinas. A mortalidade é de cerca de 23%, com chance de recorrência de 9 a 27%. Fisiopatologia: não é bem comprometida, sendo que pode ser causada por um conjunto de fatores locais e sistêmicos do hospedeiro – geralmente imunocomprometidos, dependendo também de características do patógeno. Pode-se ter presença de má perfusão tecidual, imunossupressão humoral e celular com diminuição da capacidade fagocitária, pH neutro do cerume que permite proliferação bacteriana, entre outros. Assim, esses fatores facilitam a infecção pela bactéria, que progride até o osso temporal pela junção osteocartilaginosa, seguindo pelas fissuras de Santorini no meato cartilaginoso externo até a região mastoidea. Quadro clínico: otalgia lancinante mais intensa a noite, cefaleia temporal ou occipital, dor na ATM e periauricular, edema, otorreia fétida e purulenta, hipoacusia de transmissão leve, tecido de granulação posteroinferior com descamação do conduto, podendo também ter relação com paralisia dos nervos cranianos VII, IX, X, XI e XII. Como complicações tem-se abscesso cerebral, parotidite, trombose de seios, entre outros. Diagnóstico: é clínico, em que se pode observar otalgia persistente por mais de um mês, otorreia purulenta persistente e associada a tecido de granulação, presença de fatores de risco – diabetes mellitus, imunossupressão, idosos, além de poder ter envolvimento dos pares cranianos. Deve-se pedir alguns exames laboratoriais como leucograma, VHS e PCR, podendo associar com alguns exames de imagem – tomografia, ressonância magnética e cintilografia com Gálio e Tecnécio – para verificar complicações como osteomielite. A realização de biópsia e cultura também é importante para seguimento do paciente. Tratamento: antibioticoterapia sistêmica com ciprofloxacino oral ou endovenoso por 4 a 8 semanas, limpeza do conduto auditivo externo, controle glicêmico e culturas. A cura pode ser verificada com culturas negativas VHS normal e cintilografia com gálio sem alterações. Pode-se realizar uma oxigenioterapia hiperbárica em casos mais avançados, recorrentes ou refratários, existindo também a possibilidade de intervenções cirúrgicas. 3) Miringite granulosa A miringite granulosa ocorre por desepitelização da membrana timpânica, com posterior formação de tecido de granulação. Apresenta-se com otalgia, otorreia fétida, lesão ulcerada em conduto auditivo externo ósseo e tecido de granulação com membrana timpânica íntegra, tendo área focal com desepitelização e granulação focal e difusa à otoscopia. O tratamento é feito pela remoção das granulações associada a antibioticoterapia com ciprofloxacino e corticoide tópico, fazendo curativo com gotas por 24 horas. Pode-se também realizar cauterização com nitrato de prata a 10% ou ácido tricloroacético 70%. Otite externa necrotizante Miringite granulosa Otites – Dr. Lucas Hamed 3 4) Otite externa bolhosa A otite externa bolhosa se caracteriza pela formação de bolhas hemorrágicas no conduto auditivo externo e na membrana timpânica, cursando com otalgia intensa e súbita, além de otorreia sanguinolenta, hipoacusia eventual condutiva ou neurossensorial. Suspeita-se que a etiologia seja por Mycoplasma pneumoniae, de modo que se pode utilizar macrolídeos para o tratamento, associando com analgesia, corticoides e antibióticos tópicos. A otalgia costuma melhorar com o rompimento das bolhas. 5) Otite externa aguda localizada A otite externa aguda localizada pode também ser conhecida como furunculose, sendo oriunda do 1/3 externo do conduto auditivo. É uma doença infecciosa resultante da obstrução, disfunção ou trauma da unidade pilosebácea, cursando com infecção geralmente por Streptococcus aureus. Assim, tem-se uma tumoração hiperemiada com ou sem ponto de flutuação, podendo se apresentar como pequena pústula até abscessos associados a otalgia, prurido, hipoacusia e otorreia após ruptura ou drenagem. O tratamento de casos mais avançados é feito com analgésicos e antibiótico oral (cefalexina 500mg 6/6hou clindamicina 300mg 8/8h), enquanto que casos mais superficiais podem ser resolvidos com drenagem, antibióticos tópicos e analgésicos. Além disso, realiza-se compressas quentes intermitentes e limpeza cuidadosa. Uma celulite severa pode exigir internação e antibioticoterapia parenteral. 