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ARAÚJO, Ana Lúcia - Geração 80

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GERAÇÃO 80: PINTURA E MISTURA
ANA LÚCIA ARAUJO·
...Sei que não tenho idade
Sei que não tenho nome
Só minha juventude
O que não é nada mal
VITOR RAMIL. 1987. Sapatos em Copacabana
No início da década de 80, uma verdadeira safra de novos artistas
invade o mercado de arte, ficando conhecida como "geração 80", rótulo este
oriundo de uma critica especializada de centros como São Paulo e Rio de
Janeiro.
A chamada geração 80 reunia artistas na sua maioria muito jovens e
com pouca experiência, vindos de escolas de arte como a FAAP (Fundação
Armando Álvares Penteado) em São Paulo e a Escola de Artes Visuais do
Parque Lage no Rio de Janeiro ou de outros centros produtores de arte do
país, como Porto Alegre.
Já nos primeiros anos da década os é'rtistas dessa geração estão
presentes em várias exposições de norte a s JI do país, e embora não se
possa falar da geração 80 como um bloco hor.ioqéneo, devido à diversidade
das obras produzidas, há uma recuperação da pintura como linguagem,
diferenciando-se da geração precedente, que havia se entregado a
experiências com arte conceitual e também com a escultura e objeto.
Essa nova pintura apresenta características particulares que a
distinguem até mesmo daquela pintura que estava sendo praticada nesse
mesmo momento por artistas mais experientes. Entre essas características
está o predomínio de uma pintura gestual, solta, carregada por uma
explosão de cores e que não se pretende mais portadora de uma mensagem
política, nem de um programa ou manifesto, ou seja, uma pintura que não se
proclama transformadora do mundo.
As questões presentes nessa nova pintura, embora não sejam o que
se' poderia chamar de novas, são diferentes das que estavam sendo
colocadas pela arte nos anos 60 e 70 no Brasil, que de algum modo
• Mestre em História da Arte - PUCRS.
BIBLOS, Rio Grande, 10: 117-126, 1996. 117
propunha algum tipo de engajamento ou rnllltáncla política.
As obras da geração 80 expressam elementos do que poderia ser
chamado um certo "espírito do tempo", espírito este que atravessa outros
objetos culturais desse mesmo período. Dessa forma a nova pintura não é
privilégio do Brasil, pois há uma forte retomada desta em tendências
internacionais como a Transvanguarda italiana e o Neo-expressionismo
alemão. Do mesmo modo, apesar de vários expoentes da geração 80 serem
oriundos de centros como São Paulo e Rio de Janeiro, seu espírito espalha-
se por várias regiões do país, o que resulta num .processo de
homogeneização, misturado a elementos particulares de cada região, que
estão presentes nas obras.
Esse espírito de tempo que penso estar presente na pintura da
geração 80 está ligado a mudanças culturais que vinham se operando para
além das fronteiras do Brasil, e que passam a afetar diretamente o cotidiano
das grandes cidades. Essas mudanças são decorrentes do imenso
crescimento dos meios de comunicação de massa e da informatização, o
que permite a integração, o intercâmbio entre as regiões, rompendo com a
noção até então bastante presente de centro-periferia.
Cabe também assinalar que este espírito se manifesta somado ao fato
de o Brasil desde o final da década de 70 estar passando por um processo
de abertura política, culminando com o fim da censura e a campanha pelas
Diretas Já em 1984.
Esses dois elementos afetam essa geração não só no aspecto
comportamental, como foi exaustivamente salientado pela crítica
especializada do período, mas influenciam diretamente o trabalho desses
artistas no que toca ao tema das obras e às questões formais da pintura.
Seria pertinente então pincelar alguns desses elementos, para compreender
como estão presentes nas pinturas da geração 80.
