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POLÍTICAS SETORIAIS III Aline Michele Nascimento Augustinho Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Descrever a trajetória histórica da Política Nacional do Idoso, a cons- trução do Estatuto do Idoso e suas diretrizes. Identificar as competências dos órgãos e entidades públicos nas diversas áreas de atenção à pessoa idosa. Descrever as formas de controle social e atuação na promoção dos direitos das pessoas idosas. Introdução As políticas públicas destinadas às pessoas idosas refletem a leitura que instituições e a sociedade civil fazem do processo de envelhecimento. No Brasil, por décadas visto como um país jovem e com pirâmide populacio- nal rejuvenescida, o desenvolvimento de políticas direcionadas à pessoa idosa teve uma longa trajetória, que percorre quase todo o século XX. Neste capítulo, você verá os elementos históricos que fundamentam a criação da Política Nacional do Idoso e o Estatuto do Idoso. Além disso, verá as formas de trabalho e contribuição da administração pública na atenção à pessoa idosa, bem como compreenderá algumas das formas de participação social e defesa dos direitos da pessoa idosa, principalmente o desenvolvimento do controle democrático. Trajetória histórica das políticas sobre o envelhecimento As políticas públicas voltadas aos idosos, no Brasil, possuem uma trajetória recente, fruto das refl exões sobre o envelhecimento populacional no país, que chega à nação tardiamente, se comparado ao processo de envelhecimento po- pulacional dos países capitalistas centrais. Embora se verifi quem apontamentos específi cos para pessoas idosas no Código Civil de 1916, no Código Penal de 1940 e no Código Eleitoral de 1965, não houve a criação de dispositivos legais para políticas públicas setoriais que contemplassem esse segmento social até a década de 1990 (RODRIGUES, 2001). De acordo com Silva (2016, documento on-line), “A compreensão da lon- gevidade como conquista da humanidade requer um redirecionamento das ações do Estado destinadas ao segmento social idoso e a todas as gerações”, mas a concepção da integração desse segmento às camadas sociais conside- radas “produtivas” percorre uma longa trajetória no Brasil. Rodrigues (2001) aponta a criação de dispositivos nucleares que não partiam de um princípio de proteção ampla à pessoa idosa, mas sim de especificidades sobre a pessoa idosa quando associada a processos sociais mais amplos. O marco de transição do olhar da administração pública sobre a pessoa idosa no Brasil viria com a criação da Renda Mensal Vitalícia (Lei nº. 6179), em 1974, pelo Instituto Nacional de Previdência Social, e, essencialmente, com a Constituição Federal de 1988 (RODRIGUES, 2001). Entretanto, até pouco além de meados do século XX, eram as categorias profissionais relacionadas à medicina que discutiam a construção de formas de atenção direcionadas à população idosa, principalmente a partir de espe- cialidades médicas como a geriatria e a gerontologia, como expressa a reunião da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, em 1961 (WILLING; LENARDT; MÉIER, 2012). O processo de envelhecimento acarreta em alterações físico-biológicas, psicológicas e sociais, mas é a interpretação das alterações biológicas ao longo do processo de envelhecimento que emerge mais cedo e capta a atenção de profissionais da saúde — principalmente as alterações que levam à necessidade de cuidados pelos familiares, pois incidiam sobre os índices de solitude de institucionalização de idosos —, sendo esta a área que comportara as principais resoluções públicas acerca da população idosa até a década de 1980 (WILLING, LENARDT, MÉIER, 2012). Na busca pela manutenção dos laços dos idosos com o contexto social para combater o isolamento, entidades como o Serviço Social do Comércio (SESC) passaram a promover ações de integração a partir de 1963, com atividades voltadas ao lazer, à cultura e à educação. Para uma melhor compreensão, é preciso contextualizar o cenário social brasileiro nesse período. Até a década de 1980, o Brasil era considerado um país “jovem” ou com pirâmide etária rejuvenescida, salientando a popula- ção jovem em maior número e a população idosa com um número reduzido. A presença de idosos não incidia em alterações estruturais das dinâmicas Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso2 produtivas significativas, a cultura de valorização