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louis kahn

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Durante	séculos,	a	arquitetura,	a	pintura	e	a	escultura	têm	sido	denominadas	as	Belas-Artes,	ou	seja,	as	artes	que	estão	envolvidas	
com	«o	belo»	e	agradam	aos	olhos,	tal	como	a	música	agrada	ao	ouvido.		
Na	verdade,	a	maioria	das	pessoas	julga	a	arquitetura	por	sua	aparência	externa,	assim	como	os	livros	sobre	o	assunto	são	
usualmente	ilustrados	com	imagens	de	exteriores	de	edifícios.		
As	pedras	tumulares	aglomeram-se	eretas	como	os	arranha-céus	numa	cidade	americana,	os	próprios	arranha-céus	que	formam	o	
background	distante	da	fotografia.		
Visto	de	um	avião	a	grande	altitude,	até	o	mais	gigantesco	arranha-céu	é	apenas	um	bloco	alto	de	pedra,	uma	mera	forma	
escultural,	não	um	edificio	real	em	que	podem	viver	pessoas.		
De	súbito,	eles	adquirem	uma	escala	humana,	tornam-se	casas	para	seres	humanos	como	nós	mesmos	e	não	para	as	minúsculas	
bonecas	observadas	do	alto.		
Essa	estranha	transformação	ocorre	no	instante	em	que	os	contornos	dos	edificios	começam	a	se	elevar	acima	do	horizonte,	de	
modo	que	obtemos	deles	uma	perspectiva	lateral,	em	vez	de	os	olharmos	de	cima	para	baixo.		
Os	edificios	entram	numa	nova	fase	de	existência,	passam	a	ser	arquitetura	em	vez	de	brinquedos	bem	arrumados	-	pois	a	
arquitetura	significa	formas	criadas	em	torno	do	homem,	criadas	para	nelas	se	viver,	não	meramente	para	serem	vistas	de	fora.		
Quando	suas	intenções	são	coroadas	de	êxito,	ele	é	como	o	perfeito	anfitrião	que	proporciona	todo	o	conforto	a	seus	hóspedes,	
de	modo	que	conviver	com	ele	é	uma	grata	experiência.		
Mas	quando,	numa	cidade	moderna,	constrói-se	um	moderno	edifício	de	escritórios	com	uma	fachada	que	é	cópia	fiel	de	um	
palácio	veneziano,	a	coisa	torna-se	inteiramente	desprovida	de	significado,	mesmo	que	o	seu	protótipo	seja	encantador	–	quer	
dizer,	encantador	em	Veneza,	no	local	certo	e	no	meio	circundante	exato.		
O	seu	edifício	deve,	de	preferência,	estar	à	frente	do	seu	tempo	quando	é	projetado,	a	fim	de	que	possa	acompanhar	a	marcha	
dos	tempos	enquanto	se	mantiver	de	pé.		
Por	muito	bela	que	seja	a	sua	concepção	de	um	jardim,	este,	não	obstante,	será	um	fracasso	se	não	constituir	o	ambiente	
adequado	para	as	plantas,	se	estas	não	puderem	aí	vicejar.		
Além	disso,	a	fim	de	entender	completamente	a	arquitetura,	é	preciso	lembrar	que	as	pessoas	que	tocam	a	música	não	são	
músicos	sensíveis	que	interpretam	a	partitura	de	outrem,	dando-lhe	seu	fraseado	especial,	acentuando	uma	ou	outra	coisa	na	
peça.		
Pelo	contrário,	são	uma	multidão	de	pessoas	comuns	que,	como	formigas	que	trabalham	juntas	para	construir	um	formigueiro,	
contribuem	impessoalmente	com	suas	especialidades	profissionais	para	o	todo,	freqüentemente	sem	compreender	aquilo	que	
estão	ajudando	a	criar.		
O	fato	de	o	ritmo	e	a	harmonia	terem	surgido	na	arquitetura	seja	uma	catedral	medieval,	seja	o	mais	moderno	edifício	de	
estrutura	de	aço	–	deve	ser	atribuído	à	organização	que	é	a	idéia	subjacente	da	arte.		
Baseia-se	num	certo	número	de	instintos	humanos,	de	descobertas	e	experiências	comuns	a	todos	nós	num	estágio	muito	precoce	
de	nossas	vidas	-	sobretudo,	a	nossa	relação	com	coisas	inanimadas.		
Diante	de	um	muro	muito	alto,	do	qual	não	pode	tatear	o	cimo	por	mais	que	estenda	os	braços,	a	criança	obtém	uma	idéia	da	
consistência	desse	muro,	lançando	sua	bola	contra	ele.		
A	criança	descobre	desde	muito	cedo	que	algumas	coisas	são	duras,	outras	moles,	e	que	algumas	são	tão	plásticas	a	ponto	de	
poderem	ser	amassadas	e	moldadas	pela	mão.		
Aprende	que	as	coisas	duras	podem	ser	estilhaçadas	por	materiais	ainda	mais	duros	e	resistentes,	para	que	se	tornem	afiados	e	
cortantes	e,	portanto,	objetos	de	corte	como	um	diamante	são	percebidos	como	duros.		
Inversamente,	substâncias	flexíveis,	maleáveis,	como	a	massa	de	pão,	podem	receber	formas	arredondadas	e,	seja	como	for	que	
as	cortemos,	a	seção	mostrará	sempre	uma	curva	ininterrupta.	A	partir	de	tais	observações,	aprendemos	que	existem	certas	
formas	qualificadas	como	duras	e	outras	como	macias,	independentemente	de	os	materiais	de	que	são	feitas	serem	realmente	
duros	ou	macios.	Podemos	realmente	ver	como	a	peça	foi	ganhando	forma	no	torno	do	oleiro,	como	o	barro	maleável	se	
submeteu	humildemente	às	mãos	do	artesão,	deixando-se	pressionar	embaixo,	para	dilatar-se	em	cima.		