As mudanças culturais que têm lugar a partir dos anos 60 com o
crescimento do papel da informática e dos meios de comunicação, entre
outras questões, vão imprimir no cotidiano dos indivíduos uma nova noção
de tempo, que cada vez mais é a "do aqui e agora". Um bom exemplo disso,
seria a chamada "síndrome do botão" instalada com o grande número de
canais de televisão, em que o espectador salta de um programa para outro,
relacionando-os de forma instantânea, eliminando a distância geográfica e
as diferenças históricas entre as diversas imagens.
Esse caráter de tempo simultâneo, do "estar sempre aqui", está
presente na pintura da geração 80, pela presença do gesto rápido, da
explosão de cores, em alguns casos, como na pintura de Jorge Guinle
intitulada The Year of Dragon, de 1986. Esta se parece com este tempo
televisivo de mistura de imagens, de movimento. Para esses artistas essa
noção diferente de tempo se mostra muitas vezes através do uso de
118 BIBLOS, Rio Grande, 10: 117-126, 1998.
citações de obras de outros artistas e períodos da história da arte. A história
da arte passa a ser um depósito de imagens à disposição do artista.
Nas cidades brasileiras, essas mudanças culturais estão presentes na
década de 80, com a forte presença de uma indústria cultural já consolidada,
em que há um crescimento do mercado fonográfico e editorial e também do
mercado de arte, com a abertura de muitas galerias sedentas por novos
talentos, que vão acolher esses novos artistas.
Outra marca do período seria a proliferação de emissoras de rádio
FM, que, além de divulgar os grupos internacionais da moda (punk, new
wave, dark) , lançam dezenas de bandas de rock nacional que exploram nas
letras de suas músicas, como em seus próprios nomes, o tema do cotidiano
das grandes cidades, do sexo e do amor. Entre essas bandas estão a
Legião Urbana, Blitz, Metrô, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso e
muitas outras. Bandas como Barão Vermelho e Blítz cantam o sexo, os
bares, as noitadas e as drogas, em letras que já não pretendem ter nenhum
conteúdo político e se assemelham às histórias em quadrinhos.
Nas letras das músicas como as da banda Legião Urbana, ao mesmo
tempo em que a juventude é exaltada, um desencanto com o progresso das
cidades está presente, junto a um ceticismo em relação à política tradicional.
Na letra da música Conexão Amazônica (Legião Urbana, 1980), por
exemplo, encontra-se o seguinte:
Estou cansado de ouvir falar
Em Freud, Jung, Engels, Marx
Intrigas intelectuais
Rodando em mesa de bar
O que eu quero eu não tenho
O que eu não tenho quero ter
Não posso ter o que eu quero
E acho que isso não tem nada a ver
Os tambores da selva já começaram a gritar
A cocaína não vai chegar
A Conexão Amazônica está interrompida ...
Na pintura da geração 80 se encontram questões semelhantes, pois
os artistas utilizam em suas obras imagens recolhidas preferencialmente da
história da arte e do meio urbano (indústria cultural). Jorge Guinle, por
exemplo, na revista Módulo, edição-catálogo especial da mostra "Como vai
Você geração 80?", realizada em 1984 no Rio de Janeiro, intitula seu artigo
de "Papai era surfista profissional, mamãe fazia mapa astral legal: Geração
80 ou como matei uma aula de arte num shopping center", parafraseando a
letra de uma música da banda Sempre Livre. A presença de elementos da
BIBLOS, Rio Grande, 10: 117-126, 1998 119
mídia e da indústria cultural nos trabalhos dos artistas coloca em xeque a
noção de alta e baixa cultura, ocasionando uma mistura de códigos que até
então, salvo algumas exceções, eram mantidos separados.
Em algumas pinturas, como a de Vítor de Arruda, intitulada O
Casamento (1981), o que se percebe é uma linguagem semelhante à do grafiti
dos muros das cidades, que recupera elementos das histórias em quadrinhos.
As pinturas da geração 80 na maioria das vezes poderiam ser
chamadas de "feias"; há um exagero nas formas, nas cores e até no
tamanho dos suportes. Apesar de haver uma recuperação da preocupação
com o fazer artesanal, essas pinturas geralmente não apresentam apuro
técnico e são feitas em materiais de pouca durabilidade, pois não há
intenção de permanência para a posteridade.