do trabalho para jovens favorecia o isolamento social e a ausência de políticas públicas específicas não protegia essa população da institucionalização. Por isso, a atenção de instituições para a promoção da integração social dos idosos, ou seja, mantê- -los ativos na conjuntura social, era apenas nuclear, visto que fazia parte de projetos de instituições isoladas. É apenas em 1975 que surge a primeira ação da administração pública brasileira orientada especificamente a esse segmento social, com a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, que estabeleceu critérios referenciais para que as instituições públicas tratassem da saúde e da renda dos idosos, com atenção especial à prevenção à institucionalização (WILLING; LENARDT; MÉIER, 2012). No ano seguinte, em 1976, surge o primeiro marco legislativo, que orientaria a execução de políticas públicas direcionadas especificamente aos idosos: as Diretrizes para uma Política Nacional para a Terceira Idade, que se constituía em práticas direcionadas a idosos em situação de dependência e vulnerabilidade social (WILLING; LENARDT; MÉIER, 2012). Com a emergência das ações setoriais desenvolvidas pelo Ministério da Previdência e Assistência Social e o delineamento da Política Nacional para a Terceira Idade, a situação dos idosos na conjuntura social brasileira passa a ser refletida como uma nova “Questão Social” (SALGADO, 1980). Nesse sentido, os lugares e os papéis sociais dos idosos em uma conjuntura essencialmente jovem passam a ser observados, e a perspectiva de manutenção da interação social, tanto intrageracional — entre idosos — como intergeracional — entre diferentes gerações —, passa a ser vista como uma possibilidade de legitimação e fomento da cidadania dessa população (FARIA, 1977). A ideia de que a inclusão e a interação social dos idosos se constituem como elementos fundamentadores da cidadania seria largamente discutida na década seguinte, a partir de 1980. A transição da perspectiva de depen- dência e fragilidade biopsicológica da população idosa, que incidia sobre os índices de solitude de institucionalização, para a perspectiva da constituição da cidadania dos idosos emerge em contexto global a partir da década de 1980. Nessa década, a Assembleia Internacional sobre o Envelhecimento de Viena, realizada pela Organização das Nações Unidas, em 1982, aponta para as alterações socioestruturais, inclusive produtivas, oriundas do processo constante de alargamento do topo da pirâmide etária: aumentava a longevidade dos indivíduos, ao mesmo tempo que diminuía a taxa de natalidade. A Assembleia resultou em uma série de recomendações sobre como acomo- dar, com qualidade de vida, os idosos ao contexto social produtivo, observando suas características biopsicossociais e direcionando políticas públicas que 3Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso auxiliassem a ressignificar o papel dos idosos na sociedade contemporânea, promovendo o conceito de “envelhecimento ativo”. A ideia de envelhecimento ativo, promovida a partir de então principalmente pela Organização Mundial da Saúde, prevê a manutenção das interações socioprodutivas dos idosos, ou seja: altera-se a dinâmica interpretativa de dependência dos idosos para a interpretação da possibilidade produtiva dessa população, sua manutenção no mercado de trabalho e a orientação de políticas públicas visando a esse objetivo, associadas às práticas culturais e educacionais, expandindo as diretrizesque orientavam os cuidados com a saúde e a renda oriunda da previdência. A perspectiva do envelhecimento ativo, no entanto, não é produto dos esforços institucionais para a manutenção da presença dos idosos em so- ciedade, mas da observação de que o indivíduo idoso, cuja longevidade era cada vez mais ampla nos países capitalistas centrais, permanecia conectado às atividades sociais e de que a ideia de recolhimento associada à idade e à aposentadoria não correspondia mais ao segmento. Por outro lado, na década de 1980, o número global de idosos girava em torno de 2,5 bilhões de pessoas, como apontado pelo Plano Internacional de Viena sobre o Envelhecimento, e os sistemas previdenciários dos Estados Capitalistas não se adequavam mais aos números crescentes de beneficiários. Por isso, a ideia de envelhecimento associada à cidadania que emerge nesse período se associa à integração social, mas também à luta pela manutenção dos direitos sociais adquiridos pelo segmento. No Brasil, dois instrumentos legais refletem o panorama da promoção da cidadania associada ao envelhecimento: a Política Nacional do Idoso (PNI), de 1994, e o Estatuto do Idoso, de 2003. A PNI reafirma os direitos sociais dos idosos, sobretudo os relativos à saúde, contidos na Lei Orgânica da Saúde de 1990 (BRASIL, 1990, documento on-line): Art. 19-I. São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o aten- dimento domiciliar e a internação domiciliar. