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Durante séculos, a arquitetura, a pintura e a escultura têm sido denominadas as Belas-Artes, ou seja, as artes que estão envolvidas com «o belo» e agradam aos olhos, tal como a música agrada ao ouvido. Na verdade, a maioria das pessoas julga a arquitetura por sua aparência externa, assim como os livros sobre o assunto são usualmente ilustrados com imagens de exteriores de edifícios. As pedras tumulares aglomeram-se eretas como os arranha-céus numa cidade americana, os próprios arranha-céus que formam o background distante da fotografia. Visto de um avião a grande altitude, até o mais gigantesco arranha-céu é apenas um bloco alto de pedra, uma mera forma escultural, não um edificio real em que podem viver pessoas. De súbito, eles adquirem uma escala humana, tornam-se casas para seres humanos como nós mesmos e não para as minúsculas bonecas observadas do alto. Essa estranha transformação ocorre no instante em que os contornos dos edificios começam a se elevar acima do horizonte, de modo que obtemos deles uma perspectiva lateral, em vez de os olharmos de cima para baixo. Os edificios entram numa nova fase de existência, passam a ser arquitetura em vez de brinquedos bem arrumados - pois a arquitetura significa formas criadas em torno do homem, criadas para nelas se viver, não meramente para serem vistas de fora. Quando suas intenções são coroadas de êxito, ele é como o perfeito anfitrião que proporciona todo o conforto a seus hóspedes, de modo que conviver com ele é uma grata experiência. Mas quando, numa cidade moderna, constrói-se um moderno edifício de escritórios com uma fachada que é cópia fiel de um palácio veneziano, a coisa torna-se inteiramente desprovida de significado, mesmo que o seu protótipo seja encantador – quer dizer, encantador em Veneza, no local certo e no meio circundante exato. O seu edifício deve, de preferência, estar à frente do seu tempo quando é projetado, a fim de que possa acompanhar a marcha dos tempos enquanto se mantiver de pé. Por muito bela que seja a sua concepção de um jardim, este, não obstante, será um fracasso se não constituir o ambiente adequado para as plantas, se estas não puderem aí vicejar. Além disso, a fim de entender completamente a arquitetura, é preciso lembrar que as pessoas que tocam a música não são músicos sensíveis que interpretam a partitura de outrem, dando-lhe seu fraseado especial, acentuando uma ou outra coisa na peça. Pelo contrário, são uma multidão de pessoas comuns que, como formigas que trabalham juntas para construir um formigueiro, contribuem impessoalmente com suas especialidades profissionais para o todo, freqüentemente sem compreender aquilo que estão ajudando a criar. O fato de o ritmo e a harmonia terem surgido na arquitetura seja uma catedral medieval, seja o mais moderno edifício de estrutura de aço – deve ser atribuído à organização que é a idéia subjacente da arte. Baseia-se num certo número de instintos humanos, de descobertas e experiências comuns a todos nós num estágio muito precoce de nossas vidas - sobretudo, a nossa relação com coisas inanimadas. Diante de um muro muito alto, do qual não pode tatear o cimo por mais que estenda os braços, a criança obtém uma idéia da consistência desse muro, lançando sua bola contra ele. A criança descobre desde muito cedo que algumas coisas são duras, outras moles, e que algumas são tão plásticas a ponto de poderem ser amassadas e moldadas pela mão. Aprende que as coisas duras podem ser estilhaçadas por materiais ainda mais duros e resistentes, para que se tornem afiados e cortantes e, portanto, objetos de corte como um diamante são percebidos como duros. Inversamente, substâncias flexíveis, maleáveis, como a massa de pão, podem receber formas arredondadas e, seja como for que as cortemos, a seção mostrará sempre uma curva ininterrupta. A partir de tais observações, aprendemos que existem certas formas qualificadas como duras e outras como macias, independentemente de os materiais de que são feitas