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Relações Privadas e Internet Aula n. 09 28.04.2021 Marcel Edvar Simões Procurador Federal Mestre e Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP Professor de Direito Digital e Direito Civil • E-mail: mam.simoes@uol.com.br • Grupo no Telegram: Direito Digital c/ Prof Marcel Simões (acesse e ingresse pelo link: t.me/direitodigitalprofmarcel) • Link para a pasta com material da disciplina no onedrive: https://unipead- my.sharepoint.com/:f:/g/personal/marcel_simoes_docente_unip_br/EtzMaFX6OU NNi1zwEMG1ZhEBnweZ99uplMM2K8XyYKwH6g mailto:mam.simoes@uol.com.br mailto:t.me/direitodigitalprofmarcel@uol.com.br https://unipead-my.sharepoint.com/:f:/g/personal/marcel_simoes_docente_unip_br/EtzMaFX6OUNNi1zwEMG1ZhEBnweZ99uplMM2K8XyYKwH6g Ponto III. Internet e direitos da personalidade 1. Relações jurídicas de direito da personalidade. 1.1. Conceito: são as relações jurídicas que têm por conteúdo os chamados direitos da personalidade. Estes, por seu turno, são os direitos subjetivos inerentes à pessoa humana, inatos, e que têm por objeto os aspectos mais importantes, essenciais, da pessoa, nas suas dimensões física, moral e intelectual (conceito de FRANCISCO AMARAL, adaptado). 1.2. Fundamento: direto ao respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III CF). Os direitos da personalidade, no âmbito das relações entre os particulares (assim como os direitos fundamentais, no âmbito das relações entre o particular e o Estado) correspondem à primeira linha de defesa do direito ao respeito à dignidade humana – o mais importante direito da esfera jurídica individual de cada pessoa. 1.3. Direito geral de personalidade (corresponde ao direito ao respeito à dignidade da pessoa humana) vs. direitos da personalidade (são emanações do direito geral de personalidade, compondo um rol aberto). 1.4. Características dos direitos da personalidade: a) Absolutismo ou caráter absoluto (oponibilidade erga omnes). As relações jurídicas de direito da personalidade apresentam sujeito passivo universal (os direitos da personalidade são oponíveis erga omnes, isto é, se voltam contra todos: todos os demais sujeitos têm que respeitar o direito da personalidade. b) Intransmissibilidade (ou inalienabilidade, ou ainda indisponibilidade) c) Irrenunciabilidade. d) Impossibilidade de limitação voluntária (permanente e geral). e) Imprescritibilidade. f) Impenhorabilidade. g) Impossibilidade de desapropriação. h) Vitaliciedade. i) Numerus apertus ou não taxatividade. j) Extrapatrimonialidade . 1.5. Rol de direitos da personalidade previstos pelo Código Civil, ou reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência, ou em processo de reconhecimento: 1.5.1. Previstos no CC: 1.5.1.1. direito à integridade física (ou direito meramente limitado a atos de disposição sobre o próprio corpo): arts. 13 e 14 CC. 1.5.1.2. direito à não submissão a tratamento médico de risco (art. 15 CC). 1.5.1.3. direito ao nome (arts.16 a 18 CC) e ao pseudônimo (art. 19 CC). 1.5.1.4. direito à palavra (art. 20). 1.5.1.5. direito à imagem (art. 20). 1.5.1.6..direito à honra (art. 20). 1.5.1.7. direito à vida privada (abrangendo direito à proteção da intimidade): art. 21 CC. 1.5.2. Não previstos no CC: 1.5.2.1. direito ao esquecimento (cuja presença no ordenamento jurídico brasileiro foi recentemente negada pelo STF, mas vislumbra-se a possibilidade de rediscussão no futuro*) 1.5.2.2. direito à memória e/ou direito à verdade (será um direito da personalidade? Ou um direito fundamental, apenas?) 1.5.2.3. direito à identidade pessoal, direito à identidade (de gênero, pessoal etc). REsp n.º 1063304, por exemplo. 1.5.2.4. direito à saúde, como direito à liberdade sexual. 1.5.2.5. direito à identidade genética (que não implica que se reconheça, exatamente, uma relação de paternidade). 