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002) § 1o Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares incluem-se, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de assistência social, entre outros necessá- rios ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002) § 2o O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora. (Incluído pela Lei nº. 10.424, de 2002.) Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso4 Política Nacional do Idoso A Política Nacional do Idoso (Lei n. 8.842) é o primeiro marco legislativo que expressa e assegura de forma mais direta os direitos sociais da pessoa idosa no Brasil, fundamentado na cidadania, na dignidade e na integralidade dos idosos, expressas pelas chamadas “[...] políticas públicas de envelhecimento” (BRASIL, 1994, documento on-line). A PNI está associada a dois grandes processos de alterações estruturais, políticas, sociais e econômicas: o processo de envelheci- mento global, com a alteração da pirâmide etária, e a redemocratização brasileira. A PNI expressa as lutas sociais por políticas setoriais, que se tornam mais visíveis ao longo da ditadura militar e se tornam centrais na caracterização do conceito de cidadania expresso pela Constituição Federal de 1988. Na Constituição, a pessoa idosa é referenciada nos artigos 14, 40, 201, 203, 229 e 230, em que os direitos dos idosos aparecem associados à seguridade social, principalmente no art. 203, que trata da assistência social e dos programas de seguridade social destinados a pessoas com deficiências e a idosos, mais especificamente no Capítulo VII, “Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e dos Idosos”: Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pes- soas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos trans- portes coletivos urbanos (BRASIL, 1988, documento on-line). Do inciso 1º do art. 230 derivam-se as especificações ao atendimento aos idosos da Lei Orgânica da Saúde de 1990. A PNI, já em seu primeiro capítulo, reproduz e reafirma os pressupostos de cidadania, autonomia e integração expressos na Constituição de 1988: Da Finalidade Art. 1º A política nacional do idoso tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua autonomia, integração e participação efetiva na sociedade. Art. 2º Considera-se idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade (BRASIL, 1994, documento on-line). 5Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso Como pode-se observar, os princípios da cidadania, da dignidade e da integralidade presentes na Constituição aparecem como a finalidade da PNI, reafirmando, portanto, os dispositivos constitucionais na forma de diretrizes para políticas públicas. A PNI orienta a formação de políticas setoriais em associação com outras pastas ministeriais ou outros dispositivos legais que possam, em consonância com os pressupostos constitucionais, assegurar os direitos sociais e a cidada- nia da pessoa idosa. Com essa perspectiva, em 1997 surge o Plano de Ação Governamental para Integração da Política Nacional do Idoso. Nesse plano, nove diferentes ministérios ou entidades públicas se associam para a delimitação de práticas para a pessoa idosa, orientadas pela PNI: Previdência e Assistência Social, Educação, Justiça, Cultura, Trabalho, Saúde, Esporte, Turismo, Transporte, Planejamento e Orçamento. O intuito é que, a partir das responsabilidades de cada setor da administração pública, práticas orientadas pela PNI fossem desenvolvidas, a fim de promover a autonomia e a integração da pessoa idosa e, por meio destas, a dignidade e a cidadania (RODRIGUES, 2001; WILLING; LENARDT; MÉIER, 2012). A partir de então, asseguradas as responsabilidades da sociedade civil e do Estado para com a pessoa idosa, bem como os direitos sociais e a perspectiva de integração, autonomia e cidadania, novas práticas setoriais começaram a se desenvolver, correlatas agora não somente aos temas tradicionalmente