6) Otomicose A otomicose ou otite externa fúngica é responsável por 10% dos casos de otite externa, porcentagem que pode estar aumentada em países de clima quente e úmido – já que fungos precisam de umidade, calor e escuridão para proliferar. Pode ser uma condição isolada primária ou superposta secundária à doença bacteriana da orelha externa, já que o pus favorece a proliferação. Os fungos mais encontrados são da família dos Aspergillus (niger, flavus, fumigatus), além de espécies de Candida, em que o diagnóstico pode ser feito pela anamnese e exame físico em associação com a cultura. Fatores de risco: pacientes que usaram antibióticos tópicos no conduto auditivo externo, clima, inflamação crônica, estenose do conduto, redução do cerume, diabetes mellitus e imunossupressão. Quadro clínico: na infecção primária tem-se coceira intensa, enquanto que na secundária tem-se otalgia além do prurido, podendo também apresentar plenitude auricular e otorreia. Tratamento: remoção completa dos fungos com algodão em estilete ou aspiração, promover proteção auricular e manter o conduto arejado. Pode-se usar antifúngicos tópicos (clotrimazol, nistatina, cetoconazol), sistêmicos (cetoconazol, fluconazol, terbinafina) se a condição não melhorar com o tópico. 7) Pericondrite e condrite auricular A pericondrite é a inflamação do pericôndrio, enquanto que a condrite é a inflamação da cartilagem auricular, essas que podem acompanhar ou complicar infecções do conduto auditivo externo – principalmente por Pseudomonas aeruginosa e Streptococcus aureus – ou resultarem de trauma acidental ou cirúrgico pavilhão, sendo que as primeiras manifestações ocorrem de 3 a 4 semanas após a lesão inicial. É um quadro doloroso com sensação de obstrução e plenitude auricular, Otite externa bolhosa Otite externa aguda localizada Otomicose Pericondrite e condrite Otites – Dr. Lucas Hamed 4 em que a pele é descamativa com crostas e a cartilagem elimina secreção seropurulenta, tendo orelha eritematosa, endurecida e dolorosa à manipulação. O derrame subpericôndrico pode prejudicar o aporte nutricional, levando a um quadro de necrose. O tratamento exige cuidados locais, antibioticoterapia com cobertura para Pseudomonas, drenagem e cultura de coleções ou necrose, curativos com pomadas antibióticas em áreas cruentas de pele, antibioticoterapia parenteral se necessário, além de reconstrução para resolver deformidades permanentes. 8) Dermatite de contato A dermatite de contato pode ser dividida de acordo com o mecanismo predominante, se irritativo ou alérgico. Nas irritativas tem-se associação com agentes lesivos, banhos excessivos ou remoção do cerume protetor, tornando susceptíveis a inflamação e infecção. As alérgicas envolvem um mecanismo de exposição primária com subsequente período de latência e uma exposição secundária exacerbada. Apresenta-se com lesões eritematosas, edemaciadas e exsudativas, frequentemente com vesículas e infecção secundária – em lesões crônicas pode-se ter liquenificação. O tratamento deve ser feito por afastamento do agente irritativo, corticoide tópico em fase aguda e sistêmico se fase avançada, antibióticos tópicos ou sistêmicos para Streptococcus aureus em infecções associadas, anti-histamínicos e aconselhar o paciente a não coçar para não ferir a pele. 9) Dermatite atópica A dermatite atópica ou eczema é uma alteração crônica com prurido intenso como resposta a alérgenos após uma reatividade imune aberrante de origem genética, podendo também acometer outras regiões da face, pescoço e corpo. Geralmente está relacionada com episódios de asma e rinite alérgica, exacerbando em condições se estresse, irritantes ambientais, mudança de temperatura, entre outros. Inicia-se por volta dos 5 anos e tem uma evolução imprevisível, em que ocorre eritema discreto até pápulas com descamações e vesículas – tendo espessamento da pele e liquenificação em lesões crônicas. O tratamento é realizado com corticoides orais ou tópicos, anti-histamínicos e antibióticos caso tenha infecção associada. 10) Dermatite seborreica A dermatite seborreica é uma inflamação cutânea comum em regiões oleosas da pele, tendo picos de incidência na infância e em pacientes idosos. Geralmente tem-se acometimento do conduto auditivo externo associado com alterações no couro cabeludo e na face. Tem-se dor, prurido e queimação local, com lesões pruriginosas circunscritas e eritematosas com descamação acinzentada e leito avermelhado ou amarelado. O tratamento é feito com corticoides tópicos (hidrocortisona 2 a 3x ao dia) e queratolíticos tópicos, geralmente xampu para controle da caspa e cremes com cetoconazol 2%. 