1.5.2.6. direito à autodeterminação informacional e à proteção dos dados pessoais** ** Em decisão proferida em 07.05.2020, o Supremo Tribunal Federal, em votação quase unânime (10 votos a 1), referendou a medida cautelar deferida pela Ministra Rosa Weber no âmbito de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Acórdão Publicado - Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.387 - Distrito Federal). Nesse julgado, o STF reconheceu a existência no sistema jurídico brasileiro de um direito fundamental autônomo à proteção de dados pessoais e um direito fundamental implícito à autodeterminação informativa ou informacional, espinha dorsal da Lei Geral de Proteção de Dados. * Leiam a entrevista da Professora Karina Fritz sobre o tema em: https://www.migalhas.com.br/quentes/340757/direito-ao- esquecimento-esta-implicito-na-cf-diz-especialista https://www.migalhas.com.br/quentes/340757/direito-ao-esquecimento-esta-implicito-na-cf-diz-especialista 2. Direito à privacidade 2.1. Sede legal: art. 21 CC (previsão expressa do direito à vida privada como direito da personalidade); art. 5º, X CF (previsão expressa dos direitos fundamentais à intimidade e à vida privada. 2.2. Privacidade, intimidade e vida privada. Para alguns autores, são termos sinônimos. Contudo, entendemos que a melhor doutrina é a que adota a seguinte sistematização (cf. MARCELO MARINELI, Privacidade e Redes Sociais Virtuais): (i) direito à privacidade (gênero): direito da personalidade atribuído a toda pessoa de manter certos momentos, aspectos, informações e dados relacionados à própria vida ao abrigo de invasões e divulgações não autorizadas. É sustentável que a pessoa jurídica também seja titular desse direito. Abrange duas espécies (dois círculos concêntricos ligados à privacidade): (i.1.) direito à vida privada: é a esfera de maior amplitude. Diz respeito ao indivíduo em face de seus parentes, amigos, e pessoas próximas, como colegas de trabalho e relações comerciais. É o direito à privacidade inserido em um contexto de convivência social (exemplos: e-mails, fatos ocorridos na residência, viagens, momentos de lazer, hábitos consumistas, estilo de vida etc.) (i.2.) direito à intimidade: é o círculo de amplitude mais reduzida. Diz respeito ao indivíduo consigo mesmo, apenas. Está ausente o elemento da convivência social. Exemplos: diário; dores e traumas que a pessoa mantém reservadas para si; paixões secretas; preferências sexuais íntimas; a inviolabilidade da nudez. São dados que permanecem inacessíveis a conhecidos e amigos (e às vezes até mesmo a familiares). Abrange, para alguns, intimidade pessoal e intimidade do casal. * Essa distinção foi agasalhada no voto do Min. Ayres Brito no julgamento pelo STF da ADIn n. 4.277 (j. em 05.05.2011) – reconhecimento das uniões homoafetivas. 2.3. Enunciados das Jornadas de Direito Civil: Enunciado n. 404: “404 - Art. 21. A tutela da privacidade da pessoa humana compreende os controles espacial, contextual e temporal dos próprios dados, sendo necessário seu expresso consentimento para tratamento de informações que versem especialmente o estado de saúde, a condição sexual, a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, filosóficas e políticas.” Enunciado n. 405: “405 - Art. 21. As informações genéticas são parte da vida privada e não podem ser utilizadas para fins diversos daqueles que motivaram seu armazenamento, registro ou uso, salvo com autorização do titular.” 