associados ao envelhecimento, como a saúde e a previdência, mas ao enve- lhecimento ativo e à participação social. Sem deixar de reafirmar a segurança da pessoa idosa e as responsabilidades civis e institucionais sobre esse segmento social, o Estatuto do Idoso surge, em 2003, como aprofundamento, extensão e especificação dos dispositivos apresentados na PNI, confirmando a perspectiva da proteção e inserindo a da participação. Estatuto do Idoso O Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003), já em seu primeiro artigo, estabelece o critério interpretativo da cidadania da pessoa idosa como fundamental e universal, mas especifi ca que, para além da característica universal dos direitos da pessoa humana, há, ainda, direitos específi cos direcionados às pessoas com idade superior a 60 anos: Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso6 Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando- -se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003, documento on-line). O primeiro artigo é fundamental para a compreensão dos objetivos sociais do Estatuto do Idoso: a pessoa idosa não poderia mais ser considerada como cidadão indistintamente dependente do Estado ou do segmento populacional economicamente ativo, pois se constituía como cidadão integral, cujos direitos deveriam ser assegurados em sua integralidadepara que seu exercício de cidadania e autonomia fossem concretizados. O Estatuto do Idoso também emerge com a intenção de unificar, nos níveis municipal, estadual e federal, as políticas públicas direcionadas à pessoa idosa, a fim de assegurar os direitos já instituídos e permitir, por meio da criação de arenas deliberativas participativas, como os conselhos nos três níveis adminis- trativos, o controle democrático da sociedade civil sobre o cumprimento das premissas do dispositivo, principalmente quando associadas a outras esferas de gestão, como a habitação ou os transportes, por exemplo. A premissa do Estatuto é de que todas as ações públicas destinadas à pessoa idosa tivessem a centralidade legal em um só dispositivo, assegurando, assim, a proteção dos direitos sociais desse segmento, com base no exercício bem sucedido de dispositivos legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente. Com relação à PNI, o Estatuto do Idoso acrescenta a assistência jurídica específica para a pessoa idosa e a garantia da prioridade da atenção da admi- nistração pública, desde a preferência em quaisquer tipos de atendimentos, até a “[...] preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas específicas” (BRASIL, 2003, documento on-line). O Estatuto do Idoso reafirma as responsabilidades do Estado por meio dos direitos sociais da pessoa idosa, porém assegura ainda o direito à ocupação de lugares sociais e ao desempenho de papéis sociais. Fundamenta as disposições por meio da especificação de direitos fundamentais, direito à vida, direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, às especificidades correlatas à segurança alimentar (associadas ao estado e à sociedade civil), à saúde, à educação, à 7Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso cultura, ao esporte e ao lazer, direitos de profissionalização e do trabalho, à Previdência Social, à assistência social, à habitação, ao transporte e às medidas de proteção, correlatas à saúde, à vida, à dignidade e à integração. As políticas direcionadas à pessoa idosa e ao processo de envelhecimento refletem as conquistas de lutas sociais, principalmente ao longo do processo de redemocratização, mas a implementação dessas políticas apresenta lacunas, dificuldades e enfrenta desafios. É preciso, como profissionais, cidadãs e cidadãos, manter atenção plena à efetividade dessas políticas, e não somente à criação de dispositivos legais e diretrizes que reafirmem os direitos sociais adquiridos. A administração pública na atenção à pessoa idosa Defi nidos os direitos, os sistemas de proteção e as responsabilidades da ad- ministração pública e da sociedade civil sobre a pessoa idosa, cabe pontuar algumas das especifi cidades das competências dos órgãos e das entidades públicas à pessoa idosa, nas diversas áreas que compõem as demandas do segmento populacional em envelhecimento. Universalidade De acordo com os diapositivos presentes na Constituição Federal de 1988, na PNI e no Estatuto do Idoso, os direitos sociais da pessoa idosa são universais, não dependentes de