Também a utilização de elementos da chamada cultura "popular" é
feita por alguns artistas, como Beatriz Milhazes, que se utiliza de materiais
dos grandes bazares baratos, como tecidos com padronagensfloridas, para
construir seus trabalhos. Milhazes faz uma pintura decorativa, não no
sentido pejorativo dado ao termo, mas porque está preocupada com a pele
da obra, com a superfície da tela e não com a nobreza dos temas que pinta.
Toda essa diversidade da produção da geração 80 e a recuperação
do prazer quase sensorial de pintar vêm ao encontro do momento que o país
vivia, momento de abertura política, em que um clima festivo invadia as ruas
com os comícios da campanha pelas Diretas. Esse clima de alívio, de uma
certa liberação, também contribui para que esta pintura exploda sem se
preocupar com o amanhã, sem nenhum tipo de projeto que vá além de si
mesma.
Estes artistas, embora não estivessem alheios a todo este processo
político, eram participantes como quaisquer outros, sendo conscientes de
que seus trabalhos não iriam mudar muita coisa, mas quem sabe trariam um
pouco de prazer e alegria para a arte, qualidades que estavam há tempos
esquecidas.
No caso da pintura da geração 80 de Porto Alegre há uma situação
semelhante: no início dos anos oitenta se pode assistir ao surgimento de
vários novos jovens artistas, com propostas que apresentam aspectos bem
particulares e ao mesmo tempo similares aos que estavam presentes em
obras destes outros centros.
Aquelas tendências artísticas como a arte conceitual, que
questionavam a materialização do objeto artístico e que estavam presentes
nas artes plásticas desde o final da década de 60 em centros da Europa,
Estados Unidos, e de alguma forma no eixo Rio-São Paulo, até os anos 70
não tiveram quase repercussão em cidades como Porto Alegre.
Fatores como a distância de outros centros importantes e a falta de
informação também dificultavam o intercâmbio, e na maioria das vezes OS
120
BIBlOS. Rio Grande. 10· 117-126, 1998
artistas plásticos entravam em contato com essas novas tendências
somente através de viagens de estudo ou passeio, em que as informações
adquiridas seriam repassadas de forma mais lenta através do ensino em
instituições ou ateliers particulares. Outra razão que poderia explicar esse
descompasso seria a existência de poucos espaços para veiculação e
difusão desse tipo de obra de arte, e sendo assim o mercado incipiente que
aqui existia se apoiava naquelas produções mais vendáveis.
Nos anos 70, com o crescimento da indústria cultural e dos meios de
comunicação de massa, essa situação se modifica um pouco, pois a
informação chega mais rápido a centros como Porto Alegre e o mercado de
arte que passa a existir nos anos 60 não só está mais consolidado como
apresenta um crescimento, com a abertura de várias galerias e outros tipos
de espaço para veiculação de obras de arte, sejam eles instituciónais ou não.
Por isso penso ser importante retomar alguns aspectos do que estava
sendo produzido em termos de artes plásticas na década de 70 em Porto
Alegre, pois algumas dessas produções, embora tivessem algumas
diferenças importantes em relação à chamada geração 80, influenciaram
fortemente os trabalhos desses jovens artistas.
Essa influência se deu em grande parte pelo Grupo Nervo Óptico,
criado em 1976 e composto por Carlos Asp, Carlos Pasquetti, Clóvis
Dariano, Jesus Escobar, Mara Alvares, Romanita Disconzi, Teimo Lanes e
Vera Chaves Barcellos. Esses artistas desenvolviam na época trabalhos que
questionavam a concepção tradicional de objeto artístico, trabalhando com
novas linguagens como objetos, performances, filmes super-8, fotografia,
arte em xerox, arte postal e intervenções no espaço urbano. Com base
nessa concepção de arte de certa forma inovadora para os moldes vigentes
na cidade de Porto Alegre, esses artistas fundam o Grupo Nervo Óptico,
assumindo uma postura crítica não só frente à política cultural do governo do
estado, mas também em relação ao mercado de arte, que não via nessas
novas linguagens uma possibilidade de lucro e por isso não oferecia espaço.