11) Otite externa herpética A otite externa herpética se manifesta em indivíduos que já contraíram o vírus varicela-zoster (HSV-3), tendo desenvolvido o quadro clínico de varicela ou apenas uma forma subclínica de viremia, em que o patógeno permanece latente e pode sofrer reativação. Tem-se erupção cutânea unilateral no conduto auditivo externo, com vesículas coalescentes e posterior formação de crostas em área dolorosa, base eritematosa, sensação de queimação, hipoacusia, vertigem e otalgia importante. É comum em imunossuprimidos, mas pode acontecer em qualquer paciente. Se houver paralisia do NC VII associada classifica-se como síndrome de Ramsay-Hunt. O tratamento é feito com limpeza das lesões, antibiótico tópico, analgesia com opioides, antivirais (Valaciclovir 1g 8/8h 3x/dia ou aciclovir 800mg 5x/dia), corticoides (60mg prednisona por 7 dias). Em alguns casos pode-se ter neuralgia pós-herpética. Dermatite atópica Dermatite seborreica Otites – Dr. Lucas Hamed 5 12) Otite média aguda A otite média aguda se caracteriza pelo surgimento rápido de sinais e sintomas de inflamação do mucoperiósteo da orelha média que envolve a membrana timpânica e suas estruturas posteriores, podendo ter etiologia viral ou bacteriana. Os sintomas possuem uma duração inferior a quatro semanas, sendo que crianças de 6 a 12 meses e indivíduos do sexo masculino apresentam maior predisposição ao desenvolvimento de otite média aguda. Fisiopatologia: tuba auditiva tem uma abertura ativa pela contração do músculo tensor do véu palatino, sendo mais curta e horizontalizada na criança, fato que facilita a progressão de patógenos da nasofaringe. O ouvido médio se comunica com a tuba auditiva, então uma disfunção tubária – por edema e inflamação – deixa a pressão da orelha média mais negativa, fato que favorece o acúmulo de secreções e a colonização bacteriana. De modo geral, a fisiopatologia da otite média aguda depende da associação de fatores imunológicos, disfunção tubária e processo infeccioso associado. Como principais bactérias causadores de otite média aguda tem-se Haemophilus influenzae, Streptococcus pneumoniae e Moraxella catarrhalis. Além disso, pode-se ter infecção por vírus sincicial respiratório, influenza A e B e adenovírus, sendo que a coinfecção viral e bacteriana (66%) acontece na maioria dos casos. Fatores de risco: infecções de vias aéreas superiores, creche ou escola, uso de chupeta, não aleitamento materno, tabagismo passivo, idade, anormalidades craniofaciais, predisposição genética, deficiência de imunoglobulinas e doença do refluxo gastroesofágico (favorece entrada de secreção no ouvido médio pela tuba auditiva). Quadro clínico: os pacientes apresentam otalgia, febre, irritabilidade, vômitos, diarreia, fadiga, hiporexia. Na otoscopia tem-se membrana timpânica hiperemiada e com abaulamento, otorreia e aumento da vascularização– lembrando que a membrana pode ficar hiperemiada ao choro da criança. Pode-se ter patologias do nariz como pólipos, desvio de septo e tumores de rinofaringe associados. Como sinais de gravidade tem-se otalgia por mais de 48h, febre > 39°C, toxemia, crianças menores de 6 meses, recidiva em menos de 30 dias, imunodeficiências, anormalidades craniofaciais (lábio leporino e estenose do nariz), entre outros. Tratamento: em pacientes sem otorreia, com OMA unilateral a partir dos 6 meses ou bilateral a partir dos dois anos e sem sinais de gravidade pode-se fazer uma observação inicial para avaliar a necessidade de antibioticoterapia. Se necessário, o tratamento deve ser realizado com antibióticos (amoxicilina 80 a 90 mg/kg/dia) e descongestionantes tópicos para alívio dos sintomas. Se não melhorar pode-se utilizar amoxicilina + clavulanato ou cefalosporina de segunda geração se o paciente for alérgico a penicilina. Em caso de galha terapêutica após 48h ou 72h utiliza-se ceftriaxona IM 50mg/kg/dia por 3 dias, além de realizar timpanocentese e cultura da efusão em casos de toxemia, febre alta, RN de alto risco, OMA em UTI pediátrica, complicações supurativas e OMA refratária. Duração do tratamento < 2 anos ou OMA grave 10 dias 2 a 5 anos e OMA não grave 7 a 10 dias > 5 anos e OMA não grave 5 a 7 dias Otite média aguda
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