contribuição, à exceção da previdência. Além disso, toda política social, ao compreender a participação e a utilização de espaços ou serviços por pessoas idosas, deve ter defi nidas as especifi cidades do acesso desse segmento ao referido direito. Preferência O Estatuto do Idoso aponta a preferência pelas demandas e necessidades das pessoas idosas na confi guração das políticas sociais, setoriais ou universais, portanto, cabe à administração pública e às suas instituições estabelecerem Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso8 as formas de atendimento, acesso e direcionamento às necessidades da pessoa idosa de forma preferencial. Interpretação integralizada da pessoa idosa enquanto cidadão De acordo com os dispositivos da PNI e do Estatuto do Idoso, esse componente inclui a percepção de que as demandas desse segmento não se restringem à saúde, mas a todas as formas que facilitam ou que permitem a integração social, inter e intrageracional, como a educação, a cultura e o lazer, sendo responsabilidade da administração pública primar pela completude no aten- dimento à pessoa idosa. As políticas direcionadas à pessoa idosa, quando não diretamente asso- ciadas aos marcos legislativos que estabelecem e regulamentam seus direitos, são orientadas pelos três princípios citados anteriormente — universalidade, preferência, interpretação integralizada de pessoa idosa enquanto cidadão. Por exemplo, a habitação. Tanto a PNI quanto o Estatuto do Idoso e a própria Constituição estabelecem a moradia como um direito da pessoa idosa, mas não estabelecem quem, como e quando devem provê-la de maneira direta. Todavia, a pessoa idosa tem preferência nos processos de aquisição de bens imóveis populares e financiados pelos governos. Além disso, pessoas com idade superior a 65 anos são protegidas, nas diretrizes do inquilinato, de processos de despejo. No que se refere à saúde, sendo esta uma política social universal, há dispositivos e marcos legais que reafirmam os direitos do idoso no acesso à saúde, como a PNI e o Estatuto do Idoso, considerando-se este um segmento social mais suscetível à vulnerabilidade, também com base no princípio da preferência (CAMARANO, 2006). No caso da saúde, considera-se ainda a possibilidade da utilização da estrutura de atendimento para a reconstrução simbólica dos papéis sociais da pessoa idosa, por meio da difusão dos ideais de participação e de envelhecimento ativo. Por outro lado, o princípio da preferência privilegia o atendimento dos idosos nas unidades de saúde, com exceção de casos de emergência, bem como fundamenta o atendimento domi- ciliar multiprofissional e o acesso gratuito a medicamentos (POLTRONIERI; COSTA; SOARES, 2015). A proteção social, expressa no texto constitucional, procura suplantar as desigualdades sociais e a pobreza ao possibilitar que a pessoa idosa tenha benefício financeiro quando não teve acesso aos sistemas de caráter contribu- tivo, como a previdência (CAMARANO, 2006). Nesse caso, a Lei Orgânica de 9Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso Assistência Social (BRASIL, 1993) estabelece programas e ações direcionadas à proteção social da pessoa idosa, como no caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício de um salário mínimo, concedido às pessoas com idade superior a 65 anos que não possuam renda previdenciária e cuja renda familiar seja menor que um quarto do salário mínimo por pessoa. Outro caráter da proteção social, vinculado à segurança física e à dignidade humana, assegurado pelo Estatuto do Idoso, é a delimitação de penalidades judiciais para a violência contra os idosos, expressas na forma de discrimi- nação, abandono, opressão e violência física. A punibilidade das situações de discriminação e opressão também fundamentam a proteção social nas políticas destinadas à pessoa idosa no mercado de trabalho. A Lei nº. 9.029 veda e pune a discriminação por idade no trabalho, ou formas de opressão e assédio vinculadas à idade da pessoa idosa (BRASIL, 1995). O Estatuto do Idoso também regulamenta a prioridade do atendimento ao idoso na Justiça, regulamentando a prioridade da tramitação dos pro- cessos vinculados ou requeridos pela pessoa idosa. Nas políticas relativas ao transporte, além do princípio da prioridade, a Lei nº. 10.048 (BRASIL, 2000) estabelece que todo veículo de transporte público em território nacional deve conter 10% dos assentos destinados ao uso de