2.4. Casos famosos envolvendo direito à privacidade no Brasil fora do ambiente da internet: 2.4.1. Caso Chico Buarque e Celina Sjostedt (2005). Fotografias tiradas por um paparazzo e publicadas em revistas de celebridades. Questão central do caso, que não chegou a ser judicializado, foi a autoexposição de pessoa pública. Na França, apenas a título de comparação, só se negocia a foto de quem autoriza a publicação por escrito. Chico Buarque defendeu que teve a privacidade violada ao ser fotografado em uma praia no Rio de Janeiro aos beijos com Celina Sjostedt, esposa do dono de um estúdio de música frequentado pelo artista. A fotografia estampou a capa de duas revistas em 2005. Dias após o episódio, Celina publicou uma nota dizendo que,apesar de ser casada, tem uma vida independente do marido, mas que não era namorada do cantor. 2.4.2. Casos de revista íntima no ambiente de trabalho (vedação – inclusive no art. 373 CLT). 2.4.3. ADIn n.º 4815 (julgada pelo STF em 10.06.2015; acórdão publicado em 01.02.2016), conhecida como “ADIn das biografias”. Decisão Final: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Relatora, julgou procedente o pedido formulado na ação direta para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas). 2.4.4. Caso Marisa Letícia e divulgação de dados médicos e exames. 2.5. O direito à privacidade é, em última análise, um direito de exclusão: o direito de decidir se e até que ponto/momento eu posso ter uma informação pessoal divulgada. 2.6. Cabe tanto tutela preventiva (ação inibitória) quanto tutela repressiva (ação condenatória em obrigação de fazer, não fazer e indenizatória). 2.7. Mas, em face deste direito, como fica o “direito de expressão” previsto constitucionalmente? Como ficam a liberdade de expressão (art. 5º, IX CF) e a liberdade de imprensa (art. 220 CF)? Como cotejar as duas normas? R: sempre haverá a necessidade de uma análise no caso concreto. Técnica da ponderação, de ALEXY. 2.8. Critérios que vem sendo utilizados na jurisprudência do STJ para a ponderação de direitos fundamentais (privacidade vs. liberdade de expressão/imprensa): (i) se a informação tem ou não tem característica de interesse público. (ii) se a pessoa é ou não é uma pessoa pública (pessoa pública tem sua esfera de vida privada, mas o tratamento é diferente, seria uma esfera naturalmente menor de privacidade). (iii) se a pessoa se colocou ou não na situação de ter a sua vida privada exposta (assumiu o risco). E.g.: mulher que faz topless em praia. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em 2004 que uma mulher que fez topless em uma praia pública em Santa Catarina e teve uma foto publicada em um jornal não seria indenizada por danos morais. Ela alegou que se expôs apenas às pessoas da praia e não a um veículo de circulação nacional. Segundo o jornal, a cena foi publicada sem chamada sensacionalista ou uso irregular da foto e o fotógrafo tinha direito a fazer a imagem. 2.9. Casos envolvendo direito à privacidadeno ambiente da internet no Brasil: 2.9.1. Caso Daniela Cicarelli e Renato Malzoni (2006). Foi o primeiro grande debate acerca da privacidade na internet no Brasil (2006). A modelo Daniela Cicarrelli conseguiu em 2007 que um vídeo dela com o namorado em cenas íntimas em uma praia na Espanha fosse retirado do YouTube. A decisão foi tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (o Youtube havia sido retirado do ar por alguns dias por decisão do juiz de primeiro grau, causando revolta entre seus usuários). O caso gerou grande repercussão e chegou a veículos internacionais, como o jornal The New York Times. Apesar dos esforços em retirar as imagens do ar, muitos usuários do site relocaram as imagens na internet em diversos sites diferentes. Em 2015, o STJ determinou que fosse paga uma indenização pela empresa no valor de R$ 500 mil a Cicarelli (ela havia pedido R$ 94 milhões). Caso julgado antes do advento do Marco Civil da Internet. 2.9.2. Caso Carolina Dieckman – resultou na edição da Lei n. 12.737/2012, que introduziu no CP o art. 154-A, prevendo o crime de invasão de dispositivo informático: “Art. 154-A Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.”
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