Fruto dessa experiência, em 1979, alguns integrantes desse grupo,
juntamente com alguns jovens artistas vinculados ao Instituto de Artes que
trabalhavam com arte postal e outros que trabalhavam com performance,
passam a se reunir, na tentativa de fundar um espaço de cultura alternativo
para veicular obras com novas linguagens de artistas atuantes não só no Rio
Grande do Sul, como também de São Paulo, Rio de Janeiro e de outros
países. Entre os artistas que participam do Espaço N.O., além de Vera
Chaves Barcellos e Teimo Lanes, estão Ana Torrano, Heloísa Schneiders,
Simone Basso, Karin Lambrecht, Regina Coei i Rodrigues, Rogério Nazari,
Milton Kurtz, Mário Rohnelt, Cris Vigiano e Carlas Wladimirsky.
Penso que a experiência do Grupo Nervo Óptico e do Espaço N.O. foi
um marco para a produção artística de Porto Alegre, pois até a década de
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121BIBlOS, Rio Grande, 10: 117-126, 1998.
70 o que existia eram produções vinculadas a uma concepção de arte que
privilegiava a figuração e em alguns casos uma ternática ligada ao
regionalismo, com o uso de suportes e linguagens tradicionais tais como a
pintura, o desenho e a escultura. Enquanto isso, centros como São Paulo e
Rio de Janeiro já vivenciavam experiências não só com o abstracionismo
desde as primeiras bienais, como no caso do movimento concreto e
neoconcreto, mas também com uma arte mais experimental, como a de
Hélio Oiticica, que rompia com a noção tradicional de objeto artístico.
Portanto, essa experiência, embora pontual, pois havia uma parte importante
de artistas que continuavam trabalhando com suportes tradicionais, coloca
Porto Alegre em diálogo com o que estava sendo produzido em outros
centros e de certa forma lança as bases do que é inaugurado com os anos
80, em que o intercâmbio entre as diversas regiões do país ocorre de forma
fluida, possibilitando uma homogeneização maior, mas também uma melhor
aceitação das produções locais.
No início dos anos 80, Porto Alegre era uma capital que vivia uma
grande efervescência cultural. Havia uma verdadeira proliferação de bandas
de rock que participavam dos inúmeros shows coletivos de música popular
gaúcha que aconteciam na cidade, várias peças teatrais, como a famosa
Bailei na Curva, além da imensa produção em cinema super-8, bem como
de festivais de música nativista. Embora algumas dessas produções
estivessem relacionadas com o regionalismo, como boa parte da música
produzida nessa época, em contrapartida é a diversidade a maior
característica das produções, que não assumem uma única linha, mas se
afinam com diversas tendências muitas vezes misturadas a elementos da
vida cotidiana e com o sotaque de Porto Alegre. Essas características são
visíveis tanto na música como nas produções de teatro e cinema.
Em relação às artes plásticas, o que acontece não é muito diferente.
Se lançássemos um olhar mesmo que rápido para o que estava sendo
produzido pelos artistas no início dos anos 80, seria difícil enumerar as
diversas tendências presentes. Possivelmente encontraríamos aqueles
artistas atuantes desde os anos 60, agora com uma trajetória bastante
amadurecida e também com uma boa aceitação do mercado, como seria o
caso de Xico Stockinger, Vasco Prado, Danúbio Gonçalves e Iberê
Camargo, sendo que este último retornava para Porto Alegre nesse
momento depois de longa estada no Rio de Janeiro. Também
encontraríamos boa parte dos artistas atuantes nos anos 70, agora
consagrados, não só participando de exposições, como é o caso de Vera
Chaves Barcellos, mas também exercendo atividade docente no Instituto de
Artes, como Romanita Disconzi e Carlos Pasquetti.