idosos, gestantes, pessoas com deficiência e pessoas com crianças de colo. Estacionamentos, públicos ou privados, precisam destinar e identificar 5% das vagas à pessoa idosa. Do ponto de vista do bem-estar e da integração social, as políticas voltadas ao acesso ao lazer, à educação, aos esportes e à cultura também se apoiam no princípio da prioridade, mas ainda possibilitam o desconto de 50% para a pessoa idosa com idade superior a 65 anos. As políticas sociaisdestinadas à proteção e à integração e à autonomia da pessoa idosa são passos constitutivos da cidadania desse segmento e auxiliam no processo de envelhecimento ativo, além de priorizarem um segmento social com maiores possibilidades de vulnerabilidade, como aponta a reflexão a seguir: [...] mesmo com todos os avanços apresentados no Brasil, os déficits de po- líticas públicas direcionadas às pessoas idosas são significativos, trata de compromissos a serem respondidos por todos os níveis de gestão e áreas, de modo a produzirem segurança social aos seus usuários, conforme suas ne- cessidades, situação de vulnerabilidade e risco em que se encontram, ou seja, levar em consideração que o envelhecimento humano é único e heterogênico (POLTRONIERI; COSTA; SOARES, 2015, documento on-line). Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso10 Entretanto, é preciso refletir sobre o alcance, a efetividade e a qualidade de tais políticas, bem como sobre o respeito institucional e social dos direitos sociais da pessoa idosa. Entre os anos de 1980 e 2013, de acordo com o IBGE (2013), a expectativa de vida no Brasil aumentou de 62,7 para 73,9 anos. Um aumento expressivo, que, aliado às políticas sociais destinadas à pessoa idosa, podem promover a melhor qualidade de vida durante o envelhecimento. Participação e controle social dos direitos da pessoa idosa A descentralização do poder é uma das prerrogativas expostas nos três refe- renciais mais importantes sobre a pessoa idosa no Brasil: a Constituição de 1988, a PNI e o Estatuto do Idoso. A perspectiva da descentralização cumpre dois propósitos: a participação social da pessoa idosa e o controle democrático sobre as instituições no que se refere às políticas direcionadas ao segmento. Por isso, entre as formas de controle social e atuação na promoção dos direitos das pessoas idosas, destacam-se os Conselhos de Direito, que abrem o espaço deliberativo para a participação da pessoa idosa, ao mesmo tempo que democratizam as informações sobre seus direitos, sobre a efetividade e o alcance das políticas públicas e o respeito aos marcos legislativos. Por meio dos Conselhos, a pessoa idosa e a sociedade civil podem atuar no controle democrático ao participar das deliberações sobre as ações de gestão, bem como podem organizar mobilizações reivindicativas, principalmente por meio dos simpósios e congressos regionais, estaduais e nacionais promovidos pelos conselhos. Os Conselhos de Direito, nesse sentido, são os espaços de controle demo- crático e participação social que podem atuar com maior alcance na promoção dos direitos da pessoa idosa, fiscalizando a ação das instituições públicas, reconhecendo a orientação para a atuação das instituições privadas e promo- vendo a democratização da informação referentes aos projetos, às demandas e aos direitos do segmento. 11Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI), vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência (SDH), atua na gestão do Fundo Nacional do Idoso e na promoção das Conferências Nacionais da Pessoa Idosa, em que a população pode participar da criação de projetos de políticas públicas, expressar demandas e ficar a par de processos relativos aos direitos adquiridos. Os Conselhos em níveis estadual e municipal, que atuam no controle demo- crático das ações da administração pública em nível local, estão vinculados ao CNDPI. A participação social vinculada ao controle democrático, porém, deve estar associada a um contexto de “convivência social”, que, por sua vez, funda- menta os valores democráticos, como aponta Silva (2016, documento on-line): A convivência social baseada em valores democráticos, éticos, de justiça e de cidadania constitui uma história recente no Brasil e data das três últimas décadas, impulsionada pelos movimentos da sociedade civil organizada e pelo marco legal consubstanciado na Constituição vigente nomeada como cidadã. Os temas que instigam a construção de uma