Para	evitar	rebordos,	o	barro	sai	de	um	tubo,	como	creme	dental,	é	modelado	pelos	dedos	do	oleiro	e	depois	fixado	ao	corpo	da	
xícara	numa	curva	delicada,	agradável	de	pegar.		
Quando	dizemos	que	uma	xícara	como	essa	tem	uma	forma	«macia»,	isso	deve-se	inteiramente	a	uma	série	de	experiências	
infantis	que	nos	ensinaram	como	materiais	macios	e	duros	respondem	à	manipulação.		
Como	exemplo	da	qualidade	oposta,	isto	é,	uma	estrutura	cuja	forma	é	manifestamente	«dura»,	selecionamos	o	palácio	romano	
conhecido	como	Palazzo	Punta	di	Diamanti.		
Certos	períodos	preferiam	efeitos	duros	desse	tipo,	enquanto	outros	se	empenharam	em	construir	seus	edifícios	suaves	e	
«macios»,	e	há	muita	arquitetura	que	contrapõe	o	macio	ao	duro	para	efeitos	de	contraste.		
A	alvenaria	do	tipo	silhar,	com	juntas	profundas,	é	freqüentemente	imitada	em	tijolo,	não	para	produzir	uma	ilusão	fraudulenta,	
mas,	simplesmente,	como	um	meio	de	expressão	artística.		
Talvez	não	seja	surpreendente	podermos	ver	tais	diferenças	a	olho	nu,	mas	é	certamente	notável	que,	sem	tocar	os	materiais,	
tenhamos	consciência	da	diferença	essencial	entre	coisas	tais	como	barro	queimado,	pedra	cristalina	e	concreto.		
um	sistema	indubitavelmente	prático,	quando	se	faz	necessário	levantar	uma	placa	de	concreto,	para	poder	apoiar	a	alavanca	no	
granito,	muito	menos	suscetível	de	se	fragmentar	sob	o	peso	da	placa.		
E	quando,	como	acontece	às	vezes,	esse	pavimento	é	ladeado	por	amplas	faixas	de	asfalto	ou	cascalho	e	rematado	por	pedra	de	
meio-fio,	a	moderna	calçada	dinamarquesa	converte-se	num	verdadeiro	mos-truário	de	materiais	de	pavimentação,	que	não	pode	
ser	comparado	com	os	pavimentos	de	épocas	mais	civilizadas,	agradáveis	aos	olhos	e	confortáveis	para	os	pés.		
Na	Suíça,	o	calçamento	de	pedras	é	extremamente	bonito,	como	podemos	ver	nas	fotografias	de	uma	praça	pequena	e	tranqüila	
em	Fribourg,	onde	a	pavimentação	disposta	lindamente	produz	prazer	estético	aos	olhos	e	tem	seu	perfeito	contraponto	na	
uniforme	pedra	calcária	amarelo-pálida	dos	muros	circundantes	e	da	fonte.		
Quando	olhamos	os	instrumentos	produzidos	pelo	homem	-usando	o	termo	instrumento	na	acepção	ampla	que	inclui	edifícios	e	
seus	cômodos	-,	verificamos	que,	por	meio	do	material,	forma,cor	e	outras	qualidades	perceptivas,	o	homem	pôde	incutir	em	cada	
instrumento	seu	caráter	individual.		
Parece	haver	algo	de	meticuloso,	de	austero	num	guarda-chuva,	algo	frio	e	reservado	-	um	ar	de	dignidade	que	falta	comple-
tamente	à	raquete.		
Assim	como	não	notamos	as	letras	individuais	de	uma	palavra,	mas	recebemos	uma	impressão	total	da	idéia	que	a	palavra	
comunica,	tampouco	temos	consciência,	de	um	modo	geral,	do	que	é	que	percebemos,	mas	apenas	da	concepção	criada	em	nossa	
mente	quando	a	percebemos.		
Se,	mais	tar-de,	no	mesmo	dia,	esse	jogador	comparecer	a	uma	cerimônia	oficial	em	uniforme	ou	traje	de	gala,	não	só	sua	
aparência	terá	mu-dado,	mas	todo	o	seu	ser.		
Passando	desses	exemplos	da	vida	cotidiana	para	a	arquitetura,	verificamos	que	os	melhores	edifícios	foram	construídos	quando	o	
arquiteto	foi	inspirado	por	algum	aspecto	do	problema	que	tem	a	resolver,	cuja	solução	dará	ao	edifício	um	cunho	distinto.		
Em	memórias	da	mesma	época,	verificamos	que	o	modo	de	vida	se	harmoniza	com	o	quadro	externo,	e	que	também	os	edifícios,	
ruas	e	cidades	estão	sintonizados	com	o	ritmo	da	época.		
Devemos	estar	conscientes	dos	efeitos	texturais,	descobrir	por	que	certas	cores	foram	usadas	e	não	outras,	como	a	escolha	
dependeu	da	orientação	dos	cômodos	em	relação	às	janelas	e	ao	sol.		
O	brinquedo	da	criança	prossegue	na	criação	do	adulto	e	enquanto	o	homem	progride	dos	simples	blocos	de	armar	para	os	mais	
refinados	implementos,	ele	também	avança	do	jogo	da	caverna,	para	métodos	cada	vez	maisrefinados	de	espaços	fechados.

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