A maioria dos artistas que compõem a chamada geração 80 passam a
ser atuantes no início da década e são oriundos do Instituto de Artes da
122 BIBLOS, Rio Grande, 10: 117-126, 1998.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul ou ainda estudam nessa escola.
Alguns desses artistas, como Karin Lambrecht, Michael Chapman, Heloísa
Schneiders e Carlos Wladimirsky, têm uma passagem importante pelo
Espaço N.O. (1979 a 1982), o que penso ter repercutido bastante nas suas
produções. Outros artistas que não passaram por esseespaço estudaram
no Instituto de Artes da UFRGS, onde, nesse período, Carlos Pasquetti, ex-
integrante do Grupo Nervo Óptico, é professor e um referencial importante
para os novos artistas, entre os quais estão Lia Menna Barreto, Mauro Fuke,
Cynthia Vasconcellos, Kátia Prates, Flávia Duzzo, Rochelle Costi, Lúcia
Koch, Luiza Meyer, Marijane Ricacheneisky, Élcio Rossini, Jailton Moreira e
Fernando Limberger. Outros dois artistas com passagem pelo Instituto de
Artes e que nessa época são bastante atuantes são Maria Lúcia Cattani e
Renato Heuser, que se tornam docentes do Instituto de Artes nessa mesma
década.
A produção artística dessa nova geração no entanto possui
características peculiares, que se distanciam da produção dos artistas dos
anos 70, mas em alguns casos tem uma forte influência da arte mais ligada
ao conceitualismo da geração precedente. Embora seja impossível fazer
generalizações, algumas características perpassam a quase totalidade das
obras, como o retorno aos suportes tradicionais, as telas, no caso da
pintura, e também uma certa recuperação da obra de arte enquanto objeto.
Os novos artistas trabalham com diversas linguagens, que passam desde a
gravura e o objeto até a pintura propriamente dita. Portanto, a produção da
qer=çào BO apresenta algumas sutilezas que cabe destacar, pois ao mesmo
tempo que recebe influência da arte conceitual e da arte experimental,
retoma o prazer do fazer artístico. Esse fazer, no entanto, não é aquele
preocupado com o apuro técnico, com a representar-ão fiel do real. A maioria
desses artistas não estão preocupados com estudos incansáveis da figura
humana ou da perspectiva, nem mesmo em utilizar técnicas ou materiais
duráveis. Essas obras acabam aliando de certa forma o prazer manual do
fazer artístico, onde o conceito está presente junto com um sabor artesanal
e que ao mesmo tempo não se pretende bem-feito, bem-acabado. Muitas
vezes inclusive há o uso de materiais prontos, que são retrabalhados, tais
como plásticos, peles, tecidos. Por essa razão a pintura que está sendo feita
nesse período, embora não tenha sido totalmente abandonada na década de
70, é uma pintura diferente, em que a tela, embora seja usada como suporte,
está sendo constantemente transgredida. Esse prazer no fazer se encontra
na maioria das obras dos artistas. Mauro Fuke trabalha faz suas esculturas
em madeira, onde o trabalho artesanal é parte primordial; Lia Menna Barreto
constrói suas esculturas em blocos de espuma e mais tarde seus bichos de
espuma e tecido, em que o ato de costurar está presente, enquanto Karin
Lambrecht constrói os chassis das suas pinturas monumentais.
BIBlOS, Rio Grande, 10' 117-126, 1998. 123
a mercado de arte, já consolidado nos anos 70, nos anos 80 se
encontra a pleno vapor, mas estas novíssimas produções só adquirem maior
espaço em galerias a partir da metade da década, restando então os
espaços oferecidos pelos salões de arte promovidos por instituições, mas
que também já eram escassos em Porto Alegre.