cultura política de civilidade que equalizem o trato social com os cidadãos de todas as idades permanecem na agenda dos movimentos da sociedade civil organizada, os quais têm buscado, nesta conjuntura, ocupar os canais democráticos conquistados nos termos dos marcos constitucionais, a exemplo dos conselhos de direitos dos segmentos sociais mais fragilizados (idosos, crianças e pessoas com deficiência), dos conselhos de políticas públicas, das conferências e fóruns, numa atuação propositiva e fiscalizadora das ações governamentais. A explicação de Silva nos relembra de que a participação social da pessoa idosa não pode estar circunscrita apena nos dispositivos legais, ainda que a constituição desses marcos seja importante e relevante para a proteção dos direitos desse segmento. A participação social na arena deliberativa precisa ter seu respaldo nas dinâmicas sociais empreendidas pelas pessoas idosas nos espaços coletivos, onde elas também podem expressar seus conhecimentos, habilidades e demandas. Para isso, é necessário um processo de ressignifi- cação dos lugares e dos papéis sociais desempenhados pela pessoa idosa e a desmistificação da tipificação do envelhecimento: Para os idosos, a construção de uma cultura de civilidade precisa considerar a dimensão da convivência entre as gerações, o que significa o compartilhamento de responsabilidades e a identificação de papéis sociais a ser desempenhados. A questão intergeracional tem instigado o debate nas universidades abertas para a terceira idade e nos programas de extensão universitária voltados para a pessoa idosa que vêm se proliferando no Brasil a partir da década de 1990. Através das atividades desenvolvidas nesses espaços de educação permanente, Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso12 o diálogo com os próprios idosos tem posto como tema de reflexão e mobili- zação a identificação do lugar social dos idosos enquanto sujeitos políticos de direitos. Nesse aspecto, sobressai o direito ao envelhecimento com dignidade, conforme disposto na legislação social que objetiva assegurar proteção básica e especial ao segmento social idoso (SILVA, 2016, documento on-line). A resposta nos espaços coletivos devido à abertura dada pelos marcos legislativos à participação social da pessoa idosa consolidaria o princípio da cidadania, da integração e, por sim, fundamentaria a dignidade humana da pessoa idosa, que identifica entre os sujeitos sociais os laços de pertencimento, a fim de expor e afirmar sua identidade. Um dos dispositivos de participação social e controle democrático sobre a adminis- tração pública na preservação dos direitos da pessoa idosa é o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDPI). No entanto, a sociedade civil pode atuar na fiscalização por meio da página oficial do conselho, disponível no link a seguir, onde é possível acessar notícias, conferências, atas e saber mais sobre o fundo do idoso. https://qrgo.page.link/SDUTD BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm. Acesso em: 5 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promo- ção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, DF, 1990. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm. Acesso em: 5 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília, DF, 1993. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm. Acesso em: 5 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília, DF, 1994. Disponível em: 13Política Nacional do Idoso e Estatutodo Idoso https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1994/lei-8842-4-janeiro-1994-372578-norma- pl.html. Acesso em: 5 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 9.029, de 13 de abril de 1995. Proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de perma- nência da relação jurídica de trabalho, e dá outras providências. Brasília, DF, 1995. Dispo- nível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9029.htm. Acesso em: 5 ago. 2019. BRASIL. Lei n. 10.048, de 8 de novembro de 2000. 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Leitura recomendada BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI). Brasília, DF, [2019]. Disponível em: https://www.mdh.gov.br/ informacao-ao-cidadao/participacao-social/conselho-nacional-dos-direitos-da-pessoa- -idosa-cndi. Acesso em: 5 ago. 2019. Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso14
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