serem realmente duros ou macios. Podemos realmente ver como a peça foi ganhando forma no torno do oleiro, como o barro maleável se submeteu humildemente às mãos do artesão, deixando-se pressionar embaixo, para dilatar-se em cima. Para evitar rebordos, o barro sai de um tubo, como creme dental, é modelado pelos dedos do oleiro e depois fixado ao corpo da xícara numa curva delicada, agradável de pegar. Quando dizemos que uma xícara como essa tem uma forma «macia», isso deve-se inteiramente a uma série de experiências infantis que nos ensinaram como materiais macios e duros respondem à manipulação. Como exemplo da qualidade oposta, isto é, uma estrutura cuja forma é manifestamente «dura», selecionamos o palácio romano conhecido como Palazzo Punta di Diamanti. Certos períodos preferiam efeitos duros desse tipo, enquanto outros se empenharam em construir seus edifícios suaves e «macios», e há muita arquitetura que contrapõe o macio ao duro para efeitos de contraste. A alvenaria do tipo silhar, com juntas profundas, é freqüentemente imitada em tijolo, não para produzir uma ilusão fraudulenta, mas, simplesmente, como um meio de expressão artística. Talvez não seja surpreendente podermos ver tais diferenças a olho nu, mas é certamente notável que, sem tocar os materiais, tenhamos consciência da diferença essencial entre coisas tais como barro queimado, pedra cristalina e concreto. um sistema indubitavelmente prático, quando se faz necessário levantar uma placa de concreto, para poder apoiar a alavanca no granito, muito menos suscetível de se fragmentar sob o peso da placa. E quando, como acontece às vezes, esse pavimento é ladeado por amplas faixas de asfalto ou cascalho e rematado por pedra de meio-fio, a moderna calçada dinamarquesa converte-se num verdadeiro mos-truário de materiais de pavimentação, que não pode ser comparado com os pavimentos de épocas mais civilizadas, agradáveis aos olhos e confortáveis para os pés. Na Suíça, o calçamento de pedras é extremamente bonito, como podemos ver nas fotografias de uma praça pequena e tranqüila em Fribourg, onde a pavimentação disposta lindamente produz prazer estético aos olhos e tem seu perfeito contraponto na uniforme pedra calcária amarelo-pálida dos muros circundantes e da fonte. Quando olhamos os instrumentos produzidos pelo homem -usando o termo instrumento na acepção ampla que inclui edifícios e seus cômodos -, verificamos que, por meio do material, forma,cor e outras qualidades perceptivas, o homem pôde incutir em cada instrumento seu caráter individual. Parece haver algo de meticuloso, de austero num guarda-chuva, algo frio e reservado - um ar de dignidade que falta comple- tamente à raquete. Assim como não notamos as letras individuais de uma palavra, mas recebemos uma impressão total da idéia que a palavra comunica, tampouco temos consciência, de um modo geral, do que é que percebemos, mas apenas da concepção criada em nossa mente quando a percebemos. Se, mais tar-de, no mesmo dia, esse jogador comparecer a uma cerimônia oficial em uniforme ou traje de gala, não só sua aparência terá mu-dado, mas todo o seu ser. Passando desses exemplos da vida cotidiana para a arquitetura, verificamos que os melhores edifícios foram construídos quando o arquiteto foi inspirado por algum aspecto do problema que tem a resolver, cuja solução dará ao edifício um cunho distinto. Em memórias da mesma época, verificamos que o modo de vida se harmoniza com o quadro externo, e que também os edifícios, ruas e cidades estão sintonizados com o ritmo da época. Devemos estar conscientes dos efeitos texturais, descobrir por que certas cores foram usadas e não outras, como a escolha dependeu da orientação dos cômodos em relação às janelas e ao sol. O brinquedo da criança prossegue na criação do adulto e enquanto o homem progride dos simples blocos de armar para os mais refinados implementos, ele também avança do jogo da caverna, para métodos cada vez maisrefinados de espaços fechados.
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