Em 1981, com a abertura da Galeria Tina Presser, os trabalhos da
geração 80 conquistam maior espaço, pois essa galeria tinha como proposta
trabalhar com artistas gaúchos preferencialmente. A partir de 1983, alguns
artistas da geração 80 de São Paulo e Rio de Janeiro, como Leonilson e
Daniel Senise, expõem na galeria, que passa a fazer um intercâmbio com a
Galeria Thomas Cohn, do Rio de Janeiro, representando uma abertura de
espaço local e nacional às novas produções. Mesmo assim, essa galeria
trabalha com artistas de certa forma bastante reconhecidos, seja por
premiações em salões, no caso dos mais jovens, ou pelo mercado de uma
forma geral, no caso dos mais antigos.
Em julho de 1985 acontece a abertura da Galeria Arte & Fato, com a
mostra "ai Tenta", que de certa forma se refere à mostra "Como vai você
geração aO?" realizada no Parque Lage. Essa mostra contou com a
participação de vinte jovens artistas nascidos entre 1954 e 1964, que eram
na sua maioria ligados ao Instituto de Artes da UFRGS ou ao Atelier Livre da
Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Entre os participantes estão Cynthia
Vasconcellos, Elida Tessler, Dione Veiga Vieira, Fernando Limberger, Laura
Castilhos, Luiza Meyer, Maria Lúcia Cattani, Marijane Ricacheneisky, Moacir
Guis, Regina Coeli, Ricardo Prado Lima, Rochelle Costi, Ronaldo Kiel e Teti
Waldraff. Com a nova galeria, a produção dessa geração ganha maior
espaço, pois esta tem como preferência não só o trabalho com artistas
gaúchos, mas também com artistas jovens.
Mas a movimentação mais rica em termos de exposições da geração
80 é aquela ocorrida em termos de salões, principalmente do Salão Nacional
de Artes Plásticas e também do Instituto de Arte da UFRGS. Esta última
instituição, através da formação de artistas e também da Pinacoteca Barão
de Santo Ângelo, foi de suma importância para estes novos artistas. Era no
Instituto de Artes que eles formavam seus grupos, gestavam seus trabalhos
e onde também faziam suas primeiras exposições, pois a Pinacoteca, além
de ser um espaço para artistas de fora, era lugar de divulgação da obras dos
alunos.
Embora na década de 80 os trabalhos coletivos tenham sido
preteridos em função de experiências mais individuais, havia ainda uma
efervescência de grupos de artistas, que, embora na maioria das vezes não
se reunissem para produzir conjuntamente, reuniam-se para mostrar suas
obras. Esse espírito de grupo que se formava adquiria um tom de bom
humor, que estava presente não só nas obras, mas também nos próprioS
124 BIBLOS. Rio Grande. 10: 117-126. 1998.
nomes das exposições. Entre essas exposições estão "Arle Morde"
realizada na Pinacoteca do Instituto de Artes da UFRGS em outubro d~
1984, da qual participaram Karin Lambrecht, Michael Chapman, Mara
Alvares, Maria Lúcia Cattani, Mauro Fuke, Marijane Ricacheneisky, Élcio
Rossini, Fernando Limberger e Kátia Prates, e "Ah Não!", nesse mesmo ano
e local, e da qual participaram Cynthia Vasconcellos, Eleonora Graebin,
Fernando Limberger, Lia Menna Barreto, Marijane Ricacheneisky e Flávia
Duzzo. .
a Instituto Goethe também exerce uma influência importante no
período, pois promove inúmeras exposições, palestras e projeções de filmes
de arte alemã, em conjunto com o MARGS e com o Instituto de Artes da
UFRGS. Essas exposições são as mais diversas, incluindo desde fotografia,
arquitetura, até pintura dos mais diversos períodos. Isso adquire valor
significativo, pois boa parte da geração 80 em Porto Alegre é influenciada
pela arte alemã, que se encontra em evidência desde o conceitualismo de
Joseph Beuys até o neo-expressionismo do fim dos anos 70. Entre os
artistas nos quais percebo essa influência estão Karin Lambrecht, Michael
Chapman, Frantz, Renato Heuser e Heloísa Schneiders. Com exceção
desta última, todos tiveram passagem pela Alemanha, onde realizaram
cursos de formação, e essa influência será de alguma forma transmitida
através de atividades docentes que estes artistas exerceram.
Com o tempo a produção da geração 80 foi criando mais corpo,
adquirindo maior espaço não só em Porto Alegre, mas também em centros
como São Paulo e Rio de Janeiro. Karin Lambrecht participa da Bienal
Internacional de São Paulo de 1985 e 1987, e Cynthia Vasconcellos também
participa desta última. Vários desses artistas adquirem um certo
reconhecimento nesses centros, realizando fora de Porto Alegre exposições
periódicas, sem no entanto precisar se transferir da cidade. Esse é o caso
da maioria dos artistas dessa geração, como Mauro Fuke, Heloísa
Schneiders, Lia Menna Barreto, Maria Lúcia Cattani, Frantz, Fernando
Limberger, Michael Chapman e Karin Lambrecht. A permanência em Porto
Alegre, embora apresente várias dificuldades, seja pela distância, seja pela
falta de mercado ou até pela dificuldade de conseguir material para a
produção, já não representa ausência de mérito, até porque esses artistas
mantêm contato permanente com outros centros de dentro e fora do país,
seja participando de mostras ou de cursos.
A marca da produção artística da geração 80 em Porto Alegre,ao
Contrário do que ocorre em São Paulo e Rio de Janeiro, onde a pintura é
predominante, é a diversidade. Essa diversidade se dá principalmente em
relação ao uso de diferentes linguagens. Embora as experiências de
produÇão de obras coletivas sejam quase inexistentes, uma série de
pequenos grupos, quase todos do Instituto de Artes da UFRGS, se formam
125BIBLOS, Rio Grande. 10: 117 -126, 1998.
para mostrar seus trabalhos aglutinando várias tendências, o que enriquece
estes pequenos grupos, que possuem como único objetivo realizar suas
pesquisas individuais. Esta característica me parece fundamental, pois
rompe com o pensamento de que os anos 80 foram anos em que o
individualismo, a superficialidade e a sede pelo mercado tomaram conta das
artes plásticas. Penso que esta pelo menos não foi a característica do que
ocorreu em Porto Alegre, talvez devido à experiência do Espaço N.O., muito
presente ainda nos anos 80.
De qualquer forma, o mercado de arte, representado pelas galerias,
apesar de ter usufruído da nova safra de artistas, não foi o seu maior
incentivador, cabendo este papel a determinadas instituições, como o
i~I~111 Instituto de Artes, que não possuía uma política clara em relação aos jovens
artistas, mas que se constituiu num espaço para produção e veiculação das
obras.
Outra questão importante é a influência do conceitualismo e de outras
tendências nas produções dos artistas, que, embora trabalhem com objetos
materializados, dialogam com as tendências conceituais anteriores, onde
acrescentam uma boa dose de bom humor e de uma certa humildade, pois
sabem que seus trabalhos são feitos, acima de tudo, movidos por um
sentimento de necessidade interna, individual, ou seja, não se pretendem
porta-vozes de uma transformação social, o que não significa pessimismo,
nem diminuição da importância de suas obras.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS
BR-80. Pintura Brasil Década de 80. 2. ed. rev. Instituto Cultural Itaú, São Paulo, jun. 1992.
Catálogo da mostra.
CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Lisboa: Martins Fontes, 1987.
CARVALHO, Ana Maria Albani de. Arte nos anos 70 : Nervo Óptico e Espaço NO. Cadernos
Porto & Vírgula. Porto Alegre, Secretaria Municipal de Cultura, v. 3, n. 19, dez. 1994.
ESPAÇO I'J.O. Exposição documental: 1979-1982. Porto Alegre, julho de 1995. Catálogo.
MÓDULO. Edição especial/catálogo oficial da Mostra "Como vai você geração 80?", jul. de
1984.
MORAIS, Frederico. Beatriz Milhazes : décor não é crime. Galeria - Revista de Arte, São
Paulo Área Editorial, v. 5, n. 25, maio-jun. 1991.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1994.
126 BIBLOS, Rio Grande, 10: 117-126. 1998·
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